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Urticária e doenças sistêmicas

Resumo

Chronic urticaria and concurrent angioedema are disappoiting problems for both physicians and patients. The disease can result from multiple causes and probably does not have a single etiology. Several factors have been identified that appear to be important in the pathogenesis of individual cases, some drugs, food additives, physical factors and internal diseases. In some cases no pathogenesis are identified and those cases are classified as idiopathic. In recent years several articles has emphasized autoimmunity and infections due to Helicobacter pylori. Our article reviewed the etiology of chronic urticaria at current concepts.

Urticária; Chronic urticaria; Systemic diseases


Urticária; Chronic urticaria; Systemic diseases

Urticária; Urticária crônica; Doenças sistêmicas

Artigo de Revisão

Urticária e doenças sistêmicas

R. F. J. Criado, P. R. Criado, J. A. de S. Sittart, M. C. Pires, J. F. de Mello, W. T. Aun

Trabalho realizado pelos Serviços de Alergia e Imunologia e Dermatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, SP.

UNITERMOS: Urticária. Urticária crônica. Doenças sistêmicas.

INTRODUÇÃO

A urticária é uma doença que acomete 15 a 25% dos indivíduos da população em geral, em algum momento da vida. Estima-se também que 0,1% da população examinada em consultas dermatológi- cas apresente urticária1. Entre os pacientes com urticária, 50% apresentarão a doença por pelo menos um ano e 20% além de 20 anos2-4.

Observa-se também que quando a urticária ocorre associada ao angioedema o prognóstico é pior, predispondo 75% destes pacientes a apresentar este quadro por um período superior a cinco anos4.

Definimos urticária crônica (UC) como aquela que aparece pelo menos quatro vezes por semana, em um período não inferior a seis semanas4,5. Embora a urticária seja comum em qualquer idade, observamos que a urticária aguda (UA) é mais freqüente em crianças e adultos jovens, enquanto que a UC ocorre, em geral, na meia idade4.

Entre as UC pelo menos 70% terão causa indefinida após uma investigação detalhada, ou seja, serão classificadas como urticárias crônicas idiopáticas (UCI). A incidência da UCI é desconhecida, porém estima-se uma variação de 0,1% a 3% na população em geral, sendo mais comum nas mulheres, numa proporção de duas mulheres para cada homem2. Acredita-se que o diagnóstico da UC como idiopática ocorra por impossibilidade de estabelecermos a sua etiologia, já que a mesma nem sempre está associada a uma etiologia única, expressando uma manifestação cutânea de diversas doenças subjacentes4.

Assim sendo, a pesquisa etiológica da UC é uma tarefa árdua, por vezes sem sucesso, contudo deve ser realizada, pois diversas patologias podem estar a ela associadas, entre as quais as doenças sistêmicas ou internas, objetos de estudo neste artigo de revisão.

ETIOLOGIA

A literatura relata diversas condições ou doenças relacionadas à etiologia da urticária ou do angioedema. Estes fatores etiológicos encontram-se assinalados na tabela 1 e esquematicamente demonstrados os vários mecanismos desencadea- dores da liberação da histamina na Figura 1.


Dentre os fatores etiológicos, as doenças internas ocupam um espaço ainda controverso. Diversos estados mórbidos como infecções, infestações, malignidades internas, leucemias, linfomas, mie- loma múltiplo, carcinomas do cólon, reto, fígado, pulmões e ovários têm sido referidos por vários autores como associados à UC.

Doenças endócrinas: diabetes mellitus, o hiper ou hipotireoidismo, o hiperparatireoidismo, as ovariopatias endócrinas e a dermatite auto-imune à progesterona estão também envolvidas no universo etiológico da urticária e do angioedema, bem como diversas doenças mediadas por imuno-complexos, entre elas o lupus eritematoso sistêmico, a artrite reumatóide e a urticária vasculite.

Recentemente, a associação da urticária crônica à infecção pelo Helicobacter pylori e à produção de auto-anticorpos dirigidos aos receptores da IgE na membrana dos mastócitos têm sido abordadas na literatura.

