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Gestão de pessoas por competências: análise de repercussões dez anos pós-implantação

Gestión de personas por competencias: análisis de las repercusiones diez anõs posteriores a la implementación

People management by competence: repercussions' analyses ten years after the implementation

Resumos

Este artigo tem como objetivo avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências implementado há dez anos. A avaliação foi feita com base nas premissas metodológicas de validação e legitimação de modelos de gestão de competências propostas por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005). As categorias consideradas foram: definição constitutiva, validade de construto (validade de conteúdo, validade de face e confiabilidade) e validade preditiva. A estratégia de pesquisa foi o estudo de caso descritivo, no qual as informações foram consolidadas a partir da triangulação de dados advindos de documentos, relatórios e entrevistas. Foram feitas 29 entrevistas com pessoas identificadas como fontes essenciais para a pesquisa, tais como o consultor do projeto, funcionários, gerentes, diretores e o presidente da empresa. Encontrou-se baixa consistência em relação ao cumprimento das exigências de validação. Os resultados demonstraram que o modelo analisado apresenta problemas operacionais, problemas relacionados à compreensão de conceitos e problemas relacionados a organização, gestão e cumprimento de premissas. Em suma, o processo avaliativo demonstrou fragilidades do modelo pesquisado em relação a alinhamento conceitual, alcance dos objetivos propostos e direcionamentos para verificação da validade preditiva. Também se verificou baixa credibilidade do modelo para orientar contratações, promoções, remuneração e desenvolvimento. O presente estudo demonstrou que a avaliação de modelos de competências a partir de critérios de validação promove a aproximação de premissas, ações e resultados.

Modelo de gestão; Gestão de pessoas; Gestão de competências; Modelo de competências; Processo de validação


Se espera, en el presente artículo, evaluar un modelo de gestión de personas articulado por competencias, implantado desde hace diez años, a la luz de las premisas de validación y legitimación de modelos de gestión de competencias adaptadas del camino metodológico recorrido por Markus, Cooper-Thomas y Alpress (2005). Las categorías consideradas son: definición constitutiva, validad de constructo (validad de contenido, validad de cara y confiabilidad) y validad predictiva. La estrategia de investigación fue el estudio de caso descriptivo, en el cual las informaciones se consolidaron a partir de la triangulación de datos advenidos de documentos, informes y entrevistas. Éstas, realizadas con veintinueve personas identificadas como fuentes esenciales para la investigación tal como el consultor del proyecto, funcionarios, gerentes, directores y el presidente de la empresa. Se encontró baja consistencia en relación al cumplimiento de las exigencias de validación. Los resultados demostraron que el modelo presenta problemas operacionales, problemas de comprensión de conceptos, e problemas de de gestión y de incumplimiento de premisas. En resumen, el proceso evaluativo permitió destacar debilidades en relación al alineamiento conceptual, alcance de los objetivos deseados y direccionamientos para verificación de la validad predictiva. Además de eso, se verificó baja credibilidad del modelo para orientar contrataciones, promociones, remuneración y desarrollo. El presente estudio demostró que la evaluación de modelos de competencias, a partir de criterios de validación, se presenta como un camino que fomenta la aproximación de premisas, acciones y resultados.

Modelo de gestión; Gestión de personas; Gestión de competencias; Modelo de competencia; Proceso de validación


This article aims to evaluate a people management model guided by the logic of the competencies, implemented ten years ago. The evaluation was based on the methodological premises of validation and legitimation of competence management models proposed by Markus, Cooper-Thomas and Alpress (2005). The categories considered were: constitutive definition, construct validity (content validity, face validity and reliability) and predictive validity. The research strategy was the descriptive case study, in which the information has been consolidated through the triangulation of the data acquired from documents, reports and interviews. There have been done twenty nine interviews with people identified as essential sources for the research, as such the project consultant, employees, managers, directors and the CEO of the company. It has been founded low consistence with respect to the accomplishment of the validation requirements. The results showed that the model analyzed presents operational problems, problems related to the comprehension of meanings and problems related to the organization, management and fulfillment of premises. In sum, the evaluation process has demonstrated weaknesses of the researched model related to the conceptual alignment, reach of the proposed objectives and guidance for the verification of the predictive validity. It has also been observed low credibility of the model for guiding hires, promotions, remunerations and development. The present study has showed that the evaluation of competence models through validation criterions promotes the approximation of premises, actions and results.

Management model; People management; Competence management; Competence model; Validation process


GESTÃO HUMANA E SOCIAL

Gestão de pessoas por competências: análise de repercussões dez anos pós-implantação

People management by competence: repercussions' analyses ten years after the implementation

Gestión de personas por competencias: análisis de las repercusiones diez anõs posteriores a la implementación

Luciano MunckI; Mariana Gomes Musetti MunckII; Rafael Borim de SouzaIII

IDoutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Rodovia Celso Garcia Cid, 445, km 379, UEL, CESA, Departamento de Administração, Campus Universitário, Londrina – PR – Brasil – CEP 86051-990 E-mail: munck@uel.br

IIDoutora em Engenharia da Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Professora do Curso de Administração do Centro Universitário Filadélfia (UniFil). Avenida Juscelino Kubitschek, 1.626, Centro, Londrina – PR – Brasil – CEP 86020-000 E-mail: marianamusetti@yahoo.com.br

IIIDoutorando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Curso de Administração do Centro Universitário Filadélfia. Rua Senador Souza Naves, 2.677, ap. 1.601, Londrilar, Londrina – PR – Brasil – CEP 86015-430 E-mail: rafaborim@yahoo.com

RESUMO

Este artigo tem como objetivo avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências implementado há dez anos. A avaliação foi feita com base nas premissas metodológicas de validação e legitimação de modelos de gestão de competências propostas por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005). As categorias consideradas foram: definição constitutiva, validade de construto (validade de conteúdo, validade de face e confiabilidade) e validade preditiva. A estratégia de pesquisa foi o estudo de caso descritivo, no qual as informações foram consolidadas a partir da triangulação de dados advindos de documentos, relatórios e entrevistas. Foram feitas 29 entrevistas com pessoas identificadas como fontes essenciais para a pesquisa, tais como o consultor do projeto, funcionários, gerentes, diretores e o presidente da empresa. Encontrou-se baixa consistência em relação ao cumprimento das exigências de validação. Os resultados demonstraram que o modelo analisado apresenta problemas operacionais, problemas relacionados à compreensão de conceitos e problemas relacionados a organização, gestão e cumprimento de premissas. Em suma, o processo avaliativo demonstrou fragilidades do modelo pesquisado em relação a alinhamento conceitual, alcance dos objetivos propostos e direcionamentos para verificação da validade preditiva. Também se verificou baixa credibilidade do modelo para orientar contratações, promoções, remuneração e desenvolvimento. O presente estudo demonstrou que a avaliação de modelos de competências a partir de critérios de validação promove a aproximação de premissas, ações e resultados.

Palavras-chave: Modelo de gestão; Gestão de pessoas; Gestão de competências; Modelo de competências; Processo de validação.

ABSTRACT

This article aims to evaluate a people management model guided by the logic of the competencies, implemented ten years ago. The evaluation was based on the methodological premises of validation and legitimation of competence management models proposed by Markus, Cooper-Thomas and Alpress (2005). The categories considered were: constitutive definition, construct validity (content validity, face validity and reliability) and predictive validity. The research strategy was the descriptive case study, in which the information has been consolidated through the triangulation of the data acquired from documents, reports and interviews. There have been done twenty nine interviews with people identified as essential sources for the research, as such the project consultant, employees, managers, directors and the CEO of the company. It has been founded low consistence with respect to the accomplishment of the validation requirements. The results showed that the model analyzed presents operational problems, problems related to the comprehension of meanings and problems related to the organization, management and fulfillment of premises. In sum, the evaluation process has demonstrated weaknesses of the researched model related to the conceptual alignment, reach of the proposed objectives and guidance for the verification of the predictive validity. It has also been observed low credibility of the model for guiding hires, promotions, remunerations and development. The present study has showed that the evaluation of competence models through validation criterions promotes the approximation of premises, actions and results.

Keywords: Management model; People management; Competence management; Competence model; Validation process.

RESUMEN

Se espera, en el presente artículo, evaluar un modelo de gestión de personas articulado por competencias, implantado desde hace diez años, a la luz de las premisas de validación y legitimación de modelos de gestión de competencias adaptadas del camino metodológico recorrido por Markus, Cooper-Thomas y Alpress (2005). Las categorías consideradas son: definición constitutiva, validad de constructo (validad de contenido, validad de cara y confiabilidad) y validad predictiva. La estrategia de investigación fue el estudio de caso descriptivo, en el cual las informaciones se consolidaron a partir de la triangulación de datos advenidos de documentos, informes y entrevistas. Éstas, realizadas con veintinueve personas identificadas como fuentes esenciales para la investigación tal como el consultor del proyecto, funcionarios, gerentes, directores y el presidente de la empresa. Se encontró baja consistencia en relación al cumplimiento de las exigencias de validación. Los resultados demostraron que el modelo presenta problemas operacionales, problemas de comprensión de conceptos, e problemas de de gestión y de incumplimiento de premisas. En resumen, el proceso evaluativo permitió destacar debilidades en relación al alineamiento conceptual, alcance de los objetivos deseados y direccionamientos para verificación de la validad predictiva. Además de eso, se verificó baja credibilidad del modelo para orientar contrataciones, promociones, remuneración y desarrollo. El presente estudio demostró que la evaluación de modelos de competencias, a partir de criterios de validación, se presenta como un camino que fomenta la aproximación de premisas, acciones y resultados.

Palabras clave: Modelo de gestión; Gestión de personas; Gestión de competencias; Modelo de competencia; Proceso de validación.

1 INTRODUÇÃO

Embora a maior parte da literatura posicione a lógica das competências e seus respectivos modelos como substitutos e superiores às abordagens clássicas de gestão, sua aplicação como instrumento fundamental para subsidiar decisões tanto vinculadas apenas à gestão de pessoas como à empresa em seu todo tem confundido algumas organizações. Principalmente quando questionam a relação entre os objetivos propostos pelos modelos de gestão de competências e seus resultados.

