EXPLORANDO A INTERLIGAÇÃO ENTRE LIDERANÇA ESPIRITUAL E LOCAL DE TRABALHO SUSTENTÁVEL: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL

RESUMO

Apesar de conhecerem os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável propostos pela Agenda 2030 das Nações Unidas, há pouca compreensão sobre como alcançar a sustentabilidade. Nesse contexto, acredita-se que o estilo de liderança espiritual (LE) pode ser capaz de direcionar as iniciativas para enfrentar os desafios da sustentabilidade nas organizações, por meio da promoção de um ambiente de trabalho sustentável. Assim, este ensaio teórico tem como objetivo compreender a conexão entre a LE e o desenvolvimento de um ambiente de trabalho sustentável. Trazemos três contribuições: demonstramos como o estilo de LE pode ser considerado uma mola promotora da sustentabilidade organizacional; explicamos como a LE impacta não apenas em nível individual, mas também nas equipes e na organização como um todo, por meio do bem-estar espiritual, levando ao comprometimento e produtividade; propomos um esquema conceitual mostrando como as constatações anteriores conformam um ambiente de trabalho sustentável promovido pela LE. Dada a escassez de considerações teóricas na literatura acadêmica existente, as contribuições aqui apresentadas representam oportunidades para avançar no conhecimento a respeito desse tema de pesquisa, oferecendo elementos para futuras pesquisas empíricas.

Palavras-chaves:
liderança espiritual; sustentabilidade; ambiente de trabalho sustentável; bem-estar espiritual; comprometimento.

ABSTRACT

Although organizations are aware of the 17 goals proposed by the 2030 UN Agenda, there is little understanding of how to achieve sustainability. In this context, it is believed that spiritual leadership (SL) may be capable of directing initiatives to address sustainability challenges in organizations, by promoting a sustainable workplace. Thus, this theoretical essay aims to understand the connection between SL and the development of a sustainable workplace. We bring three contributions: it demonstrates how SL can be considered a driving force for organizational sustainability; we explain how SL impacts not only at an individual level but also on teams and the organization as a whole, through spiritual well-being, leading to commitment and productivity; we propose a conceptual scheme showing how the previous findings form a sustainable workplace promoted by SL. Given the scarcity of such theoretical insights in the existing literature, our contributions represent an opportunity to advance knowledge on this research topic, paving the way for future empirical investigations.

Keywords:
spiritual leadership; sustainability; sustainable workplace; spiritual well-being; commitment.

RESUMEN

A pesar de que las organizaciones tienen conocimiento de los 17 objetivos propuestos por la Agenda 2030 de la ONU, existe poca comprensión sobre cómo lograr la sostenibilidad. En este contexto, se cree que liderazgo espiritual (LE) puede ser capaz de orientar las iniciativas para abordar los desafíos de sostenibilidad en las organizaciones, mediante la promoción de un entorno de trabajo sostenible. Así, este ensayo teórico tiene como objetivo comprender la conexión entre LE y el desarrollo de un lugar de trabajo sostenible. Aportamos tres contribuciones: demostramos como el LE puede considerarse un catalizador de la sostenibilidad organizacional; explicamos como el LE impacta no solo a nivel individual, sino también en los equipos y en la organización en su conjunto, a través del bienestar espiritual, conduciendo al compromiso y la productividad; proponemos un esquema conceptual que muestra como las contribuciones anteriores conforman un ambiente de trabajo sostenible promovido por el LE. Dada la escasez de tales conocimientos teóricos en la literatura existente, nuestras contribuciones representan una oportunidad para el avance de la investigación sobre el tema, allanando el camino para futuras investigaciones empíricas.

Palabras clave:
liderazgo espiritual; sostenibilidad; entorno de trabajo sostenible; bienestar espiritual; compromiso.

INTRODUÇÃO

A Agenda 2030 da ONU orienta a busca da sustentabilidade organizacional (Galleli et al., 2021) em termos sociais, econômicos e ambientais, promovendo um ambiente de trabalho ético (Fry, 2003). Para tanto, diversas pesquisas têm sido realizadas buscando compreender como as organizações podem estabelecer metas e indicadores alinhados à Agenda 2030 (Galleli et al., 2020). A ligação das organizações com a sustentabilidade deve manifestar-se de forma transversal, promovendo a identificação, adaptação e implementação de iniciativas que integrem a sustentabilidade com a estratégia organizacional (Egel & Fry, 2017; Galleli et al., 2020; Rubio-Mozos et al., 2020; Voegtlin et al., 2020), por meio de um propósito maior que permeia a liderança, as equipes e a organização. Isso implica estabelecer metas e indicadores que visem não apenas a rentabilidade, mas também o comprometimento com o meio ambiente e a sociedade (Fry & Egel, 2021; Samul, 2020a, 2020b; Voegtlin et al., 2020).

Nesse contexto, a Inner Development Goals (IDG), organização sem fins lucrativos, desempenha papel crucial por meio de suas diretrizes, denominadas “Objetivo 0”. A IDG se antecipa aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, conectando e capacitando líderanças para o enfrentamento dos desafios socioambientais. Sua abordagem orienta os líderes na percepção e desenvolvimento de competências e comportamentos estratégicos e transversais, fundamentais para a promoção da Agenda 2030 (Galleli et al., 2021). No entanto, raros estudos foram realizados para compreensão de quais competências e comportamentos são necessários para que os líderes enfrentem as dificuldades e melhorem os resultados das suas ações no avanço da Agenda (Galleli et al., 2020; IDG, 2021).

Além disso, a implementação de iniciativas para a sustentabilidade organizacional requer um estilo de liderança capaz de identificar e promover a comunicação ética (Fry & Egel, 2017) de forma clara e eficaz entre os indivíduos, a sociedade e as organizações (Ashmos & Duchon, 2000; Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023; Yang & Fry, 2018). Deve também considerar a multidimensionalidade e a complexidade dos desafios relacionados à sustentabilidade organizacional em diferentes níveis - indivíduos, equipes e a organização, como um todo (Fry & Cohen, 2008; Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023), com base na conexão entre a visão e os valores do líder, integrados com os dos demais indivíduos, das equipes e da organização (IDG, 2021; Samul, 2020a, 2020b). Percebe-se, nesse contexto, que o líder desempenha papel fundamental no processo de relacionar ética, visão e valores, sendo responsável por conectar e orientar ações voltadas a sustentabilidade e alinhadas à estratégia organizacional (Arnaud & Wasieleski, 2014; Strand, 2014).