O diagnóstico etiológico da urticária/angioe- dema crônico (UAC) é complexo, exigindo sempre uma anamnese bem elaborada e detalhada, com objetividade, para a qual recomendamos sempre o auxílio de um protocolo orientador. Contudo, como observado anteriormente, a maioria dos casos de UAC permanecem sem causa definida, sendo então classificados como idiopáticos, apesar dos esforços da anmanese, do exame físico detalhado e dos exames complementares dirigidos.

Mortureux et al.6 realizaram um estudo pros- pectivo em crianças com urticária aguda. O grupo foi constituído por 57 crianças de um a 36 meses de vida, sendo 40 avaliadas pelo período de dois anos. Mais de 50% das crianças tinham doença atópica associada, com a etiologia da urticária identifi- cada ou suspeita em 92% dos casos. Em 18 casos a causa provável foi um infecção viral, sendo que em 12 houve ingestão medicamentosa concomitante- mente à doença. As viroses identificadas foram atribuídas ao adenovírus, vírus de Epstein-Baar, enterovírus, vírus sincicial respiratório, rotavírus e vírus da varicella-zoster. Após dois anos de seguimento dos 40 casos, 30% destas crianças ainda demonstravam urticária, de forma recorrente ou crônica.

Dupont7 avaliou 136 pacientes com UC e observou que doenças como úlcera péptica, colelitíase e doença tireoideana ocorriam muito mais freqüentemente na população com UC, quando comparada à população em geral. Apesar disto, o tratamento intensivo dirigido a estas doenças não melhorou o prognóstico da urticária em todos os casos.

Volonakis et al.8 observaram que entre 226 pacientes com UC, a causa somente pode ser determinada em 21% destes, não sendo comum a associação com doenças sistêmicas. Entre 107 pacientes acometidos pela UC, Liutu et al.9 observaram a associação com infecções em 16 pacientes e auto-imunidade em 12 deles.

URTICÁRIA - EXAME FÍSICO

O exame físico é indispensável na pesquisa etiológica da UAC e deve incluir a inspeção da pele e seus anexos, das mucosas, a palpação das cadeias ganglionares, dos orgãos abdominais, o exame do tórax e conjuntamente à anamnese orientar a necessidade e a direção dos exames complementares. Desta forma no exame físico devemos dar especial atenção aos tópicos da tabela 2.

INFECÇÕES E URTICÁRIA

A urticária pode ser uma manifestaçào de infecções bacterianas, virais ou fúngicas10.

INFECÇÕES FÚNGICAS E URTICÁRIA

Relata-se a associação entre UC e a presença de dermatofitoses, candidíase vaginal e infecções urinárias fúngicas11.

INFECÇÕES BACTERIANAS E URTICÁRIA

Entre as diferentes formas de infecções que podem estar envolvidas na etiologia das urticárias encontram-se as infecções dentárias, as sinusites e amigdalites, as infecções urinárias, as colecistites e as gengivites. O mecanismo pelo qual as infecções bacterianas poderiam causar a urticária seria a ativação do complemento, seja por via clássica (formação de imunocomplexos) ou pela via alternativa (toxinas bacterianas), com liberação de C3a e C5a determinando a degranulação de mastócitos e basófilos12.

Deve-se ressaltar que os dados publicados não estão confirmados por estudos controlados, além do fato de que em muitos casos não se estabeleceu uma relação de causa e efeito, pois por vezes o tratamento da infecção suspeita não controla ou remite a urticária10.

Em um estudo realizado por Liutu et al.9 em 107 pacientes com UC observou-se infecção bacteriana em 16, sendo oito de origem dentária, seis amigda- lianas e dois com sinusite.

Jacobson et al.13 encontraram em pacientes com UC 20% de anormalidades radiológicas ao investigar os seios paranasais.

Rorsman et al.14 e Resch et al.15 relataram uma alta incidência de infecção dentária ou gengival nos pacientes com UC (50% a 65%dos casos), porém apenas 4% a 35% deles tiveram remissão da urticária após o tratamento do foco infeccioso. Em oposição, Miller et al.16 encontraram somente quatro casos de abscesso dentário em 50 pacientes com UC, havendo em três deles remissão da urticária após a extração dentária.

