Acessibilidade / Reportar erro

Iseb, uma escola de governo: desenvolvimentismo e a formação de técnicos e dirigentes

Iseb, una escuela de gobierno: desarrollismo y la formación de técnicos y líderes

Resumo

Este artigo investiga a atuação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) como instituição federal de ensino e pesquisa com base no conceito de desenvolvimentismo da área de história do pensamento econômico brasileiro (HPEB). O desenvolvimentismo é o fio condutor para a investigação historiográfica utilizada nesta pesquisa. O Iseb atuou como uma escola de governo que, através do seu Curso Regular, formou técnicos e dirigentes em nível de pós-graduação, e produziu pesquisas que embasaram políticas públicas. Técnicos e dirigentes era a designação dada aos gestores públicos na época. As proposições do Iseb fazem parte da tradição do pensamento social crítico brasileiro e influenciaram a administração pública, tanto na formação de profissionais quanto nas decisões de dirigentes. Destarte, o Iseb está inserido na história da educação em administração e o resgate de sua atuação como uma escola de governo, que atuou de forma autônoma e independente, pode colaborar para a discussão atual - e perene - sobre o papel do Estado e, em particular, do administrador público.

Palavras-chave:
desenvolvimentismo; Iseb; história do pensamento econômico brasileiro; técnicos e dirigentes.

Resumen

Este artículo investiga el Instituto de Estudios Superiores Brasileños (Iseb) como una institución federal de educación e investigación con base en el concepto de desarrollismo del área de historia del pensamiento económico brasileño. Desarrollismo es el hilo conductor para la investigación historiográfica utilizada en esta investigación. Iseb actuó como una escuela de gobierno que, por medio del Curso Regular, formó técnicos y líderes en nivel de pos-graduación, y que produjo investigaciones que sirvieron de base a políticas públicas. Técnicos y líderes era como eran designados los administradores públicos de entonces. Las propuestas de Iseb son parte de la tradición del pensamiento social crítico brasileño e influenciaron la administración pública, sea en la formación de profesionales sea en la decisión de líderes públicos. Así, Iseb es parte de la historia de la educación en administración, y la recuperación de suya actuación como una escuela de gobierno, que actuó de forma independiente y autónoma, puede contribuir a la discusión actual - y perenne - sobre el papel del Estado y, en particular, del administrador público.

Palabras clave:
desarrollismo; Iseb; historia del pensamiento económico brasileño; técnicos y líderes.

Abstract

This article looks at the Higher Institute of Brazilian Studies (Instituto Superior de Estudos Brasileiros - Iseb) as a federal teaching and research institution based on the concept of developmentalism taken straight from the historical annals of Brazilian economic thinking. Developmentalism provides the motivation behind the historiographical investigation used in this research. Iseb functioned as a school of government that, through its Standard Course, helped qualify technicians and administrators at a post-graduate level, and produced research that was the basis of public policies. Technicians and administrators was how public managers were designated at that time. The ideas put forward by Iseb are part of the tradition of Brazilian critical social thinking and have influenced public administration, both in terms of qualifying professionals and in the decisions taken by administrators. The Iseb is, therefore part of the history of education in administration and reviving its activities as a school of government, which were autonomous and independent, may contribute to the present, and perennial debate over the role of the State and, in particular, that of the public administrator.

Keywords:
developmentalism; Iseb; the history of Brazilian economic thinking; technicians and administrators.

1. Introdução

A história da educação em administração tem privilegiado a historiografia das primeiras escolas de ensino de graduação e de algumas disciplinas (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.; Coelho, 2006COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.; Nicolini, 2007NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.; Waiandt, 2009WAIANDT, Claudiani A. O ensino dos estudos organizacionais nos cursos de pós-graduação stricto sensu em administração Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.; Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.; Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.). Alguns desses autores mencionaram a influência do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) no pensamento de administração (Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Guerra Fria e ensino do management no Brasil: o caso da FGV-Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 52, n. 3, p. 284-299, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.), e outros afirmaram que essa instituição teria influenciado a formação das primeiras levas de administradores (Bertero, 2006BERTERO, Carlos. Ensino e pesquisa em administração. São Paulo: Thomson, 2006.). Contudo, essas pesquisas, ao abordarem seu objeto de investigação a partir de um foco na influência da americanização e/ou no contexto de Guerra Fria, deixaram de analisar o Iseb como uma instituição de ensino e pesquisa.

O Iseb foi criado, em 1955 no Rio de Janeiro, como uma instituição federal de ensino pós-universitário, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, apesar de ser denominado instituto, ele foi criado como um "curso permanente" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a., 1955bBRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.), fatos estes que o caracterizam como tendo "uma natureza educativa e pedagógica apoiada numa prática docente ('curso') que articula ensino e pesquisa" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:22). Destarte, o objetivo deste artigo é analisar o Iseb como uma instituição federal de ensino e pesquisa, em nível de pós-graduação, que formou e aperfeiçoou, em seu Curso Regular em nível pós-universitário, "quadros de técnicos e dirigentes" (Brasil, 1955aBRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.) - principalmente públicos, mas também privados - e que dessa forma contribuiu para a história da educação em administração. "Técnicos e dirigentes" era a designação dada aos gestores públicos na época (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

A proposta de investigação aqui apresentada se associa ao esforço de pesquisadores nacionais em promover uma reflexão crítica por meio da aproximação da administração com a história com base na utilização de diferentes abordagens e fontes documentais, e a partir do fomento da interdisciplinaridade (Pieranti, 2008PIERANTI, Octávio. A metodologia historiográfica na pesquisa em administração: uma discussão acerca de princípios e sua aplicabilidade no Brasil contemporâneo. Cad. EBAPE.BR, v. 6, n. 1, p. 1-12, 2008.; Vizeu, 2010aVIZEU, Fabio. (Re)contando a velha história: reflexões sobre a gênese do management. Revista de Administração Contemporânea v. 14, n. 5, p. 780-797, 2010a., 2010bVIZEU, Fabio. Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 1, p. 37-47, 2010b.; Costa, Barros e Martins, 2010COSTA, Alessandra; BARROS, Denise; MARTINS, Paulo. E. Perspectiva histórica em administração: novos objetos, novos problemas, novas abordagens. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 3, p. 288-299, 2010.; Fischer, Waiandt e Fonseca, 2011FISCHER, Tânia; WAIANDT, Claudiani; FONSECA, Renata. A história do ensino em administração: contribuições teórico-metodológicas e uma proposta de agenda de pesquisa. Rev. Adm. Pública, v. 45, n. 4, p. 911-939, 2011.; Costa, 2014COSTA, Alessandra. História e administração: novas teorias e práticas de pesquisa. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 6, p. 718, 2014.). Quanto à interdisciplinaridade, este artigo propõe a introdução do conceito de desenvolvimentismo da área de história do pensamento econômico brasileiro (HPEB) como tema de investigação da história da educação em administração.

O conceito de desenvolvimentismo contribui para trazer à tona a discussão sobre a atuação do Estado. A ideologia do desenvolvimentismo pressupunha um papel para o Estado de planejador e indutor do setor privado no processo de industrialização, a partir do entendimento de que o mercado espontaneamente não conseguiria levar o país a superar o subdesenvolvimento (Bielschowsky, 1988BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.; Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
).

A estrutura deste artigo está dividida em quatro partes incluindo esta breve introdução. Na próxima seção é discutido o conceito de desenvolvimentismo da área de HPEB. Na terceira parte são discutidas questões metodológicas para em seguida ser apresentada a análise de dados. A análise de dados está subdividida em três partes: a origem do Iseb e de suas principais proposições; o Curso Regular; e a influência direta do Iseb na administração, que é seguida pelos comentários finais.

2. O conceito de desenvolvimentismo da área de HPEB: estado-centrismo para a superação do subdesenvolvimento

O conceito de desenvolvimento é mencionado em algumas pesquisas, mas como corolário da americanização, e como tendo sido influenciado pela Guerra Fria (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.; Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.; Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.). Dessa forma, a investigação aqui é feita com base no conceito de desenvolvimentismo da área de HPEB (Bielschowsky, 1988BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.; Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
) como contraponto à americanização e à Guerra Fria com o intuito de fomentar uma agenda de pesquisa independente trazendo à tona a discussão sobre o papel do Estado.

