Acessibilidade / Reportar erro

O empresário moderno e a história econômica

ARTIGOS

O empresário moderno e a história econômica* * Traduzido do original em francês pelo Prof. Sérgio Miceli.

Frédéric Mauro

Professor de História Econômica na Universidade de Paris X (Nanterre)

Já se discutiu muito na França a respeito do papel dos economista nas grandes empresas, embora nos países anglo-saxões tal papel venha recebendo há muito tempo um reconhecimento oficial. Na França, a profissão de economista nem existia e seu substituto era o engenheiro formado nas chamadas "Grandes Escolas" dentre as quais algumas eram escolas militares. As faculdades de direito também ensinavam "a economia política" mas não chegavam, nesse campo, além de uma formação muito limitada. De outro lado, nas escolas comerciais o nível era medíocre e, ao invés de ciência econômica ou administração, o que se fazia era direito, geografia e técnicas comerciais. É bem verdade que, atualmente, essas escolas modernizaram-se e passou-se a ensinar economia, economia aplicada e administração de empresas. As faculdades de economia acabaram separando-se das faculdades de direito e atingem um elevado rendimento acadêmico. Não obstante, o engenheiro continua a desempenhar um papel importante como economista de empresa. Convém observar que os estudos das ciências econômicas tornaram-se assunto da maior seriedade nas escolas de engenharia. E o alto nível destas últimas faz com que os engenheiros constituam uma elite a cujos membros são entregues em prazo curto postos de responsabilidade para os quais o cálculo econômico é primordial. É evidente que os conhecimentos matemáticos transmitidos nas escolas de engenharia são muito úteis para a prática da ciência econômica. Em suma, não há qualquer diferença de natureza entre o engenheiro e o economista, mas apenas uma diferença de grau. O engenheiro que calcula uma ponte procura construí-la da maneira mais sólida e mais bela pelo menor preço. Sua problemática é a escassez. Mas a economia é também uma ciência da escassez. Por exemplo, o economista deve calcular o volume de produção através do qual a empresa atingirá o lucro máximo. Ao nível macroeconômico, o economista deve saber de que maneira utilizar investimentos limitados a fim de obter o máximo de bem-estar para todos.

São estas as razões pelas quais a direção de uma empresa deve, mesmo sem o saber, praticar a ciência econômica e recorrer a economistas ainda que eles não possam ousar aparecer enquanto tais. Deveria a empresa recorrer também ao historiador da economia, ao historiador-economista, como se diz hoje? Antes de adiantar qualquer resposta, é preciso explicitar o que entendemos por história econômica. Algumas vezes ela foi considerada a ciência econômica do passado, ou então o conjunto das ciências econômicas do passado. Isto significa que, em nossa opinião, ela não é apenas uma sociologia ou uma geografia econômica retrospectiva, mas uma teoria ou uma análise econômica retrospectiva. Assim como o economista nos oferece o modelo dos sistemas econômicos atuais, o historiador nos dá o modelo dos sistemas econômicos passados, ambos esforçàndo-se para lhes aplicar um tratamento quantitativo. E podem realizar este estudo ao nível das empresas, dos ramos da atividade econômica ou mesmo ao nível das variáveis globais. Enquanto o historiador se coloca geralmente de um ponto de vista retrospectivo, o economista coloca-se de um ponto dé vista prospectivo. Todavia, o segundo ponto de vista só se constitui quando o primeiro existe de fato, sendo portanto impossível separá-los. Em conseqüência, a história pode ser útil à empresa. De outro lado, a coleta de fontes primárias na empresa acaba aproximando o historiador do empresário, e seus vínculos tendem a se estreitar. Passamos em seguida a analisar, primeiramente, de que maneira o empresário pode prestar auxílio ao historiador e, em segundo lugar, como o historiador pode auxiliar o empresário.

