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Compreendendo a estratificação profissional e hibridização na profissão médica: evidências exploratórias de hospitais universitários federais brasileiros

Resumo:

Este artigo explora motivadores, implicações e tendências de estratificação e hibridização profissional na profissão médica atuante em hospitais universitários federais brasileiros (HUFs). Com base em achados exploratórios, examinamos algumas das repercussões da migração dos hospitais universitários para a EBSERH, uma empresa pública criada pelo governo federal para gerenciar e organizar os HUFs vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa mostra que a transferência da administração hospitalar para a EBSERH tem acarretado maior estratificação interna da força de trabalho médica. A mudança da lógica de profissionalismo médico-acadêmico para uma nova lógica empresarial de saúde, com a adoção de distintos regimes empregatícios e formas de trabalho e controle mais gerenciais, podem estar alterando vínculos subjetivos e formais estabelecidos entre os profissionais, as universidades e os hospitais envolvidos. Tendências em direção à hibridização e desibridização foram identificadas e discutidas. Esses achados são relevantes tendo em vista que tais movimentos podem representar implicações profundas para a natureza acadêmica dos HUFs e para o futuro do profissionalismo nessas organizações de saúde e ensino.

Palavras-chave:
estratificação profissional; hibridização; profissão médica; hospitais universitários federais

Abstract

This paper explores drivers, implications, and trends of professional stratification and hybridisation in the medical profession employed in Brazilian substituir por: federal university hospitals (HUFs). Drawing on exploratory findings, we examine some repercussions of the migration of university hospitals to EBSERH, a public company established by the federal government to manage and organise HUFs integrated into the Unified Health System (SUS). Our research shows that transferring hospital administration to EBSERH has led to further internal stratification of the medical workforce. The shift from the logic of medical-academic professionalism to the new logic of business-like healthcare, with the adoption of distinct job contracts and more managerial logics of work and control, may well be changing subjective and formal links established between professionals, universities, and hospitals. We identify and discuss trends towards hybridisation and dehybridisation. These findings are relevant because this shift can have profound implications for the academic nature of HUFs and for the future of professionalism within these health and teaching organisations.

Keywords:
professional stratification; hybridisation; medical profession; federal university hospitals

Resumen

Este artículo explora impulsores, implicaciones y tendencias de la estratificación y la hibridación profesional en la profesión médica empleada en los hospitales universitarios federales brasileños (HUFs). A partir de hallazgos exploratorios, examinamos algunas de las repercusiones de la migración de los hospitales universitarios a la EBSERH, una empresa pública creada por el gobierno federal para administrar y organizar los HUFs integrados en el Sistema Único de Salud (SUS). Nuestra investigación muestra que la transferencia de la administración hospitalaria a la EBSERH ha llevado a una mayor estratificación interna de la fuerza laboral médica. El cambio de la lógica del profesionalismo médico-académico a una lógica empresarial en salud, con la adopción de diferentes regímenes de empleo y modos de trabajo y control más gerenciales, puede estar alterando los vínculos subjetivos y formales que se establecen entre los profesionales, las universidades y los hospitales involucrados. Se identifican y discuten tendencias hacia la hibridación y deshibridación. Estos hallazgos son relevantes porque tales cambios pueden tener profundas implicaciones para la naturaleza académica de los HUFs, así como para el futuro del profesionalismo dentro de estas organizaciones de salud y educación.

Palabras clave:
estratificación profesional; hibridación; profesión médica; hospitales universitarios federales