Não restam dúvidas de que, a partir da década de 1960, a Guerra Fria e a influência dos Estados Unidos (EUA) impactaram a história da educação em administração no Brasil. Isto se deu, marcadamente, a partir da assinatura do convênio PBA-1 entre os governos brasileiros e dos EUA para o apoio na criação e ampliação de escolas de administração, e do lançamento da Aliança para o Progresso pelo presidente Kennedy. Esses eventos foram, em parte, oriundos da alteração da política externa dos EUA em relação à América Latina como consequência da Revolução Cubana. Contudo, muito aconteceu na história da educação em administração no Brasil antes desses fatos e isso carece de investigação se quisermos construir uma agenda de pesquisa independente. A influência dos temas de americanização e Guerra Fria já a partir da Segunda Guerra Mundial - que é preponderante nas pesquisas internacionais e parece ter provocado um mimetismo na agenda nacional - deve ser atenuada no contexto da América Latina, principalmente, até o início da década de 1960 (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

Mesmo a partir da década de 1960, é importante salientar que alguns estudos apontam que o processo de americanização das instituições de ensino de administração não aconteceu sem resistências (Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.) e hibridizações (Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.). Ou seja, não houve um processo unilateral de construção de instituições à imagem e semelhança de congêneres estadunidenses, "há também pluralidade, heterogeneidade e complexidade neste processo" (Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012.:297), tampouco houve, por exemplo, uma relação direta entre os interesses dos EUA e a criação da Faculdade de Administração e Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Barros, 2013BARROS, Amon. Uma narrativa sobre a história dos cursos de administração da Face-UFMG: às margens do mundo e à sombra da FGV? Tese (doutorado em administração) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.). Processos de hibridização similares aconteceram em outros países que estiveram expostos à americanização (e.g., Kieser, 2004KIESER, Alfred. The Americanization of academic management education in Germany. Journal of Management Inquiry, v. 13, n. 2, p. 90-97, 2004.; Üsdiken, 2004ÜSDIKEN, Behlül. Americanization of European management education in historical and comparative perspective. Journal of Management Inquiry, v. 13, n. 2, p. 87-89, 2004.). Em outras palavras, o processo de americanização não é capaz de explicar, sozinho, a historiografia das primeiras instituições de ensino de administração nem no Brasil nem no exterior.

No que diz respeito ao tema do desenvolvimento, algumas pesquisas nacionais indicam que a ideologia do desenvolvimento teria sido determinante somente após a Segunda Guerra Mundial (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.; Coelho, 2006COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.; Nicolini, 2007NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.). Por outro lado, o campo de HPEB sugere que, bem antes da Segunda Guerra Mundial, se iniciou o que foi denominado de o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, que foi um fenômeno imbricado na realidade sociopolítica da América Latina (Bielschowsky, 1988BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.; Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
).

Consequentemente, este artigo utiliza o conceito de desenvolvimentismo como proposto por HPEB, que demarca o início do processo para 1930 e amplia o espaço do fenômeno que teria acontecido em toda a América Latina, não somente no Brasil. Na maior parte das pesquisas da área de administração, o desenvolvimentismo está caracterizado como tendo se iniciado somente após a Segunda Guerra Mundial, o que serve para reforçar a lógica da americanização, ao invés de atenuá-la (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.; Coelho, 2006COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.; Nicolini, 2007NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.). HPEB é um campo que tem diversas pesquisas que tratam do período a ser investigado e que podem contribuir para a historiografia da administração (e.g., Martins, 1976MARTINS, Luciano. Pouvoir et dévelopment économique: formation et evolution des structures politiques au Brésil. Paris: Editions Antropos, 1976.; Diniz, 1978DINIZ, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.; Draibe, 1985DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.; Bielschowsky, 1988BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.; Loureiro, 2006LOUREIRO, Maria Rita. A participação dos economistas no governo. Análise, v. 17, n. 2, p. 345-359, 2006.; Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
).

A ideologia do desenvolvimentismo pressupunha uma lógica em que o Estado deveria planejar a industrialização e guiar as organizações privadas no sentido de superar o subdesenvolvimento, a partir do pressuposto de que o mercado espontaneamente não conseguiria fazê-lo. Por essa lógica, o Estado deveria até mesmo investir diretamente onde as organizações privadas não teriam interesse em fazê-lo (Bielschowsky, 1988BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.). E é sob essa ideologia do desenvolvimentismo que é criado o Iseb, bem como as primeiras escolas de ensino de graduação em administração (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

Desenvolvimentismo é um conceito utilizado por autores em HPEB tanto para designar "um conjunto de práticas de política econômica propostas e/ou executadas pelos policymakers {...quanto para designar} um conjunto de ideias que se propõe a expressar teorias, concepções ou visões de mundo" (Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
:2). A partir de uma pesquisa sobre como esse conceito é utilizado por diferentes autores em HPEB, Fonseca (2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
:13) sugeriu que o núcleo comum principal entre os vários autores é composto por: a) um projeto nacional deliberado, sem necessariamente objeção ao capital estrangeiro, mas tendo "a nação como epicentro e destinatária do projeto; b) a intervenção consciente e determinada do estado com o projeto; c) a industrialização como caminho para acelerar o crescimento econômico". Dessa forma, vemos que este é um conceito estado-cêntrico que é construído a partir da América Latina, e que caracteriza um determinado período histórico na região.

Portanto, o interesse deste artigo é pela caracterização do desenvolvimentismo em HPEB como um fenômeno histórico imbricado no contexto da América Latina - principalmente a partir dos anos 1930 - e que terá sua formulação teórica elaborada somente nas décadas de 1950 e 1960 pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) (Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
). Mas, talvez, a principal contribuição de HPEB seja a de reconhecer a ideologia do desenvolvimentismo como tendo uma origem local e de estar imbricada no contexto sociopolítico da América Latina (Fonseca, 2013FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
http://www.ufrgs.br/decon...
), antes de ser mera reprodutora de conhecimentos recebidos do exterior.

3. Abordagem metodológica

Esta pesquisa é feita ciente de que o investigador é parte da narrativa e de que não devemos confundir história com passado. Não se parte da premissa de que o passado é uma construção fixa que está lá à nossa espera para que, a partir de vestígios, possamos fielmente reconstruir o passado como ele foi. Podemos tão somente construir um mosaico num processo de bricolagem a partir de nossas fontes que mantêm uma verossimilhança com o passado (Curado, 2001CURADO, Isabel. O desenvolvimento dos saberes administrativos em São Paulo: uma análise histórica. Tese (doutorado em administração) - Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2001.). Na análise que se segue, o investigador está presente como alguém que, influenciado pelo momento presente, descreve o passado - à sua maneira -, algo que já aconteceu e que não está passível de ser descrito em sua plenitude (Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.).

O desenvolvimentismo de HPEB é o fio condutor da análise aqui apresentada. O levantamento de dados sobre o Iseb seguiu uma metodologia historiográfica que tem sido amplamente utilizada na área de administração (Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.; Curado, 2001CURADO, Isabel. O desenvolvimento dos saberes administrativos em São Paulo: uma análise histórica. Tese (doutorado em administração) - Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2001.; Coelho, 2006COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.; Nicolini, 2007NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.; Waiandt, 2009WAIANDT, Claudiani A. O ensino dos estudos organizacionais nos cursos de pós-graduação stricto sensu em administração Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.; Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.; Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012.): neste trabalho foram analisados documentos produzidos pelo Iseb, além de antecessores e pesquisas feitas sobre as instituições.

Quanto à literatura sobre o Iseb, as principais fontes utilizadas foram duas teses sobre a instituição: Abreu (1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.), defendida em história; e Oliveira (2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.), defendida em educação, particularmente, em história da educação. A combinação dessas duas teses propiciou um posicionamento no subcampo de história da educação. Ao abraçar a tese de Oliveira (2006)OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006., a estratégia de investigação do Iseb seguida aqui se alinhou com a proposta de Fischer, Waiandt e Fonseca (2011FISCHER, Tânia; WAIANDT, Claudiani; FONSECA, Renata. A história do ensino em administração: contribuições teórico-metodológicas e uma proposta de agenda de pesquisa. Rev. Adm. Pública, v. 45, n. 4, p. 911-939, 2011.) de buscarmos o campo da história da educação para alimentarmos o subcampo da história do ensino de administração.