No entanto, cabe ressaltar que para alcançar a sustentabilidade é necessário que o líder adote uma abordagem integral, abrangendo não só os aspectos econômicos, sociais e ambientais, mas também a conexão com aspectos fundamentais centrados no ser humano (Fry & Kriger, 2009), que incluem corpo, mente, coração e espírito (Fry, 2003), ou seja, adotar uma visão holística mutuamente compartilhada entre indivíduos e valores organizacionais (Fabio, 2017; Hunsaker, 2016; Jiménez et al., 2017; Wilber, 2000).

Diante dessas demandas, a literatura acadêmica tem dado destaque a diferentes abordagens de estilos de liderança baseadas em valores éticos para o alcance da sustentabilidade nas organizações. Contudo, neste ensaio, demonstraremos que a liderança espiritual (LE) parece ser o estilo de liderança capaz de abordar essa visão holística dos indivíduos ligados à organização (Fry, 2003; Fry & Kriger, 2009; Wilber, 2000), integrando valores individuais, de equipe e organizacionais, e promoção de ações alinhadas à sustentabilidade (Fry & Nisiewicz, 2013; Fry & Slocum, 2008; Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023; Samul, 2020a).

A LE tem ganhado destaque ao promover a integração ética de missão, visão e valores visando a sustentabilidade organizacional (Fry & Egel, 2021). Essa integração é conseguida através de iniciativas que ligam os valores individuais do líder à visão organizacional, inspirando as suas equipes a agir em prol do bem-estar espiritual. O bem-estar é entendido como um dos elementos que nutrem e capacitam o indivíduo a sentir-se conectado e motivado no alcance dos objetivos alinhados aos valores espirituais, empregando, para isso, valores, atitudes e comportamentos intrinsecamente motivadores para si e para os outros, promovendo um sentimento de sobrevivência espiritual através de pertencimento e propósito (Fry, 2003). Esse foco pode resultar em melhorias na produtividade e no comprometimento da equipe e da organização (Bandura, 2008; Samul, 2020a).

Assim, a conexão entre ética e sustentabilidade organizacional ocorre por meio de iniciativas alinhadas aos desafios socioambientais (Galleli et al., 2021) e capitaneadas pelo líder espiritual e suas equipes (Fry & Egel, 2021), fomentando um ambiente de trabalho sustentável caracterizado pela busca sistemática de resultados operacionais e econômicos, pautados no bem-estar, no compromisso ético e na sustentabilidade, considerando o cuidado com os indivíduos, a organização e meio ambiente (Samul, 2020a).

A relação entre LE e sustentabilidade organizacional tem sido evidenciada em diversos estudos (Afsar et al., 2016; Caldana & Macini, 2021; Crossman & Crossman, 2011; Fry & Slocum, 2008; Samul, 2020a; Wahid & Mustamil, 2017), embora ainda esteja em fase de conceituação teórica (Samul, 2020a, 2021). No entanto, esses estudos não estabelecem de forma clara e explícita a ligação e integração da LE no contexto da sustentabilidade organizacional, nem explicam como ocorrem essa relação. Além disso, a relação entre a sustentabilidade organizacional e a prática de valores espirituais ainda carece de uma compreensão mais profunda de como as questões teóricas e práticas da sustentabilidade organizacional (Caldana & Macini, 2021) fudamentadas espiritualmente podem ser abordadas e implementadas pelas lideranças (Barron & Chou, 2017).

Assim, novos estudos são necessários para direcionar e potencializar iniciativas alinhadas com a sustentabilidade organizacional, explicando como as relações entre LE, sustentabilidade e um ambiente de trabalho sustentável se manifestam nas organizações, e como podem ser replicadas em diferentes contextos (Oh & Wang, 2020; Samul, 2020a). Com o objetivo de avançar neste tema, este ensaio teórico busca compreender a conexão entre LE e o desenvolvimento de um ambiente de trabalho sustentável através da convergência entre LE e sustentabilidade.

Serão apresentadas três contribuições teóricas para o desenvolvimento do tema: a) demonstra como o estilo LE pode ser considerado um propulsor para a sustentabilidade organizacional, pois promove conexão com o propósito de vida de seus colaboradores e da sociedade; b) explica como o líder espiritual é o elo de impacto não só em nível individual, mas também nas equipes e na organização como um todo, refletindo no bem-estar espiritual, no comprometimento e na produtividade; c) propõe um esquema conceitual que mostra como as conclusões anteriores formam um ambiente de trabalho sustentável promovido pela LE. Esta proposição, não identificada na literatura pesquisada, visa dar suporte a futuras pesquisas que busquem o desenvolvimento de modelos conceituais e teóricos para aplicação empírica. Além disso, apresenta algumas contribuições empíricas das ações dos líderes da LE que estão alinhadas aos ODS e sugere possíveis rumos para pesquisas futuras, tanto teóricas quanto práticas, relacionadas aos valores e iniciativas dos líderes espirituais no ambiente de trabalho (Oh & Wang, 2020; Reave, 2005; Samul, 2020a) visando torná-lo sustentável.

A primeira seção apresentará os motivos da adoção do estilo LE; a segunda abordará a ligação entre LE e sustentabilidade organizacional; a terceira explorará como a LE, a sustentabilidade organizacional e a cultura organizacional estão relacionadas; a quarta discutirá o papel da LE na promoção de um ambiente de trabalho sustentável; a quinta apresentará um esquema que busca auxiliar na compreensão das conexões da LE em organizações que buscam a sustentabilidade. Por fim, serão apresentadas as considerações finais, contribuições e sugestões para pesquisas futuras.

POR QUE LIDERANÇA ESPIRITUAL?