Autores como Kochanski (1997), Shippmann et al. (2000) e Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) afirmam que ainda há poucas evidências para sugerir que modelos de gestão de ou por competências fornecem qualquer validade preditiva incremental sobre as medidas existentes para prever ou indicar melhorias no desempenho global. Bem como, acrescentam os autores, seu uso inadequado leva, por muitas vezes, a desordem sobre suas reais finalidades.

A avaliação crítica de modelos se faz necessária, pois a aplicação do conceito evolui geometricamente, tanto no campo acadêmico quanto no prático. Tal afirmação é confirmada ao verificar-se que, de 1997 a 2007, foram publicados em torno de 75 artigos diretamente relacionados à gestão por competências nos Anais do Enanpad, um dos principais veículos de divulgação de estudos científicos da área de Administração no Brasil. Em 1997 foi publicado apenas um artigo e, em 2007, dezoito. Em estudo realizado por Barbosa e Rodrigues (2005), destacou-se que, de 119 das maiores empresas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, 84 tinham modelos de gestão por competências implantados ou em fase de implantação.

O presente artigo não entrará no mérito da discussão semântico-epistemológica que diferencia gestão por competências, gestão de competências ou gestão articulada por competências. O enfoque será dado à estrutura referencial que organiza competências para subsidiar decisões nas organizações na forma de um modelo.

Uma varredura inicial na literatura pesquisada permitiu observar que a consolidação de modelos de gestão de, ou por competências, como referência principal para a gestão de pessoas experimenta diversos desafios que poderiam ou até deveriam se tornar grandes temas para uma extensa agenda de pesquisa (DREJER, 2002; MILLS et al., 2002; DUTRA, 2004; FLEURY; FLEURY, 2008). Essa poderia assim definir-se: levantamento e desenvolvimento de estudos que comprovem a ligação dos modelos de competências com resultados diferenciados; análise e construção de métodos efetivos de coleta de dados para a definição das competências que comporão o modelo; análise e construção de procedimentos de validação confiáveis para a definição dos descritores de competências; levantamento dos motivos do baixo volume de referências científicas que atestam ganhos de qualidade ou competitividade para organizações que usam modelos de competências; discussão sobre a dificuldade de integrar o modelo à estratégia do negócio; levantamento e proposição de estratégias de documentação sistemática de seus diversos processos com vistas a revisões e aprimoramentos; e, por último, a análise e a proposição de processos de validação e legitimação dos modelos de competências implantados ou em implantação (JAQUES; CASON, 1994; MILLS et al., 2002; SPENCER; SPENCER, 2003; DUBOIS; ROTHWELL, 2004).

Este artigo tem como foco justamente avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir de um processo de verificação de validade adaptado do caminho metodológico percorrido por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005). A avaliação de modelos de gestão de competências, em seu todo, é um tema não abordado como central em 61 artigos sobre competências consultados nos Anais do Enanpad de 1997 a 2009, EnGPR de 2007 e 2009 e em 32 artigos consultados na RAUSP, RAM e RAE-FGV de 2002 a 2009. Ao se avaliar um modelo à luz do processo de validação e legitimação espera-se contribuir com respostas aos desafios postos à gestão por competências e propor caminhos para superá-los.

O modelo aqui avaliado foi aplicado em diversas empresas brasileiras, entre as quais, Telemig Celular Minas, CPQD, Braskem e Alfa Telecom (AT) (nome fictício). Nesta última, a implantação completou dez anos em 2007. Diante da possibilidade singular de averiguar as repercussões do modelo nesse período, o presente estudo objetiva responder, a partir do caminho metodológico proposto, as seguintes questões: os objetivos do modelo de gestão por competências foram alcançados? O modelo contribuiu para uma melhor organização das práticas de gestão de pessoas e alcance de resultados? O modelo foi atualizado e aprimorado? O modelo é praticado na empresa? Os compromissos assumidos pelos diversos atores envolvidos foram mantidos? O modelo é referência para a gestão de pessoas?

Um relato prévio sobre os resultados da implantação na AT, publicado nos Anais do Enanpad, de 1999, indicava sucesso do processo e uma ótima aceitação e apoio ao modelo pela gerência da empresa. Contudo, atualmente a situação apresenta outra configuração, cujos motivos são discutidos a seguir.

2 ORIGEM E CONCEITO

Dentre os estudiosos sobre competências, White (1959) recebe os créditos por ter introduzido o termo para descrever características de personalidade associadas ao desempenho superior e alta motivação dos indivíduos. Ao postular uma relação entre competências cognitivas e tendências sobre ações motivacionais, esse autor definiu o fenômeno como uma integração efetiva do indivíduo com o ambiente e foi além ao argumentar que a competência está vinculada à motivação e não pode ser admitida somente como uma capacidade passível de ser realizada.

As contribuições de McClelland (1973) seguiram a mesma abordagem de White (1959), mas consistiram, além de uma necessária evolução científica para os estudos das competências, em uma densa crítica ao sistema imperante de valorização e avaliação dos indivíduos junto às organizações.

McClelland (1973) considerava que a inteligência era um fator contribuinte para a competência, mas não determinante. Segundo ele, parâmetros de avaliação regidos por resultados advindos de testes de inteligência acarretavam uma série de preconceitos praticados contra minorias sociais. Em 1985, o referido autor, por meio de outro artigo, definiu as competências como as características que sustentam desempenhos diferenciados (McCLELLAND, 1985). Por meio desse raciocínio foi fundada a consultoria Hay McBer (2010).

Métodos para mensurar as competências foram desenvolvidos como uma alternativa aos testes tradicionais de inteligência cognitiva. A principal crítica dirigida a esses testes se baseava em sua lógica, formato e conteúdo de avaliação, que não seriam capazes de prever como um indivíduo se sairia ao desempenhar determinadas funções (Le DEIST; WINTERTON, 2005). Embora os pesquisadores Barrett e Depinet (1991) tentassem evidenciar a superioridade desses testes de inteligência ao criticarem as proposições de McClelland (1973), eles fundamentaram-se em informações ambíguas que não alcançaram grande aceitação junto aos acadêmicos.

A abordagem das competências inicia-se pela contemplação do final do processo, ou seja, pela observação de funcionários diferenciais no desempenhar de suas funções para então determinar no que esses indivíduos se distinguem daqueles não portadores de uma performance tão elevada (Le DEIST; WINTERTON, 2005). As competências, portanto, compreendem habilidades e disposições que vão além das habilidades cognitivas do ser humano, tais como auto-controle, autorreconhecimento e habilidades sociais. Apesar de algumas delas serem identificadas por taxonomias de personalidade, ressalta-se que elas são fundamentalmente comportamentais e, diferentemente da personalidade e da inteligência, podem ser aprendidas por meio de treinamentos e desenvolvimentos (McCLELLAND, 1998).

Essa tradição comportamental inaugurou-se junto à escola norte-americana, dentro da qual possui relevante influência (MARKUS; COOPER-THOMAS; ALLPRESS, 2005). Para essa escola, as competências são definidas como características simultaneamente anônimas e sustentadoras dos elevados desempenhos apresentados por alguns indivíduos em determinadas funções, possíveis de serem generalizadas em situações diversas e persistentes por um período de tempo razoável (BOYATZIS, 1982; SPENCER; SPENCER, 2003).

Além da abordagem comportamental predominante na escola norte-americana, existem outras vertentes de estudos, tais como a abordagem funcional marcada pelas contribuições dos pesquisadores ingleses e a abordagem multidimensional e holística, alicerçada em pesquisas realizadas por estudiosos franceses, alemães e austríacos (Le DEIST; WINTERTON, 2005). A exploração dessas escolas não está entre os objetivos deste artigo, o qual, a partir deste momento, assume como fonte de orientação principal os conceitos que estruturam a vertente norte-americana. Ressalta-se, porém, que autores das demais abordagens podem vir a ser citados a fim de que o debate em perspectiva seja enriquecido.

3 MODELOS DE COMPETÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DE OPERACIONALIZAÇÃO

Quando se fala em modelo de competências, entende-se um modelo estratégico que defina as competências da empresa e das pessoas nela inseridas, para que juntas consigam seguir na mesma direção para atingir resultados. Tal modelo presume a definição de competências da empresa e das pessoas que nela trabalham, para que o esforço de ambas siga na mesma direção (MILLS et al., 2002; RUANO, 2003; CARBONE, 2005).

De acordo com Kochanski (1997), a gestão por competência é uma abordagem que reduz a complexidade e aumenta a capacitação individual e organizacional. Ela condensa as competências essenciais que orientarão a complexa teia de papéis, responsabilidades, metas, habilidades, conhecimentos e capacidades que determinam a atuação eficaz do funcionário.

A conexão entre as competências essenciais (ou foco) e as competências genéricas é feita pela elaboração de um modelo de competências respaldado também por práticas de avaliação dessas competências (Le DEIST; WINTERTON, 2005). Os modelos são concebidos posteriormente à identificação dos fatores críticos de sucesso, os quais são responsáveis por grande parte do êxito da organização. A avaliação das competências é utilizada para determinar o nível em que os indivíduos inseridos nessa organização estão em relação ao conjunto de competências que deem conta de trabalhar com esses fatores críticos (SPENCER; SPENCER, 2003).

Kochanski (1997) ressalta que, se observada superficialmente, a gestão por competências atuará como a tradicional gerência de recursos humanos (RH), mas ele adverte que dessa se difere ao requerer, além do atendimento às exigências tradicionais, uma direção estratégica cuidadosamente definida para analisar a capacitação total da organização, a articulação das competências individuais que proporcionam alto desempenho e a simplificação da gerência e dos programas de RH no sentido de apontarem e reforçarem as competências identifica-das. Gerenciar por competências representa, portanto, uma mudança de cultura.

Em relação às proposições de modelos de gestão de ou por competências, apresenta-se o Quadro 1 composto pelas considerações principais de diversos autores reconhecidos sobre seus esforços de conceber um modelo de competência.