O principal adicional que traz a tese de Oliveira (2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.) é o documento do Iseb (1960)JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979. intitulado "Relatório de atividades" que não havia sido explorado nas teses de Abreu (1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.) nem de Toledo (1977TOLEDO, Caio N. de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.) - esta última não apresentou interfaces com esta investigação - e que era desconhecido até bem pouco tempo. Esse documento descreve todas as atividades desempenhadas pelo instituto entre 1956-60 e foi consultado na Biblioteca Nacional, além de estar em grande parte reproduzido na tese de Oliveira (2006)OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006..

O documento mais importante sobre a criação do Iseb, para os objetivos desta pesquisa, foi a Exposição de Motivos n. 627 do ministro da Educação Candido Mota Filho (Brasil, 1955a). Esse documento, consultado no Arquivo Nacional, traz informações sobre o objetivo dos cursos do Iseb mais relevantes do que os listados no decreto oficial de sua criação (Brasil, 1955bBRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.). Outro importante documento sobre o Curso Regular é o livro Discursos (Kubitschek et al., 1957KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.), que traz os discursos da formatura da primeira turma de 1956. Por esse livro podemos descortinar a estrutura do curso, o conteúdo ministrado e o perfil de seus alunos.

Depoimentos de participantes do Iseb formaram também uma importante base de dados, principalmente os de Hélio Jaguaribe (1979JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.), mentor e principal articulador de sua criação, Nelson Werneck Sodré (1978SODRÉ, Nelson W. A verdade sobre o Iseb. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.), que foi responsável pelo departamento de história, e Candido Mendes (2005MENDES, Candido. Iseb fundação e ruptura. In: TOLEDO, Caio N. de (Org.). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do Iseb. Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 13-30.), isebiano histórico como Jaguaribe. Para a história do antecessor do Iseb, o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), foi fundamental a análise dos seis números dos Cadernos do Nosso Tempo (CNT) publicados por esta instituição. Ainda há poucas publicações sobre o Ibesp, e foram todas devidamente consultadas (Schwartzman, 1981SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.; Bariani, 2005BARIANI, Edson. Uma intelligentsia nacional: Grupo de Itatiaia, Ibesp e os Cadernos do Nosso Tempo. Caderno CRH, v. 18, n. 44, p. 249-256, 2005.; Hollanda, 2012HOLLANDA, Cristina B. Os Cadernos do Nosso Tempo e o interesse nacional. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 55, n. 3, 2012, p. 607-640, 2012.). O Boletim Capes, consultado na Biblioteca Nacional, foi também uma importante fonte de informação sobre os cursos realizados pelo Ibesp e pelo Iseb.

No que tange à análise da interação do Iseb com a Ebap, apresentada na terceira parte da análise de dados, uma importante fonte de consulta foi o livro comemorativo dos 50 anos da Ebap. Esse livro contém depoimentos de professores e alunos da década de 1950 e traz uma listagem de todas as disciplinas e professores da época (Bonemy e Motta, 2002BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.).

Ao fazer a opção de investigar o Iseb, está claro que esta pesquisa permanece no espaço privilegiado pela área de pesquisar instituições formais de ensino, e, dessa maneira, deixaram de ser investigadas outras instituições, práticas e vozes que participaram da história da educação em administração. Ou seja, a delimitação da pesquisa aqui apresentada é representada pelo subcampo de história da educação em administração, especificamente na historiografia das instituições de ensino.

Quanto às referências desse subcampo, esta pesquisa explorou aquelas que investigaram a história do ensino e da disciplina de administração pública, por exemplo: Machado (1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.), Fischer (1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.), Coelho (2006COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.) e Nicolini (2007NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.); bem como foram analisados os trabalhos que investigaram a historiografia das primeiras escolas de ensino de graduação em administração, tais como: Taylor (1969TAYLOR, Donald A. Institution building in business administration: the Brazilian experience. Michigan: East Lansing/Michigan; MSU International Business and Economic Research, 1969.) e Alcadipani e Bertero (2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012., 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.), que investigaram a historiografia da Eaesp; Fischer (1984)FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984. que discorreu sobre a história da Ebap; e Barros (2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.) e Barros e Carrieri (2013)BARROS, Amon. Uma narrativa sobre a história dos cursos de administração da Face-UFMG: às margens do mundo e à sombra da FGV? Tese (doutorado em administração) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013., que apresentaram a historiografia da Face da UFMG. Em tempo, Ebap, Eaesp e Face eram, ao lado da Escola Superior de Administração e Negócios (Esan), as únicas escolas de ensino de graduação nos anos 1950.

É importante ressaltar que a investigação aqui feita do Iseb se faz ao largo das celeumas que envolvem a história do instituto, tais como: quantas fases teve o Iseb; se o Iseb teria sido uma fábrica de ideologias; quem foi o responsável pelo racha entre os fundadores da instituição no final de 1958; a questão da participação do capital estrangeiro no desenvolvimento. Essas polêmicas acabaram por subalternizar o importante papel desempenhado por essa instituição federal de ensino e pesquisa que este artigo procura ressaltar e podem, em parte, explicar o fato de o Iseb ser apenas mencionado na literatura como tendo influenciado o pensamento de administração (Alcadipani e Bertero, 2012ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012.).

4. Análise de dados

Seguindo o objetivo de investigar o Iseb como uma instituição federal de ensino e pesquisa, os documentos foram analisados com base no conceito de desenvolvimentismo. A partir dessa leitura, optou-se por dividir a análise de dados em três partes apresentadas a seguir: primeiro discutem-se as origens do Iseb e de suas formulações; em seguida é analisada a estrutura do Curso Regular do Iseb e na última parte é analisada a influência direta do Iseb na história da educação em administração.

4.1 Do Grupo de Itatiaia ao Ibesp e Iseb: a ideologia do nacional-desenvolvimentismo

O Iseb foi um sucessor do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), criado em 1953 no Rio de Janeiro como uma instituição privada, e que teve seu mentor e fundador, Hélio Jaguaribe, como seu secretário-geral (Sodré, 1978SODRÉ, Nelson W. A verdade sobre o Iseb. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.; Jaguaribe, 1979JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). A criação desse instituto surgiu da iniciativa dos integrantes do "Grupo de Itatiaia" que vinham se reunindo, desde o ano anterior, nas dependências do Parque Nacional de Itatiaia, que era formado por jovens intelectuais de classe média do Rio de Janeiro e de São Paulo. As discussões se pautavam pela compreensão dos problemas de ordem sociocultural geral daquele tempo e, em particular, de um entendimento da realidade brasileira no nível econômico, social, político e cultural (Jaguaribe, 1979JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). Segundo Jaguaribe (1979JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.:95), "do Rio iam Candido Mendes, Guerreiro Ramos, Oscar Lorenzo Fernandez, Israel Klabin, Ignacio Rangel, José Ribeiro Lira, Cleantho Paiva Leite, Cid Carvalho, Fabio Breves, Ottolmy Strauch, Heitor Lima Rocha {...}", além de Roland Corbisier e outros de São Paulo.

O Ibesp publicou cinco volumes dos Cadernos do Nosso Tempo (CNT) de 1953 a 1956. O conteúdo dos CNT representou o primeiro esforço de teorização deste grupo de intelectuais - muitos dos quais se tornariam professores do Iseb - e que foram os primeiros esboços da visão de Brasil que permearia o Curso Regular do Iseb para a formação de "quadro de técnicos e dirigentes" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.). Os CNT traziam as primeiras visões de Brasil que afetariam o pensamento de administração no Brasil (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

Os intelectuais do Ibesp tinham como preocupação central os diferentes meios para a nação atingir o desenvolvimento, entendido como transformação qualitativa da sociedade, seja pela maior participação política das massas, seja pelo crescimento econômico (Bariani, 2005BARIANI, Edson. Uma intelligentsia nacional: Grupo de Itatiaia, Ibesp e os Cadernos do Nosso Tempo. Caderno CRH, v. 18, n. 44, p. 249-256, 2005.). "A importância do Ibesp e dos Cadernos é que eles contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada vez maior nos anos subsequentes, e serviriam de ponto de partida para a constituição do Iseb" (Schwartzman, 1981SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.:3). Na construção do projeto nacional-desenvolvimentista do Ibesp, há uma clara preocupação de escapar da dicotomia da época entre capitalismo-comunismo e buscar uma terceira via. A busca por esse caminho independente para o desenvolvimento se fazia com o cuidado de esclarecer as diferenças desse modelo para o comunismo: "o adensamento da presença do Estado na política e na economia não constituía ameaça socialista, mas medida oportuna" (Hollanda, 2012HOLLANDA, Cristina B. Os Cadernos do Nosso Tempo e o interesse nacional. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 55, n. 3, 2012, p. 607-640, 2012.:635). Segundo Celso Furtado (1985FURTADO, Celso. A fantasia organizada. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.:167), que fora convidado por Jaguaribe para dar palestras ainda no Ibesp, "Jaguaribe defendia a tese de que o Brasil se aproximava de momentos cruciais e que era indispensável preparar um projeto que servisse de alternativa aos assaltos da direita e aos devaneios da esquerda".

