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FEMINIZAÇÃO DO ENVELHECIMENTO: UM FENÔMENO MULTIFACETADO MUITO ALÉM DOS NÚMEROS

Esta pensata apresenta a ampliação da concepção de feminização do envelhecimento ao contemplar as condições atreladas às relações de trabalho de mulheres em processo de envelhecimento. Geralmente, a feminização do envelhecimento está relacionada, exclusivamente, ao fato de que há mais mulheres do que homens na população idosa, especialmente no Brasil. Por meio de um embasamento teórico, foi possível ampliar a concepção do fenômeno a partir de três eixos: a constituição da feminização do envelhecimento, as feições de quem o enfrenta e, por fim, as necessidades das mulheres em processo de envelhecimento e estratégias de transformação no contexto de trabalho. Esses elementos permitem defender que o fenômeno é complexo e multifacetado, indo além dos aspectos quantitativos de um maior número de idosas do que homens idosos no País. Observou-se que essas mulheres enfrentam dificuldades com relação à inserção, manutenção e progressão em suas carreiras por conta do preconceito de gênero e idade, além de outros desafios profissionais. Essa ampliação do conceito revelou a fragilidade de suporte e atenção a esse grupo social nas organizações, o que permite argumentar que há a necessidade de maior enfrentamento e conscientização de profissionais e gestores para uma efetiva transformação no mundo do trabalho dessas mulheres.

INTRODUÇÃO

A projeção para a população global com 65 anos ou mais é a de que ela deverá dobrar para 1,5 bilhão em 2050, haja vista que havia 703 milhões de pessoas com essa idade no mundo em 2019 (United Nations, 2019United Nations. (2019). World population ageing. New York, USA.). Na América Latina, a porcentagem da população com 65 anos ou mais quase dobrou nos últimos anos, passando de 5% em 1990 para 9% em 2019 (United Nations, 2019United Nations. (2019). World population ageing. New York, USA.). Com relação às mulheres com 65 anos ou mais, as projeções indicam que, em 2050, elas representarão 54% da população global (United Nations, 2019United Nations. (2019). World population ageing. New York, USA.).

No Brasil, estima-se que, em 2060, o percentual da população com 65 anos ou mais de idade será de 25,5% (58,2 milhões), enquanto, em 2018, essa proporção foi de 9,2% (19,2 milhões) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Agência IBGE, projeção da população 2018: Número de habitantes do país deve parar de crescer em 2047. Recuperado de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047
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). Com relação à proporção entre os sexos, tem-se que os homens de 60 anos ou mais de idade correspondiam a 5,7% da população, em 2012, e as mulheres, a 7,2%; já no ano de 2018, os homens dessa faixa etária correspondiam a 6,8%, e as mulheres, a 8,6% (IBGE, 2019). As mulheres também são as que vivem mais em nosso país. Dados da tábua de mortalidade indicam que os homens possuem uma expectativa de vida de 72,8 anos, e as mulheres, uma expectativa de vida de 79,9 anos (IBGE, 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2018 Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3097/tcmb_2018.pdf
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). Tendo em vista que há mais mulheres idosas do que homens, tanto no mundo como no Brasil, diz-se que há uma feminização do envelhecimento em áreá s urbanas (Camarano, 2004Camarano, A. A. (2004). Os novos idosos brasileiros: Muito além dos 60? Rio de Janeiro, RJ: IPEA. ; Gavrilov & Heuveline, 2003Gavrilov; L. A; & Heuveline, P. (2003). Aging of population. In: Demeny, Paul; Mcnicoll, Geoffrey. The Encyclopedia of Population. New York, Macmillan Reference USA.; Lima & Bueno, 2009Lima, L. C. V. de, & Bueno, C. M. L. B. (2009). Envelhecimento e gênero: A vulnerabilidade de idosas no Brasil. Revista Saúde e Pesquisa, 2(2), 273-280.).

A feminização do envelhecimento interessa ao contexto das organizações na medida em que muitas mulheres adentram ou permanecem no mercado de trabalho durante o processo de envelhecimento (Nascimento & Rabêlo, 2008Nascimento, A. J. R. do, & Rabêlo, F. C. E. (2008). Memória e envelhecimento: Narrativas sobre questões de gênero e do mundo do trabalho. Sociedade e Cultura, 11(2). 333-342. doi: 10.5216/sec.v11i2.5291
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). No entanto, não se deve desconsiderar as condições nas quais as mulheres atuam profissionalmente. Dados apresentados por Felix (2016)Felix, J. (2016). O idoso e o mercado de trabalho. In A. de O. Alcântara, A. A. Camarano, & K. C. Giacomin , Política nacional do idoso: Velhas e novas questões. IPEA. 241-263. Rio de Janeiro, RJ. mostram que o emprego formal já pode cair para as mulheres a partir de 25 anos. Entre 45 e 49 anos, aproximadamente, 28% das mulheres possuem um emprego formal, depois dos 55 anos a taxa estaciona em 20% e, depois dos 60 anos, menos de 10% empregam-se em regime CLT.