Apesar de serem compostos por discursos diferentes, a essência das proposições recai em prerrogativas similares, tanto que Grigoryev (2006) adverte que o delineamento dos modelos será mais bem conduzido se for iniciado por uma re-engenharia reversa, que parte da análise dos resultados considerados bem- -sucedidos em uma posição ou atividade. Definidos esses resultados, os comportamentos necessários para atingi-los estarão esboçados. Por fim, chega-se a um modelo de competências essenciais que delimita e orienta o desenvolvimento desses comportamentos e guia a contratação pelos componentes centrais do trabalho, definidos como preditores de resultados bem-sucedidos.

Dubois e Rothwell (2004) também sugerem que as competências deveriam ser mensuradas por indicadores comportamentais, uma vez que declaram as ações esperadas por um indivíduo no desempenho de seu trabalho. É válido ressaltar que os comportamentos apropriados e interligados às competências específicas podem diferir quanto ao ambiente analisado, pois são diretamente influenciados pela cultura organizacional. Nesse sentido, um modelo de competências direcionado a funções específicas, ainda que em empresas semelhantes, não servirá a realidades diversas, pois esse é uma variável dependente da cultura organizacional.

Parry (1996) sugere que a abordagem mais segura para o levantamento de competências é a que opta pelo cruzamento de um ou dois métodos de pesquisa comportamental, como: questionários, entrevistas, observação direta, autoavaliação ou avaliação de terceiros, avaliação de desempenho, análise de indicadores e simulação. Parry (1996) destaca, no Quadro 2, 12 orientações que contribuem à descrição das competências.


No contexto brasileiro, destaca-se o modelo de Dutra (2004), o qual articula o conceito de competências com os conceitos de "entrega", "complexidade", "agregação de valor" e "espaço ocupacional". Entrega seria o que o indivíduo volitivamente faz pela empresa, de forma perene, dentro de determinado nível de complexidade. A complexidade refere-se ao nível de exigência posto ao indivíduo nas ações e funções requeridas. A agregação de valor representa a geração de resultados diferenciados frente a parâmetros estabelecidos. Espaço ocupacional resume-se na assunção de responsabilidades em um mesmo nível de complexidade.

Segundo Dutra (2004), o objetivo do modelo é servir de orientação para as diversas ações de recursos humanos. Os conceitos supracitados se complementam e servem como orientação para a construção de carreiras distribuídas em eixos que traduzem a possível trajetória do indivíduo na organização. Os eixos são divididos em níveis de complexidade; cada nível tem definidos inputs, chamados de "requisitos de acesso", que seriam a formação, a experiência e o conhecimento necessários para o nível, e os outputs, chamados de "atribuições e responsabilidades".

No Brasil, encontramos também diversos outros modelos disponibilizados por consultorias, sejam nacionais ou multinacionais. Entre eles o modelo da Hay-McBer (2010), sustentado pelas teorias motivacionais de McClelland (1973) e teorias de análise situacional. Esse modelo se concentra nas competências que diferenciam aqueles que melhor realizam a missão atribuída. São comparados desempenhos internamente, partindo do princípio de que a competência é algo intrínseco às pessoas, logo, um fator que permite melhores resultados. As competências que serão estudadas são identificadas por meio de entrevistas comportamentais.

Outra proposta de modelo, disponibilizada pela Deloitte Touche Tohmatsu (2010), trabalha de forma centrada nos conceitos de conhecimento, habilidade e atitude, articulados para atingir níveis de aplicação que variam de iniciação, passando por desenvolvimento e aplicação até chegar à excelência na produção de serviços ou produtos. Os resultados são aferidos por uma lista de evidências, pois partem do pressuposto que as competências se manifestam por resultados observáveis relacionados ao trabalho.

Percebe-se que a mudança proposta pelos modelos de gestão de competências é desafiadora. Contudo, existe uma tendência de essa mudança ser gerenciada por meio de algumas lapidações mais generalizadas, pelas quais os gestores, em nome da organização, salientam ter promovido uma mudança de paradigma no contexto. É plausível ter em pauta o efeito implacável da racionalidade limitada. Se não, corre-se o risco, no ímpeto de obter bons resultados, de abrir mão do rigor científico e permitir a desarticulação do modelo em relação à sua base conceitual e cultura organizacional.

Seguem algumas armadilhas comuns em processos de implantação e gestão de modelos de competências que podem ser evitadas pelos gestores: 1. mau uso por parte das gerências (fugindo das premissas, usando critérios próprios, sendo superficial ou parcial nas avaliações), um exemplo que provavelmente será seguido pelos demais funcionários; 2. criação de listas de competências por um pequeno grupo, o que contribuirá para que somente as pessoas inseridas em tal grupo entendam realmente o significado das listas; 3. utilizar o modelo como padrão de controle e punição, o que pode causar medo nas pessoas e colaborar para sua não consolidação; 4. achar que o sistema, por si só, fará tudo e corrigirá os problemas estruturais (WHITE, 1959; DALTON, 1997; KOCHANSKI, 1997; MILLS et al., 2002; DUTRA, 2004).

4 CONSOLIDAÇÃO E VALIDAÇÃO DE MODELOS DE COMPETÊNCIAS

Sobre a consolidação e a validação dos modelos de competências, alguns trabalhos mais relevantes têm sido amplamente discutidos, tais como o de Shippmann et al. (2000) que propõe uma escala de dez níveis que classifica o rigor de modelos de competências.

Essa escala envolve a efetividade do método de coleta de dados, os descritores de desenvolvimento, os procedimentos e os padrões de qualidade, a ligação do modelo com a estratégia do negócio e os procedimentos de validação e documentação (SHIPPMANN et al., 2000). Percebe-se, assim, que existem muitas questões a serem analisadas antes de considerar um modelo válido e mais ou menos benéfico para a organização.

Sparrow (1995) salienta que um problema no uso de modelos de competências é a falta de um entendimento comum do que realmente significa competência. Isso tem levado muitas organizações a trabalharem com modelos mesclados ou integrados que se tornam verdadeiros campos de "areia movediça".

Mediante as diversas vantagens abordadas pelos defensores de modelos de competências, surge a questão: como instalar ou conceber um modelo de competências válido na organização? De acordo com Smith (2008), o modelo deve apresentar uma definição operacional para cada competência e subcompetência (recursos), com seus respectivos indicadores de performances e padrões de análise e medidas de desempenho esperados. Dalton (1997) salienta que um modelo de competências deve garantir que os comportamentos esperados tenham conhecimento das competências requeridas.

Em síntese, compreende-se por um modelo de competências válido para determinada organização aquele que possui uma clara descrição sobre a hierarquização entre competências e subcompetências específicas para cada um dos espaços ocupacionais compartilhados pelos diferentes indivíduos inseridos em um mesmo contexto de gestão organizacional. Em um modelo válido, a organização possui a capacidade de identificar as competências necessárias de serem desenvolvidas e aprimoradas com a finalidade de que seus objetivos estratégicos sejam alcançados. Essas competências são densamente discutidas e disseminadas em cada uma das áreas da empresa para que assim os gestores e os demais funcionários adquiram uma noção comum sobre o significado de cada competência exigida pela empresa, além de estarem cientes de como tais competências serão mensuradas e avaliadas pela organização. Um modelo de competências é válido, portanto, quando possui uma linguagem comum em diferentes níveis (estratégico, tático e operacional) junto à organização que o ampara, situação que permite qualidade e agilidade nos processos de avaliação, implantação e aprimoramento do modelo (McLAGAN, 1997; SHIPPMANN et al., 2000; SPARROW, 2005; MARKUS; COOPER-THOMAS; ALLPRESS, 2005; SMITH, 2008).

Com o intuito de avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir de premissas de validação e legitimação, houve o interesse de se buscar um referencial que fundamentasse tal objetivo. Para tanto, foram adotadas considerações de Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005), baseadas em pesquisa realizada na Nova Zelândia. Essa pesquisa procurou revisar perspectivas teóricas formadoras dos conceitos de competências e analisar a aplicabilidade desse tema naquele país.

O estudo foi desenvolvido com o anseio particular de explorar analiticamente novas ferramentas (softwares divulgados por consultores e vendedores neozelandeses) que diziam ser capazes de apurar o valor agregado dos modelos de competências para as organizações. A pesquisa contou com uma amostra de 54 empresas, das quais 14 eram públicas e 40 eram privadas, e em nenhuma delas foram encontradas evidências que indicassem a validação dos modelos de competências discutidos naquele artigo.

Para chegarem a tais conclusões as autoras fizeram uso de um processo de verificação que ressaltasse a problemática abordada por elas, composto por análises de etapas de validade já abordadas em outros estudos, mas adaptado pelas pesquisadoras para demonstrar alguns problemas de validade dos modelos de competências divulgados por consultores e vendedores de softwares daquela localidade. Foram utilizadas quatro etapas: validade de conteúdo, validade de face, validade de critério e validade preditiva.

Vale dizer, portanto, que a validade é um conceito relevante para a pesquisa apresentada pelo presente artigo, uma vez que ela avalia a utilidade científica de um instrumento de medida (no caso da pesquisa desenvolvida, o modelo de competências é o instrumento de medida utilizado para operacionalizar a competência), isto é, se ele realmente consegue mensurar adequadamente aquilo que ele se propôs (NUNNALLY; BERNSTEIN, 1994). Em termos mais simples, Hair Jr. et al. (2005, p. 202) afirmam que "a validade é o ponto até onde um construto mede o que deve medir".

Uma peculiaridade a respeito das etapas usufruídas por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) é que as três primeiras (validade de conteúdo, validade de face e validade de critério) são admitidas como validades imprescindíveis de serem atendidas, uma vez que constituem condições necessárias para atestar a validade do construto. Essa, na opinião dos autores do artigo em apresentação, depende de um momento anterior, no qual algumas informações-chave precisam ser angariadas antes de se buscar a validade de um modelo de competências, são elas: o significado de competência, o processo de aquisição desse significado e o processo de operacionalização de cada uma das competências reivindicadas pelo modelo utilizado pela organização.