Devemos ressaltar que a década de 1950 foi profundamente marcada pela dicotomia entre capitalismo e comunismo. A década se iniciou com a Guerra da Coreia e a perseguição aos comunistas promovida pelo macarthismo nos EUA, e se encerrou com a Revolução Cubana que trouxe a Guerra Fria para dentro da América Latina (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

A criação do Ibesp no Rio é marcada pela defecção dos paulistas do Grupo de Itatiaia - com exceção de Roland Corbisier que se transfere para a capital federal -, mas é longa a lista de colaboradores do CNT, por exemplo: "Guerreiro Ramos, Candido Mendes, Carlos Luis Andrade, Ewaldo Correia Lima, Fabio Breves, Heitor Lima Rocha, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João Paulo de Almeida Magalhães {...}" (Schwartzman, 1981SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.:3). A recente publicação de todos os números do CNT em meio digital (Revista de Estudos Políticos, 2012REVISTA DE ESTUDOS POLÍTICOS, n. 4, 2012/01. Disponível em: <Disponível em: http://revistaestudospoliticos.com/numero-4/ >. Acesso em: 30 out. 2014.
http://revistaestudospoliticos.com/numer...
) trará, certamente, um novo impulso à investigação dessa importante contribuição teórica para o pensamento social crítico brasileiro. Este é um "capítulo importante e inexplorado da experiência intelectual carioca nos anos 50" (Hollanda, 2012HOLLANDA, Cristina B. Os Cadernos do Nosso Tempo e o interesse nacional. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 55, n. 3, 2012, p. 607-640, 2012.:608). Em outras palavras, uma produção do pensamento social crítico latino-americano que muito pode contribuir com a história da administração, dado que o tema de racionalização da gestão pública está presente em suas formulações (Schwartzman, 1981SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.). Por exemplo, o último número publicado do CNT (1956)CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp , n. 5, jan./mar. 1956. apresentou um longo estudo, não assinado, intitulado "Para uma política nacional de desenvolvimento". Trata-se de uma longa reflexão sobre a racionalização da administração pública e que traz um conjunto de organogramas para a reestruturação do estado (CNT, 1956CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp , n. 5, jan./mar. 1956.:47-188).

O Ibesp também atuou como uma instituição privada de ensino na formação de quadros dirigentes, em nível de pós-graduação, sejam eles da área pública ou privada. Em 1954, o Ibesp assinou com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) um convênio para a realização de um curso através de 12 conferências (Capes, 1954CAPES. Boletim Capes, n. 18, 1954.). Segundo Abreu (1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.:96), o público dos cursos do Ibesp "era na maioria de nível universitário, estudantes, professores, profissionais liberais e militares". Consta que teriam se "matriculado em tais cursos, em conjunto, mais de 700 pessoas" (CNT, 1954CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp, n. 2, jan./jun. 1954.:186), que participaram das palestras que aconteceram no auditório do Palácio Capanema, sede do MEC. Tudo leva a crer que os assistentes eram o mesmo público que se tornaria alvo dos cursos do Iseb, ou seja, técnicos, principalmente, da administração pública, em sua grande maioria.

O Palácio Capanema está situado no centro do que então era a esplanada dos ministérios do Distrito Federal da Guanabara. No ano seguinte, o Iseb realizou no mesmo local seus primeiros "cursos extraordinários", o que deixa claro a existência de uma continuidade. Assim, este artigo afirma que o curso do Ibesp foi o primeiro em nível de pós-graduação, no Brasil, ministrado por uma instituição privada, que foi seguido por técnicos e dirigentes públicos e privados, e que estava inserido no programa de "integração funcional das atividades administrativas no processo de desenvolvimento econômico do país" (Brasil, 1951BRASIL. Mensagem ao Congresso Nacional do Presidente Getúlio Vargas por ocasião a abertura da sessão legislativa de 1951 Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em: 19 ago. 2014.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
:57). Foi esse curso que levou o ministro da Educação Candido Mota Filho a reconhecer a contribuição do Ibesp para a formação de técnicos e dirigentes (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.).

Os seminários do Ibesp tiveram o "caráter de extensão universitária e sob a denominação geral de Introdução ao Estudo de Nossa Época e do Brasil" (Capes, 1954CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Disponível em: <Disponível em: http://www.capes.gov.br/ >. Acesso em: 25 set. 2014.
http://www.capes.gov.br/...
:8). A solenidade de abertura foi presidida por Anísio Teixeira, secretário-geral da Capes, e reitor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), estando também presentes Guerreiro Ramos, diretor dos seminários - e que já era professor da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap) -, e Hélio Jaguaribe, que ministrou a aula inaugural (imagem 1). A presença de Anísio Teixeira deixa claro o apoio da política de educação do governo ao curso, enquanto o fato de Guerreiro Ramos ser o diretor indica sua aproximação com a área de administração. Cabe lembrar que naquele momento existia somente a Ebap no ensino de administração no Rio (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.).

As marcas deixadas pelo Ibesp no pensamento social crítico brasileiro tiveram longa duração. Exemplos disso são o nacional-desenvolvimentismo como uma terceira via entre o capitalismo/americanização e o comunismo e, sobretudo, "uma visão muito particular e ambiciosa do papel da ideologia e dos intelectuais na condução do futuro político do país" (Schwartzman, 1981SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.:6).

Imagem 1
Auditório "Palácio Capanema", antigo prédio do MEC

4.2. O curso regular do Iseb e a formação de técnicos e dirigentes

No breve governo de Café Filho (1954-55), Jaguaribe, por meio de contatos de Hélio Cabal com autoridades do governo, conseguiu convencer o ministro da Educação da criação de "um equivalente brasileiro ao Collége de France ou, em termos latino-americanos, ao Colégio do México" (Jaguaribe, 1979JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.:95JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). Jaguaribe vinha procurando institucionalizar as atividades do Ibesp diante da escassez de recursos de seus membros. O Iseb é criado como um "curso permanente de altos estudos políticos e sociais, de nível pós-universitário {...} dotado de autonomia administrativa e de plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra" (Brasil, 1955bBRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.).

A Exposição de Motivos n. 627 do ministro do MEC Candido Mota Filho, justificando a criação do Iseb, deixou claro quais eram os objetivos da instituição, em geral, e do curso regular, em particular: "{...} operando como um órgão de estudos, de ensino e de divulgação, de caráter pós-universitário {...} para a formação de quadros {...} para seu próprio uso {do governo}, dos estudos que se visa empreender e dos quadros de técnicos e dirigentes que se formarão e aperfeiçoarão nos cursos promovidos pelo centro" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.). Essa exposição de motivos do ministro Mota esclareceu que "o estudo sistemático dos problemas brasileiros ainda não encontra condições adequadas à sua realização", e reconheceu o papel que o Ibesp vinha desempenhando nesse sentido (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.). Consequentemente, o decreto de criação do Iseb destacou o seguinte objetivo:

Art. 2o O Iseb tem por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, notadamente da sociologia da história, da economia e da política, especialmente para o fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão da realidade brasileira, visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional.

Por conseguinte, o Iseb se caracterizou por atividades de cunho educativo em que "a ênfase em atividades de estudos, pesquisas e conferências se articulou a outras questões: uma política editorial; uma política de fomento de formação de recursos humanos; e finalmente uma política de divulgação" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:23-24). Ou seja, todas as atividades que uma instituição de ensino superior precisa para formar e aperfeiçoar "quadros de técnicos e dirigentes" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.), bem como influenciar dirigentes responsáveis por tomadas de decisão nas áreas pública e privada (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.). Essas práticas de ensino, pesquisa e divulgação tinham como foco a promoção do projeto de desenvolvimento do país e o "planejamento de tudo o que se relacionasse com a realidade brasileira; busca e construção de um entendimento histórico do país; investimento numa abordagem metodológica voltada às especificidades nacionais" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:204).