A associação da sífilis secundária com a urticária ao frio foi descrita, sendo determinada por anticorpos IgG hemolíticos, denominados de anticorpos de Donath-Landsteiner10.

Na literatura somam-se diversos artigos propondo a associação entre a urticária crônica e infecção pelo Helicobacter pylori. A leitura destes trabalhos necessita de uma visão crítica apurada, uma vez que este agente infeccioso é muito prevalente na população humana. O H. pylori é uma bactéria microae- rófila gram negativa, e tem sido responsabilizada como a principal causa da gastrite, das úlceras pépticas e como um forte fator de risco do câncer gástrico e do linfoma do tubo digestivo17. Ele coloniza cerca de 50% da população em geral, sendo encontrada em 90 a 100% das úlceras duodenais, 75% das gástricas e em 50 a 60% dos pacientes com sintomas dispépticos17. A pesquisa da bactéria é realizada por diversos métodos diretos endoscópicos no tubo digestivo (histopatologia, cultura de fragmento de biópsia, teste rápido da urease), ou então por métodos não invasivos, como pelo teste respiratório da uréia ou pelo exame sorológico, através do ELISA, valorizando-se especialmente a pesquisa da IgA ou IgG, para o diagnóstico, uma vez que a sorologia confere sensibilidade de 88 a 99% e especificidade de 86 a 95%18.

Na tabela 3 resumimos alguns estudos9,18-22 sobre a associação entre UAC e infecção pelo H. pylori.

Talvez os diversos resultados obtidos pelos autores sobre a relação entre a urticária crônica e a infecção pelo H. pylori possam ser explicados pela variação nos regimes terapêuticos adotados ou então pela variabilidade entre as populações estudadas nas diversas regiões do planeta. No futuro, a apresentação de casuísticas mais amplas envolvendo a urticária crônica, apesar de complexas, poderão auxiliar no fortalecimento ou não de um nexo causal entre o H. pylori e a urticária crônica, em um subgrupo de pacientes.

Os mecanismos patogênicos que explicariam como a infecção pelo H. pylori poderia relacionar-se à urticária crônica permanecem desconhecidos, mas é possível especular a respeito deles. Entre estas hipóteses alguns autores propuseram que a liberação de histamina pela própria mucosa do tubo digestivo ou o processo inflamatório da muco- sa levariam à absorção maior de antígenos9. A infecção crônica aumentaria a secreção de ácido gástrico e pepsina, e o aumento da carga ácida poderia induzir metaplasia gástrica e inflamação ativa21. A liberação de histamina dos mastócitos ou de mediadores dos basófilos de maneira direta pelo H. pylori, como nas reações pseudo-alérgicas, onde não participa a IgE (tais como com certos alimentos, drogas e outras substâncias químicas), poderia ser outro mecanismo envolvido21. A liberação de toxinas pelo H. pylori promoveria também a ativação do complemento, gerando anafilotoxinas, C3a e C5a, determinando a liberação da histamina pelos mastócitos21. Outra possibilidade seria o H. pylori e suas toxinas afetarem a homeostase do tecido linfóide associado ao tubo digestivo e ativar uma resposta imunológica21. Mesmo assim, a pato- genia do H. pylori na doença cutânea permanece um enigma. Especula-se ainda que componentes estruturais (flagelos, adesinas, lipopolissacarideos da membrana) ou produtos metabólicos (urease, protease, fosfolipase e citotoxina) estejam envolvidas no desenvolvimento da erupção urticariana22.

Observa-se portanto que no paciente com urticária crônica e sintomas gastrointestinais devemos estar atentos à possível presença do H. pylori.