Esse momento anterior também é considerado como uma etapa do processo de verificação da validade de um modelo de competências, a qual é denominada "definição constitutiva e operacional". As definições constitutivas são de extrema importância no contexto de construção de instrumentos de pesquisa, porque elas situam o construto, exata e precisamente, dentro da teoria desse construto, dando, portanto, as balizas e os limites que ele possui (VIEIRA, 2006). Todavia, o grande obstáculo para se vislumbrar uma definição constitutiva e operacional da competência é que tal termo constitui uma construção psicológica possível de ser conceituada de diversas formas por pesquisadores e consultores.

Outra consideração a respeito do caminho metodológico percorrido por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) está em relação ao que elas denominam validade de critério. As discussões vinculadas a essa validade no artigo de Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) estão mais relacionadas com o que pode ser compreendido como confiabilidade.

Netemeyer, Bearden e Sharma (2003) consideram comum esse erro no emprego do termo da expressão "validade de critério", uma vez que as definições dessa expressão muitas vezes se confundem com outros tipos de validade. Uma contribuição que foge dessa confusão conceitual é a de Hair Jr. et al. (2005, p. 203), para os quais "a validade de critério avalia se um construto tem o desempenho esperado em relação a outras variáveis identificadas como critérios significativos".

Com tal admoestação reforça-se a convicção de que o que Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) realmente avaliaram em sua pesquisa foi a confiabilidade do construto. "A confiabilidade tem a ver com a coerência das descobertas da pesquisa" (HAIR JR, et al., 2005, p. 198). Trata-se, assim, de uma etapa interessada em conquistar uma porção de mensuração intensamente relacionada com o que se investiga, a qual seja capaz de resistir a efeitos inesperados ao se pesquisar o mesmo fenômeno em diferentes amostras de pesquisa (DEVELLIS, 2003; NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003).

Em face de tais considerações a respeito do processo de validação realizado por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005), foram necessárias algumas adaptações na pesquisa apresentada neste artigo, pelas quais optou-se por considerar que o processo de verificação da validade de um modelo de competências é constituído por três etapas principais: definição constitutiva e operacional, validade de construto (composta pela validade de conteúdo, pela validade de face e pela confiabilidade) e validade preditiva. A hierarquização dessas etapas é justificada em sequência.

A validade de construto indica quão bem uma medida realmente avalia o construto em investigação. Em verdade, essa validade constitui um objetivo definitivo e irrevogável de um processo de validação, pois por ela serão atestadas a qualidade do instrumento de pesquisa e sua capacidade de selecionar todas as possíveis evidências que façam menção ao construto pesquisado (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003).

Não existe consenso sobre a classificação e os tipos de validade necessárias para se conquistar a validade de um construto. Para muitos pesquisadores um construto tem sua validade atestada quando outras validades podem ser observadas, tais como validade de tradução (composta pela validade de conteúdo e pela validade de face), validade de critério, validade convergente, validade discriminante, e assim por diante (NUNNALLY; BERNSTEIN, 1994; DEVELLIS, 2003; NETEMEYER, BEARDEN; SHARMA, 2003).

Tendo em vista o processo de verificação da validade de um modelo de competências proposto, apresentam-se, em sequência, considerações a respeito da validade de conteúdo e da validade de face. A validade de conteúdo participa de uma série de definições as quais comungam sobre o fato de que as mensurações vinculadas a um construto constituem um exemplo adequado do domínio teórico que circunda o construto em investigação (NUNNALLY; BERNSTEIN, 1994; DEVELLIS, 2003).

A validade de face se refere a uma mera indicação de que uma mensuração possui validade (KAPLAN; SACCUZZO, 1997). Embora os termos validade de face e validade de conteúdo sejam utilizados como sinônimos, deve haver uma preocupação de se diferenciar essas duas expressões para contextos de pesquisas que tenham como intuito buscar a validação de algum fenômeno (NEVO, 1985; ANASTASI; URBINA, 1998).

A validade de face é alicerçada por contribuições extraídas das informações conferidas pelos respondentes em relação ao construto investigado, enquanto a validade de conteúdo possui um respaldo em análises e respostas ofertadas por especialistas sobre o construto pesquisado (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003).

A validade de conteúdo, a validade de face e a confiabilidade compõem etapas que concedem expressão à validade de construto, a qual é antecedida pela definição constitutiva e operacional, previamente explicada, e seguida pela validade preditiva, responsável por avaliar a habilidade de um construto medido em um ponto no tempo de prever uma escala de itens múltiplos a ele relacionados (HAIR JR. et al., 2005).

As etapas do processo de verificação da validade de um modelo de competências estruturado por meio de adaptações incrementadas a partir do caminho metodológico percorrido pelas autoras neozelandesas são apresentadas e detalhadas no Quadro 3.


O esforço de pesquisa realizado por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) e as etapas do processo de verificação da validade de um modelo de competências propostas no Quadro 3 ressaltam a importância de se adotar modelos de competências ancorados em processos de validação. O que, de acordo com Shippmann et al. (2000), não acontece na maioria das organizações. Segundo eles, a validação faz-se fundamental, pois os modelos normatizam comportamentos que a organização almeja promover e desenvolver para aumentar a eficácia organizacional. Em caso relatado por Munck e Munck (2008), a falta de articulação do modelo com as reais necessidades organizacionais fez, na visão dos usuários, com que ele se deteriorasse ao longo dos anos e perdesse sua capacidade de referenciar treinamentos, promoções e desenvolvimentos alinhados aos interesses organizacionais.

Ao se escolher um modelo de competências deve-se – antes, durante e depois – responder as seguintes questões: a competência pode ser operacionalizada de forma a possibilitar sua observação e medição? O indicador de um traço ou característica individual mede realmente aquilo a que pretende? Quais os critérios utilizados para validar as proposições do modelo junto a seus usuários? Esses são inteligíveis para seus gestores e usuários? A que processos o modelo de competências estará relacionado, pessoas, estratégia, resultados? Em que momentos? Com que objetivos? Como e por que o modelo será renovado?

Essas questões, juntamente às discussões teóricas realizadas, foram organizadas e sintetizadas de forma a permitir a proposição de um ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa de modelos de competências, demonstrado na Figura 1.


A Figura 1 indica que o ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa de modelos de competências possui começo e fim e pode ser reiniciado a qualquer momento mediante alguma demanda de reavaliação. Por essa inferência acredita-se que o construto em questão (competências geridas por meio de um modelo) apenas será validado se forem identificadas as diferentes concepções a seu respeito no interior da organização (definição constitutiva) (VIEIRA, 2006).

Essas divergências devem ser submetidas à análise de especialistas (internos ou externos à empresa) e de personagens organizacionais estratégicas, a fim de que – por serem conhecedoras do arcabouço teórico-empírico que rege o modelo na empresa e da cultura organizacional imperante – possam sanar e corrigir tais debilidades, para que assim se conquiste a primeira evidência desse processo de validação, a coerência conceitual e comunicativa a respeito do modelo em análise.

O estabelecimento de um conceito comum caracterizado por sua coerência junto aos diversos atores organizacionais indica a conquista da validade de conteúdo e da validade de face (NUNNALLY; BERNSTEIN, 1994; KAPLAN; SACCUZZO, 1997; DEVELLIS, 2003). Esse conceito, além de coerente, precisa ser divulgado e disseminado no ambiente organizacional que sustenta o modelo de competências, para que uma segunda evidência seja alcançada. Essa é responsável por indicar a confiabilidade do modelo analisado, ou seja, a assimilação dessas discussões por parte dos principais sujeitos envolvidos em processos que dependem do modelo analisado (DEVELLIS, 2003; NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003).

Uma vez que tais temas forem assimilados, existe a necessidade de avaliar as atitudes tomadas em favor de tal resultado, ou seja, ocorre o interesse de se contemplar as consequências e a efetiva contribuição de cada ação de gestão tomada em prol da assimilação dos conceitos vinculados ao modelo de competências. Caso as consequências não sejam prejudiciais e a eficácia de tais decisões seja confirmada junto aos gestores e funcionários, diz-se que a organização, em relação ao seu modelo de competências, possui uma validade preditiva confirmada pela acurácia das ações tomadas em favor da assimilação de tal fenômeno (HAIR JR. et al., 2005).

A acurácia, de acordo com Munck (2005), indicará que os procedimentos organizacionais tomados em prol da assimilação de conceitos relacionados ao modelo de competências conquistaram a plenitude dos resultados esperados.

O sucesso advindo dos procedimentos mencionados não identificará a perfeição do modelo de competências e nem um alinhamento coerente entre as competências que o estruturam, mas sim denunciará falhas mais relevantes. Mediante essa descoberta a organização pesquisará padrões de gestão que permitam a ela vincular cada vez mais competências e resultados organizacionais por meio de boas práticas relacionadas às suas estratégias.

Se essas constatações alcançarem reconhecimento junto ao corpo gestor da empresa e esse opte por reavaliar o modelo após a conclusão da necessidade de se proceder com lapidações imprescindíveis, admoesta-se que o aperfeiçoamento desse poderá ser observado, por meio de reavaliações periódicas realizadas.

Caso uma das etapas, conforme é ilustrado na Figura 1, não seja plenamente constatada ao longo do processo de observação do ciclo de validação qualitativa proposto, ela não pode ser ignorada, mas sim aperfeiçoada. No entanto, tal decisão deve ocorrer apenas mediante um consenso sobre a necessidade de se revisar qualquer etapa anterior ou, até mesmo, de se reiniciar todo o processo. Por exemplo, se não houver validade de conteúdo não há razão de avançar para a avaliação da validade de face, se não forem comprovadas as validades de conteúdo e de face entende-se que não se deva prosseguir para a avaliação da confiabilidade do modelo, e assim por diante.

A Figura 1 e as discussões que a seguiram servem para explicar ao leitor como as etapas selecionadas e adaptadas dos caminhos metodológicos percorridos na pesquisa de Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) podem confluir em processos de validação de modelos de competências em organizações interessadas em ter tal ferramenta não somente como mais um instrumento de gestão, mas também, e principalmente, como um auxiliador nos processos organizacionais que intentam alcançar objetivos estratégicos audaciosos.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DA PESQUISA

O presente artigo foi desenvolvido com o principal objetivo de avaliar determinado modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir das premissas de validação e legitimação adaptadas do caminho metodológico percorrido por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005). Em termos metodológicos este trabalho é classificado como pesquisa de natureza aplicada, cuja abordagem do problema se deu por uma perspectiva qualitativa. Os objetivos do trabalho foram analisados por uma óptica descritiva, cujos procedimentos técnicos envolveram levantamento bibliográfico, realização de entrevistas, análise documental, análise de conteúdo e triangulação das informações teóricas com os dados empíricos (FLICK, 2009). Tais considerações permitem afirmar ainda que a pesquisa apresentada foi desenvolvida por uma estratégia de estudo de caso (YIN, 2005).