1. O EMPRESÁRIO PRESTA AUXÍLIO AO HISTORIADOR

O historiador tem necessidade de escrever a história das empresas porque a microeconomia representa a metade da ciência econômica. Uma história estudada apenas sob o aspecto macroeconômico não é uma história completa. Ademais, a história das empresas só pode ser feita a partir dos seus arquivos, assim como a história dos setores da atividade econômica só çode ser construída com base nos organismos públicos ou privados encarregadas de gerir tais setores ou de defender seus interesses.

Esses arquivos são interessante de inúmeros pontos de vista, uma vez que a história da empresa pertence a diversos setores da história: o das técnicas e das ciências industriais, agrícolas, e sobretudo das ciências comerciais (tomemos por exemplo, a história da contabilidade e a passagem da contabilidade de partida simples à contabilidade de partida dobrada), o da economia da firma e de sua evolução financeira, o da história social da empresa que abrange o recrutamento do pessoal dirigente, dos funcionários e dos operários. Ao mesmo tempo, esses arquivos podem propiciar informações valiosas a respeito do setor econômico a que pertence a empresa, e até mesmo acerca da economia global do país, do continente e até mesmo do próprio mundo, seja do ponto de vista das estruturas como do ponto de vista da conjuntura.

Por conseguinte, é preciso, antes de tudo, que o empresário tenha confiança no historiador e, em especial, em sua competência. Sem dúvida, muitas vezes falta ao historiador o manejo dos documentos de negócios; mas não é difícil adquiri-lo pelas facilidades que encontra para adaptar-se, ou então por estar em condições de recolocar uma determinada técnica na linha de uma evolução mais geral, ou uma fase econômica no interior do desenvolvimento de todo o sistema. É inegável que o seu ângulo de abordagem ou o seu método de pensamento não são os mesmos do empresário, mas isto não significa que sejam errados. Na verdade, as duas posições complementam-se muito bem. Em geral, para que esteja apto a fazer a história das empresas, o historiador estudou contabilidade, administração de empresas, sociologia industrial, pesquisa de mercado, etc. É provável que todas essas noções sejam para ele algo livrescas, mas o contato com a realidade poderá auxiliá-lo bastante a superar tais limitações. Afinal, convém que o empresário se convença de que o historiador das empresas não visa fazer uma pesquisa fiscal ou policial, e muito menos servir à espionagem industrial; sua intenção é tão-somente realizar um estudo científico que não prejudicará em nada a empresa, pois seus objetivos são muito mais científicos e sérios do que se pensa. Isto poderá estimular o empresário a ter muito mais cuidado com a preservação, a conservação, a seleção e a classificação de seus arquivos. A triagem constitui uma etapa delicada que deve ser empreendida não só em função das necessidades da empresa, mas também das necessidades da pesquisa histórica. O empresário ou seu subordinado, cuja tarefa é tratar dessa coleta, deverá informar-se junto a um historiador-economista ou a um arquivista diplomado que seja especializado neste tipo de problemas.1 1 Na França muitos "arquivistas-paleógrafos", ou seja, antigos alunos da Escola de Chartes, interessam-se por arquivos de empresas. Caso os arquivos sejam muito importantes, conviria estabelecer um inventário geral de fácil consulta. E no caso de o empresário não saber o que fazer com seus arquivos (em especial, com os arquivos mais antigos), poderá entregá-los a um arquivo público, exigindo o tratamento que lhe pareça mais adequado: seja concedendo plena propriedade à administração pública, seja confiando-lhe apenas a preservação, estipulando se permite oú não a consulta pública, para a qual a empresa deve ou não conceder autorização. Em quase todos os países existe tal sistema de depósito. Na França, por exemplo, os Arquivos Nacionais em Paris e os arquivos departamentais na província possuem uma seção de história das empresas. Nos Arquivos Nacionais, o volume de Bertrand Gille2 2 Situação sumária dos arquivos de empresas conservados nos Arquivos Nacionais, Série AQ, tomo I 1AQ e 64AQ, Paris, Imprensa Nacional, 1957. dá-nos uma visão impressionante do material arrolado- Acrescente-se ainda a enorme série 65AQ cujo inventário existe sob a forma de um fichário por setores da atividade industrial. Existem ainda inventários datilografados para as séries posteriores a 65AQ : 66AQ e seguintes.