Desde a década de 1970, os investigadores começaram a direcionar a sua atenção para a perspectiva dos colaboradores em vez de concentrarem-se apenas nos interesses das organizações (Samul, 2020a; Yukl, 2013). Desde então, a liderança tem sido entendida como um processo de influência compartilhada por um sistema social, que envolve a interdependência entre indivíduos, equipes e organizações que pode variar de acordo com a situação (Day & Harrison, 2007) e é considerada uma influência na vida dos indivíduos (Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023; Samul, 2020a). No início dos anos 2000, práticas antiéticas no ambiente organizacional, que persistem até os dias de hoje, começaram a surgir. Isso levou à busca por estilos de liderança capazes de lidar com questões como falta de confiança, ausência de moralidade e comportamentos inadequados no ambiente de trabalho (Fry & Egel, 2021; Yukl, 2013), como o caso da liderança baseada em valores éticos (Oh & Wang, 2020; Samul, 2020a). Assim, a pesquisa acadêmica passou a explorar como os líderes influenciam a base de tais valores (Jensen et al., 2019; Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023), resultando na identificação de vários estilos de liderança (Tabela 1).

Tabela 1
Estrutura Resumida dos Estilos de Liderança

Estilos de Liderança	Conceito	Fundamentos	Autores
Liderança Transformacional	Um estilo de liderança que procura inspirar e motivar os liderados a superarem as suas próprias limitações e a comprometerem-se com metas e objetivos ambiciosos através do estabelecimento de uma relação de confiança com os colaboradores, gerando não só uma mudança no desempenho individual, mas também uma transformação na cultura organizacional global.	- Criação de uma visão inspiradora - Transmissão de valores éticos e ideais elevados - Desenvolvimento dos indivíduos.	(Bass & Avolio, 1990, 1994; Yukl, 2013).
Liderança Servidora	Um estilo de liderança que se concentra em colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar. Um líder servidor prioriza o bem-estar e o desenvolvimento de seus colaboradores ao invés de buscar apenas o seu próprio sucesso pessoal, promovendo um ambiente de confiança, respeito e colaboração.	- Valores como empatia, humildade, ética e compromisso com o bem comum.	(Udani & Lorenzo-Molo, 2013; Yukl, 2013).
Liderança Ética	Estilo de liderança em que os líderes se baseiam em fortes princípios éticos e valores morais para orientar suas ações e decisões, servindo de modelo para os colaboradores e contribuindo para a construção de uma cultura organizacional ética e saudável.	- Transparência nas comunicações - Respeito pela diversidade Promoção da igualdade de oportunidades - Decisões baseadas em critérios e valores éticos	(Fry & Kriger, 2009; Wang et al., 2017; Yukl, 2013).
Liderança Autêntica	Um estilo de liderança baseado na autenticidade e congruência entre os valores, crenças, comportamentos e ações do líder. Isto permite ao líder criar um ambiente de trabalho positivo e encorajador, onde os indivíduos se sentem valorizados e encorajados a serem autênticos nas suas contribuições.	- Autenticidade e transparência do líder em suas ações e comunicação - Congruência entre os valores éticos, crenças e comportamentos do líder.	(Avolio & Gardner, 2005; Chang et al., 2020; Fry & Kriger, 2009; Yukl, 2013).
Liderança Espiritual	Um estilo de liderança que se baseia na ligação entre valores e princípios espirituais e a prática da liderança. Este líder é guiado por um propósito maior que vai além dos resultados financeiros e materiais, criando um ambiente de trabalho baseado em valores éticos, respeito mútuo, equilíbrio e harmonia, transcendendo os interesses pessoais e buscando o bem-estar espiritual e o desenvolvimento dos colaboradores e da organização.	- Valores éticos e morais congruentes Propósito inspirador Vida Interior - Crescimento pessoal e espiritual - Abordagem holística que considera a dimensão espiritual dos indivíduos e reconhece a sua importância no contexto organizacional.	(Duchon & Plowman, 2005; Fry, 2003; Fry & Kriger, 2009; Yukl, 2013).

A análise dos fundamentos dos estilos identificados (Tabela 1) permite observar que existem outros pontos comuns, para além do valor ético que norteou a escolha desses estilos, como a criação de uma visão/propósito inspiradora (liderança transformacional e espiritual), a congruência entre valores éticos e morais (liderança autêntica e espiritual) e a transparência na comunicação (liderança ética e autêntica). É importante destacar aqui que em todos os estilos apresentados a liderança é vista como um processo em que o líder e colaboradores influenciam-se mutuamente (Saane, 2019; Samul, 2020b).

A Tabela 1 permite ainda observar que apenas a LE adota uma abordagem holística dos indivíduos, considerando o ser humano como um todo integrado: corpo (físico), mente (pensamento lógico/racional), coração (emoções, sentimentos) e espírito (Fry, 2003; Fry & Kriger, 2009; Wilber, 2000). Portanto, quando um líder atua de forma holística, busca integrar o bem-estar espiritual dos liderados, promover impacto social positivo, assumir responsabilidade ambiental e criar harmonia com a comunidade onde a organização está inserida, indo muito além de meros indicadores financeiros (Egel & Fry, 2017; Fry & Egel, 2021; Samul, 2020b; Yang & Fry, 2018), para a tomada de decisões sustentáveis, bem como para a operacionalização estratégica ao implementar soluções de compromisso (Corral-Marfil et al., 2021). Ao adotar essa abordagem, os líderes promovem uma visão de longo prazo, sustentabilidade e equilíbrio entre vários aspectos do contexto organizacional, estabelecendo uma conexão natural com a sustentabilidade (Crossman & Crossman, 2011; Fry, 2003; IDG, 2021; Samul, 2020b).

Acreditamos que o estilo LE tem a capacidade de integrar valores individuais e de equipe aos valores organizacionais, promovendo ações alinhadas aos resultados operacionais convergentes com a sustentabilidade organizacional (Fairholm, 1996; Fry & Egel, 2021; Fry & Nisiewicz, 2013; Fry & Slocum, 2008). Uma LE pode promover aspectos sociais, ambientais e econômicos entre os indivíduos, agindo com uma visão integral (Wilber, 2000), incluindo o bem-estar espiritual como ponto central de sua ética. Assim, a ação moral da LE (Reave, 2005; Suriyankietkaew & Kantamara, 2019) define os limites das iniciativas necessárias para alcançar uma estratégia organizacional sustentável (Prihandono & Wijayanto, 2021), sempre levando em consideração o bem-estar espiritual dos indivíduos (Samul, 2020a; Zawawi & Wahab, 2019).