O posicionamento adotado em relação à vertente das pesquisas qualitativas se assemelha ao proposto por Bohnsack (2005, p. 65), para o qual "métodos e padrões de pesquisa qualitativa são desenvolvidos com base na reconstrução empírica de práticas de pesquisa". Essa abordagem procura disseminar a concepção de que padrões de pesquisas qualitativas podem ser desenvolvidos a partir de análise de padrões comuns de comunicação e, por consequência, reconstruir os critérios de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa.

Embora Steinke (2004) critique tal postura, por alegar que as estratégias de pesquisa ofertadas por tal vertente visam, simplesmente, reformular critérios que possam ser utilizados nas pesquisas qualitativas em analogia aos estabelecidos em pesquisas quantitativas, Flick (2009) assevera que as contribuições de Bohnsack (2005) devem ser consideradas, desde que os conceitos e a utilização das expressões "validade" e "confiabilidade" sejam mais bem interpretados junto aos contextos das pesquisas qualitativas.

Kirk e Miller (1986), no intuito de aprimorar a utilização desses termos em estudos qualitativos afirmam que a confiabilidade dos dados e os procedimentos no sentido tradicional, o qual faz referência à estabilidade de dados e resultados em coletas repetitivas, é inútil para avaliar dados qualitativos. Para Goertz e LeCompte (1988) a validade está vinculada à exatidão e ao rígido controle do cenário de pesquisa e dos dados coletados em processos empíricos. A validade remete a um nível de padronização que não é compatível com os métodos qualitativos e que não evidencia os pontos fortes reais desses métodos (GOERTZ; LeCOMPTE, 1988).

Tais considerações são expostas para esclarecer que, embora Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) façam uso da palavra "validade" em seu estudo, tal termo não consta no objetivo orientador do estudo exposto neste artigo. Por tal expressão o que se busca na pesquisa qualitativa, de acordo com Lincoln e Guba (2006), é analisar o nível de credibilidade e transferibilidade de um estudo desenvolvido.

O critério de credibilidade faz menção à "idéia de que a pesquisa deve ser executada segundo os princípios e orientações próprias das metodologias qualitativas de forma que seus resultados sejam dignos de confiança" e aprovados pelos seus participantes (GODOY, 2005, p. 89).

A transferibilidade remete à situação de que como a pesquisa qualitativa trabalha "normalmente com casos ou grupos de sujeitos previamente escolhidos, os resultados conseguidos e suas interpretações dizem respeito a um determinado contexto e a um dado momento histórico" (GODOY, 2005, p. 90). Essa característica indica que por meio da transferibilidade uma pesquisa qualitativa deve considerar a possibilidade de generalização somente por uma descrição densa do que está sendo estudado, a fim de que outros pesquisadores possam julgar a possibilidade de transferir os resultados apresentados para outros contextos (GEERTZ, 1989).

Mediante as restrições mencionadas, faz-se necessário admitir que os procedimentos de pesquisa teóricos e empíricos levaram em conta que: não seria possível replicar os mesmos passos metodológicos seguidos por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005), não seria possível descobrir fenômenos ou elaborar construtos por meio de um cenário social análogo ou similar ao compartilhado por essas autoras. Por fim, não seria possível garantir uma coincidência de conduta entre o comportamento dos estudiosos neozelandeses e os pesquisadores brasileiros que conduziram o estudo em apresentação.

O reconhecimento dessas impossibilidades na realização de um estudo qualitativo, conforme ressalta Godoy (2005), indica uma transparência maior na apresentação e discussão dos resultados conquistados, além de vincular, de maneira irrefutável, a necessidade de se contemplar métodos qualitativos em estudos de casos, uma vez que esses, pelo cenário de pesquisa que contemplam e pela unidade de análise que observam, não estão autorizados a efetuarem generalizações a respeito de suas considerações (YIN, 2005).

Por conseguinte, mesmo sendo este artigo possível de ser enquadrado como um estudo qualitativo que adota, do ponto de vista da análise dos dados, referências alinhadas com uma metodologia quantitativa, ainda assim é possível arguir sobre o fato de que a pesquisa desenvolvida respeitou o critério de confiabilidade, uma vez que os sujeitos entrevistados tiveram acesso aos resultados aqui apresentados e às respectivas entrevistas gravadas. Além disso, também se levou em conta o aspecto da transferibilidade, pois o procedimento de avaliação adotado por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) foi utilizado como referência analítica para este artigo e não como parâmetro de disseminações conclusivas advindas de um estudo realizado em um diferente contexto social, em um momento histórico anterior e com objetos de pesquisa diversificados.

Considerando o objetivo principal da investigação, então, utilizou-se como estratégia de pesquisa, assim como mencionado anteriormente, o estudo de caso descritivo. Foram descritas as categorias listadas no Quadro 4, da forma em que se encontravam, tecendo comentários avaliativos. O significado que as pessoas deram ao modelo e às categorias observadas foram a preocupação essencial dos investigadores, portanto o foco esteve na compreensão dos fatos e não na sua mensuração.


O processo construtivo das informações obedeceu à seguinte hierarquização de procedimentos: (a) revisão e discussão da literatura, (b) levantamento de informações sobre o processo de implantação do modelo de competências (pesquisa documental em relatórios da consultoria e entrevista com o consultor principal do projeto e com seu idealizador na organização), e (c) entrevistas em profundidade com pessoas consideradas como "chave" para a compreensão do fenômeno.

Destaca-se que a organização estudada pelo processo de pesquisa apresentado por este artigo foi selecionada, também, pelo entendimento de que após dez anos de exercício de um modelo de competências ela teria experiências relevantes e possíveis de serem relatadas e acolhidas como exemplos bons ou ruins, tanto para os que pesquisam o tema quanto para as empresas que possuem modelos de gestão de competências em seus respectivos contextos de gestão.

Os entrevistados foram escolhidos mediante o atendimento de três critérios específicos: 1. pessoas que à época da implantação ocupavam cargos de direção (por serem direcionadores de ações), 2. pessoas que participaram do processo de implantação, e 3. pessoas consideradas como as mais bem informadas sobre o modelo e o contexto organizacional pesquisado. Os respondentes não somente obedeceram a esses três pré-requisitos, mas também foram escolhidos por intermédio de uma seleção realizada pelos autores deste artigo em conjunto com o gestor de pessoas da organização-caso.

Por esse esforço foram escolhidos 29 respondentes, sendo eles o presidente da empresa, o principal responsável pela consultoria que conduziu o processo de implantação, o idealizador do projeto na organização, três diretores, 14 gestores de Unidades Gerenciais Básicas (UGBs) e nove funcionários-chave. O presidente, os diretores e os gestores de UGBs foram escolhidos pela necessidade de colher opiniões dos líderes das principais áreas da empresa, já o consultor e o idealizador do projeto, por proporcionarem informações sobre o contexto de gestão da empresa e sobre o processo de implantação do modelo de competências à época do acontecimento do fato, os funcionários foram escolhidos por representarem a opinião dos usuários do modelo.

A entrevista em profundidade, por não utilizar um questionário estruturado e sim um roteiro, permitiu a condução mais livre da conversa, o que possibilitou o alcance de tessituras não explícitas, transparência, profundidade e consistência nas informações (HAIR JR. et al., 2005). As questões dos roteiros foram elaboradas de forma alinhada aos objetivos da pesquisa e à base teórica. Ao todo, foram três os roteiros, sendo um voltado aos funcionários da empresa e gestores, um ao consultor principal, e um para o idealizador do modelo na empresa. A validação dos roteiros se deu a partir de testes-piloto e discussões com o gestor de pessoas da organização; depois de idas e vindas e respectivos refinamentos das questões, chegou-se aos roteiros finais.

No intuito de contextualizar e enriquecer a discussão do modelo de gestão por competências foi analisado o documento Plano de Carreira e Remuneração por Competência, disponibilizado pela empresa. Para análise e tratamento dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo, que busca tornar objetivo o conteúdo das entrevistas realizadas utilizando um conjunto de técnicas que visam obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens (BARDIN, 1977). Os indicadores mencionados foram tratados, classificados e categorizados tendo como orientação o Quadro 3, finalizado após análises e reanálises, negações e afirmações dos aspectos essenciais a serem discutidos.

Utilizou-se, também, a triangulação de diversas fontes de dados (relatórios, entrevistas, discussão teórica e documentos) para que as respostas aos objetivos ganhassem consistência e fossem sustentáveis. Trata-se da triangulação metodológica entre métodos, apresentada por Denzin (1989), por meio da qual se supõe que as imperfeições de um método possam ser supridas pelas forças de outro e, também, que a combinação entre eles leve o pesquisador a conquistar resultados mais robustos. Essa combinação também se dá com o intuito de limitar a reatividade de determinado método, uma vez que ela demanda a superação de suas limitações por meio da combinação estratégica de diferentes instrumentos de coleta de dados (DENZIN, 1989).

Não se buscou quantificar o número de respostas em cada categoria, mas sim compreender e contextualizar sua importância para a compreensão das questões da pesquisa. A partir do Quadro 4, optou-se pela narrativa temática, organizando o texto extraído dos discursos com base no eixo temático ou conceito (coluna: o que avaliar? – tanto em relação às competências como em relação ao modelo de competências) do que se almejava revelar do discurso analisado. Classificaram-se os pesquisados em entrevistado 1, 2, 3..., numerados de forma aleatória para evitar a identificação.