Destarte, o Iseb nasce como uma escola de governo que tinha por missão básica a "formação de quadros de técnicos e dirigentes" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.) e a produção de pesquisas que servissem de base ao governo "no planejamento e na elaboração de um programa administrativo", como afirmou o presidente Kubistchek (JK, 1956-60) quando da inauguração da nova sede do Iseb (Brasil, 1957BRASIL. Discurso do presidente Juscelino Kubitschek no ato de inauguração da nova sede do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) sobre suas finalidades - em 8 de agosto de 1957. Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em:19 ago. 2014. 1957.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
).

O desenvolvimentismo implicava que o Estado deveria assumir novas funções e, para tanto, era necessária a formação de um novo tipo de quadros de técnicos e dirigentes. Não se pretende aqui afirmar que o Iseb nasce como uma escola de ensino de administração como as demais que são criadas ao longo dos anos 1950, mas o Iseb representou a alternativa do governo para a formação de 'técnicos e dirigentes' para atuação na administração pública, principalmente, e privada, que fazia sentido a partir do desenvolvimentismo, e das condições de tempo e espaço daquela década. Vejamos, então, que modelo de escola era esse e como ele teria contribuído para a história da educação em administração no Brasil.

A composição dos responsáveis pelos departamentos da escola deixa clara a continuidade que vem desde o Grupo de Itatiaia: filosofia - Álvaro Vieira Pinto; história - Candido Mendes; ciência política - Hélio Jaguaribe; sociologia - Guerreiro Ramos; economia - Ewaldo Corrêa Lima (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). O titular do MEC, Candido Mota Filho, nomeou o Conselho Curador que era formado por oito membros: A. Junqueira Ayres, Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Junior, Hélio Jaguaribe, Hélio Cabal, Roberto Campos, Roland Corbisier e Themistocles Cavalcanti (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). Esse conselho nomeou como diretor do Iseb Roland Corbisier, o filósofo que havia sido o único membro paulista remanescente do Grupo de Itatiaia (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.).

Já no segundo semestre de 1955 aconteceu o Primeiro Curso Extraordinário que teve a conferência inaugural proferida por Guerreiro Ramos e intitulada "A problemática da realidade brasileira" (CNT, 1955CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp, n. 3, jan./mar. 1955.). Nesse texto, Guerreiro Ramos ressaltou o problema de "nosso sistema administrativo, todo ele instalado sem reflexão crítica e recortado segundo critérios abstratos e importados" (Ramos et al., 1956RAMOS, Guerreiro et al. Introdução aos problemas brasileiros. Rio de Janeiro: Iseb , 1956.:25), o que indica a linha de atuação que o ensino do Iseb seguiria na área de administração pública.

No ano seguinte, ao tomar posse, o presidente JK encontrou o Iseb em pleno funcionamento como um legado do curto governo de Café Filho. Poder-se-ia esperar uma atitude de indiferença do novo presidente para com a instituição, mas o que aconteceu foi o oposto, um total apoio na figura do presidente e do novo ministro da Educação, Clóvis Salgado: JK foi o paraninfo e discursou na cerimônia de formatura da primeira turma, "Barão de Mauá" (Kubitschek et al., 1957KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.), e se fez presente quando da inauguração da nova sede do Iseb na rua das Palmeiras (Brasil, 1957BRASIL. Discurso do presidente Juscelino Kubitschek no ato de inauguração da nova sede do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) sobre suas finalidades - em 8 de agosto de 1957. Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em:19 ago. 2014. 1957.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
); Salgado não só apoiou como ministro, como também se apresentou diversas vezes em palestras no instituto e foi o paraninfo da terceira turma de formandos (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.).

O primeiro Curso Regular aconteceu no primeiro ano do governo JK, 1956, e ocorreu, até a inauguração da nova sede na rua das Palmeiras, no auditório do MEC no Palácio Capanema, e a sala destinada ao funcionamento do instituto ficava no gabinete do ministro (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.). Isto deixa claro que o Iseb era um importante instrumento da política de ensino superior do governo (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.) que visava "atingir as pessoas que já tinham um papel ativo na administração pública e que fossem capazes de intervir na tomada de decisões. Iseb e ESG pretendiam formar as elites dirigentes do país" (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.:115). Dessa maneira, durante o governo JK, as formulações do Iseb ganham força e influenciam "vários setores da opinião pública, principalmente intelectuais, estudantes, trabalhadores, setores técnicos da administração e militares" (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.:117).

Como instituição de ensino, o Iseb representou uma singularidade ao se institucionalizar como um curso de nível pós-universitário. Naquele período, havia poucos cursos informais nesse nível, sendo o primeiro oficialmente registrado pela Universidade do Brasil em 1958 (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). O desenvolvimentismo promovido pelo Iseb, e patrocinado pelo governo JK, parecia optar pela "formação de quadros de técnicos e dirigentes" (Brasil, 1955aBRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.) que já tivessem uma formação superior em algum curso e que receberiam a visão de Brasil a partir da prática pedagógica do Curso Regular. Por outro lado, o processo de americanização, que influenciou a construção das primeiras escolas de ensino de graduação em administração, seguiu outra lógica para a formação de administradores em nível de pós-graduação (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.). Por exemplo, o primeiro curso formal de administração em nível de pós-graduação foi oferecido pela Eaesp em 1958: professores visitantes da Michigan State University (MSU) - que atuavam desde a criação da escola patrocinados pelo programa Ponto IV financiado pelo governo dos EUA - promoveram um curso totalmente em inglês que pretendia atingir o mesmo nível do mestrado nos EUA. Somente sete alunos se formaram no final do curso, que só voltaria a ser oferecido em 1961 (Taylor, 1969TAYLOR, Donald A. Institution building in business administration: the Brazilian experience. Michigan: East Lansing/Michigan; MSU International Business and Economic Research, 1969.).

Já na área de administração pública, os primeiros cursos de pós-graduação da Ebap só se iniciaram no início dos anos 1960, já dentro do convênio PBA-1 (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.). Esse curso aceitou formandos com qualquer formação superior, haja visto que havia somente 240 graduados em administração em 1960 (Machado, 1966). Ou seja, o Iseb que formou em cinco anos um total de 205 profissionais, em nível de pós-graduação, atingiu quase esse mesmo número de 240 formandos (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.).

As práticas de ensino do Iseb no curso regular também representaram uma inovação do ponto de vista metodológico (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). Os alunos do curso regular, que tinha a duração de um ano, deveriam ter dedicação integral e frequência mínima de 70%, e cumprir a exigência de diploma de nível superior (Kubitschek et al., 1957KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.:13; Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.:29). Havia uma grande preocupação em não reproduzir um academicismo rebuscado que escapasse da realidade brasileira: "o que caracteriza o Instituto é precisamente a ausência de academicismo. O Iseb não é um órgão acadêmico, mas um órgão prático, pragmático" (Kubitschek et al., 1957BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.:10).

O curso regular era assim estruturado: "O que chamamos de Curso Regular compreende as aulas, os seminários e os trabalhos de grupo, realizados à tarde pelos estagiários que ficam à disposição do Instituto em regime de tempo integral" (Kubitschek et al., 1957KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.:13). Esse curso representava uma novidade visto que "a partir de um estudo teórico das ciências sociais procurava-se diagnosticar e interpretar os problemas da sociedade brasileira contemporânea, indicando soluções e caminhos a serem seguidos" (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.:183). Os estagiários deveriam ainda trabalhar em pesquisas dos diferentes departamentos na forma de grupos de trabalho (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.). Um dos grupos mais ativos do Iseb foi o comandado por Guerreiro Ramos, que contratou como estagiários os alunos da Ebap (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.), demonstrando novamente a interligação do Iseb com a área de administração. Pelo volume de carga horária, a participação dos alunos em grupos de pesquisa e a necessidade de tese para a conclusão do curso, poderia ser considerado equivalente a um curso atual de mestrado acadêmico.

A busca por uma nova abordagem metodológica para compreender a realidade nacional, ocasionou que "a introdução do pensamento existencialista entre a intelectualidade brasileira se deu através do Iseb" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:209). Devemos ainda acrescentar que "o culturalismo e o existencialismo estiveram presentes na formulação da ideologia isebiana desde os seus primeiros momentos e que permaneceram como pilares fundamentais do raciocínio em que se apoiou o nacionalismo-desenvolvimentista" (Paiva, 1980PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.:53). O Iseb ainda é pouco estudado pelos investigadores em ciências sociais (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.), e sua investigação pode contribuir com a história da educação em administração.