INFECÇÕES VIRAIS E URTICÁRIA

A infecção crônica pelo vírus da hepatite A, B e C, Epstein-Barr e Coxsackie A e B podem ser causas da urticária23, sendo citados freqüentemente em protocolos de investigação, entretanto seu papel na etiologia da urticária crônica ainda é incerto. Estas infecções virais estão habitualmente relacionadas à UA, mas podem associar-se também à UC10. Relatou-se um doente em soro-conversão para o vírus da hepatite C e ainda casos similares com a hepatite B24. Freqüentemente, a urticária relacionada à infecção pelo vírus da hepatite B apresenta-se de forma recorrente23. A UA pode, ocasionalmente, estar relacionada à infecção pelo vírus da hepatite A23,25.

Kanazawa et al.26 encontraram anticorpos para o vírus da hepatite C (anti-VHC) e genótipos do VHC (VHC-RNA) em 79 pacientes com urticária e em 1.692 soros de pacientes-controles. O anti-VHC foi detectado em 19 (24%) dos pacientes com urticária e o VHC-RNA em 17 (22%). Em oposição a este trabalho, Doutre MS et al.27 estudaram 60 pacientes, 10 com UA e 50 com UC. Pesquisaram o vírus da hepatite C (VHC) pelo método do ELISA e realizaram provas de função hepática. Apenas um paciente com UC apresentou sorologia para o vírus da hepatite C. Os autores concluíram que a infecção pelo VHC não pode ser considerada uma causa freqüente de urticária aguda ou crônica na França.

AUTO-IMUNIDADE NA URTICÁRIA

O desencadeamento da urticária pela presença de imunocomplexos tem sido descrita principalmente no lupus eritematoso sistêmico. Diversos autores, estudando populações acometidas por lupus eritematoso sistêmico, encontraram uma freqüência de manifestação da urticária de forma variada, talvez refletindo aspectos diversos nas populações estudadas em diferentes países. Além disto, alguns relatam a urticária como manifestação do lupus, porém não distinguem as diversas formas da urticária, ou seja, não classificam diferentemente episódios de urticária aguda, crônica ou urticária vasculite.

Em 1995 Yell JA, et al.28 pesquisaram as manifestações cutâneas do lupus eritematoso sistêmico em 73 pacientes obtendo uma alta taxa de ocorrência da urticária (44%), porém não distinguiram os casos em formas aguda, crônica ou urticária vas- culite. Em 1959 Scott et al.29 observaram entre 30 pacientes com lupus eritematoso sistêmico, urticária em 50% dos casos. Dois outros relatos referentes ao lupus eritematoso sistêmico, encontraram menores ocorrências da urticária, um de 7%,30 num estudo de uma população local, e outro de 22%31, em pacientes de um centro de referência nacional. Em 1964, em uma avaliação de 520 casos de lupus eritematoso sistêmico, uma das maiores séries de pacientes já publicada na literatura, Dubois EL e Tuffanelli DL32 encontraram a ocorrência da urticária em 6,9% dos pacientes.

Desta forma, parece-nos que a pesquisa do lupus eritematoso sistêmico nos casos de urticária, especialmente na forma sistêmica, tem o seu lugar já definido na literatura médica.

A auto-imunidade é citada como causa freqüente da urticária crônica. Dentre elas estão as tireoi- dites ou a presença de auto-anticorpos à tireóide e as doenças reumatológicas.

Os mastócitos e basófilos expressam receptores de alta afinidade na sua superfície (FceRIa) para a IgE. Atualmente, a urticária tem sido observada como uma doença auto-imune dos mastócitos com demonstração de anticorpos anti IgE e antireceptores de alta afinidade para IgE (FceRIa) da superfície destas células, os quais podem determinar degranulação e liberação da histamina33,34. Esta proposição da auto-imunidade aos mastócitos está esquematizada na Figura 2.


Sabroe e Greaves34 demonstraram que a injeção intradérmica de soro autólogo determina uma reação urticariforme em cerca de 60% dos pacientes com urticária crônica idiopática, denotando o envolvimento de fatores circulantes liberadores da histamina. Concluíram que há três grupos de pacientes com urticária crônica: um grupo com auto-anticorpos funcionais circulantes ao FceRIa dos mastócitos e basófilos ou menos freqüentemente à IgE, outro, constituído por indivíduos com atividade liberadora de histamina específica a mastócitos, e, finalmente, um terceiro grupo de pacientes com teste do soro autólogo negativo e sem evidência de fatores circulantes liberadores de histamina. Estes auto-anticorpos anti-FceRIa funcionais seriam do isotipo IgG1 e IgG3. Em doenças como a dermatomiosite e pênfigo vulgar pode haver auto-anticorpos anti-FceRIa, porém do isotipo IgG2 e IgG4, os quais não são capazes de liberarem histamina dos mastócitos e dos basófilos34.