As dificuldades associadas ao processo de envelhecimento de mulheres nem sempre são conhecidas, pois a maioria dos trabalhos sobre envelhecimento não leva em consideração as características específicas de homens e mulheres, tratando-os de maneira homogênea (Lima & Bueno, 2009Lima, L. C. V. de, & Bueno, C. M. L. B. (2009). Envelhecimento e gênero: A vulnerabilidade de idosas no Brasil. Revista Saúde e Pesquisa, 2(2), 273-280.; Mori & Coelho, 2004Mori, M. E., & Coelho, V. L. D. (2004). Mulheres de corpo e alma: Aspectos biopsicossociais da meia-idade feminina. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(2), 177-187. doi: 10.1590/S0102-79722004000200006.
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). Portanto, apesar da relevância do tema, são escassos os trabalhos que destacam o envelhecimento da mulher (Lima & Bueno, 2009Lima, L. C. V. de, & Bueno, C. M. L. B. (2009). Envelhecimento e gênero: A vulnerabilidade de idosas no Brasil. Revista Saúde e Pesquisa, 2(2), 273-280.; Nascimento, 2015Nascimento, M. R. do. (2015). Feminização do envelhecimento populacional: Expectativas e realidades de mulheres idosas quanto ao suporte familiar. Associação Brasileira de Estudos Populacionais.) e os aspectos que caracterizam a feminização do envelhecimento, especialmente quando o fenômeno é abordado a partir da perspectiva do contexto de trabalho.

Parece não haver, na literatura, um consenso sobre a partir de que idade as mulheres começam a vivenciar dificuldades no mercado de trabalho, ou seja, a ser consideradas “velhas”: se a partir dos 50 anos (Moore, 2009Moore, S. (2009). “No matter what I did I would still end up in the same position”: Age as a factor defining older women’s experience of labour market participation. Work, Employment and Society, 23(4), 655-671. doi:10.1177/0950017009344871
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) ou ainda mais cedo, às vezes, quando elas têm apenas 40 anos de idade (Fineman, 2014Fineman, S. (2014). Age matters. Organization Studies, 35(11), 1719-1723. doi: 10.1177/0170840614553771
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). Isso parece ocorrer porque, para as mulheres, “a idade é potencialmente um duplo prejuízo: elas frequentemente sofrem discriminação etária em idades mais jovens que os homens” (Fineman, 2014Fineman, S. (2014). Age matters. Organization Studies, 35(11), 1719-1723. doi: 10.1177/0170840614553771
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, p. 1721). Nesse sentido, parece ser possível defender que a feminização do envelhecimento não está associada exclusivamente às mulheres idosas, ou seja, aquelas com 60 anos ou mais (Lei n. 8.842, 1994Lei n. 8.842, de janeiro de 1994. (1994). Política Nacional do Idoso. ), mas também às mulheres que sofrem discriminação antes mesmo de atingirem a terceira idade.

Vale ressaltar que esta pensata se pauta na concepção do envelhecimento como uma categoria socialmente produzida (Debert, 2007Debert, G. G. (2007). A antropologia e o estudo dos grupos e das categorias de idade. In M. Moraes, & L. de Barros, Velhice ou terceira idade? (4a ed.). Editora Fundação Getulio Vargas. Pp. 49-67. Rio de Janeiro, RJ.) e na teorização da interseccionalidade (Nash, 2008Nash, J. C. (2008). Re-Thinking intersectionality.Feminist Review , 89(1), 1-15. doi: 10.1057/fr.2008.4). A teorização da interseccionalidade refere-se à noção de que a subjetividade é constituída por vetores de raça, gênero, classe e sexualidade que se reforçam mutuamente (Nash, 2008Nash, J. C. (2008). Re-Thinking intersectionality.Feminist Review , 89(1), 1-15. doi: 10.1057/fr.2008.4), contemplando a "multidimensionalidade" das experiências marginalizadas dos sujeitos marginalizados (Crenshaw, 1989Crenshaw, K. (1989). Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory, and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum, 139-187. ). A interseccionalidade tem um interesse de longa data em uma intersecção específica: a de raça e gênero (Crenshaw, 1991Crenshaw, K. (1991). Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review, 43(6), 1241-1299. doi: 10.2307/1229039
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), mas existe uma lacuna no conhecimento de como gênero se relaciona com outros atributos - classe, religião, deficiência, idade, e qual o impacto dessas intersecçõ a pro fissional (Harding, Ford, & Fotaki, 2013Harding, N., Ford, J., & Fotaki, M. (2013). Is the 'F'-word still dirty? A past, present and future of/for feminist and gender studies in organization. Organization. 18, 51-65. doi: 10.1177/1350508412460993
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). Embora a contribuição da abordagem interseccional tenha sido amplamente debatida em periódicos de Sociologia e específicos de gênero, seu uso ainda permanece relativamente limitado aos estudos sobre relações de trabalho e emprego (McBride, Hebson, & Holgate, 2014McBride, A., Hebson, G., & Holgate, J. (2014). Intersectionality: Are we taking enough notice in the field of work and employment relations? Work, Employment and Society, 29(2), 331-341. doi: 10.1177/0950017014538337
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). Além disso, pesquisadores afirmam que, apesar do crescente interesse em percepções baseadas na idade e práticas no trabalho, a complexidade do envelhecimento e as formas pelas quais ele se cruza com outros aspectos da identidade, dentro de um cenário organizacional, ainda estão em estágios embrionários (Cleveland, Huebner, & Hanscom, 2017Cleveland, J., Huebner, L., & Hanscom, M. (2017). The intersection of age and gender issues in the workplace.Age Diversity in the Workplace(Advanced Series in Management, Vol. 17, pp. 119-137.). Emerald Publishing Limited. doi: 10.1108/S1877-636120170000017007
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; Riach, Rumens, & Tyler, 2014Riach, K., Rumens, N., & Tyler, M. (2014). Un/doing chrononormativity: Negotiating ageing, gender and sexuality in organizational life. Organization Studies , 35(11), 1677-1698. doi: 10.1177/0170840614550731
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). No entanto, autores alegam que a relação conjunta entre gênero e idade tem o potencial de moldar identidades que, por sua vez, podem influenciar as percepções e resultados do trabalho (Cleveland et al., 2017Cleveland, J., Huebner, L., & Hanscom, M. (2017). The intersection of age and gender issues in the workplace.Age Diversity in the Workplace(Advanced Series in Management, Vol. 17, pp. 119-137.). Emerald Publishing Limited. doi: 10.1108/S1877-636120170000017007
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).