Bertrand Gille estabeleceu uma classificação dos tipos de documento que se pode encontrar nos arquivos de empresas: a formação da empresa, os Conselhos, a direção-geral, o patrimônio, o material de serviço, suprimentos, estoques e produção, o serviço financeiro, a contabilidade, a correspondência, a "jurisprudência", o pessoal, o serviço de estudos, os serviços comerciais, além das séries particulares.

Esta classificação é bastante completa, embora possa ser bem simplificada em alguns arquivos de empresas. Um de nossos pesquisadores que trabalhou tempos atrás sobre a história de uma cadeia de mercearias no sudeste da França3 3 Vaysslère, Pierre. L'Epargne, 1900-1960. utilizou sobretudo três categorias de documentos: a contabilidade e os balanços para compreender a gestão financeira da empresa; a correspondência para conhecer seus fornecedores e seu mercado de venda; os arquivos relativos ao pessoal para um estudo de sociologia econômica. Outro pesquisador dedicou-se à história de um grande hotel4 4 Lacaze, Marie Claire. La maison Tivollier, 1853-1904. e, para tanto, analisou o registro de seus clientes, além da correspondência e da contabilidade. No caso de arquivos incompletos, algumas séries podem substituir as que estão faltando. Por exemplo, se a correspondência se perdeu, as faturas podem auxiliar na reconstrução da geografia ou mesmo da sociologia da clientela.

Mas o empresário pode também auxiliar o historiador na pesquisa do setor particular da atividade industrial a que pertence a empresa. Trata-se novamente de história microeconômica, uma vez que a economia setorial se ressente dos mesmos mecanismos de uma economia de empresa. Em geral, um dado setor possui, no escalão mais alto, um organismo profissional de que faz parte o empresário. Este, por sua vez pode interferir na pesquisa no sentido de que este organismo proceda ao levantamento e à conservação de seus próprio arquivos. Ademais, os próprios arquivos da empresa podem conter informações interessantes para a história do setor. E, através dos organismos profissionais, é muito mais fácil entrar em contato com seus congêneres no estrangeiro quando se pretende trabalhar sobre a economia estrangeira. Através desses mesmos organismos pode-se entrar também em contato com os departamentos ministeriais interessados e, destarte, pode-se ter acesso a arquivos públicos que cobrem um período mais recente para cujo estudo não se pode, em geral, consultá-los. Pode-se também ter acesso aos organismos internacionais públicos e privados, aos órgãos de pesquisa, aos bancos e a todas as instituições onde o empresário circula livremente, podendo por conseguinte facilitar ingresso do historiador. E mesmo no caso de monopólio ou de oligopólio, o conhecimento dos arquivos de uma ou duas empresas esclarece quase completamente a respeito da história do setor. Em suma, a ajuda do empresário é decisiva no caso da microeconomia retrospectiva; e disso dependerá em larga medida o progresso dos estudos nessa área. Poder-se-á inclusive entrevistar o empresário (e seu estado-maior) porque, assim como os documentos, ele é uma testemunha da história econômica e está em condições para dizer de que modo a empresa passou por um determinado período conjuntural. Numa ocasião passada, tivemos a oportunidade de discutir a crise de 1930 com um dos pioneiros da siderurgia brasileira. É claro que sua visão da crise era bem distinta daquela que lhe davam os economistas. Destarte, é possível completar ou refinar análises excessivamente calcadas em documentação escrita. O próprio empresário, ou então seus antecessores, acaba também acumulando uma documentação bastante rica a respeito da economia global e sua evolução, pois nesse contexto que ele teve que se inserir.