Diante do exposto, é importante destacar uma posição relevante adotada neste ensaio. O estilo LE é analisado sob a perspectiva da Teoria Social Cognitiva (TSC) de Bandura (2008), que oferece o contexto psicológico para compreender como as lideranças espirituais podem influenciar seus colaboradores por meio do compartilhamento de crenças, valores e comportamentos, conectando-os e motivando-os na busca de uma organização sustentável. Quando combinado com o modelo proposto por Fry (2003), atua como um mecanismo motivacional para a concretização da estratégia organizacional (Anser et al., 2021; Bandura, 2008; Deci & Ryan, 2000).

Apesar de ter como foco principal a motivação intrínseca no ambiente de trabalho (Fry, 2003), a TSC ajuda a compreender como os indivíduos observam, aprendem e imitam os comportamentos e ações dos seus modelos, sugerindo que os líderes podem moldar os comportamentos dos seus colaboradores. Esta é a ligação entre a motivação de Bandura (1977, 2008) e a abordagem mais ampla de Fry (2003) à teoria da motivação (Deci & Ryan, 2000; Fry, 2003; Fry & Kriger, 2009; Fry et al., 2010).

Assim, este estudo entende que o estilo LE incorpora elementos da TSC para promover uma abordagem holística e sustentável da liderança, buscando resultados significativos e positivos para todos os envolvidos, atuando como o elo de motivação que conecta líderes, equipes e estratégia organizacional. A Tabela 2 mostra claramente a relação entre esses conceitos.

Tabela 2
Relação entre TSC e LE

Principais Conexões	Analise da Teoria Social Cognitiva x Liderança Espiritual	Autores
Autoeficácia e confiança	Ambas destacam a importância da autoeficácia e da autoconfiança no enfrentamento dos desafios. Um líder espiritual procura desenvolver a autoeficácia nos seus colaboradores, incentivando-os a acreditar nas suas capacidades e potenciais, o que aumenta a sua motivação para enfrentar tarefas e objetivos.	(Fry & Egel, 2021; Oh & Wang, 2020; Samul, 2020a; Yang et al., 2019).
Modelagem de comportamento	A Teoria Social Cognitiva (TSC) enfatiza a aprendizagem por meio da observação e modelagem do comportamento de outros indivíduos. Um líder espiritual, ao demonstrar valores éticos e comportamentos alinhados com a sustentabilidade, atua como um modelo para seus colaboradores, inspirando-os a agir de forma semelhante e alcançar resultados positivos.
Valores e propósito	A liderança espiritual envolve a integração de valores individuais e organizacionais. A TSC reconhece a importância dos valores na formação das crenças e motivações dos indivíduos. Um líder espiritual procura alinhar os valores individuais e das equipes com os valores organizacionais, criando um propósito comum que impulsiona o envolvimento e o compromisso.
Autodeterminação e autorregulação	A TSC enfatiza a importância da autodeterminação e da autorregulação do comportamento. Um líder espiritual incentiva seus colaboradores a assumirem a responsabilidade por suas ações e a tomarem decisões éticas alinhadas com a sustentabilidade.	(Fry & Kriger, 2009; Samul, 2020b).
Impacto social positivo	Ambos reconhecem a importância do impacto social positivo. Um líder espiritual procura criar um ambiente de trabalho sustentável e promover iniciativas que beneficiem a comunidade e a sociedade, o que aumenta a motivação e o sentido de propósito dos colaboradores.	(Fry & Egel, 2021; Samul, 2020a).

Bandura (2008)Fry e Cohen (2008)

Portanto, o propósito da LE pode ser percebido a partir de três pilares: criar congruência entre valores e visões individuais, de equipe e organizacionais; realçar o bem-estar espiritual, através do propósito e pertencimento de líderes e colaboradores; e, por fim, nutrir altos níveis de bem-estar espiritual nos indivíduos, conexão com a sustentabilidade e resultados operacionais (Fry & Kriger, 2009; Samul, 2020b). Nesse sentido, a LE contribui para que as organizações direcionem sua atenção para além das contribuições econômicas, promovendo a conexão com o propósito de vida de seus colaboradores e com a sociedade (Samul, 2020a).

POSSÍVEIS CONEXÕES ENTRE LIDERANÇA ESPIRITUAL E SUSTENTABILIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

No contexto das organizações, a sustentabilidade está intrinsecamente ligada à regulação dos princípios fundamentais e à responsabilidade perante as necessidades da sociedade e do mercado (Cavagnaro & Curiel, 2022). Quando incorporada à estratégia organizacional, pode tornar-se parte essencial das práticas empresariais das organizações (Bonn & Fisher, 2011; Galleli et al., 2020). Neste sentido, é crucial estabelecer mecanismos que impulsionem a manifestação natural da sustentabilidade nas organizações, promovendo simultaneamente o cumprimento dos objetivos da Agenda 2030. Essa abordagem visa fomentar o comprometimento e a produtividade, estabelecendo um fluxo contínuo de iniciativas visando atingir tais objetivos (Fry & Egel, 2021; Samul, 2020a). Para isso, a organização precisa ser financeiramente viável, socialmente justa e ambientalmente responsável por meio da implementação de ações que conectem Pessoas, Planeta e Lucro - o que é conhecido como triple bottom line (Elkington & Rowlands, 1999).

Neste cenário, o líder desempenha papel fundamental na busca pelo desempenho organizacional sustentável, promovendo a conexão entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais para atender, a longo prazo, às necessidades e expectativas dos clientes e demais stakeholders. Isso exige uma gestão eficaz, conscientização dos indivíduos da organização, aprendizado e aplicação de melhorias e inovações adequadas (Ahmad et al., 2018; Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023; Iqbal et al., 2021).