Ao discutir o tema da feminização do envelhecimento, foram identificados três eixos que nos ajudam a melhor compreender o fenômeno e como ele se reflete nas relações de trabalho: a constituição da feminização do envelhecimento, as feições de quem o enfrenta e, por fim, as necessidades das mulheres em processo de envelhecimento e estratégias de transformação no contexto de trabalho.

Esses elementos permitem defender o argumento de que a feminização é um fenômeno complexo e multifacetado, indo além dos aspectos quantitativos de um maior número de idosas do que homens idosos em nosso país, na medida em que ela pode englobar, também, as desigualdades enfrentadas pelas mulheres ao longo do processo de envelhecimento no contexto de trabalho. Neste texto, são promovidas reflexões acerca da temática, para que, por meio de ações das organizações, os fatores que tornam a mulher em processo de envelhecimento vulnerável sejam mitigados no contexto brasileiro.

A pensata contribui, portanto, com a proposta de ampliação do conceito de feminização do envelhecimento, o que permite estimular o debate sobre o tema no campo da Administração, a fim de mitigar os efeitos de prejuízos advindos da idade.

O QUE É A FEMINIZAÇÃO DO ENVELHECIMENTO?

Com base na literatura na nacional e internacional sobre o tema, buscou-se identificar os principais eixos que caracterizam o fenômeno da feminização do envelhecimento e sua relação com o mundo do trabalho: a constituição da feminização do envelhecimento, as feições de quem o enfrenta e, por fim, as necessidades das mulheres em processo de envelhecimento e estratégias de transformação no contexto de trabalho. Tais eixos de análise serão abordados de maneira mais específica ao longo desta seção.

A constituição da feminização do envelhecimento

A feminização do envelhecimento trata do fenômeno em que há “maior proporção de mulheres que de homens na população idosa, especialmente em idades mais avançadas” (Sousa, Lima, Cesar, & Barros, 2018Sousa, N. F. da S., Lima, M. G., Cesar, C. L. G., & Barros, M. B. de A. (2018). Envelhecimento ativo: Prevalência e diferenças de gênero e idade em estudo de base populacional. Cadernos de Saúde Pública, 34(11). 1-14. doi: 10.1590/0102-311x00173317
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, p. 2), ou seja, tende a ser caracterizado pelo “fruto dos amplos diferenciais no volume de idosos por sexo” (Moreira, 1998Moreira, M. de M. (1998). Envelhecimento da população brasileira: Intensidade, feminização e dependência. Revista Brasileira de Estudos de População, 15(1). 79-93., p. 88) e pelo fato de que o envelhecimento se mostra mais longo entre as mulheres, visto que elas sobrevivem por mais tempo (Moreira, 1998Moreira, M. de M. (1998). Envelhecimento da população brasileira: Intensidade, feminização e dependência. Revista Brasileira de Estudos de População, 15(1). 79-93.).