Graças ao apoio dos empresários públicos ou privados, alguns trabalhos de peso no campo da história econômica puderam ser realizados. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Universidade de Harvard constitui o centro mais importante: sua Business Historical Society possui -uma reserva de documentação muito rica e publica a Business History Review. Para o grande público, uma revista como Fortune oferece uma visão concreta da atividade e das realizações dos maiores homens de negócios. Na França, a revista Histoire des Entreprises foi publicada de 1958 a 1963, com a média de dois volumes por ano, e seu fracasso não deve ser atribuído de modo algum à falta de interesse ou de atividade por parte de seu diretor, Bertrand Gille. Entre 1960 e 1968 foi publicada a Revue d'Histoire de la Sidérurgie com a média de quatro fascículos anuais. Em 1969, tornou-se Revue d'Histoire des Mines et de la Métallurgie, num regime de publicação semestral sob os auspícios do Centre des Recherches de l'Histoire de la Sidérurgie, em Jarville (Meurthe-et-Moselle). Muitas coleções de obras históricas são consagradas à historia das empresas ou dos diversos setores da economia, como a famosa coleção Affaires et gens d'affaires e inclusive outras coleções menos especializadas onde é possível encontrar este gênero de obras. Podemos citar Les affaires de Jacques Coeur, de Michel Mollat, Aux origines des sociétés anonymes e Les moulins de Toulouse, de Germain Sicard, Une famille de marchands, les Ruiz de Henri Lapeyre, e Le Crédit Lyonnais de 1863 a 1882, de Jean Bouvier. Recentemente duas volumosas teses de Estado foram dedicadas ao estudo de companhias francesas: a tese de François Caron sobre As estradas de ferro do Norte e a tese de Claude Pris intitulada Saint Gobain desde suas origens até 1830. Muitas dessas grandes companhias publicaram um grande volume fartamente ilustrado ou uma plaqueta para comemorar o centenário de fundação. Uma verdadeira coleção dessas plaquetas comemorativas foi organizada nos Arquivos Nacionais na seção de I: Brot. Alguns catálogos de arquivos privados foram redigidos e alguns publicados, como por exemplo este que acabamos de citar, de autoria de Isabelle Brot a respeito dos Arquivos da Agência Haves (Setor Informação) conservados nos Arquivos Nacionais (5AR).5 5 SEVPEN, Paris, 1969. Em outros casos, tais arquivos permaneceram em seu lugar de origem, embora se possa encontrar catálogos a seu respeito nos Arquivos Nacionais. Podemos citar os catálogos relativos às Anciennes Manufactures Canson et Montgolfier, a Vidalon-les-Annonay, na região de Ardósia. Os Arquivos Nacionais intalaram "missões" em alguns ministérios a fim de selecionar e conservar sua documentação no próprio lugar de origem. A missão dos Arquivos Nacionais no Ministério da Boonomia e das Finanças, instalada no prédio do Louvre (Rue de Rivoli), possui toda a documentação referente à inscrição na bolsa de Paris dos pedidos de empréstimos das coletividades latinoamericanas. Alguns, pesquisadores, sob nossa orientação, tiveram acesso a esse material, com vistas a estudar o problema dos investimentos franceses na América Latina.6 6 No tocante a diversas teses de mestrado e doutoramento, consultar nossa comunicação feita no Congresso da Associação Francesa de Historiadores Economistas, Paris, 1973, cujas atas serão publicadas em breve.

Tais estudos e investigações permitem verificar e refinar um certo número de grandes hipóteses de trabalho muitas veaes formuladas por sociólogos e economistas, sendo lícito perguntar quais os sistemas econômicos e quais os tipos de empresas a que tais hipóteses se referem. Por exemplo, a teoria de Schumpeter sobre o papel do empresário e da inovação, distinta da invenção. Ou então, a teoria de Ernest Labrousse a respeito das diversas fases do capitalismo industrial: patrimonial; anônimo, financeiro, tecnocrático. Inclusive as teorias.da escola neoclássica sobre o mecanismo dos preços, bem como da escola sueca sobre os cálculos ar ante e ex post. Em suma, todas as partes da teoria econômica passíveis de uma verificação ao nível macroeconômico.

