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Rumos para a organização do trabalho industrial

NOTAS & COMENTÁRIOS

Rumos para a organização do trabalho industrial

Luis César de Moura Menezes

Engenheiro; professor na Universidade Federal de São Carlos; consultor de engenharia de produção

1. INTRODUÇÃO

Vivemos nos dias de hoje momentos de intensas solicitacões a mudanças nos processos de produção.

A crescente participação política das classes trabalhadoras, por um lado, e o avanço da automação industrial, por outro, encontram-se frente a frente também dentro das indústrias.

Assim sendo, o administrador de uma empresa não pode desconsiderar em seu planejamento estratégico, num âmbito técnico, decisões sobre: a tecnologia a ser empregada, o arranjo físico a ser adotado e os métodos implementados para melhor gestão das operações.

Estes elementos estão integrados com a definição da organização do trabalho a ser particularmente adotada num setor de produção da empresa. Esta, por sua vez, deve contemplar também os aspectos de âmbito social pertinentes, interna e externamente, à empresa.

Sendo este ponto o cerne de nossos trabalhos, pretendemos neste texto mostrar, sucintamente, a evolução e apontar uma das direções que está sendo dada à organização do trabalho industrial.

2. CRONOLOGIA HISTÓRICA DAS LINHAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Teoricamente, existe uma planificação e uma cronologia exata a respeito das "teorias'' sobre a organização. do trabalho.

Encontramos, então, como precursores destas "teorias" Adam Smith e Charles Babbage que, embora sem "rotularem" seus trabalhos, escrevem sobre as premissas e princípios da divisão (então, manufaturara) do trabalho e os possíveis ganhos que ela traria pelo incremento da mecanização nas fábricas. O primeiro deles, em sua obra The wealth of nations, coloca como positivo o impacto da mecanização nas fábricas e sugere que as manufaturas diferenciem seus gerentes de seus trabalhadores, buscando as vantagens da especialização. Desenvolve também conceitos sobre o controle do trabalho. Já Babbage procura sob uma abordagem racional, cartesiana, enfatizar a especialização através da divisão do trabalho. Seus trabalhos demonstram os primeiros estudos de tempos e de movimentos feitos na era industrial. Talvez como "precursor" da ergonomia, realiza experimentos sobre o efeito das cores na eficiência do trabalho operário.

Muitos cientistas sociais, ainda do século XIX, criticavam estes princípios e propunham a socialização do trabalho de um modo geral e, em particular, do trabalho nas fábricas.

2.1 Teorias tecnicistas

Iniciando o século XX, Taylor, com base em sua experiência profissional e aplicando os pressupostos da divisão manufatureira do trabalho, formaliza uma série de princípios do que denomina "administração científica do trabalho". Embora, em sua obra, Taylor fale sobre alguns métodos por ele empregados, a essência de seu trabalho está em seus três princípios: da análise científica do trabalho, da adequada seleção e treinamento do trabalhador, e do planejamento e controle do trabalho por parte da gerência.

Seguindo as proposições de Taylor, Henry Fayol, Frank Gilbreth e Henry Gantt, cada qual com uma área de atuação específica, formulam métodos que se concretizam e perpetuam a "administração científica do trabalho".

Entretanto, quem deu prosseguimento e avançou além da abordagem de Taylor, no setor de produção das fábricas, foi Henry Ford.

Buscando a diminuição do preço de seus produtos, pelo incremento da quantidade produzida através do aumento da eficiência produtiva, Ford foi o mentor da linha de montagem, da produção em massa. Tendo como referência, por ocasião de uma visita, o sistema de carretilhas aéreas utilizado para esquartejar reses nos matadouros de Chicago, gera e aperfeiçoa os princípios da linha de montagem. Com suas obras, Ford proporciona ao trabalho humano: a desqualificação, a intensificação, a absorção de uma força de trabalho antes marginalizada, um aumento do grau de supervisão e controle do trabalho, a padronização de elementos e a acentuação da mecanização.