No entanto, apesar de serem maioria na população e apresentarem maior expectativa de vida, o processo de envelhecimento pode ser vivenciado por essas mulheres a partir de eventos de discriminação por conta do gênero e da idade, especialmente no contexto de trabalho. Isso parece ocorrer porque, em nossa sociedade, a idade se mostra um marcador que compacta formas de pensar e de compreender um indivíduo, uma organização ou até mesmo uma sociedade (Fineman, 2014Fineman, S. (2014). Age matters. Organization Studies, 35(11), 1719-1723. doi: 10.1177/0170840614553771
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). O ageísmo, ou seja, a discriminação de adultos mais velhos (Butler, 1989Butler, R. (1989, May). Dispelling ageism: The cross-cutting intervention. Annals of the American Academy of Political and Social Science, 503, 138-147. doi: 10.1177/0002716289503001011
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; Dennis & Thomas, 2007Dennis, H., & Thomas, K. (2007). Ageism in the workplace. Spring. American Society on Aging. San Francisco, CA.; Palmore, 1999Palmore, E. B. (1999). Ageism: Negative and positive (2nd ed.). Springer Publishing Company. ), afeta diferentes categorias de idade dos funcionários, mas predomina entre as categorias etárias mais jovens e mais velhas, sendo as mulheres as principais vítimas, pois suas dificuldades parecem ainda maiores (Duncan & Loretto, 2004Duncan, C., & Loretto, W. (2004), Never the right age? Gender and age-based discrimination in employment. Gender, Work & Organization, 11, 95-115. doi: 10.1111/j.1468-0432.2004.00222.x
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).

Autores defendem que essa discriminação se apresenta como um fenômeno que não ocorre somente dentro de uma organização, mas que é algo coproduzido na interação de processos políticos e organizacionais, todos os dias, por meio de práticas de trabalho e de ações individuais (Halford, Lotherington, Obstfelder, & Kukarenko, 2015Halford, S., Lotherington, A. T., Obstfelder, A., & Kukarenko, N. (2015). Technical change and the un/troubling of gendered ageing in healthcare work. Gender, Work & Organization, 22(5). 495-509. doi: 10.1111/gwao.12087
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; Krekula, Nikander, & Wilińska, 2018Krekula, C., Nikander, P., & Wilińska, M. (2018). Multiple marginalizations based on age: Gendered ageism and beyond. In L. Ayalon, & C. Tesch-Römer, Contemporary perspectives on ageism (International Perspectives on Aging, Vol 19). 33-50. Ed.1. ). Pesquisadores apontam que há uma maior valorização do homem em idade avançada e do jovem em detrimento das mulheres que envelhecem (Barrett & Nauman-Sessions, 2016Barrett, A., & Naiman-Sessions, M. (2016). ‘It's our turn to play’: Performance of girlhood as a collective response to gendered ageism.Ageing and Society, 36(4), 764-784. doi: 10.1017/s0144686x15000021
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), especialmente em âmbito organizacional (McGann et al., 2016McGann, M., Ong, R., Bowman, D., Duncan, A., Kimberley, H., & Biggs, S. (2016). Gendered ageism in Australia: Changing perceptions of age discrimination among older men and women. Economic Papers, 35, 375-388. doi: 10.1111/1759-3441.12155
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).

Na esfera organizacional, as mulheres podem sofrer discriminação explícita, ao serem informadas de que estão muito velhas, além de perceberem a idade como uma barreira na busca de trabalho, acesso à formação, remuneração e progressão na carreira, de maneira velada ou direta (Moore, 2009Moore, S. (2009). “No matter what I did I would still end up in the same position”: Age as a factor defining older women’s experience of labour market participation. Work, Employment and Society, 23(4), 655-671. doi:10.1177/0950017009344871
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). Mulheres são rejeitadas em processos seletivos por meio da linguagem neutra com relação à idade, pois são descritas como candidatas “superqualificadas para a vaga” e “experientes demais” (McMullin & Berger, 2006McMullin, J. A., & Berger, E. D. (2006). The case of unemployed older workers. In T. Calasanti, & K. F. Slevin, Age matters: Re-aligning feminist thinking. Routledge. New York, NY. 201-224.). A percepção de que elas podem não se relacionar bem com os funcionários mais jovens e as deficiências percebidas em suas habilidades técnicas também se mostram fatores que ocasionam discriminação (Handy & Davy, 2007Handy, J., & Davy, D. (2007). Gendered ageism: Older women's experiences of employment agency practices. Asia Pacific Journal of Human Resources, 45, 85-99. doi: 10.1177/1038411107073606
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).