Humphreys F e Hunter JAA35 observaram em 390 pacientes com UCI presença de auto-anticor- pos para os receptores da IgE nos mastócitos. Em outro estudo, em 98 de 163 pacientes com urticária crônica ocorreu a formação de pápula e urtica após a injeção intradérmica de auto-soro, sendo que ocorreu a liberação de histamina dos basófilos em 47 amostras de doadores saudáveis, sugerindo a presença de auto-anticorpos (IgG) anti-receptores de alta afinidade para IgE (FceRI) ou anti IgE5,36-39.

Demonstrou-se que os indivíduos com auto-anticorpos anti-FceRIa e urticária crônica idiopática apresentam um aumento da incidência do HLA-DR4. A hipótese de auto-imunidade é reforçada pela verificação de que nos casos com UCI e com teste do soro autólogo positivo há um aumento dos anticorpos antimicrossomais tireoideanos. Estas observações podem orientar uma nova abordagem terapêutica para a UCI, resistentes ao tratamento convencional com anti-histamínicos, indicando-se nos casos mais graves o uso da plasmaferese, ou da gamaglobulina endovenosa e mesmo da ciclosporina34.

Há alguns anos, o interesse quanto à etiologia da urticária e do angioedema tem sido dirigido à sua associação com doença tieoideana e/ou auto-imunidade à tireóide. Lanigan et al.40 compararam três grupos de pacientes: um, com auto-imunidade à tiróide demonstrada, outro, com doença tireoideana mas sem produção de auto-anticorpos à tireóide, e um grupo-controle. Observaram que a urticária crônica estava significativamente associada aos de auto-imunidade à tireóide.

Turktas et al.41 procederam a pesquisa de auto-anticorpos à tireóide e testes de função tireoideana em 94 pacientes com urticária ou angioedema crônico (UAC) e em 80 voluntários normais. Dentre os com UAC, 11,7% tiveram anticorpos antiti- reoglobulina presentes e 9,57% anticorpos antimi- crossomais. Nos controles, apenas 3,7% apresentaram estes auto-anticorpos. Avaliando-se os pacientes com UAC, seis entre 11 tinham doença tireoideana e cinco tinham hormônios normais.

Leznoff et al.42 estudaram 624 pacientes com UAC idiopáticos, encontrando em 90 (14,42%) destes anticorpos antitireóide. Na população em geral estimou-se que 6% dos indivíduos normais apresentam os anticorpos antitireóide. A reposição hormonal não melhorou a UACI na maioria dos casos.

Rumbyrt J. et al.43 estudaram 10 pacientes eutiroideos, dos quais sete tinham aumento dos anticorpos antimicrossomais ou antitireoglobulina. Todos apresentavam UC não controlada com anti-histamínicos e todos tiveram remissão do quadro com a reposição hormonal. Em cinco destes pacientes houve retorno da urticária após a parada do tratamento.

Em uma revisão de diversos trabalhos da literatura, Heymann WR44 concluiu que há uma associação entre alguns casos de urticária crônica e/ou angioedema com auto-imunidade da tireóide e que um subgrupo destes pacientes pode responder, com remissão do quadro da urticária crônica e/ou angioedema, de forma eficaz à administração de hormônio tireoi- deano. Propôs diversas orientações na avaliação destes pacientes, as quais estão resumidas na tabela 4.

Acredita-se que indivíduos com angioedema hereditário também possam apresentar um auto-anticorpo contra o inibidor da C1 este- rase (C1 INH)33.