Não há dúvida de que uma das razões capazes de explicar o incipiente desenvolvimento da história das empresas vem a ser o preconceito de muitos historiadores e economistas contra a microeconomia, que muitas vezes é confundida facilmente com a economia de empresa. Aliás, trata-se de um preconceito de origem marxista, apesar dos trabalhos "microeconômicos" de marxistas como Jean Bouvier ou Pierre Vilar. Felizmente, é um preconceito em vias de extinção uma vez que, a respeito dos investimentos franceses no exterior, Jean Bouvier contrapunha recentemente7 7 Refiro-me ao mesmo Congresso citado. o método de avaliação direta microeconômica, empregada pelos marxistas, ao método macroeconômico da balança de pagamentos, tão em voga junto aos anglo-saxões. Todavia, sempre é bom lembrar que muitos historiadores temem repetir na empresa a experiência do cronista na corte dos reis de França, subsidiado para entoar a glória de seus hóspedes ilustres. E por este motivo, o empresário que atrai ou acolhe historiadores deve-lhes assegurar que suas intenções são outras, além de lhes dar plena liberdade e jamais temer que os historiadores possam, revelar segredos capar zes de denegrir a imagem da empresa junto à opinião pública.

2. O HISTORIADOR PRESTA AUXILIO AO EMPRESÁRIO

Nunca se deve transmitir aos empresários idéia de que a história é um agradável passatempo que lhes dá a. oportunidade de se tomarem mecenas faustosos e desinteressados desde que a financiam ou prestem auxílio aos pesquisadores. O trabalho que o historiador realiza em seus arquivos lhes é tão útil como o desenvolvido pelos economistas e por outros especialistas das ciências sociais.

A história da empresa é, em primeiro lugar, valiosa para o proprietário ou para o diretor da empresa. Evidentemente, quando a firma é de caráter familiar, o filho herdeiro recebeu por tradição oral um certo conhecimento das origens e do desenvolvimento do negócio. Todavia, muitas vezes tal conhecimento é meramente anedótico e a percepção dos problemas não passa de um estágio bastante intuitivo. Parece aconselhável que o jovem executivo que assume o poder saiba, através da história, a natureza de sua empresa,' as vicissitudes com que ela teve de se defrontar e, ainda, as dificuldades por que passa e que ameaçam perturbar sua expansão. Tal conhecimento torna-se muito mais aconselhável quando se trata de uma grande sociedade anônima moderna, onde os escalões de direção nada têm de familiar, onde os executivos de alto nível são originários dos grandes quadros da administração estatal e, por conseguinte, têm que aprender tudo sobre o empreendimento. A menos que se tenha uma mentalidade puramente funcionalista, como livrar-se da necessidade de lançar um olhar retrospectivo nem que fosse para compreender apenas o que constitui persistência do passado e que deixou de corresponder às necessidades presentes?

Isto é válido tanto para a história contábil da empresa como para sua história geográfica ou sociológica. Tomemos um único exemplo.. Quando Pierre Vayssière estudou a história da rede de lojas L'Epargne,8 8 Ver nota 3. um dos aspectos de seu trabalho que mais interessou os dirigentes da firma foi o estudo dos relatórios elaborados pelos gerentes de sucursais. Havia nessa pesquisa uma análise estatística, sobre a origem, o recrutamento e a carreira desses gerentes que só poderia ser bem realizada por um historiador preocupado em conhecer o contexto econômico e social das atividades desses gerentes e também que fosse capaz de assinalar o que era necessidade atual e o que eram antigos hábitos.

A história de uma empresa também é útil para os grandes empresários- Não queremos nos referir aos concorrentes o que acabaria se tomando uma razão a mais para o empresário fechar suas portas aos historiadores - mas sim às empresas de outros ramos da produção. O conhecimento de seu funcionamento e de sua historia pode servir a úteis comparações por parte dos empresários. Por exemplo, é possível que encontre no perfil de um outro empresário um modelo para si mesmo. Ademais, o economista que trabalha a seu lado e o aconselha também pode ter idéias novas se tiver acesso a essas experiências. O empresário químico poderá conhecer melhor a diferença entre as transformações de uma firma como a sua e aquelas por que passou uma firma metalúrgica ou têxtil.