Assim, a contribuição do líder vai além da simples aplicação de suas competências e está associada ao estilo de liderança adotado que impacta direta e indiretamente o desempenho organizacional sustentável (Galleli et al., 2020; Galleli et al., 2021; Piwowar-Sulej & Iqbal , 2023). Vários autores destacam que estilos de liderança como a transformacional, a servidora e a ética, contribuem para o desenvolvimento sustentável (Burawat, 2019; Du et al., 2013; Fatoki, 2019; Jiang & Messersmith, 2017; Siddiquei et al., 2021; Widisatria & Nawangsari, 2021; Contudo, esses estilos não parecem influenciar simultaneamente os aspectos social, econômico e ambiental (Piwowar-Sulej & Iqbal, 2023).

Isso reforça a importância de uma abordagem de liderança que englobe não só esses três aspectos, mas também a ligação com os aspectos fundamentais do ser humano, incluindo corpo, mente, coração e espírito (Fry, 2003), tal como acontece na LE. Ao adotar essa abordagem, o líder desempenha um papel crucial na promoção do desempenho sustentável da organização, transcendendo as dimensões tradicionais da sustentabilidade e abrangendo uma perspectiva mais holística das relações humanas e organizacionais (Fabio, 2017; Jiménez et al., 2017; Wilber, 2000), tornando-se uma figura fundamental para a integração da sustentabilidade em todos os aspectos da organização (Strand, 2014).

Nesse contexto, a participação e adoção, pelo líder, dos esforços e diretrizes (Meta 0) promovidas pela IDG, torna-se um caminho concreto para o seu desenvolvimento. Isso porque a IDG visa promover o desenvolvimento interno dos líderes, capacitando-os para lidar com questões sociais complexas, especialmente aquelas identificadas na Agenda 2030 da ONU, preparando-os para abordar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Além disso, a LE pode atuar como um elo para organizações que desejam aderir voluntariamente apo Pacto Global, uma organização sem fins lucrativos que busca incentivar as organizações a alinharem suas estratégias e operações com princípios universais nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Isso é alcançado através de diretrizes que promovam o crescimento sustentável e a cidadania, contribuindo para enfrentar os desafios da sociedade através de uma liderança corporativa comprometida e inovadora. As organizações que aderem ao Pacto Global também assumem a responsabilidade de contribuir para o alcance dos 17 ODS (Global Compact, 2023).

Considerando o exposto, pode-se dizer que as qualidades espirituais individuais da LE dão uma base sobre a qual os líderes podem contribuir, promovendo uma mentalidade de sustentabilidade e buscando níveis mais elevados, tanto em termos de autoconsciência como de centralização no outro, criando um ambiente de trabalho propício para maximizar o resultado do Triple Bottom Line (Fry & Egel, 2017).

O LÍDER ESPIRITUAL E O DESENVOLVIMENTO DE UMA CULTURA ORGANIZACIONAL ORIENTADA PARA A SUSTENTABILIDADE

Como apresentamos anteriormente, o líder com estilo de liderança espiritual (LE) pode ser considerado o elo para alcançar a sustentabilidade nas organizações. Nesse sentido, no nível organizacional, é necessário considerar a influência da cultura organizacional, que desempenha um papel importante na orientação de como a missão, a visão e os valores organizacionais devem ser manifestados (Gupta et al., 2014). Quando esta cultura é estabelecida com base em valores espirituais, pode contribuir de forma sustentável para a construção de um dos ativos intangíveis mais importantes e competitivos nas organizações: as pessoas (Streimikiene et al., 2021; Tate & Bals, 2018). Para isso, a manifestação da cultura organizacional deve ocorrer de forma contínua e abrangente, sendo o líder, através de sua visão e valores, a figura responsável por estabelecer a base ética, alinhando-os de forma interligada com as equipes e a organização (Arnaud & Wasieleski, 2014); Strand, 2014).

Diante dessa realidade, o líder pode ser considerado responsável por operacionalizar e disseminar uma cultura organizacional baseada em valores, práticas e processos de governança compartilhados (Lima & Galleli, 2021). Para conseguir isso, torna-se necessário o alinhamento entre a visão e os valores da liderança, das equipes e da organização para promover mudanças e implementar ações necessárias para alcançar a sustentabilidade (Fairholm, 1996). Isto só é possível com a promoção de uma cultura organizacional consciência compartilhada, em que cada agente contribui e se beneficia com igual dignidade num contexto de reciprocidade autêntica (Fry & Egel, 2021; Mackey & Sisodia, 2014). Essa cultura organizacional consciente é estabelecida por meio de valores baseados em confiança, autenticidade, cuidado, transparência, integridade, aprendizado e empoderamento (Fry & Egel, 2021).

O líder espiritual destaca-se neste contexto pela sua capacidade de integrar os seus próprios valores com os valores espirituais baseados na ética, e de conectar a sua própria visão com a visão organizacional, influenciando as práticas organizacionais (Crossman & Crossman, 2011). A base ética pode ser entendida aqui como o princípio que define os limites morais, buscando um equilíbrio entre o cuidado com os indivíduos, a organização e o meio ambiente, especialmente em organizações que buscam um propósito maior (Fry & Egel, 2021; Legault, 2012; Mackey & Sisodia, 2014).

A conexão do líder consigo mesmo, com a organização e com o ambiente de trabalho cria um sentimento de presença que motiva o indivíduo a buscar o cumprimento de seu propósito e pertencimento nas relações entre líder e liderados no contexto da organização (Fry, 2003; Mackey & Sisodia, 2014; Samul, 2020a; Yang & Fry, 2018), todas promovidas por uma cultura organizacional consciente (Fry & Egel, 2021). Acredita-se que a LE, ao conectar a visão organizacional com a sua própria visão e colocar em prática valores baseados no altruísmo e na fé/esperança (Fry, 2003; Fry & Egel, 2021; Heidegger, 1996), promove a aprendizagem dos liderados por meio de observação e modelagem de comportamento (Bandura, 2008), conduzindo suas equipes a atingirem os resultados relacionados à sustentabilidade esperados pela organização.