2.2 Teorias psicologizantes

Paralelamente a estas "inovações" no âmbito ddprocesso de produção, surge um movimento reivindicatório com inspiração anarco-sindicalista, que luta por melhores condições de trabalho, tanto nos EUA como em países da Europa.

Buscando acalmar os ânimos insatisfeitos e amenizar os efeitos sobre o trabalho humano oriundos da mecanização das fábricas, da fragmentação das tarefas e da separação entre o planejamento e a execução do trabalho, surge um movimento denominado "Escola de Relações Humanas". Uns, os estruturalistas, propõem que se trabalhe com os conflitos no ambiente industrial, acreditando que, manejando-os construtivamente, deles adviriam as possíveis mudanças na organização. Outros, como Élton Mayo - um dos mentores da Escola de Relações Humanas - buscam a "harmonia administrativa" através da colaboração e participação dos trabalhadores, evitando os conflitos e promovendo um equilíbrio, definido como "saúde social".

Sem romper com a Escola Clássica (de Taylor e Fayol), onde a harmonia administrativa é buscada através do autoritarismo, Mayo propõe o uso da psicologia social, através de meios dados pela psicologia industrial aplicada ao trabalho, visando mais à formação do que à seleção dos indivíduos, valorizando símbolos de prestígio.

Seguem-se a eles, em épocas diferentes, outros pesquisadores como Douglas Mc Gregor, Abraham Maslow, Friedrick Herzberg e Chris Argyris. Todos estes buscam, em suas formulações, a "humanização" do trabalho sem, no entanto, romperem com qualquer teoria anterior, pela manutenção dos princípios da divisão do trabalho.

A ênfase principal desta humanização concentra-se na motivação para o trabalho. Experiências feitas na fábrica de Hawthorne, da Western Electric, e, posteriormente, na Lincoln Electric Co., Texas Instruments e em outras empresas, dão, na época, subsídios valorosos para o reconhecimento dos fatores importantes para a formulação e a reformulação de políticas organizacionais no âmbito do trabalho.

Mc Gregor procura identificar os interesses da empresa com os interesses dos trabalhadores, tornando-os responsáveis, criativos e comprometidos com os objetivos da indústria.

Buscando conhecer elementos motivadores e de "higiene " (responsáveis por "descontentamento") no trabalho, Herzberg retoma as idéias de Mc Gregor ecritica Taylor e Ford: o primeiro, por não ver os operários como seres humanos; o segundo, por fomentar o homem sem decisão e movido unicamente por interesses econômicos. Enumera em seu trabalho, os seguintes fatores:

a) motivadores: realização; reconhecimento; o trabalho em si (seu conteúdo); responsabilidades; progresso.

b) de higiene: política e administração da empresa; supervisão; salário; relações interpessoais; condições de trabalho.

Os primeiros, se presentes, motivam os trabalhadores ao passo que os segundos, se ausentes, podem levar a uma insatisfação e, se presentes, não são necessariamente motivadores.

Estes elementos norteiam as pesquisas desenvolvidas posteriormente e fornecem subsídios para que Chris Argyris, juntamente com análises sobre a personalidade humana e das organizações e sobre as formas de adaptação individual e em grupo às atitudes da direção da empresa, formule a necessidade da ampliação da tarefa (job enlargement) e da liderança orientada para a realidade.

As primeiras experiências neste sentido ocorrem na IBM Co., Maytag Co. e Procter & Gamble Co., cada qual com suas nuances mas buscando, em essência, o mesmo objetivo.

Embasado nos "fatores motivadores" enunciados por Herzberg, o enriquecimento de cargos (tratamos com este nome suas diversas formas de manifestação) foi concebido como uma ampliação de trabalho que possibilitasse aos trabalhadores o desenvolvimento de tarefas que os levasse a atingir as "características de personalidade de pessoas maduras" (C. Argyris).

Buscando sua melhor forma, outros métodos são desenvolvidos, tais como:

- rotação de cargos: onde os trabalhadores fazem a cada período uma tarefa, percorrendo até o final do ciclo todas as tarefas de seu setor quando, então, voltam a fazer a primeira do ciclo;

- ampliação horizontal (ou job enlargement): que consiste no agrupamento de diversas tarefas de mesma natureza a cargo do empregado;

- ampliação vertical: que consiste na atribuição de tarefas de natureza diferente para o mesmo cargo do trabalhador.