A história de um setor da atividade econômica poderá trazer informações e subsídios valiosos para todos os empresários pertencentes a esse setor e a todos os economistas que nele trabalham. Ao revelar a história estrutural de um dado setor, o historiador desvendará seus mecanismos próprios. Tal conhecimento possibilitará entender de que maneira as diversas empresas se integraram a estes mecanismos no passado, além de estar em condições de apontar as modificações de estruturas do setor no curso do tempo. Poderá mostrar se o papel das personalidades do setor foi ou não importante e qual o peso médio respectivo dos diversos fatores de produção. Mostrará a importância do setor no âmbito do mercado global, regional, nacional ou internacional. Poderá, ainda, dedicar-se à história de certas empresas que mantêm relações particularmente estreitas com a sua: os bancos - os trastes ou holdings que ligam a empresa e o setor a outros setores e a outras empresas. Fazer a história destas ligações e de suas relações pode esclarecê-las bastante e, ao mesmo tempo, esclarecer a trajetória do empresário. Fusões, integrações, incorporações, cartéis, konzerns, acordos, etc, toda esta teia pode ser desemaranhada através da história de uma das empresas envolvidas. No tocante aos bancos, eles sempre constituíram postos de observação privilegiados e estratégicos para o conhecimento do andamento dos negócios, dá conjuntura, da própria estrutura dos mercados, dos setores da indústria, das empresas. A imensa documentação bancária contém indicações sugestivas sobre o papel das personalidades nas empresas, o que pode interessar diretamente o próprio empresário moderno.

Conviria mostrar também em que medida o conhecimento da história econômica global, nacional ou internacional é imprescindível ao empresário que a todo momento é solicitado a situar-se em relação ao conjunto da vida econômica e do mercado, bem como avaliar os rumos de sua evolução, tanto a curto como a longo prazo. De que modo poderia o empresário esquivar-se de refletir acerca do que representa as estruturas de sua empresa e o papel dela no desenvolvimento econômico geral, o que este último significa no contexto do capitalismo industrial e o que significa este último termo em oposição ao capitalismo comercial ou à economia pré-capitalista? Sabendo de onde vem, o empresário saberá melhor para onde vai. Eis porque algumas vezes os historiadores desempenharam um papel relevante nos órgãos de desenvolvimento econômico nacional ou regional, ao lado dos geógrafos, dos sociólogos, dos economistas. Na reorganização do espaço da qual depende muitas vezes a sobrevivência de uma empresa regional ou local, seria conveniente indagar quais as razões que explicam o desenvolvimento exagerado, o subdesenvolvimento ou o menor desenvolvimento da região. Pois freqüentemente as origens de tudo isso são de caráter histórico. Tendo trabalhado como historiador numa comissão de reorganização do Sudeste da França, vimos de que maneira as estruturas agrárias medievais, as revoluções agrícolas dos séculos XVI e XVIII, a inexistência de uma classe de empresários schumpeterianos no século XX podiam trazer subsídios para a ação da administração e das empresas.

Este tipo de história econômica não deve negligenciar os aspectos sociológicos, geográficos, jurídicos e técnicos. Um exemplo célebre encontra-se no opúsculo de Jean Fourastié, coleção Saber, dedicado à contabilidade- Trata-se de uma história da contabilidade que mostra, em particular, como surgiu a técnica de contabilidade de partida dobrada. O que permite compreender, sem recorrer a teorias puramente artificiais, os "paradoxos" da contabilidade de partida dobrada, como por exemplo aquüo que se costuma designar "a inversão dos signos".