PARASITOSES E URTICÁRIA

A relação entre urticária/angioedema crônico e parasitoses é classicamente citada na literatura especializada e pode ser um sintoma associado a uma infecção subclínica45. As infecções parasitárias poderiam causar a urticária pelo estímulo ao aumento da IgE e eosinofilia10. Todos os pacientes que demonstrem um aumento da IgE e eosinofilia devem ser investigados para parasitoses, principalmente se a urticária é acompanhada de dor abdominal e/ou diarréia10. Especialmente, relacionam-se como fatores etiológicos possíveis às urticárias a amebíase, giardíase46, tricomoníase e escabiose45, além da ascaridíase, triquinose, ancilostomose, estrongiloidíase, filariose, esquistossomose, hidatidose, equinococose e a toxocaríase10. As dermatofitoses e as candidíases têm sido relatadas como desencadeadoras da urticária45.

Em 1982, Corsini47 relatou no nosso meio dois casos de urticária crônica e infestação intestinal pelo Strongyloides stercoralis e em um deles também recuperaram-se cistos da Giardia lamblia. Após o tratamento para o parasitismo obteve-se remissão completa da urticária, sendo acompanhados até oito meses após o tratamento. Em 1980, Grove48 observou urticária, além de larva migrans, em portadores de estrongiloidíase crônica.

Wolfrom et al.49 estudaram 51 pacientes com urticária crônica e controles quanto à infecção pelo Toxocara canis. Entre os pacientes com urticária crônica, 64,7% tiveram anticorpos contra o Toxocara canis detectados pelos métodos ELISA e pelo Western blot. No grupo controle 21% tiveram anticorpos contra o Toxocara canis por ELISA e pelo Western blot. Dos pacientes com urticária crônica e sorologia positiva, 36% dos tratados para o parasita curaram a urticária e 29% deles melhoram parcialmente dos sintomas após o tratamento.

URTICÁRIA E PROGESTERONA

A dermatite auto-imune à progesterona é um termo que reúne várias dermatoses relacionadas ao ciclo menstrual, e é freqüente observar-se um teste intradérmico positivo à progesterona, anticorpos à progesterona e imunocomplexos.

São relatados casos na literatura de urticária crônica relacionados ao período pré menstrual, de forma cíclica e com teste intradérmico positivo ou negativo à progesterona50. Sob o termo "Dermatite Auto-Imune à Progesterona" são descritas a urticária crônica, o eritema polimorfo e reações eczematosas.

URTICÁRIA E MALIGNIDADE INTERNA

Há referências de urticária e angioedema asso- ciados a carcinoma de cólon, reto e pulmão, bem como malignidades hematológicas, os linfomas de células B e T, doença de Hodgkin e leucemia45.

Em um estudo abrangendo 1.155 pacientes com urticária crônica na Suécia51, observaram-se 37 casos de canceres internos, sendo que 23 surgiram no mesmo ano ou após o aparecimento da urticária. Esperavam-se estatisticamente um número de 41 casos de câncer nesta população estudada. Os autores concluem que não houve relação entre o surgimento da urticária crônica e o câncer.

Parece-nos evidente que até o presente conhecimento a urticária e/ou o angioedema estejam relacionados a várias afecções sistêmicas ou doenças internas. Estudos experimentais, clínicos prospe- ctivos e a meta-análise da literatura poderiam contribuir com o estabelecimento do nexo causal entre a urticária e o angioedema e as doenças internas ou sistêmicas. O paciente com urticária, especialmente crônica, permanece como um desafio à prática clínica, porém de forma cada vez mais compreensível em relação ao passado recente.

SUMMARY

Chronic urticaria and concurrent angioedema are disappoiting problems for both physicians and patients. The disease can result from multiple causes and probably does not have a single etiology. Several factors have been identified that appear to be important in the pathogenesis of individual cases, some drugs, food additives, physical factors and internal diseases. In some cases no pathogenesis are identified and those cases are classified as idiopathic. In recent years several articles has emphasized autoimmunity and infections due to Helicobacter pylori. Our article reviewed the etiology of chronic urticaria at current concepts. [Rev Ass Med Bras 1999; 45(4): 349-56]

KEY WORDS: Urticária. Chronic urticaria. Systemic diseases.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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