É válido ressaltar que, embora o artigo tenha considerado um processo que durou dez anos, este estudo assume a caracterização de uma pesquisa transversal, uma vez que os dados foram coletados em único ponto no tempo e sintetizados para respectivas análises e considerações (HAIR JR. et al., 2005). Exatamente por isso o título do artigo é "Gestão de pessoas por competências: análise de repercussões dez anos pós-implantação" e não "Gestão de pessoas por competências: análise de repercussões em dez anos de implantação".

Explica-se, portanto, que não foi realizada uma análise histórica que contemplasse cada um dos anos enfrentados pela organização-caso ao longo desta década. Tal esforço exigiria uma abordagem metodológica incoerente para com os objetivos propostos pela pesquisa em apresentação e, também, cederia espaço para desvirtuar o artigo de seus intuitos principais. Ainda que deficiente nesse ponto, ao longo da pesquisa buscou-se, por meio das fontes de informações abordadas e analisadas, citar fatos relevantes desse período.

6 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS – INTEGRANDO TEORIA E CAMPO

6.1 CONTEXTO DA IMPLANTAÇÃO

O setor de telecomunicações, nos anos 1990, passou por mudanças desafiadoras. Dentre elas, podem-se citar: desregulamentação e abertura dos monopólios, fusões, aquisições, modernização tecnológica rápida e "impiedosa", necessidade de altas somas de investimentos, transformação em uma indústria de commodities, concorrência acirrada no mercado local e global, entre outras. Os anos 1990 apresentaram-se como o período de maiores mudanças efetivas nesse setor, em todo o mundo. Monopólios sólidos foram quebrados e operadoras foram privatizadas. Nesse cenário, novos conceitos surgem em grande escala e substituem antigos, em períodos de tempo cada vez menores.

Em meio a esse contexto, a Alfa Telecom (AT) figura como a última empresa de telecomunicações de capital público do país. Desde o fim do monopólio e a consequente chegada do mercado livre em 1996/1997, a empresa, mesmo sofrendo diversas investidas da concorrência, consegue manter-se competitiva e lucrativa. Essa competitividade fundamenta-se, segundo os entrevistados, em aspectos como dedicação diferenciada dos colaboradores aliada à expertise alcançada e à posição de empresa "séria" junto aos clientes.

Prevendo as mudanças, e no intuito de se preparar para enfrentar a concorrência, a AT iniciou, em 1994/1995, uma série de ações no sentido de tornar-se apta gerencialmente para a "guerra mercadológica", até então desconhecida. Em 1995, seguindo mudanças já efetuadas por empresas europeias, americanas e mesmo brasileiras, iniciou o projeto denominado Transformação Organizacional.

O projeto foi orientado por uma consultoria multinacional e tinha por objetivo redefinir a estrutura organizacional, até então essencialmente funcional-burocrática e com diversos níveis hierárquicos, transformando-a em uma estrutura por processos. Frente às mudanças provocadas pelo projeto, identificou-se a necessidade de implantação de um modelo de gestão de pessoas que desse suporte às novas exigências da empresa e atuasse como um catalisador das diversas ações de recursos humanos. (É importante destacar que as fontes para as descrições aqui apresentadas estão fundamentadas nas entrevistas realizadas e no documento Plano de Carreira e Remuneração por Competência disponibilizado pela empresa).

Nesse contexto, o gerente do projeto Transformação Organizacional havia também acumulado o processo de Planejamento Estratégico por tempo determinado e fora convidado, ao término desse prazo, a assumir a área de recursos humanos com o desafio de "arrumar a casa" e desenhar um processo mais estratégico. Sua primeira ação foi redesenhar todo o processo, implantando o conceito de consultoria interna (chamada na Alfa Telecom de agente de RH – o termo "consultoria" estava desgastado pela implantação do PCCS). Em decorrência do redesenho do processo e a partir de visitas de uma comissão a empresas como Kaiser, Alcoa e Copesul, que já trabalhavam com competências, visualizou-se o modelo de gestão por competências como o melhor a ser aplicado, pois esperava-se que ele pudesse fornecer a base de sustentação para todo o processo de gestão de pessoas e, portanto, ser capaz de integrar os subprocessos de RH.

Diante de tal quadro, o gerente entrou em contato com o modelo de Dutra (2004) e verificou que havia aplicações dele no BEMGE (Banco do Estado de Minas Gerais – hoje Itaú) e na Editora Abril. A partir de discussões e negociações, optou-se pela proposta de Dutra e iniciou-se o desenvolvimento do projeto denominado Plano de Carreira e Remuneração por Competência.

Segundo o entrevistado 10, "o modelo de gestão por competências foi idealizado e trazido para a empresa como um sistema completo: carreira, remuneração, provimento, avaliação, desenvolvimento e sucessão, sendo que a consultoria trabalhou conosco na sua base fundamental: carreira, remuneração e avaliação".

Portanto, o modelo de Dutra orientaria a empresa em relação às indagações, às incertezas e às mudanças então vivenciadas e daria sustentação para o projeto de transformação empresarial. Os principais alvos do modelo, segundo levantamento junto aos gestores, estão descritos no Quadro 5.


No intuito de conquistar o apoio e o envolvimento dos diversos públicos envolvidos, definiu-se o papel das partes consideradas essenciais para o seu funcionamento (Quadro 6).


Por meio da identificação dos principais objetivos a serem conquistados pela implantação de um modelo de gestão de pessoas articulado por competências (Quadro 5) e pelo consequente reconhecimento da importância de cada um dos públicos a serem influenciados por essa inovação, em termos de gestão, na empresa, é que todo esse processo se iniciou e alcançou seu décimo aniversário na Alfa Telecom em 2007.

Uma vez que o objetivo deste artigo recai sobre o intuito de avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir de um processo de verificação de validade constituído por etapas, adaptadas do caminho metodológico percorrido por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005), realizou-se tal tarefa com o modelo de competências implantado na empresa Alfa Telecom.

6.2 A AVALIAÇÃO DO MODELO

6.2.1 DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA E OPERACIONAL

De acordo com as entrevistas na fase de implantação do modelo, duas situações foram acordadas como unânimes entre os respondentes: que o processo de implantação transcorreu bem, de forma estruturada e profissional, e que não houve a existência de mudanças reais em relação às bases de sustentação do modelo. Os entrevistados relataram que cultura, modelos mentais, modelo de gestão e estrutura organizacional não acompanharam as mudanças propostas. Logo, esses fatores atuaram como limitadores para o alcance dos resultados esperados. Além dessas falhas, outras críticas são apresentadas no Quadro 7, composto pelo resumo das falas de alguns abordados durante o processo de pesquisa.


Analisando o contexto do modelo no período pós-implantação com foco na avaliação de sua condução, surgem, a partir das entrevistas, informações que esclarecem falhas que levaram o modelo a um estado crítico na empresa, as quais são expostas no Quadro 8, por meio de resumo das falas de alguns entrevistados.


É possível compreender que as dificuldades em lidar com o modelo de gestão por competências passam por incompreensão, pelo não cumprimento de suas regras, pelo descomprometimento de gestores e pela não utilização e desenvolvimento das ferramentas de apoio, o que desarticula seus fundamentos.

Em suma, em relação à definição constitutiva e operacional, observou-se, no que tange à natureza dos conceitos, que a organização pesquisada trabalha com a tradicional combinação de CHAs (conhecimentos, habilidades e atitudes), como inputs e comportamentos como outputs. Considera que seu modelo abrange não apenas a busca pela realização eficaz de uma tarefa, mas também a busca pela combinação de habilidades, conhecimentos, comportamentos de trabalho e atributos pessoais observáveis e mensuráveis que induzem à melhoria do desempenho do empregado e ao sucesso da organização.

Contudo, em nenhum momento averiguaram-se discussão, debate, ou qualquer tipo de mecanismo formal, anteriores ou durante o processo de implantação que tratassem de solucionar possíveis incoerências conceituais ou impossibilidades de operacionalizar as competências escolhidas para compor o modelo. Com isso, também não foram identificadas ferramentas de aferição do alinhamento entre os comportamentos esperados e as competências (vislumbradas no modelo) escolhidas para alcançá-los. Também não houve, na visão dos entrevistados, preocupação em buscar referências para validar os conceitos utilizados.

Oito gestores expressaram a seguinte opinião "confiamos no modelo escolhido". Ou seja, a referência é o próprio modelo escolhido, sem a devida preocupação com sua contextualização para o tratamento dos aspectos subjetivos e de divergências de significados. Ao serem questionados se existe um instrumento de referência para considerar válido o que está sendo medido, isto é, uma padronização dos significados das competências elencadas no modelo e de seus respectivos descritores, desenvolvida e disponibilizada para consulta dos envolvidos, os gestores afirmaram não existir reflexões ou ações sobre alinhamento entre comportamentos e competências requeridas.

Os dados corroboram com a posição de Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) quando discorrem sobre a tendência de se construir uma miscelânea de comportamentos no alto nível, os quais tornam quase impossível a validação do modelo, uma vez que incluem critérios de desempenho ou comportamentos que se sobrepõem às competências ou que não se encaixam na categoria a que pertencem.

6.2.2 VALIDADE DE CONSTRUTO

6.2.2.1 VALIDADE DE CONTEÚDO E DE FACE

A validade de conteúdo e de face foi analisada por dois aspectos. O primeiro aspecto verificou se havia entendimento comum dos significados das competências escolhidas para compor o modelo, e o segundo aspecto se eles eram adequados às necessidades da empresa.

Para a validade de conteúdo foram considerados os relatos do principal responsável pela consultoria que conduziu a implantação do modelo na empresa, do idealizador do projeto na organização, dos três diretores e de alguns gestores indicados pelo gestor de pessoas. Esses entrevistados foram escolhidos para fazerem referência à validade de conteúdo por serem considerados, dentre os participantes do projeto, os que mais compreendem o processo em investigação.

Para esses respondentes, não havia dúvida sobre a existência de um consenso sobre o significado das competências valorizadas pelo modelo implantado. Além disso, segundo eles, tais competências eram compatíveis para com as necessidades cotidianas vivenciadas na empresa. No entanto, quando questionados sobre o fato de os descritores das competências serem devidamente pesquisados, explorados e discutidos, e se sua suficiência havia sido testada, apenas dois deles responderam positivamente. De acordo com eles, isso ocorreu porque a validação aconteceu apenas no grupo de implantação e abrangeu todos os envolvidos. Já os demais relataram não terem conhecimento sobre a existência de instrumentos capazes de mensurar tais situações.