De maneira mais geral, digamos que a ciência econômica é indispensável ao empresário. Contudo, a ciência econômica, ciência do presente e do futuro, não pode se desenvolver sem referir-se ao passado e à história econômica, nem que seja para explicar uns pelos outros os sistemas, as estruturas, .os mecanismos, nem que seja para compará-los, ou para comparar e explicar as conjunturas. Destarte, embora indiretamente, mas nem por isso em bases menos sólidas e seguras, o historiador auxilia o empresário a estabelecer seu diagnóstico, a tomar uma decisão ou assumir uma dada iniciativa.

Poder-se-ia ir mais longe ainda e mostrar a importância da história na formação do empresário, bem como na do economista. A presença desta disciplina na ação cotidiana comprova sua importância na formação do jovem candidato a um diploma de administração de empresas. Na verdade, é toda a experiência de seus predecessores que lhe é oferecida em bases sistemáticas e no seu processo dinâmico de transformação. S claro, com a exigência prévia de que uma tal história econômica seja reinserida no âmbito da história geral. Esta última constitui um instrumento de cultura de primeira ordem para o futuro dirigente da sociedade. A história alimenta a reflexão de um homem de ação, aponta a relatividade dos pensamentos e das coisas,, além de "humanizar" suas atitudes e decisões e enriquecer sua füosofia. Nas situações graves, ajuda o empresário' a situar-se e a tomar uma decisão.

Praticamente, o que pode ser feito para desenvolver a colaboração entre historiadores e empresários? Diversas medidas e ações são efetivamente possíveis. A primeira consiste em desenvolver os contatos entre as duas corporações que, destarte, podem aprender a se estimarem e a confiarem uma na outra. A segunda consiste em criar, onde ainda não existe, uma comissão de preservação ou conservação dos arquivos privados e dos arquivos das empresas, o que estimulará os empresários a preservar seus arquivos, dando-lhes eventualmente os recursos para fazer isso. Á terceira cabe aos executivos que poderão encontrar historiadores desejosos e capazes de fazer a história de sua empresa, para o que será necessário auxiliá-los amplamente através de um estágio nos escritórios da empresa e, em seguida, abrindo-lhes seus arquivos e colocando pessoal qualificado a sua disposição. Sem falar da plena liberdade que deve facultar aos pesquisadores e nos subsídios financeiros que sejam necessários para para a publicação de seus trabalhos.

Contudo, a história é apenas uma das ciências sociais. Ás demais também são muito úteis para o empresário que não.deve de modo algum negligenciá-las. Haveria ainda muitos outros temas para reflexão. No que diz respeito aos historiadores, devem desenvolver um esforço em prol da história econômica - sempre tão desdenhada apesar das pomposas declarações de entusiasmo - e em particular, em favor da história das empresas. É este esforço que esperamos seja feito pela nova geração.

  • 2 Situação sumária dos arquivos de empresas conservados nos Arquivos Nacionais, Série AQ, tomo I 1AQ e 64AQ, Paris, Imprensa Nacional, 1957.
  • 3 Vaysslère, Pierre. L'Epargne, 1900-1960.
  • 4 Lacaze, Marie Claire. La maison Tivollier, 1853-1904.
  • *
    Traduzido do original em francês pelo Prof. Sérgio Miceli.
  • 1
    Na França muitos "arquivistas-paleógrafos", ou seja, antigos alunos da Escola de Chartes, interessam-se por arquivos de empresas.
  • 2
    Situação sumária dos arquivos de empresas conservados nos Arquivos Nacionais, Série AQ, tomo I 1AQ e 64AQ, Paris, Imprensa Nacional, 1957.
  • 3
    Vaysslère, Pierre.
    L'Epargne, 1900-1960.
  • 4
    Lacaze, Marie Claire. La maison Tivollier, 1853-1904.
  • 5
    SEVPEN, Paris, 1969.
  • 6
    No tocante a diversas teses de mestrado e doutoramento, consultar nossa comunicação feita no Congresso da Associação Francesa de Historiadores Economistas, Paris, 1973, cujas atas serão publicadas em breve.
  • 7
    Refiro-me ao mesmo Congresso citado.
  • 8
    Ver nota 3.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1974
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br