O preconceito enfrentado pelas mulheres mais velhas não está relacionado somente à idade cronológica, mas também à aparência no contexto de trabalho (Jyrkinen, 2014Jyrkinen, M. (2014). Women managers, careers and gendered ageism. Scandinavian Journal of Management, 30, 175-185. doi: 10.1016/j.scaman.2013.07.002
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; Krekula et al., 2018Krekula, C., Nikander, P., & Wilińska, M. (2018). Multiple marginalizations based on age: Gendered ageism and beyond. In L. Ayalon, & C. Tesch-Römer, Contemporary perspectives on ageism (International Perspectives on Aging, Vol 19). 33-50. Ed.1. ). Em uma pesquisa realizada na Finlândia a partir de 15 entrevistas individuais e dois grupos focais envolvendo 12 gestoras de 30 a 60 anos, foi possível identificar que as mulheres se sentem sob vigilância constante por sua aparência, vestuário e comportamento dentro e fora do local de trabalho e, por essa razão, adotam estratégias de enfrentamento e de autogerenciamento (McKie & Jyrkinen, 2017Mckie, L., & Jyrkinen, M. (2017). Mymanagement: Women managers in gendered and sexualised workplaces. Gender in Management, 32(2), 98-110. doi: 10.1108/GM-04-2016-0091
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). Além disso, o envelhecimento trouxe desafios para permanecerem com energia e jovens, a fim de melhorar a imagem da organização. Por essa razão, mulheres se engajam em estratégias antienvelhecimento, como exercícios físicos e dietas (McKie & Jyrkinen, 2017Mckie, L., & Jyrkinen, M. (2017). Mymanagement: Women managers in gendered and sexualised workplaces. Gender in Management, 32(2), 98-110. doi: 10.1108/GM-04-2016-0091
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). Elas entendem que lhes cabe, individualmente, envelhecer com sucesso, principalmente por meio do consumo (produtos para a pele, cirurgias cosméticas e procedimentos estéticos), a fim de evitar o declínio, assumindo o controle de seu próprio envelhecimento (Trethwey, 2001Trethewey, A. (2001, November). Reproducing and resisting the master narrative of decline: Midlife professional women’s experience of aging. Management Communication Quarterly, 15(2). 183-226. doi:10.1177/0893318901152002
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).

Por meio da beleza, as mulheres buscam lutar contra a invisibilidade e investem na aparência, tanto para atrair ou manter um parceiro romântico quanto para atender às exigências do emprego (Clarke & Griffin, 2008Clarke, L., & Griffin, M. (2008). Visible and invisible ageing: Beauty work as a response to ageism.Ageing and Society, 28(5), 653-674. doi: 10.1017/S0144686X07007003
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). No setor de serviços, por exemplo, existe uma valorização no que tange à aparência e juventude e, portanto, algumas mulheres são excluídas por não apresentarem “a forma ideal de profissional” (Moore, 2009Moore, S. (2009). “No matter what I did I would still end up in the same position”: Age as a factor defining older women’s experience of labour market participation. Work, Employment and Society, 23(4), 655-671. doi:10.1177/0950017009344871
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). As mulheres assumem que a aparência surge como uma questão relevante, pois está atrelada à atratividade sexual, diferentemente do que ocorre entre os homens, cuja a importância de “parecer jovem”estaria ligada somente à situações em que o trabalho físico é uma exigência, como por exemplo, em trabalho manuais. (McGann et al., 2016McGann, M., Ong, R., Bowman, D., Duncan, A., Kimberley, H., & Biggs, S. (2016). Gendered ageism in Australia: Changing perceptions of age discrimination among older men and women. Economic Papers, 35, 375-388. doi: 10.1111/1759-3441.12155
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).

Pesquisadores verificaram que a discriminação por conta da idade e gênero não se dá, necessariamente, por ações de outros homens, mas sim por outras mulheres, em virtude da competição dentro da empresa, especialmente por parte das mais jovens, por conta da aparência (McMullin & Berger, 2006McMullin, J. A., & Berger, E. D. (2006). The case of unemployed older workers. In T. Calasanti, & K. F. Slevin, Age matters: Re-aligning feminist thinking. Routledge. New York, NY. 201-224.). Como consequência, as experiências negativas relacionadas à discriminação por idade, como a depreciação de habilidades, podem ser alguns dos motivos pelos quais mulheres que interromperam suas carreiras, mas que decidiram retornar às atividades, desejem redirecionar seus trabalhos distanciando-se dos antigos empregadores (Lovejoy & Stone, 2012Lovejoy, M., & Stone, P. (2012). Opting back in: the influence of time at home on professional women's career redirection after opting out. Gender, Work &Organization, 19, 631-653. doi: 10.1111/j.1468-0432.2010.00550.x
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).

É interessante notar, no entanto, que não são somente as mulheres com idade avançada que sofrem preconceito. De acordo com pesquisadores, em todas as idades, as mulheres têm mais probabilidade do que homens de sofrer atitudes preconceituosas sobre aparência ou sexualidade, especialmente aquelas com menos de 25 anos e com mais de 45 anos (Duncan & Loretto, 2004Duncan, C., & Loretto, W. (2004), Never the right age? Gender and age-based discrimination in employment. Gender, Work & Organization, 11, 95-115. doi: 10.1111/j.1468-0432.2004.00222.x
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). Por essa razão, as pesquisas utilizadas como base para esta pensata englobam mulheres de diferentes idades, e não exclusivamente idosas.