Esses dados contrariam o proposto por Kochanski (1997). Ele aconselha usar estratégias de aproximação que envolvam muitas pessoas, tal como grupos de foco, pois essas ajudam na velocidade de implantação do processo e reduzem o elitismo ou a exclusão.

Concernente aos demais entrevistados, considerados como parâmetro de avaliação da validade de face, por meio do entrevistado 3 descobre-se que as pessoas não compreenderam o modelo, uma vez que ele é complexo e exige dedicação e prática para seu entendimento, o que não houve no contexto de gestão da empresa Alfa Telecom.

O entrevistado 8 acrescenta "eu não sei se o termo competências está muito bem claro na empresa; o funcionário sempre acha que entrega mais [...] os funcionários não percebem a diferença entre as atividades do nível III e as do nível II". Dutra (2004) salienta que a não absorção dos conceitos do sistema é uma importante limitação ao sucesso do modelo, bem como a não apropriação do sistema por todos os abrangidos. A ordem correta seria, no primeiro ano, a apropriação pelos gestores e, logo em seguida, pelos demais.

Os entrevistados 12 e 18 apresentam posições interessantes, ao afirmarem que o plano é muito subjetivo, ressaltam que se as descrições fossem mais curtas e objetivas funcionariam melhor. O que seria um aprimoramento. Eles gostariam de saber mais sobre o plano, mas não existe divulgação. Apesar de todo o material estar na intranet, eles não conseguem compreender as informações e não têm uma referência confiável para buscar subsídios. Ambos salientam que o RH, em vez de mandar todos efetuarem uma leitura simples, deveria compor programas que motivassem, alertassem e orientassem os funcionários em relação ao modelo.

6.2.2.2 CONFIABILIDADE

Ao se questionar se há precisão na medição das competências hierarquizadas no modelo, principalmente para referenciar ganhos financeiros e promoções, percebeu-se que as "ferramentas de apoio e suporte" à gestão do modelo que, em alguns casos, são as próprias etapas de execução evidenciam a inexistência de critérios claros e sistematizados de avaliação de competências e de desempenho.

Questionados sobre os critérios de avaliação, se existia orientação para o desenvolvimento, para o esforço diferenciado e para o comportamento, todos salientaram que não havia sequer uma delas. A respeito dessa situação expõe-se o Quadro 9 com o resumo das falas de alguns entrevistados.


Apreende-se das declarações que há confusão entre avaliação de competências e avaliação de desempenho na empresa, não havendo contudo nem uma nem outra. A avaliação de desempenho foi percebida como muito requerida pelos gestores, os quais salientam que ela já existiu na empresa, mas não se consolidou porque as informações não refletiam a realidade. As pessoas seguiam critérios afetivos e políticos para emitirem sua opinião, e não critérios profissionais.

Constatou-se que a avaliação de competências não era realizada desde 2000. Outras "ferramentas e suportes" deficientes citados foram: orientação estratégica indefinida, impossibilidade de demissão, inexistência de um sistema informatizado que apoie o modelo, e reais possibilidades de evolução na carreira. Por outro lado, foi mencionada a existência de pessoas aptas para serem promovidas, competentes no sentido completo da palavra, porém desacompanhadas da existência de vagas. O problema se agrava frente ao fato de julgarem que quem está ocupando a vaga não entrega os resultados exigidos pelo seu nível de complexidade.

Ainda em relação à avaliação de competências, ouviu-se a seguinte fala: "é difícil falar de algo que não existe". A inexistência e a inaplicabilidade de tal avaliação decorrem do aspecto formal do modelo de competências que foi identificado como prejudicado no contexto da Alfa Telecom. A base de grande parte dos procedimentos relacionados ao modelo ainda se referenciam ao princípio de sua implantação. Verificou-se uma opção, por parte dos gestores estratégicos da organização, de não se contemplar a formalidade de uma avaliação de competências periódica devido à complexidade de tal tarefa, complexidade essa ainda carente de maiores informações internas e externas para ser atenuada.

6.2.3 Validade Preditiva

Ao buscar respostas sobre a capacidade do modelo de predizer resultados diferenciados, encontrou-se o principal motivo para isso não acontecer: a falta de uso e atualização. Unanimidade entre os entrevistados. A falta de atualização foi percebida inclusive no campo conceitual, uma vez que apenas 30% dos gerentes se sentiram à vontade para falar a respeito do modelo. Para os entrevistados, a contribuição mais relevante do modelo, mencionada em quase todas as falas, foi provocar uma movimentação dos funcionários a fim de adquirirem melhores qualificações educacionais (94% dos entrevistados são graduados e pós-graduados).

Houve unanimidade entre os entrevistados, ante a confrontação com os objetivos presentes na Figura 1, sobre o fato de esses não terem sido alcançados. Eles salientaram ainda estar presente na empresa a mesma realidade restrita ao início do plano. Além das explicações dos entrevistados para tal, reforça-se que o cumprimento dos compromissos previamente assumidos pela área de gestão de pessoas, diretoria, gerências e colaboradores, apresentados no Quadro 6, não foi observado nas entrevistas e observações. Cada parte envolvida no processo, com sua respectiva função, falhou em no mínimo 90% dos compromissos, o que gerou descrédito e degradação do modelo ao longo dos anos.

Dutra (2004) ressalta que, para um modelo de gestão de pessoas ser efetivo, deve atender às expectativas dos funcionários e da empresa. Na empresa pesquisada o modelo privilegiou as expectativas organizacionais e relegou as expectativas individuais. Essas expectativas mudaram, uma vez que são dinâmicas e carecem de ajustamentos contínuos, mas não houve mudanças no modelo. Como não houve a prática do modelo nos moldes em que foi criado, bem como revisões para aprimoramentos, evidencia-se, segundo os entrevistados, sua não consolidação. Sem prática não há aprendizado, e sem aprendizado não há aprimoramentos efetivos.

A posição em relação à superior qualidade do modelo proposto para a organização foi unânime entre os entrevistados, contudo acreditam que mudanças efetivas deveriam ser realizadas para que ele funcione na empresa, pois na atualidade ele vem sendo utilizado basicamente para se definir salários e promoções. Algumas proposições foram elaboradas pelos próprios respondentes e estão abordadas no Quadro 10.


Ressalta-se, antes de tudo, a necessidade de ações que venham aproximar o modelo de quem participa dele. Os próprios entrevistados apresentam as soluções para que o modelo funcione na íntegra. Entre elas: "vender" e divulgar novamente o modelo para a empresa; desenvolver e aplicar as ferramentas que o suportam, como avaliação de performance, de desenvolvimento e promoção de acordo com os critérios estabelecidos; simplificação das descrições e busca de maior objetividade; e necessidade de apoio e respeito irrestrito ao plano.

Enfim, evidencia-se que os problemas marcantes foram a descontinuidade e a quebra de regras por parte da direção da empresa. O "respeito" às regras do plano seria uma mudança que levaria às demais. Pois, como salientado pelo gestor de pessoas da empresa, "nós não encontramos forças para trabalhar como loucos no desenvolvimento e aplicação de todas as ferramentas de apoio ao modelo, se não temos uma estratégia clara; ainda, se pensarmos que ordens superiores podem jogar por terra todo o nosso trabalho, a vontade se perde no tempo". Assim, verifica-se que um primeiro e necessário passo para a sobrevivência do modelo seria o apoio incondicional da cúpula gerencial. Em suma, o Quadro 11 resume a avaliação realizada na empresa Alfa Telecom.


Na empresa pesquisada, a preocupação com a integração do modelo às estratégias organizacionais aconteceu somente na fase de implantação. Depois de algum tempo não se registraram práticas, ferramentas ou qualquer mecanismo que aproximasse estratégias organizacionais e modelo de competências. Ao se questionar sobre os critérios utilizados para revisões no modelo, a resposta foi unânime, "não temos critérios objetivos para isso". Aprimoramentos são feitos a partir da identificação de problemas no momento em que há promoção ou revisões salariais, sem qualquer instrumento ou mecanismo institucionalizado.

A análise do modelo de competências praticado pela AT, à luz do ciclo interligado de validação de modelos de competências, permite identificar falhas e sugestões de melhoria, apontando para a essencialidade das etapas em um ciclo contínuo.

Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) alertam para a urgência em investigar a validade dos principais pressupostos que fundamentam o uso de modelos de competências. Passa do momento de averiguar se tais práticas resultam em aperfeiçoamentos de tarefas, sejam simples ou complexas, no seio da organização. A credibilidade dos modelos de competências para os trabalhadores e gestores e suas percepções sobre sua capacidade de suporte organizacional devem ser examinadas, especialmente em relação à equidade procedimental. Em suma, avaliações críticas para a construção dos critérios de validade, de modo que as informações sobre as competências inseridas em um modelo sejam mais relevantes, mais específicas, mais consistentes e mais precisas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o interesse de investigar a relação entre a implantação de um modelo de competências e os resultados inerentes a tal ferramenta de gestão em diferentes contextos organizacionais, o presente artigo foi desenvolvido com o objetivo maior de avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir de um processo de verificação de validade.

Tal esforço justificou-se pelo intuito de identificar os principais problemas que circundam o desenvolvimento, a gestão e a validação desses modelos de competências, a fim de que esses pudessem ser analisados e tratados por respostas contributivas e potencialmente capazes de indicar caminhos solucionadores.

Em âmbito teórico ficou evidenciado que a competência é uma construção psicológica possível de ser conceituada por diferentes abordagens e cuja definição requer o entrosamento de opiniões advindas de especialistas e de atores inseridos em determinados contextos organizacionais. Essa conciliação definitiva agrega subjetividade ao construto em análise, o qual – em um processo de verificação de validade – pode adquirir uma interpretação ampla e enviesada, situação que tende a se agravar pela consequente falta de entendimento sobre o que se almeja medir, o que se deve medir e o que está sendo de fato medido.