A conduta realizada pela LE pode ser observada através de suas iniciativas, ou seja, na forma como o líder expressa seus valores e estabelece a ligação entre as diretrizes organizacionais e as relações práticas que conectam a estratégia às suas equipes. Assim, a LE desempenha um papel importante na criação de interconectividade entre a unidade organizacional e todos os ambientes que envolvem a empresa. Portanto, o papel da LE, expresso por meio de suas iniciativas, é fundamental na promoção das transformações necessárias para alcançar a sustentabilidade organizacional (Barron & Chou, 2017; Fry & Wigglesworth, 2013).

Diante disso, apresentamos o primeiro pressuposto deste artigo: a vida interior do líder é estabelecida pela forma como se relaciona com valores considerados espirituais, possibilitando compreender a relação entre a organização e a LE a partir da identificação das iniciativas do líder e suas relações com outros indivíduos.

Alguns estudos recentes apontam mecanismos pelos quais a LE pode promover uma cultura organizacional orientada para a sustentabilidade. Um desses mecanismos é a estimulação da criatividade dos colaboradores (Jeon & Choi, 2020), promovendo um ambiente propício à inovação e permitindo o desenvolvimento de novas práticas sustentáveis (Zhang & Yang, 2021). Além disso, a LE pode promover uma cultura orientada para o comportamento de cidadania organizacional, que é compreendida como as contribuições positivas dos colaboradores para o sucesso e a cultura de uma empresa, além das suas tarefas e responsabilidades formais (Samul, 2020a, 2020b). Isso ocorre por meio do incentivo a práticas como conservação de energia, redução de resíduos e reciclagem, além de inspirar colegas de trabalho e organizações a participarem de tais comportamentos ambientais discricionários (Anser et al., 2021).

Fry e Egel (2017) destacam que a mudança de comportamento dos CEOs, ao promover um ambinete de trabalho sustentável por meio da espiritualidade, leva as organizações a uma maior produtividade, flexibilidade e criatividade, tornando-se fontes de vantagem sustentável competitivas. Estas iniciativas, ligadas ao comportamento da LE, fomentam um sentido de propósito e pertencimento, tanto no líder como nos seus colaboradores, contribuindo para o estabelecimento de uma cultura orientada para a sustentabilidade organizacional (Lips-Wiersma et al., 2020; Samul, 2020b).

Diante do exposto, estabelece-se o segundo pressuposto deste artigo: Para alcançar a sustentabilidade nas organizações é necessário conciliar a prática dos valores individuais do líder espiritual com os das equipes e da organização por meio de iniciativas que promovam um senso de pertencimento e propósito.

Até o momento, exploramos possíveis ligações entre LE e sustentabilidade, e LE e cultura organizacional. Para avançar e atingir o objetivo deste artigo, precisamos identificar mecanismos que levem à promoção de um ambiente de trabalho sustentável, mesmo face aos desafios internos e externos que se apresentam aos líderes nas organizações.

A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE DE TRABALHO SUSTENTÁVEL: O PAPEL DA LIDERANÇA ESPIRITUAL

A Agenda 2030 da ONU foi criada com o objetivo de garantir um compromisso global na luta contra a degradação dos ecossistemas e das desigualdades socioeconômicas (Fry & Egel, 2021; Ives et al., 2023). No entanto, os governos de todo o mundo não conseguiram incorporar os ODS nas suas políticas e investimentos públicos (Sustainable Development Report, 2023), e os conflitos geopolíticos prejudicam ainda mais a cooperação global. Isto pode levar à negligência nas atitudes e crenças dos indivíduos, cruciais para a mudança no sistema atual (Ives et al., 2023). Internamente, as organizações enfrentam desafios na criação de ambientes de trabalho sustentáveis, incluindo, por parte da liderança, a falta de apoio, interesse e um foco exclusivo no lucro, em todos os níveis organizacionais (Farooq et al., 2021; Islam et al., 2021). Todas estas condições são vivenciadas pelos líderes e levam a ambientes de trabalho insustentáveis.

O líder pode minimizar os impactos desses desafios e facilitar a construção de um ambiente de trabalho sustentável ao compreender que a mudança deve começar internamente, com transformações nos valores para promoção de uma sociedade e organização voltadas para o bem-estar dos indivíduos e preservação do meio ambiente (Ives et al., 2023). Neste contexto, a LE desempenha um papel fundamental na promoção das condições ideais para a sustentabilidade (Ashmos & Duchon, 2000; Iqbal et al., 2021). Iniciativas como a prática da comunicação eficaz podem ser uma ferramenta fundamental neste contexto, conectando a estratégia organizacional, a prática de liderança e as ações da equipe em um ambiente ético, e priorizando o bem-estar espiritual dos indivíduos, promovendo um ambiente de trabalho que permita o relacionamento entre líder e liderados (Samul, 2020a) e impulsionado por uma cultura organizacional consciente.

Portanto, para a construção de um ambiente de trabalho sustentável, o ponto de partida é a promoção do bem-estar espiritual dos indivíduos. O conceito de bem-estar espiritual neste estudo baseia-se na definição de bem-estar ético (Cashman, 1998; Fry, 2003), em que valores, atitudes e comportamentos considerados universais podem ser vivenciados de forma livre e autêntica por todos, respeitando a subjetividade de cada um (Fry & Whittington, 2005).

Além disso, o bem-estar espiritual está relacionado com a TSC, na medida em que crenças, valores e motivações espirituais possam influenciar o comportamento e a autoeficácia de um indivíduo, afetando assim a sua capacidade de enfrentar desafios e procurar uma vida com maior sentido de propósito, realização, autonomia e autorresponsabilidade (Bandura, 2008).

A relação entre bem-estar espiritual e LE está ligada ao propósito da organização, que conduziria os líderes e os levaria a vivenciar o bem-estar espiritual por meio de dimensões de saúde física e psicológica, estabelecidas pelo senso de propósito e pertencimento, em conexão com a visão e valores nos níveis individual, de equipe e organizacional (Fry & Cohen, 2008; Fry et al., 2007).