O enriquecimento do trabalho faz-se, então, pela junção das ampliações, horizontal e vertical, do trabalho. Esta proposta mantém, embora de forma branda, os pressupostos técnicos do pensamento clássico. O cargo é enriquecido para o operário, sem que ele participe do processo como um todo, gerando, ainda, algumas insatisfações.

Ainda no campo das teorias participativas, sob o denominado "enfoque sócio-técnico", é formulado um ideário que permite diagnosticar os processos de produção, considerando seus equipamentos e conhecimentos de produção pertinentes à tarefa ("sistema técnico"), juntamente com as características das pessoas envolvidas e suas relações sociais ("sistema social").

Os grupos semi-autônomos são os frutos desta concepção "sócio-técnica" para análise das organizações. Consistem, resumidamente, de uma equipe de trabalhadores que executam, cooperativamente e sem liderança definida, as tarefas atribuídas ao grupo, sem que haja qualquer predefinição de funções para os membros.

Sob o aspecto social admite-se que o ponto mais relevante seja o da cooperação requerida entre os elementos constituintes do grupo, o que exige o desenvolvimento individual de múltiplas habilidades. Apresentam-se aqui relações de trabalho e não somente relações de amizade.

Sob o aspecto técnico, o conceito fundamental é o da auto-regulação do grupo. O sistema se caracteriza por uma grande flexibilidade, tanto em relação a sua formação (grupos operando em série, em paralelo ou independentes), como no seu tipo (cada trabalhador fazendo os mesmos produtos, todos cooperativamente completando os produtos ou progressivamente com cada trabalhador em um estágio).

A concepção dos grupos semi-autônomos apresenta uma íntima ligação e fornece os subsídios necessários para uma técnica de produção, cada vez mais utilizada atualmente: a tecnologia de grupo.

3. O TRABALHO EM GRUPOS DE PRODUÇÃO

As linhas teóricas apresentadas constituem o arcabouço "filosófico" para as diversas metodologias empregadas no gerenciamento dos sistemas produtivos.

As primeiras, que denominamos de "teorias tecnicistas", privilegiam os meios técnicos de produção (materiais, máquinas, ferramentas, equipamentos,...), sua integração e disposição espacial para melhor consecução dos objetivos da produção. As empresas que as utilizam, em princípio, empregam no planejamento, programação e controle da produção valores ligados ao desempenho destes parâmetros.

Os mentores das segundas ("teorias psicologizantes"), advogando a humanização no trabalho, buscam formas de organização baseadas em grupos independentes. Alegando que as formas tradicionais criam um complexo sistema de fluxo de materiais implicando altos investimentos em estoques, altos custos de manuseio, altos custos de trabalho indireto e um sistema de controle burocrático e inflexível, propõem outras formas para implementação e medida do trabalho. É importante salientar que a introdução destes métodos não deve, por si só, trazer a motivação para todas as pessoas; entretanto, como a satisfação no trabalho é influenciada também por fatores ambientais e como estes fatores devem melhorar, uma proporção maior de trabalhadores deve encontrar satisfação em seü trabalho.

Buscando então a humanização do trabalho, os métodos utilizados para tal são divididos em seis classes principais:

a) projeto do trabalho;

b) organização da produção;

c) participação nas decisões;

d) treinamento e assessoria no desenvolvimento;

e) ergonomia;

f) condições de trabalho.

As mudanças perseguidas aparecem no quadro 1.


Além da humanização do trabalho, e como justificativa de sua existência, a produção em grupos encarregados da fabricação de um produto comum objetiva também a redução de custos, aumento nos padrões de qualidade dos produtos, redução dos investimentos em estoque e melhoria nas relações do trabalho. Tendo na especialização dos processos e na produção em linha seus ancestrais, estes grupos podem ser formados na montagem ou na fabricação de componentes, em indústrias de processamento contínuo, em funções administrativas e em operações de suporte.