Com a posse de Jânio Quadros, em 1961, o Iseb ficou sem verba e o curso regular foi interrompido, retornando somente em 1962. Contudo, a partir daí, alterou-se o perfil dos alunos que passaram a ser universitários e representantes de sindicatos (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.). Isso, é lógico, ampliou a área de influência da instituição, mas como as informações sobre esse período são escassas, consequentemente, neste trabalho optou-se por restringir a análise até o curso regular de 1960.

O corpo discente do Iseb "teve a presença compulsória de representantes dos três poderes no nível federal, bem como de expressões limitadas de governos estaduais" (Mendes, 2005MENDES, Candido. Iseb fundação e ruptura. In: TOLEDO, Caio N. de (Org.). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do Iseb. Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 13-30.:21). Nos dois anos seguintes à primeira turma, o Iseb recebeu estagiários (assim eram chamados os alunos do curso regular) representantes de todos os organismos da administração civil e militar (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.). O relatório de atividades do Iseb (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.) aponta o número total de formandos do Curso Regular de 1956 a 1959, e só informa o número de aplicantes para 1960 (46 alunos). Outra fonte indicou o número de formandos em 1960 (Bonilla, 1962BONILLA, Frank. A national ideology for development: Brazil. In: SILVERT, K. H. Expectant peoples: nationalism and development. Nova York: Random House, 1962. p. 232-264.:238).

Tabela 1
Total de formandos do Curso Regular do Iseb de 1956 a 1960

Este é um número expressivo se levarmos em consideração que se tratava de um curso pioneiro de pós-graduação e que exigia dedicação exclusiva do estagiário ao longo de um ano inteiro (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). Seria, então, natural se esperar que a maioria dos alunos fosse indicada por órgãos públicos e que manteria seus proventos ao longo do curso. O Relatório de atividades (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.) traz a lista de todas as organizações que enviaram alunos ao curso regular (reproduzida em Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:221-222), e cumpre destacar aqui: diversos ministérios, Estado Maior das Forças Armadas, Conselho de Segurança Nacional, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), Banco do Brasil (BB), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Petrobras, Fábrica Nacional de Motores, Conselho Nacional do Comércio, Conselho Nacional da Indústria. De um total de 64 instituições listadas, "28 são órgãos vinculados, direta e/ou indiretamente, à administração estatal nos seus diferentes níveis (municipal, estadual, federal) e 14 representantes de Estados da União" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:185). Ou seja, fica claro que eram, predominantemente, administradores públicos.

A análise da formação universitária dos alunos do curso regular é possível por meio da análise da lista de teses defendidas (Iseb, 1960JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). Três ressalvas precisam ser feitas sobre o total disponível para análise: apesar de 65 teses defendidas em 1956 (Kubitschek et al., 1957KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.), o Relatório traz somente 57 teses; para 1958, o Relatório fala em 31 teses, mas somente 30 estão listadas; apesar de apresentar tema e nome das 46 teses propostas para 1960, não traz a formação dos alunos. Assim, tem-se um total de 158 alunos, no universo de 205 teses defendidas, com a formação reportada.

Tabela 2
Formação universitária dos alunos do curso regular do Iseb formados entre 1956 e 1960

Diante da tabela 2 fica claro que "o foco do ensino implementado pelo Iseb voltava-se para discentes que já possuíssem um curso de graduação, ou seja, pessoas já graduadas e com uma atividade profissional definida" (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:202), com concentração em advogados, militares e professores. Somente esses profissionais poderiam se manter um ano com dedicação exclusiva ao curso. Constituir-se como um curso pós-universitário estaria de acordo com a política dos isebianos em influenciar o conjunto da sociedade brasileira e formar e atingir os formuladores de decisão (Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.).

No que diz respeito aos temas das 205 teses apresentadas, nota-se que o Iseb cumpriu de fato a missão para a qual foi criado: "análise e a compreensão da realidade brasileira, visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional" (Brasil, 1955bALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012.). Os termos desenvolvimento e subdesenvolvimento aparecem num total de 94 temas, o que representa quase metade do total. No mesmo patamar estão os temas que incluem as palavras Brasil/brasileiro/nacional/nacionalismo.

A análise do conjunto desses títulos, confirma a importância e a centralidade do conceito de desenvolvimento no pensamento isebiano; além da crise brasileira só ser passível de ser superada pela via do desenvolvimento, esse desenvolvimento deveria ter tanto um caráter "nacional", quanto deveria ter o papel de potencializar as diversas dimensões produtivas da realidade brasileira. {Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.:192}

Em outras palavras, era o nacional-desenvolvimentismo sendo expresso nas teses dos egressos de Curso Regular que eram, ou tornar-se-iam, técnicos e dirigentes com atuação na administração pública, principalmente, e privada.

A seguir, é apresentada uma seleção de temas entre as 205 teses defendidas no Curso Regular do Iseb, que poderiam ter uma vinculação direta com a área de administração (para a lista integral, ver Iseb, 1960; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.; Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.). Dado que à época a administração era uma ciência em formação e nenhum dos alunos era formado em tal campo, foi feita a análise a partir dos seguintes critérios: menção direta a nomes de empresas ou políticas públicas; temas que contenham no título as palavras: negócios, administração, administrativo(a), funcional, técnica, servidores públicos. Assim, foi elaborada uma seleção de 22 temas - cerca de 11% do total - que serve como amostra dentro do universo multidisciplinar que caracterizou o ensino no Iseb.

Quadro 1
Teses do Iseb: temas selecionados por aproximação com administração

Esta seleção revela o impacto que a atuação do Iseb, como instituição de ensino em nível de pós-graduação, teve sobre a formação de profissionais que já atuavam como técnicos ou dirigentes, ou que viriam a assumir posição equivalente, e, consequentemente, a influência do Iseb na história da educação em administração. A atuação do Iseb foi muito além do Curso Regular. Além de cursos extraordinários que ocorreram inclusive fora do Rio, a política editorial permitiu a publicação de diversos livros seminais dos quais a Redução sociológica de Guerreiro Ramos (1958RAMOS, Guerreiro. A redução sociológica (introdução ao estudo da razão sociológica) Rio de Janeiro: Iseb , 1958.) é apenas um exemplo (Iseb, 1960; Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975. para listagem completa de publicações). O Iseb colaborou ainda com outro curso de pós-graduação que formou técnicos e dirigentes que atuaram na administração, pública principalmente, e que foi organizado pela Cepal e o BNDE (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

4.3 A influência direta do Iseb na educação em administração

A influência direta do Iseb nas instituições de ensino de administração é confirmada, por exemplo, no relato de professores que participaram da criação da Eaesp, o que, portanto, corrobora sua chegada à área de administração privada (Alcadipani e Bertero, 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.). Um professor que participou da criação da Eaesp mencionou que a lógica defendida por Iseb/Cepal seria contra os estadunidenses e europeus; já outro reportou que, em suas aulas, utilizava seu aprendizado no Iseb para passar a visão de Brasil; e outro disse que viajou munido da Redução sociológica (Ramos, 1958RAMOS, Guerreiro. A redução sociológica (introdução ao estudo da razão sociológica) Rio de Janeiro: Iseb , 1958.) para enfrentar seu curso de mestrado nos EUA.

O fato é que a visão de Brasil proporcionada pelo Iseb é um dos fatores que contribuiu para a hibridização da Eaesp ao ser construída com o apoio da Universidade de Michigan (Alcadipani e Bertero, 2014ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.). O mesmo teria acontecido na Face onde, segundo o relato de um professor da época, os professores que retornaram de período de bolsas de estudo nos EUA traziam algo "bem diferente do que era praticado à época, por exemplo, no Iseb" (Barros, 2013BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.:147).