Porém, para construir um ambiente de trabalho sustentável promovendo o bem-estar espiritual, torna-se necessário capacitar e responsabilizar os líderes e suas equipes para agirem de forma ética e sistêmica (Macini et al., 2021), pois este é o mecanismo ideal para que mais organizações possam alcançar a sustentabilidade (Milliman & Ferguson, 2008; Mubashar et al., 2020). Vale ressaltar que indivíduos liderados por valores espirituais são reconhecidos por promoverem ambientes de trabalho mais humanos, criativos, produtivos e flexíveis (Eisler & Montuori, 2003; Parameshwar, 2005), por meio do reconhecimento da importância do impacto social positivo (Bandura, 2008; Samul, 2020a). O impacto social positivo é considerado um elemento essencial no desenvolvimento e promoção de comportamentos proativos e saudáveis no ambiente de trabalho (Bandura, 2008; Samul, 2020a).

Assim, o ambiente de trabalho sustentável surge quando as práticas baseadas nos valores espirituais do líder visam promover, criar e manter iniciativas alinhadas ao propósito maior da organização, visando o bem-estar espiritual, que, por sua vez, impacta e é retroalimentado pelo comprometimento e produtividade dos indivíduos que se relacionam com a organização (Samul, 2020a).

Esse ambiente promove benefícios nos níveis individual, de equipe e organizacional (Samul, 2020a). No nível individual, o ambiente de trabalho sustentável promovido pela LE traz benefícios como sensação de satisfação com a vida, autodesenvolvimento profissional, engajamento, lealdade, além de reduzir o absenteísmo, a rotatividade e o burnout, e ainda aumentar a produtividade individual (George, 2006; Hunsaker, 2016; Hunsaker & Nam, 2017). Esses benefícios também podem ser observados no nível da equipe, onde o comprometimento, a motivação, o aprendizado e o desempenho aumentam (Ritter, 2014; Saane, 2019). Eles levam líderes e suas equipes a alcançar resultados operacionais e econômicos ao mesmo tempo em que promovem iniciativas alinhadas à sustentabilidade organizacional.

Assim, o bem-estar espiritual é considerado uma meta fundamental e central para a construção e manutenção de um ambiente de trabalho sustentável (Samul, 2020a). O líder desempenha um papel crucial como principal influenciador na relação dos indivíduos com o bem-estar espiritual (Kelloway & Barling, 2010), pois, a partir dele, os líderes e suas equipes passam a se sentir intrinsecamente motivados (Deci, 1975). Isso ocorre quando seus sentimentos de propósito e pertencimento são atendidos, contribuindo de forma mais eficaz para a implementação da estratégia organizacional em um Ambiente de Trabalho sistemicamente Sustentável (Anser et al., 2021; Bandura, 2008; Samul, 2020a; Yang & Fry, 2018).

Portanto, o ambiente de trabalho sustentável pode ser entendido como aquele que cria as condições ideais para que os indivíduos atuem de forma sistemática e holística, considerando o cuidado com os indivíduos, a organização e o meio ambiente (Samul, 2020a; Stead & Stead, 2014). Isto implica buscar resultados operacionais e econômicos para a organização e ao mesmo tempo promover o bem-estar espiritual dos indivíduos. Estes, por sua vez, sentem-se comprometidos em atuar dentro dos limites de sua produtividade individual para alcançar os resultados estabelecidos, pautando suas ações na ética convergente com a sustentabilidade. Diante disso, apresenta-se o terceiro pressuposto: as interações sistemáticas entre líder, liderados e a organização, por meio do bem-estar espiritual, promovem e mantêm o ambiente de trabalho sustentável.

LIGANDO OS PONTOS

Ao longo deste ensaio, exploramos e evidenciamos esforços para explicar a conexão e o papel da LE com a sustentabilidade, a cultura organizacional e o ambiente de trabalho sustentável. A partir dessas conexões, avançamos na busca por consolidar essas informações em um esquema que auxilie na visualização e compreensão plena das conexões da LE nas organizações que buscam a sustentabilidade. A Figura 1 apresenta esse arcabouço, baseado nas três premissas elucidadas ao longo deste artigo.

Figura 1
Esquema Conceitual da LE como Promotora da Sustentabilidade Organizacional

O esquema apresenta a organização e os elementos estratégicos essenciais que devem estar alinhados aos pilares da sustentabilidade, ou seja, movidos por objetivos mais amplos que o lucro, visando resultados multidimensionais (econômicos, sociais, ambientais e espirituais) (Legault, 2012; Mackey & Sisodia, 2014), estabelecendo esta orientação como seu propósito maior, colocando-a no centro de sua estratégia (Ahmad et al., 2018; Ashmos & Duchon, 2000; Milliman et al., 2003). Espera-se que a organização, ao utilizar a visão como guia para os valores que moldam uma cultura organizacional consciente (Fry, 2003; Samul, 2020b; Schein, 1990) promova valores espirituais (Samul, 2020a).

Este ambiente organizacional orientado para a sustentabilidade pode inspirar e conectar-se internamente à LE (Samul, 2020a). A vida interior do líder é o que motiva os indivíduos a agirem alinhados com a missão, a visão, a cultura organizacional consciente e o propósito maior da organização (Samul, 2020a; Yang & Fry, 2018). Isso pode ser explicado por mecanismos psicológicos, incluindo o desenvolvimento da autoeficácia e confiança destes indivíduos, o estímulo da motivação, da autodeterminação e da autorregulação (Bandura, 2008). Além disso, por meio da realização de iniciativas e práticas, e de decisões éticas alinhadas à sustentabilidade, entende-se que a LE pode disseminar a cultura organizacional consciente, que influencia e reforça o propósito maior da organização (Mackey & Sisodia, 2014; Samul, 2020a).

Iniciativas baseadas em valores espirituais adotados pela LE podem promover o bem-estar espiritual por meio de dimensões de saúde física e psicológica (Bandura, 2008; Samul, 2020a) baseadas na ética (Cashman, 1998; Fry, 2003). Este contexto pode criar um ambiente de trabalho que permita o relacionamento entre líder e liderados, gerando um senso de propósito e pertencimento, constituindo um ambiente de trabalho sustentável (Samul, 2020a). Esse ambiente interfere e é retroalimentado no comprometimento e na produtividade dos indivíduos que se relacionam com a organização (Samul, 2020a).