As feições de quem enfrenta a feminização do envelhecimento

A feminização do envelhecimento é uma característica que promove alterações no padrão etário das mulheres na força de trabalho (Giatti & Barreto, 2003Giatti, L., & Barreto, S. M. (2003, maio/junho). Saúde, trabalho e envelhecimento no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 3(19), 759-771. doi:10.1590/S0102-311X2003000300008
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) e coloca pressões diferenciadas no mercado de trabalho (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2010Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2010). Comunicados do IPEA: Tendências demográficas, n. 64.). Para se ter uma ideia, dados das Nações Unidas (2012) indicam que, no ano de 2012, 26% dos homens idosos e 15% das mulheres idosas dos países mais desenvolvidos participavam da força de trabalho. No mesmo ano, no Brasil, 44% dos homens e 21% das mulheres mais velhas compunham a força de trabalho (Gomes & Pamplona, 2015). Portanto, dado o envelhecimento global da força de trabalho, o entendimento dessa fase é crítico para o âmbito das organizações (Gordon & Whelan, 1998Gordon, J. R., & Whelan, K. S. (1998). Successful professional women in midlife: How organizations can more effectively understand and respond to the challenges. Academy of Management Executive, 12(1). 8-27.).

Alguns fatores podem influenciar a entrada ou continuidade da mulher em idade avançada no mercado de trabalho. Divórcio e viuvez podem alterar a lógica com relação aos novos papéis, já que essa mulher poderá ter que aprender um novo ofício, encontrar formas de se sustentar e até buscar uma maior sociabilidade e novos parceiros (Nascimento & Rabêlo, 2008Nascimento, A. J. R. do, & Rabêlo, F. C. E. (2008). Memória e envelhecimento: Narrativas sobre questões de gênero e do mundo do trabalho. Sociedade e Cultura, 11(2). 333-342. doi: 10.5216/sec.v11i2.5291
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). Nesse cenário, muitas mulheres estão comprometidas com o seu sustento e o de sua família e, por causa das dificuldades enfrentadas (Nascimento & Rabêlo, 2008Nascimento, A. J. R. do, & Rabêlo, F. C. E. (2008). Memória e envelhecimento: Narrativas sobre questões de gênero e do mundo do trabalho. Sociedade e Cultura, 11(2). 333-342. doi: 10.5216/sec.v11i2.5291
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) e da baixa escolaridade, acabam aceitando empregos precários, com salários inferiores e que permitam conciliar sua rotina de trabalho, já que não têm preparação para cargos melhores (Gomes & Pamplona, 2015Gomes, P. S., & Pamplona, J. B. (2015, outubro/dezembro). Envelhecimento populacional, mercado de trabalho e política pública de emprego no Brasil. E&G Economia e Gestão, 15(41). 206-230. doi: 10.5752/P.1984-6606.2015v15n41p206
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; Nascimento & Souza, 2006Nascimento, A. J. R. do, & Souza, M. R. de. (2006). As mulheres idosas e o mercado de trabalho. I Seminário Nacional de Trabalho e Gênero. Goiânia, GO.). Mulheres em processo de envelhecimento podem, ainda, sofrer pela falta de perspectiva de trabalho, pois muitas se dedicaram a cuidar de filhos e apresentam dificuldades na tentativa de uma inserção profissional (Lima & Bueno, 2009Lima, L. C. V. de, & Bueno, C. M. L. B. (2009). Envelhecimento e gênero: A vulnerabilidade de idosas no Brasil. Revista Saúde e Pesquisa, 2(2), 273-280.). Por outro lado, outras acabam optando por não buscar emprego, pois seus filhos estão atuando no mercado de trabalho e, por isso, no papel de avós, acabam sendo encarregadas de cuidar dos netos (Soares, 2012Soares, C. (2012). Envelhecimento populacional e as condições de rendimento das idosas no Brasil. Revista Gênero, 12(2), 167-185. ).

Mas quem são essas mulheres que enfrentam dificuldades no mercado de trabalho?