Algumas hipóteses podem ser formuladas com base em levantamentos realizados em campo. A primeira delas considera que a mudança para o trabalho em grupos é primeiramente uma mudança na organização e como tal, além do preparo necessário aos trabalhadores, deve ser iniciada e suportada categoricamente pela diretoria da empresa.

Tecendo considerações subjetivas sobre a satisfação no trabalho, é evidente que a maior parte dos trabalhadores prefere o trabalho em grupos e as alterações que ele traz em vez de fábricas organizadas segundo os princípios clássicos, convencionais. Entretanto, existem limitações tecnológicas aparentes como, por exemplo, a rigidez das plantas em indústrias de processamento contínuo, que dificultam a formação de grupos de tamanho razoável.

Adotando-se a produção em grupos, podem-se descentralizar as decisões, facilitando, efetivamente, a delegação de atribuições. Entretanto, isto pode gerar redundância na tomada de decisões na fábrica que, tradicionalmente, era feita por especialistas.

A diminuição no número de níveis hierárquicos e a conseqüente redução nas possibilidades de promoção em princípio podem gerar insatisfações nos trabalhadores.

Em pesquisa realizada junto a diversas empresas que implantaram, total ou parcialmente, estruturas de trabalho em grupos, John L. Burbidge acentua as características comuns encontradas com relação a:

a) mão-de-obra: todos mantêm um conjunto de trabalhadores que executam suas tarefas sós ou com outros membros do grupo;

b) produtos: os grupos produzem famílias específicas de produtos;

c) máquinas e equipamentos: possuem um elenco de máquinas e/ou equipamentos de produção que são utilizados por um membro ou por todos no grupo;

d) arranjo físico: as máquinas e equipamentos são distribuídos em áreas reservadas para o grupo;

e) objetivos: os componentes do grupo executam suas tarefas objetivando a saída de um ou mais produtos comuns a todos;

f) independência: a maioria dos grupos são independentes, podendo cada trabalhador, individualmente, variar seu local de trabalho. Uma vez recebido o material, eles não dependem dos serviços de outros grupos. Igualmente, uma vez que o material deixa o grupo, não mais retorna a ele;

g) tamanho: a maioria dos grupos contactados, embora nem todos, são pequenos, contando com, no máximo. 15 trabalhadores;

h) efeitos econômicos: os ganhos são mais significativos em aplicações na fabricação de componentes devido à redução de custos e de investimentos em estoques;

i) implantação: por mobilizar muitos setores nas empresas, dependendo de seu tamanho e das resistências internas encontradas, a implantação total demora dois anos ou mais para estar completa.

4. CONCLUSÕES

Verificamos que as formas tradicionais, clássicas, de organização do trabalho em ambientes de produção industrial são muito utilizadas, mesmo atualmente.

Com o passar do tempo e devido às pressões exercidas pelos trabalhadores, organizados em sindicatos, estas formas (com as mais variadas técnicas de implementação) foram-se transformando gradualmente e gerando estruturas organizativas com caráter diverso do original.

Estas "novas formas de organização do trabalho" ganharam outros nomes e pretendem ser, desde sua concepção, "motivadoras" para o trabalho. Obviamente, este aspecto é por elas contemplado na medida em que, dentre outras coisas, o conteúdo do trabalho é ampliado e o trabalhador passa a ter uma visão mais global do processo de produção.

Entretanto, o não-rompimento com os princípios da divisão do trabalho gera insatisfações nos empregados, com conseqüente queda de sua produtividade.

Isto posto, outras formas novas de organização do trabalho foram geradas, fomentando uma participação maior e a transferência de decisões operacionais aos trabalhadores. Estas acenam com a bandeira de "humanizadoras" do trabalho.

Em sua forma mais recente, muito ligada às características do arranjo físico e da padronização utilizados, encontramos a tecnologia de grupo procurando contentar aos patrões e aos empregados. Este parece ser um importante passo rumo a melhores formas de organização e condições de trabalho. Devemos, entretanto, estar atentos às suas formas de implementação e às suas perspectivas de desenvolvimento em face, principalmente, do grande movimento de automação industrial.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1986
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