Isso se deve à incompreensão de alguns conceitos iniciais: competências, gestão por competências, modelo de competências e modelo de competências válido. Por competências – a partir de admoestações extraídas da abordagem comportamental da escola norte-americana – entende-se o conjunto de características responsáveis por desempenhos individuais diferenciados. A gestão por competências é uma gestão estratégica que se incumbe de analisar a capacitação da organização como um todo. O modelo de competências é o instrumento de medida utilizado na gestão por competências para operacionalizar e descrever as competências. Um modelo de competências válido é, em síntese, aquele que participa de uma linguagem comum junto à organização que o ampara, qualidade essa que permitirá maior qualidade e agilidade nos processos relacionados à sua avaliação, implantação e aprimoramento.

Feitos tais esclarecimentos, buscou-se um referencial que concedesse suporte ao objetivo de avaliar um modelo de gestão de pessoas articulado por competências a partir de premissas de validação e legitimação.

Para tanto, adotou-se o caminho metodológico percorrido por Markus, Cooper-Thomas e Allpress (2005) e contribuições ofertadas por alguns metodólogos para a estruturação de um ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa de modelos de competências, o qual é composto por três etapas: a definição constitutiva e operacional, a validade de construto (composta pela validade de conteúdo, pela validade de face e pela confiabilidade) e a validade preditiva. Esse ciclo possui começo e fim e pode ser reiniciado a qualquer momento mediante alguma demanda de reavaliação.

A definição constitutiva e operacional indica a definição predominante de competências na organização e a situação do modelo responsável por operacionalizar as competências mais valorizadas em tal contexto de gestão. Por meio da validade de conteúdo pode-se verificar se os descritores das competências selecionadas para compor o modelo constituem uma amostra representativa do universo de interesse. A validade de face informa se as competências presentes no modelo e exigidas pela organização são, na visão dos funcionários, apropriadas e coerentes. A confiabilidade traduz o nível de precisão com que as competências inseridas e valorizadas pelo modelo são mensuradas. E, por fim, a validade preditiva indica se o modelo adotado e suas respectivas competências contribuem para melhorias individuais e organizacionais.

A aplicação desse ciclo em um modelo de competências utilizado em uma empresa permitiu o alcance de respostas ao objetivo da pesquisa apresentada por meio deste artigo. Por conseguinte, foi realizado um estudo transversal, dotado de uma abordagem qualitativa que, do ponto de vista da análise dos dados, utilizou-se de referências alinhadas a uma metodologia quantitativa, possível de ser caracterizado como um estudo de caso descritivo amparado por um extenso levantamento bibliográfico, pela realização de entrevistas em profundidade, por análises documentais e pela triangulação metodológica entre métodos.

Para a pesquisa empírica foi selecionada a empresa Alfa Telecom. Tal escolha foi justificada pelo fato de essa organização possuir um modelo de competências implantado há dez anos, situação essa que indicava a existência de experiências relevantes e possíveis de serem relatadas como exemplos bons ou ruins para os que pesquisam o tema. Como resultados mais relevantes do estudo empírico realizado à luz do ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa de modelos de competências destacam-se os comentários a seguir.

De forma geral, o modelo não alcança os resultados esperados na AT. Ao avaliar o sistema de gestão de competências nessa empresa, encontrou-se um modelo que enfrentou diversos empecilhos ao longo dos anos e que foi desacreditado por não ser praticado de acordo com suas premissas.

Os problemas com o modelo de gestão de competências se iniciaram logo após a sua implantação. A troca de direção e a saída dos mentores do modelo da empresa provocaram insegurança e o desvirtuamento de suas premissas. Os que ficaram não conseguiram dar conta de responder a todas as dúvidas que surgiram, bem como não tinham poder para impedir que o modelo fosse utilizado de forma equivocada.

Observou-se, em relação ao processo de implantação, que o modelo seguiu suas etapas de forma estruturada e profissional. Contudo, em meio ao processo, constatou-se que muitos, inclusive os gerentes, ficaram inseguros e se posicionaram como vítimas do processo. Foi observado também que: a linguagem utilizada foi inacessível para a maioria; que foram criadas entre os funcionários expectativas que não puderam ser cumpridas; que o tempo de maturação necessário para a compreensão do modelo foi insuficiente e que houve interpretações diferentes do modelo por parte dos gestores.

Em relação ao gerenciamento e à manutenção do modelo, verificou-se que as ações ficaram restritas a treinamento e desenvolvimento e não à sua sustentação. A preocupação foi preencher os requisitos de acesso. Para isso, muitos foram incentivados a se qualificar – e o fizeram. Contudo, não havia mecanismos para verificar, quantitativa e qualitativamente, se os cursos realizados estavam realmente contribuindo para o fortalecimento das competências, pois não havia avaliação de desenvolvimento.

Em suma, as ferramentas de suporte ao modelo, como salientado na discussão dos dados, não foram utilizadas. O gerenciamento do modelo ficou circunscrito à qualificação, visando cobrir as lacunas relacionadas aos requisitos de acesso. Além disso, o gerenciamento do modelo ficou restrito a tentativas de entendê-lo e fortalecê-lo na empresa, não se trabalhando efetivamente na gestão de seus princípios básicos: entrega, complexidade, espaço ocupacional e agregação de valor.

O modelo não foi atualizado de forma completa desde sua implantação. A última avaliação ocorreu no ano 2000, e esteve focada nos requisitos de acesso. Configura-se a inexistência da adequada manutenção do modelo. Fica o questionamento: será que o modelo de gestão por competências é o mais adequado para a empresa pesquisada?

Hayes, Rose-Quirie e Allinson (2000) destacam que um modelo de competências não deve ser considerado fechado ou completo. Ainda que se considere a definição das competências universais como mais independentes das regras e das organizações, existem as competências específicas, que devem estar estreitamente relacionadas às regras e às organizações a que pertencem.

Um modelo de competência direcionado a uma organização específica, ainda que essa seja semelhante a outras, não servirá a realidades diversas, pois o modelo é uma variável dependente da cultura organizacional. Assim, a metodologia adotada na construção e implantação do modelo, bem como a maneira de comunicá-lo devem refletir a abordagem de decisões dos líderes empresariais concernentes aos valores defendidos pela empresa.

No caso da empresa analisada, os respondentes da pesquisa foram unânimes em dizer que o modelo de gestão por competências adotado seria ideal para qualquer empresa, inclusive para a Alfa Telecom. Contudo, como qualquer outro modelo, precisa ter suas bases respeitadas.

Como salienta Dutra (2004), a maneira de gerir pessoas adotada pela maior parte das empresas não dá conta da realidade. É comum, por isso, observar empresas que sabotam, constantemente, seu próprio sistema de gestão com o intuito de nele criar brechas que o tornem mais adequado à sua realidade. Afinal, cabe à realidade a última palavra. Porém, repetidas sabotagens descaracterizam o sistema formal e retiram dele sua legitimidade e credibilidade.

A riqueza e a singularidade das informações alcançadas mediante a análise das etapas do ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa de modelos de competências proporcionam aprendizado em relação ao que não deve ser feito para se alcançar êxito na gestão de pessoas articulada por competências.

Este estudo demonstra que deve ser dada especial atenção às seguintes armadilhas: como a mudança proposta é complexa, tende-se a maquiar conceitos antigos e a assumir que houve mudança de paradigmas, negligenciando as profundas transformações na cultura e estrutura necessárias para suportar o modelo; pressupor que gestores e funcionários compreenderam os conceitos principais ignorando o efeito da racionalidade limitada; por fim, no intuito de obter bons resultados, abre-se mão do rigor científico.

Como resultado geral da pesquisa empírica, a aplicação do ciclo de validação ao modelo apontou a baixa consistência na prática do modelo de competências implantado. Comprovaram-se deficiências estruturais na etapa de validação do construto, o que acarretou fissuras nas demais etapas de validação. As principais foram: desalinhamento conceitual, distanciamento do alcance dos objetivos almejados pelo modelo e impossibilidade de verificação da validade preditiva. Além disso, verificou-se, na visão dos pesquisados, baixa credibilidade do modelo para orientar o previsto, ou seja, contratações, promoções, remuneração e desenvolvimento, causando mais confusão do que orientação aos gestores.

O presente artigo permitiu circunscrever pontos que precisam ser enfatizados, bem como ofereceu importante contribuição no que se refere à utilização de um ciclo de validação para avaliar um modelo de competências. Como avanço principal, destaca-se a proposição de um caminho que visa não somente validar uma competência ou lista de competências, mas o modelo como um todo. A verificação das etapas de validação, em um ciclo periódico, permite o refinamento do modelo frente às atuais e novas exigências conceituais, bem como às demandas organizacionais.

Dentre os principais pontos, destacou-se que o modelo de competências deve ser resultado de uma ampla pesquisa na organização sobre o que realmente importa diante das necessidades no negócio; em seguida, em um processo contínuo e permanente, deve-se buscar validar como a organização das competências por meio de um modelo contribui para o alcance dos objetivos delineados.

O processo de avaliação de um modelo de competências não deve ser cíclico, mas periódico. Dessa forma, objetiva-se que, a cada processo de inicialização e finalização das etapas incumbidas de denunciar a validação ou não do modelo, sejam constatadas deficiências internas possíveis de ser corrigidas por meio do desenvolvimento de novas competências, pela reaprendizagem de competências já requisitadas no modelo, por recursos próprios da organização e por recursos advindos de atores externos ao contexto de gestão no qual o modelo procura ser plenamente implantado e validado.

O estudo realizado junto à empresa Alfa Telecom revela uma possível regra a ser observada em inúmeras empresas que apenas buscam implantar e não avaliar as contribuições de seus respectivos modelos de competências. Em relação às etapas do processo de verificação da validade de um modelo de competências inseridas no ciclo interligado de legitimação e validação qualitativa proposto neste artigo, admoesta-se que, caso um erro inicial não seja corrigido prontamente, corre-se o risco de que tal deslize gere um acúmulo de incoerências impossíveis de serem sanadas, mesmo após dez anos de sua implantação.

Submissão: 18 jun. 2009.

Aceitação: 29 out. 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Fev 2011

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2009
  • Aceito
    29 Out 2010
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