A literatura demonstra que diferentes mulheres em contexto de trabalho enfrentam as dificuldades atreladas ao preconceito de idade. Mulheres executivas parecem vivenciar desafios (Gordon & Whelan, 1998Gordon, J. R., & Whelan, K. S. (1998). Successful professional women in midlife: How organizations can more effectively understand and respond to the challenges. Academy of Management Executive, 12(1). 8-27.), haja vista que, à medida que a mulher envelhece, são menores as possibilidades de ocupação de cargos gerenciais. Dados mostram que 43,4% dos cargos são ocupados por mulheres entre 16 e 29 anos; 39,5% dos cargos, por mulheres entre 30 e 49 anos; 31,6%, por mulheres entre 50 e 59 anos, e somente 31,3% são ocupados por mulheres com 60 anos ou mais de idade (IBGE, 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2018 Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3097/tcmb_2018.pdf
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). Mulheres que investiram em trabalhos flexíveis também são vítimas de desigualdade de gênero, uma vez que muitas trabalham de maneira informal, e os níveis de escolha, autonomia e controle são inferiores aos dos homens mais velhos que optaram pelo trabalho flexível (Loretto & Vickerstaff, 2015Loretto, W., & Vickerstaff, S. (2015). Gender, age and flexible working in later life. Work, Employment and Society, 29(2), 233-249. doi: 10.1177/0950017014545267
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). Essa falta de reconhecimento do “trabalho” das mulheres mais velhas torna-as menos visíveis nos debates sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal (Loretto & Vickerstaff, 2015Loretto, W., & Vickerstaff, S. (2015). Gender, age and flexible working in later life. Work, Employment and Society, 29(2), 233-249. doi: 10.1177/0950017014545267
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). As acadêmicas também sofrem discriminação por conta da idade e do gênero, porque são pressionadas a assumir papéis apropriados ao gênero - geralmente relacionados ao bem-estar dos alunos, os quais são menos valorizados que as carreiras de pesquisa desenvolvidas por colegas homens mais jovens (Broadbridge, Granleese, & Sayer, 2006Broadbridge, A., Granleese, J., & Sayer, G. (2006), "Gendered ageism and “lookism”: A triple jeopardy for female academics". Women in Management Review, 21(6), 500-517. doi: 10.1108/09649420610683480
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). Mulheres imigrantes e indígenas também se mostram vulneráveis ao longo do processo de envelhecimento, principalmente quando decidem retornar à força de trabalho, pois acabam aceitando salários inferiores e atividades com status mais baixos do que as que deixaram originalmente, além de trabalhos em meio período (Encel & Studencki, 1997Encel, S., & Studencki, H. (1997). Gendered ageism: Job search experiences of older women. NSW Committee on Ageing and the Department for Women (NSW), Sydney, Australia.). Empreendedoras enfrentam a discriminação, pois experimentam as desvantagens de ser uma mulher autônoma mais velha, e usam a própria experiência para atuarem de maneira mais ativa contra a discriminação em seus negócios (Meliou, Mallett, & Rosenberg, 2019Meliou, E., Mallett, O., & Rosenberg, S. (2019). Being a self-employed older woman: From discrimination to activism. Work, Employment and Society . 33(3). 529-538. doi: 10.1177/0950017018800235
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).

Necessidades das mulheres em processo de envelhecimento e estratégias de transformação no contexto de trabalho

Como visto ao longo desta pensata, à medida que envelhecem, as mulheres deparam-se com inúmeras dificuldades atreladas ao gênero e idade. Segundo pesquisadores, é importante reconhecer as necessidades dessas mulheres para que organizações possam compartilhar as responsabilidades e criar programas, políticas e práticas para apoiá-las, gerando consequências positivas para elas e suas organizações (Gordon & Whelan, 1998Gordon, J. R., & Whelan, K. S. (1998). Successful professional women in midlife: How organizations can more effectively understand and respond to the challenges. Academy of Management Executive, 12(1). 8-27.). É necessário, portanto, compreender as diferentes condições e demandas de mulheres que envelhecem nos diversos âmbitos de trabalho.

Quando se trata de mulheres que ocupam setores tradicionais femininos, autores mostram que, frequentemente, elas recebem salários mais baixos e com menos status se comparado aos homens e, por essa razão, se mostram mais expostas a eventos traumáticos e com ferimentos físicos, como quando ocupam serviços de saúde e acabam exercendo a função de faxineiras, enfermeiras e profissionais auxiliares (Payne & Doyal, 2010Payne, S., & Doyal, L. (2010). Older women, work and health. Occupational Medicine. 60(3), 172-177. doi: 10.1093/occmed/kqq030
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). Mulheres que se dedicam a atividades domésticas, cuidados dos netos ou outros dependentes também podem ter a saúde mental comprometida devido ao estresse, isolamento social e o não reconhecimento pelo trabalho executado (Payne & Doyal, 2010Payne, S., & Doyal, L. (2010). Older women, work and health. Occupational Medicine. 60(3), 172-177. doi: 10.1093/occmed/kqq030
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). Com relação às mulheres que envelhecem em cargos mais elevados nas organizações, autores demonstram que há uma necessidade de renovação do equilíbrio de trabalho-família, de ter mais tempo pessoal, de continuar a atingir realização pessoal e valor percebido para a organização e, por fim, a necessidade de se preparar para a próxima década (Gordon & Whelan, 1998Gordon, J. R., & Whelan, K. S. (1998). Successful professional women in midlife: How organizations can more effectively understand and respond to the challenges. Academy of Management Executive, 12(1). 8-27.).