E quanto à administração pública, qual poderia ter sido a influência direta do Iseb nas instituições de ensino? A Ebap foi criada no Rio de Janeiro, em 1952, mesmo ano em que o Grupo de Itatiaia começou a se reunir no embrião do que mais tarde se tornaria o Iseb (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). Guerreiro Ramos e Cândido Mendes foram membros comuns a essas duas organizações. Uma importante confirmação da proximidade entre Iseb e Ebap é o depoimento do professor Nelson de Mello e Sousa, que entrou na escola em 1954 na área de sociologia do desenvolvimento. Quando perguntado se "eram próximas as relações entre a Ebap e outras instituições que também pensavam o Brasil" na época em que ele entrou na escola, o professor Mello e Sousa respondeu: "mais que relações próximas, havia uma interpenetração {...} Havia um circuito institucional ligando Iseb, Ebap e UNE" (Bonemy e Motta, 2002BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.:38).

Destarte, vemos que se desenvolveu, na segunda metade da década de 1950, uma relação muito próxima entre professores e alunos da Ebap e do Iseb. Dada a importância institucional do Iseb como órgão vinculado ao MEC para a formação da elite dirigente (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.), e a fragilidade em que se encontrava a Ebap (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.; Fischer, 1984FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.), seria de se esperar que a Ebap se apoiasse no Iseb, e não o contrário. Fischer (1984)FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984. sugeriu que o governo JK deixou de apoiar a Ebap, o que coincidiu com o momento em que essa escola ficou sem as verbas da ONU: o número total de matriculados caiu quase pela metade entre 1957 e 1960 (Machado, 1966MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.:41). Portanto, analisando-se a partir do conceito de desenvolvimentismo, fica claro que há uma proximidade entre o Iseb e a Ebap, pelo menos ao longo da década de 1950, momento nodal da construção da ciência da administração no Brasil. Essa proximidade pode ser ilustrada pelo fato de que no primeiro ano completo da Ebap, 1953, em que foram ministradas 16 disciplinas (Bonemy e Motta, 2002BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.), um total de quatro professores ministrava simultaneamente no Ibesp.

A seguir é apresentada uma tabela com os professores que foram comuns entre o Iseb e a Ebap. Roland Corbisier não aparece na Ebap, já que ele não era oficialmente dos quadros da escola, apesar de mencionado pelo professor Mello e Sousa como atuante na escola (Bonemy e Motta, 2002BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.). O que nos leva a entender que a interpenetração entre essas duas escolas ao longo da década de 1950 era muito maior do que a expressa no quadro 2.

Quadro 2
Professores comuns de Iseb (e antecessores) e Ebap

O principal fator de proximidade entre Ebap e Iseb nos anos 1950 foi o fato de que os dois anos iniciais do curso de graduação da Ebap eram dedicados exclusivamente ao estudo das ciências sociais (Bonemy e Motta, 2002BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.), que era a tônica dos cursos do Iseb (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.; Oliveira, 2006OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.). Daí a interpenetração de professores da área entre as escolas. Com base no conceito de desenvolvimentismo, fica claro que, ao longo dos anos 1950, o curso de administração pública que a Ebap procurava construir estava muito mais próximo do conteúdo dos cursos do Iseb do que do curso que era ministrado na Eaesp. Entretanto, ao longo da década de 1960, com a aceleração do processo de americanização - marcadamente após a assinatura do convênio PBA-1 com o governo dos EUA -, Iseb e Ebap seguiriam caminhos bastante distintos (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

No dia seguinte ao golpe militar no Brasil, o Iseb foi "invadido e depredado por uma malta de desordeiros, organizada pelos órgãos policiais da Guanabara, recrutada no lúmpen da cidade", suas instalações foram depredadas e seus livros rasgados (Sodré, 1978SODRÉ, Nelson W. A verdade sobre o Iseb. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.:67). No dia 13 de abril de 1964, o Decreto no 53.884, assinado pelo presidente interino Ranieri Mazzilli, fechou a instituição e foi aberto um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar as atividades, ditas subversivas, da instituição, e todos os professores, ex-professores e diversos alunos foram arrolados no processo (Abreu, 1975ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.). Estava assim encerrada a "plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra" concedida ao instituto (Brasil, 1955bBRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.).

Enquanto o Iseb havia sido fechado e o IPM investigava suas atividades, a Ebap, ainda no final do ano de 1964, recebeu investimentos do Banco Interamericano de Investimentos (BID) e o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA) para criar a Escola Interamericana de Administração Pública (Eiap). O BID e a OEA foram instrumentos de geopolítica do conhecimento mobilizados pelo governo dos EUA dentro da Aliança para o Progresso para intervir na América Latina (Wanderley, 2015WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.).

5. Comentários finais

Este artigo procurou compreender como o Iseb influenciou o pensamento de administração no Brasil com base no conceito de desenvolvimentismo da área de HPEB. Essa instituição, que atuou como uma escola de governo em ensino e pesquisa, promoveu o Curso Regular em nível de pós-graduação que, entre 1956 e 1960, formou um total de 205 técnicos e dirigentes que trabalhavam, ou viriam a trabalhar, principalmente, na administração pública. Esse curso representou a opção do governo para a formação dos profissionais para o reaparelhamento do Estado com o objetivo de promover o desenvolvimento nacional.

O objetivo do Iseb como escola de governo era formar a elite dirigente do país, bem como influenciar os dirigentes públicos tomadores de decisão. A elite dirigente que se procurava formar no Iseb deveria ser profunda conhecedora dos problemas nacionais, e seria capacitada no curso a enfrentá-los. Foi sob a égide do desenvolvimentismo que o Iseb foi criado, assim como propiciou o surgimento das primeiras escolas de ensino de graduação em administração. Sobretudo, as formulações do Iseb foram importantes norteadores de políticas públicas, principalmente, ao longo do governo JK.

Foi a partir de sua posição privilegiada como instituição federal vinculada ao MEC que o Iseb influenciou as escolas de graduação em administração ao longo da década de 1950, particularmente a Ebap. Poderia ter sido outra a história da educação em administração, pública principalmente, se essa aproximação da Ebap com o Iseb tivesse se estreitado ao invés de ter se distendido por questões de geopolítica do conhecimento mobilizadas pela Aliança para o Progresso a partir da década de 1960.

Ademais, o conhecimento produzido pelo Ibesp e pelo Iseb poderia ser resgatado como uma importante fonte do pensamento social crítico brasileiro e que fez parte da história da educação em administração. Destarte, o resgate da atuação do Iseb como uma escola de governo, que atuou de forma autônoma e independente, pode colaborar para a discussão atual - e perene - sobre o papel do Estado e, em particular, do administrador público.

No desenvolvimentismo propalado pelo Iseb, o Estado deveria atuar como planejador e indutor do setor privado no processo de industrialização, que deveria ser, preferencialmente, nacional, mas sem que houvesse uma rejeição do capital estrangeiro. O conhecimento das ciências sociais e sua adaptação à realidade brasileira era o instrumento do Iseb para capacitar os técnicos e dirigentes públicos a transformar essa realidade na busca pela superação do subdesenvolvimento. Em outras palavras, o nacional-desenvolvimentismo era a via privilegiada pelo Iseb como forma de atingir essa superação, e a atuação dos técnicos e dirigentes públicos era fundamental para que esse propósito fosse alcançado.

A introdução do conceito de desenvolvimentismo da área de HPEB apresentada neste artigo deixou claro que a importação de temas de pesquisa como americanização e Guerra Fria é necessária, mas não é suficiente para analisar a história da educação em administração no Brasil. É necessário construir uma agenda de pesquisa independente, que pode levar outros pesquisadores a explorar outras fontes de ensino e de aprendizagem prática. Todavia, este artigo se manteve restrito ao subcampo da história da educação em administração e, em particular, da história das instituições de ensino.

Além do desenvolvimentismo utilizado neste artigo, outras importantes chaves analíticas para a investigação do período coberto nesta pesquisa poderiam ser, por exemplo, o trabalhismo, o integralismo e o populismo. Futuras pesquisas poderiam utilizar o trabalhismo como uma forma de dar voz aos operários. O integralismo, muito presente nos anos 1930 no Brasil, poderia ser utilizado para analisar, por exemplo, a construção dos prédios do governo federal na capital de então, o Rio de Janeiro, bem como o impacto da criação de órgãos federais do período do Estado Novo (1937-45). O populismo pode ser uma importante chave analítica para a investigação das políticas públicas implementadas no período.