Por fim, todo esse complexo de direcionamentos organizacionais e iniciativas abrangentes da LE, pautadas pela ética, pode gerar benefícios em três níveis (individual, equipes e organização) (Samul, 2020a). Com isso, entende-se que será possível contribuir com a organização, a sociedade e o meio ambiente, promovendo a sustentabilidade organizacional e avanços na Agenda 2030 da ONU (Fry, 2003; Macini et al., 2021; Oh & Wang, 2020; Samuel, 2020a).

Assim, considera-se que a LE pode assumir um papel central nas organizações que procuram a sustentabilidade atuando como elo entre a estratégia organizacional, os indivíduos e as equipes, através da promoção de um ambiente de trabalho sustentável.

CONCLUSÃO

Neste ensaio, afirmamos inicialmente que a liderança desempenha um papel crucial na promoção da sustentabilidade organizacional, contribuindo assim para o avanço da Agenda 2030 da ONU. Destacamos a LE como um estilo de liderança capaz de fornecer contribuições significativas nesse sentido, adotando uma abordagem holística dos indivíduos. Esta abordagem considera o ser humano como um todo integrado (corpo, mente, coração e espírito) em relação à organização. Assim, o líder busca o bem-estar espiritual dos liderados, promove impacto social positivo, assume responsabilidade ambiental e cria harmonia com a comunidade, indo além dos indicadores financeiros. Isto representa a nossa primeira contribuição teórica: LE como catalisador da sustentabilidade organizacional que pode direcionar a formação de liderança nas organizações.

Avançando na discussão, reafirmamos o entendimento de que líderes que atuam com base em valores espirituais e éticos podem estabelecer, por meio de sua influência, práticas organizacionais alinhadas à sustentabilidade. Vale ressaltar que essas características auxiliam na seleção, recrutamento ou promoção de líderes dentro de uma organização.

Essa influência da LE se manifesta na interação com os indivíduos e na adoção de atitudes sustentáveis, provocando mudanças comportamentais que resultam no bem-estar espiritual deles. Assim, o líder atua como uma ponte que gera impactos não só no nível individual, mas também nas equipes e na organização. Isso se reflete no bem-estar espiritual, no comprometimento e na produtividade, constituindo nossa segunda contribuição teórica.

A presente construção teórica buscou compreender a ligação entre LE e o desenvolvimento de um ambiente de trabalho sustentável e resultou na terceira contribuição teórica deste artigo: o esquema conceitual da LE como promotora da sustentabilidade organizacional (Figura 1). Este esquema visa oferecer um caminho potencial que conecte a LE ao ambiente de trabalho sustentável, uma proposta ainda não identificada na literatura acadêmica pesquisada e que pode indicar possíveis caminhos a serem adotados pelas organizações para obtenção da sustentabilidade organizacional.

Além das contribuições teóricas, este ensaio apresentou evidências empíricas sobre as contribuições do líder espiritual para a sustentabilidade. Tal evidência descreve caminhos concretos de como a LE pode colaborar com a Agenda 2030. Destacamos contribuições a nível organizacional, como o papel fundamental da LE no estímulo à criatividade dos colaboradores, na promoção de um ambiente inovador e na adoção de práticas sustentáveis (ODS 9). A LE também influencia o comportamento de cidadania organizacional, incentivando práticas de conservação de energia, redução de resíduos e reciclagem, alinhadas aos ODS 14 e 15.

Outras evidências destacam-se nos níveis individual e de equipe. Quando a LE promove um ambiente de trabalho sustentável, observamos benefícios como satisfação com a vida, autodesenvolvimento profissional, engajamento, fidelização e redução do absenteísmo, rotatividade e burnout, além do aumento da produtividade individual. Esses benefícios também se estendem às equipes, com elevação do comprometimento, motivação, aprendizado e desempenho (ODS 3).

No entanto, a evidência empírica direta sobre a contribuição das ações dos líderes espirituais para a Agenda 2030 é limitada, indicando uma lacuna a ser preenchida por pesquisas futuras. Sugerimos que os líderes espirituais possam inspirar práticas de bem-estar no ambiente de trabalho, motivando seus colaboradores a agirem além das fronteiras organizacionais, adotando práticas que contribuam diretamente para o meio ambiente e a sociedade (ODS 5, 7, 8, 12, 13).

Com base na construção teórica apresentada, acreditamos que o estilo de LE pode identificar e conduzir as iniciativas necessárias para enfrentar os desafios da sustentabilidade e contribuir para os desenvolvimentos recentes do ODS 0, promovendo um ambiente de trabalho sustentável. A promoção e estímulo ao desenvolvimento de competências e comportamentos dos líderes espirituais são cruciais para avançar no cumprimento da Agenda 2030 nas organizações, conectando o líder espiritual ao propósito de vida dos seus colaboradores e da sociedade. No entanto, esses pontos ainda carecem de estudos empíricos mais aprofundados.

As elucidações e conexões teóricas aqui apresentadas visam orientar pesquisas empíricas relacionadas à identificação dos valores e iniciativas necessárias ao desenvolvimento do líder espiritual na promoção de um ambiente de trabalho sustentável. Essa investigação deve basear-se nos princípios da TSC. Ressalta-se que, como primeiro passo na estruturação das relações apresentadas no esquema teórico (Figura 1), não foram aqui abordados fatores já considerados complexos, contextuais em termos de práticas de valores espirituais baseadas em influências geográficas e sociais. Portanto, apontamos tais abordagens como um dos possíveis caminhos futuros de projetos de pesquisa o refinamento do esquema proposto, considerando as influências das práticas de valores espirituais.

Além disso, temos a intenção de contribuir e estimular a investigação sobre como as iniciativas dos líderes espirituais podem impactar a promoção do bem-estar nas equipes e na organização, incluindo o sentido de propósito e pertencimento. Procuramos esclarecer como esses aspectos influenciam o comprometimento e a produtividade no ambiente de trabalho sustentável. Reconhecemos que será um desafio para os pesquisadores desenvolver metodologias que apoiem essas investigações em ambientes organizacionais, proporcionando contribuições mais práticas e aplicadas às organizações.

NOTA

• Este estudo foi financiado em parte pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq.
• Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo

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Editado por

Editora Associada: Joana Story

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  16 Mar 2023
• Aceito
  08 Abr 2024