A fim de oferecer maior qualidade de vida para mulheres que envelhecem no contexto de trabalho, algumas estratégias são propostas: fomentar uma cultura na qual funcionários se sintam confortáveis em falar sobre os problemas de saúde, reduzir fontes de estresse, e, considerando os efeitos da menopausa, empregadores também poderiam estar atentos à temperatura e ventilação no local de trabalho (Griffiths et al., 2016Griffiths, A., Ceausu, I., Depypere, H., Lambrinoudaki, I., Mueck, A., Pérez-López, F. R., Rees, M. (2016). EMAS recommendations for conditions in the workplace for menopausal women. Maturitas, 85, 79-81. doi:10.1016/j.maturitas.2015.12.005
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). Outras variáveis mostram-se significativas para a permanência de mulheres no mercado de trabalho à medida que envelhecem, por exemplo: relações interpessoais, autonomia, flexibilidade e interesses fora do trabalho (Shacklock, Brunetto, & Nelson, 2009Shacklock, K., Brunetto, Y., & Nelson, S. (2009). The different variables that affect older males’ and females’ intentions to continue working. Asia Pacific Journal of Human Resources, 47(1), 79-101. doi: 10.1177/1038411108099291
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).

Apesar da predominância da feminização do envelhecimento, são escassas e incipientes as discussões acerca das iniciativas para minimizar os efeitos do fenômeno em nosso país. Faz-se urgente, portanto, maior atenção e esforço direcionado a essas mulheres que, como visto ao longo desta pensata, deverão participar cada vez mais ativamente da força de trabalho, ainda que sejam vítimas de discriminação por conta do gênero e idade. É esta, portanto, a principal reflexão proposta por esta pensata: O que as organizações estão fazendo em prol das mulheres que envelhecem no contexto de trabalho? As necessidades dessas mulheres são conhecidas? Quais estratégias têm sido implementadas? Entende-se que é necessário estimular aqueles que dirigem as organizações a buscarem o reconhecimento das necessidades dessas mulheres, incitando transformações quanto à sua inclusão e respeito dentro do espaço organizacional (Cepellos, 2016Cepellos, V. M. (2016). Os sentidos da idade: Morte e renascimento no processo de envelhecimento de mulheres executivas (Tese de doutorado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP).).

COMENTÁRIOS FINAIS

Esta pensata teve como base uma perspectiva multidisciplinar, ao explorar a literatura a respeito da feminização do envelhecimento. Argumentamos que a concepção de feminização vai muito além dos números, no sentido de que o fenômeno não se resume ao fato de que há mais mulheres idosas na sociedade brasileira e que elas vivem mais do que os homens, mas sim de que ele é complexo e multifacetado. Os prejuízos parecem advir de situações, contextos históricos e culturais, especialmente em nosso país (Goldani, 2010Goldani, A. M. (2010). "Ageism" in Brazil: What is it? Who does it? What to do with it? Revista Brasisleira de Estudos de População, 27(2), 385-405.doi: 10.1590/S0102-30982010000200009
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), que fazem com que, no Brasil, as mulheres se tornem mais vulneráveis do que os homens durante o processo de envelhecimento.

Ao discutir o tema, esta pensata argumenta que há três eixos que norteiam o fenômeno em análise: a constituição da feminização do envelhecimento, as feições de quem o enfrenta e, por fim, as necessidades das mulheres em processo de envelhecimento e estratégias de transformação no contexto de trabalho.

Nesse sentido, defendemos que o tópico está atrelado ao fato de que as mulheres encaram inúmeros desafios ao longo do processo de envelhecimento, ou seja, como lidar com a aparência, com as percepções sobre suas habilidades técnicas e comportamentais, além de serem questionadas por seus conhecimentos e experiências. A discriminação ocorre tanto por homens quanto por mulheres mais jovens, demonstrando a complexidade do fenômeno.

Ademais, foi possível observar que, conquanto haja maior contingente de mulheres mais velhas na força de trabalho, poucas ações estão sendo colocadas em prática para mitigar os problemas enfrentados por elas.

A pensata contribui, portanto, com a proposta de se ampliar o conceito de feminização do envelhecimento, o que permite estimular o debate sobre as desigualdades enfrentadas pela mulher à medida que envelhecem nas organizações, a fim de mitigar os efeitos de prejuízos advindos da idade.

Considera-se, no entanto, que esta pensata apresenta limitações, na medida em que aborda o tema de feminização do envelhecimento de maneira mais generalizada e exclusivamente teórica. Nesse sentido, sugere-se que, em estudos futuros, o tema seja aprofundado a partir da dados empíricos e que sejam levadas em consideração especificidades de determinados contextos organizacionais e necessidades das mulheres que atuam nesses ambientes. Além disso, sugerem-se estudos comparativos entre mulheres e homens em idade avançada para identificar elementos que possam diferenciar a experiência do envelhecimento para ambos os grupos.

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Editado por

Avaliado pelo sistema double blind review. Editora Científica: Cíntia Rodrigues de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2019
  • Aceito
    22 Jun 2020
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