Referências

  • ABREU, Alzira A. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l'Iseb. Tese (doutorado de 3. ciclo) - Université René-Descartes - Paris V, Paris, 1975.
  • ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Guerra Fria e ensino do management no Brasil: o caso da FGV-Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 52, n. 3, p. 284-299, 2012.
  • ALCADIPANI, Rafael; BERTERO, Carlos. Uma escola norte-americana no ultramar? Uma historiografia da Eaesp. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 2, p. 154-169, 2014.
  • ALCADIPANI, Rafael; CALDAS, Miguel. Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, v. 8, n. 1, p. 37-55, 2012.
  • BARIANI, Edson. Uma intelligentsia nacional: Grupo de Itatiaia, Ibesp e os Cadernos do Nosso Tempo Caderno CRH, v. 18, n. 44, p. 249-256, 2005.
  • BARROS, Amon. Uma narrativa sobre a história dos cursos de administração da Face-UFMG: às margens do mundo e à sombra da FGV? Tese (doutorado em administração) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
  • BARROS, Amon; CARRIERI, Alexandre. Ensino superior em administração entre os anos 1940 e 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 2, p. 256-273, 2013.
  • BERTERO, Carlos. Ensino e pesquisa em administração. São Paulo: Thomson, 2006.
  • BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.
  • BONEMY, Helena; MOTTA, Marly(Org.). A escola que faz escola Ebape 50 anos: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.
  • BONILLA, Frank. A national ideology for development: Brazil. In: SILVERT, K. H. Expectant peoples: nationalism and development. Nova York: Random House, 1962. p. 232-264.
  • BRASIL. Discurso do presidente Juscelino Kubitschek ao paraninfar a turma de estagiários do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - em 19 de dezembro de 1956. Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em: 19 ago. 2014.
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br
  • BRASIL. Discurso do presidente Juscelino Kubitschek no ato de inauguração da nova sede do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) sobre suas finalidades - em 8 de agosto de 1957. Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em:19 ago. 2014. 1957.
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br
  • BRASIL. Decreto Lei n. 37.608 de 14/7/1955. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955b.
  • BRASIL. Exposição de Motivos n. 627 de 13/7/1955 do ministro Candido Mota Filho para a criação do Instituo Superior de Estudos Brasileiros - Iseb. Caixa 292, maço 13. Arquivo Nacional, 1955a.
  • BRASIL. Mensagem ao Congresso Nacional do Presidente Getúlio Vargas por ocasião a abertura da sessão legislativa de 1951 Disponível em: <Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br >. Acesso em: 19 ago. 2014.
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br
  • CAPES. Boletim Capes, n. 18, 1954.
  • CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Disponível em: <Disponível em: http://www.capes.gov.br/ >. Acesso em: 25 set. 2014.
    » http://www.capes.gov.br/
  • CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp, n. 2, jan./jun. 1954.
  • CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp, n. 3, jan./mar. 1955.
  • CNT. Cadernos do Nosso Tempo. Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - Ibesp , n. 5, jan./mar. 1956.
  • COELHO, Fernando. Educação superior, formação de administradores e setor público: um estudo sobre o ensino de administração pública - em nível de graduação - no Brasil. Tese (doutorado em administração pública e governo) - Escola de Administração de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2006.
  • COSTA, Alessandra. História e administração: novas teorias e práticas de pesquisa. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 6, p. 718, 2014.
  • COSTA, Alessandra; BARROS, Denise; MARTINS, Paulo. E. Perspectiva histórica em administração: novos objetos, novos problemas, novas abordagens. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 3, p. 288-299, 2010.
  • CURADO, Isabel. O desenvolvimento dos saberes administrativos em São Paulo: uma análise histórica. Tese (doutorado em administração) - Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2001.
  • DINIZ, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.
  • EBAPE. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Disponível em: <Disponível em: http://ebape.fgv.br/ >. Acesso em:27 set. 2014.
    » http://ebape.fgv.br/
  • FISCHER, Tânia. O ensino da administração pública no Brasil, os ideais do desenvolvimento e as dimensões da racionalidade Tese (doutorado em administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984.
  • FISCHER, Tânia; WAIANDT, Claudiani; FONSECA, Renata. A história do ensino em administração: contribuições teórico-metodológicas e uma proposta de agenda de pesquisa. Rev. Adm. Pública, v. 45, n. 4, p. 911-939, 2011.
  • FONSECA, Pedro C. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. UFRGS/DECON, work in progress Disponível em: <Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon >. Acesso em: 20 set. 2013.
    » http://www.ufrgs.br/decon
  • FURTADO, Celso. A fantasia organizada. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.
  • HOLLANDA, Cristina B. Os Cadernos do Nosso Tempo e o interesse nacional. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 55, n. 3, 2012, p. 607-640, 2012.
  • ISEB. Relatório sucinto das atividades do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - Iseb, durante o período de janeiro de 1956 a novembro de 1960 Biblioteca Nacional; Seção de Manuscritos; Arquivo INL (Instituto Nacional do Livro) (52, 30, 49), 1960.
  • JAGUARIBE, Hélio. Iseb - um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos de Opinião, n. 14, p. 94-110, 1979.
  • KIESER, Alfred. The Americanization of academic management education in Germany. Journal of Management Inquiry, v. 13, n. 2, p. 90-97, 2004.
  • KUBITSCHEK, Juscelino et al. Discursos: solenidade de encerramento do curso regular de 1956 e diplomação dos estagiários da turma "Barão de Mauá". Rio de Janeiro: Iseb, 1957.
  • LOUREIRO, Maria Rita. A participação dos economistas no governo. Análise, v. 17, n. 2, p. 345-359, 2006.
  • MACHADO, Marina. O ensino de administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1966.
  • MARTINS, Luciano. Pouvoir et dévelopment économique: formation et evolution des structures politiques au Brésil. Paris: Editions Antropos, 1976.
  • MENDES, Candido. Iseb fundação e ruptura. In: TOLEDO, Caio N. de (Org.). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do Iseb. Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 13-30.
  • NICOLINI, Alexandre. Aprender a governar: aprendizagem formal e informal no contexto de carreiras do governo. Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
  • OLIVEIRA, Maria T. C. A "educação ideológica" no projeto de desenvolvimento nacional do Iseb (1955-1964)Tese (doutorado) - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.
  • PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
  • PIERANTI, Octávio. A metodologia historiográfica na pesquisa em administração: uma discussão acerca de princípios e sua aplicabilidade no Brasil contemporâneo. Cad. EBAPE.BR, v. 6, n. 1, p. 1-12, 2008.
  • RAMOS, Guerreiro. A redução sociológica (introdução ao estudo da razão sociológica) Rio de Janeiro: Iseb , 1958.
  • RAMOS, Guerreiro et al. Introdução aos problemas brasileiros. Rio de Janeiro: Iseb , 1956.
  • REVISTA DE ESTUDOS POLÍTICOS, n. 4, 2012/01. Disponível em: <Disponível em: http://revistaestudospoliticos.com/numero-4/ >. Acesso em: 30 out. 2014.
    » http://revistaestudospoliticos.com/numero-4/
  • SCHWARTZMAN, Simon. Introdução. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os Cadernos do Nosso Tempo. Brasília: UnB; Câmara dos Deputados, 1981. p. 3-6.
  • SODRÉ, Nelson W. A verdade sobre o Iseb. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.
  • SOUZA, Eda C. L. A capacitação administrativa e a formação de gestores governamentais. Rev. Adm. Pública, v. 36, n. 1, p. 73-88, 2002.
  • TAYLOR, Donald A. Institution building in business administration: the Brazilian experience. Michigan: East Lansing/Michigan; MSU International Business and Economic Research, 1969.
  • TOLEDO, Caio N. de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.
  • ÜSDIKEN, Behlül. Americanization of European management education in historical and comparative perspective. Journal of Management Inquiry, v. 13, n. 2, p. 87-89, 2004.
  • VIZEU, Fabio. Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 a 1940. Tese (doutorado em administração) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2008.
  • VIZEU, Fabio. Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 1, p. 37-47, 2010b.
  • VIZEU, Fabio. (Re)contando a velha história: reflexões sobre a gênese do management. Revista de Administração Contemporânea v. 14, n. 5, p. 780-797, 2010a.
  • WAIANDT, Claudiani A. O ensino dos estudos organizacionais nos cursos de pós-graduação stricto sensu em administração Tese (doutorado em administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.
  • WANDERLEY, Sergio. Desenvolviment(ism)o, descolonialidade e a geo-história da administração no Brasil: a atuação da Cepal e do Iseb como instituições de ensino e pesquisa em nível de pós-graduação. Tese (doutorado em administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2015
  • Aceito
    02 Jun 2016
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br