1. INTRODUÇÃO

Este estudo foi inspirado pelo cenário de mudanças no setor público brasileiro, que tem experienciado uma onda de reformas alinhadas com a doutrina da Administração Pública Gerencial (APG) (Bresser-Pereira, 1996Bresser-Pereira, L. C. (1996). Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 120(1), 7-40.; Bresser-Pereira & Spink, 2005Bresser-Pereira, L. C., & Spink, P. (2005). Reforma do estado e administração pública gerencial (6a ed.). São Paulo, SP: FGV.; Paes de Paula, 2005). Tal como em países anglo-saxões, debates acerca da introdução de métodos, práticas e discursos empresariais em organizações do setor público têm sido intensos no Brasil ao longo das últimas décadas (Costa, 2008Costa, F. L. (2008). Brasil: 200 Anos de estado; 200 anos de administração pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública, 42(5), 829-874.; Gaetani, 2003Gaetani, F. (2003). O recorrente apelo das reformas gerenciais: uma breve comparação. Revista do Serviço Público, 54(4), 23-43.; Persson, Porto & Lavor, 2016Persson, E., Porto, R. S., & Lavor, A. K. C. (2016). O RDC como nova aposta da administração pública gerencial em licitações: o caso da Universidade Federal de Santa Catarina. Revista do Serviço Público, 67(1), 55-84.; Secchi, 2009Secchi, L. (2009). Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Administração Pública, 43(2), 347-369.). Em tal cenário pró-gerencialização, reformas ao estilo APG emergem com potencial para impactar profundamente as bases do profissionalismo público em várias áreas de prestação de serviços (Esposito, Ferlie & Gaeta, 2017Esposito, G., Ferlie, E., & Gaeta, G. L. (2017). The European public sectors in the age of managerialism. Politics, 38(4), 480-499.; Ferlie & Geraghty, 2005), incluindo profissões historicamente reconhecidas como fortes, bem-sucedidas e influentes, tais como a medicina, por exemplo.

De fato, algumas implicações e tendências podem já ser observadas com relação à profissão médica atuante em hospitais universitários federais brasileiros (HUFs). A migração dos HUFs para um novo organismo nacional de gestão - a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) - surgiu como uma resposta gerencial aos enraizados problemas de precarização de infraestrutura e falta de pessoal nesses hospitais face à estagnação do crescimento econômico e aos esforços do governo para controlar e reduzir o gasto público (Persson & Moretto, 2018Persson, E. & Moretto, L. Neto , . (2018). Ideology and discourse in the public sphere: a critical discourse analysis of public debates at a Brazilian public university. Discourse & Communication, 12(3), 278-306.). Criada em 2011 como empresa pública de direito privado, a EBSERH pode ser entendida como um tipo de publicização (Schweizer & Nieradtka, 2001Schweizer, L. T., & Nieradtka, K. (2001). “Publicização”, uma alternativa aos extremos da privatização e da estatização: um estudo de caso do Sisar, no setor de água e saneamento. Revista de Administração Pública, 32(2), 153-191.), um exemplo de reforma APG mais branda ou de formas híbridas de quase-mercado (Denis, Ferlie & Van Gestel, 2015Denis, J. L., Ferlie, E., & Van Gestel, N. (2015). Understanding hybridity in public organizations. Public Administration, 93(2), 273-289.; Ferlie & Geraghty, 2005; Osborne & Gaebler, 1992Osborne, D., & Gaebler, T. (1992). Reinventing government: how the entrepreneurial spirit is transforming government. New York, NY: Plume.) que são estabelecidas pelo governo para assumir a prestação de serviços públicos não-exclusivos como educação e saúde. A empresa EBSERH pertence ao estado, sendo por ele financiada, apesar de deter maior autonomia administrativa e financeira (Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011) para operar em linha com o gerencialismo empresarial na organização e gestão dos serviços de ensino e saúde no âmbito dos HUFs.

Argumentamos que esta virada gerencial pode ter impactos não somente sobre as estruturas organizacionais e modos de gestão das organizações públicas, mas igualmente sobre as formas como os profissionais do serviço público são organizados e controlados na divisão do trabalho do setor público. Com o advento da companhia, a fragmentação interna da força de trabalho médica tem sido aparentemente reforçada, visto que médicos empregados pela EBSERH possuem contratos de trabalho distintos e geralmente integram o grupo médico de baixo escalão, mais envolvido com atividade assistencial aos pacientes, ao passo que médicos e docentes vinculados diretamente às universidades tendem a ocupar posições mais altas na administração hospitalar e nas faculdades de medicina, assim compondo diferentes elites de profissionais híbridos. A nova forma de organização e gestão hospitalar também inclui a adoção de modos mais gerenciais de controle do trabalho e, portanto, alterações nos vínculos organizacionais subjetivos e formais (Kramer & Faria, 2007Kramer, G. G., & Faria, J. H. (2007). Vínculos organizacionais. Revista de Administração Pública, 41(1), 83-104.), ou padrões institucionais de pressupostos, valores, crenças e regras de acordo com os quais os profissionais atuam, interagem e interpretam os domínios organizacionais (Haveman & Gualtieri, 2017Haveman, H. A., & Gualtieri, G. (2017). Institutional logics. Oxford Research Encyclopedia of Business and Management. Retrieved from https://oxfordre.com/business/view/10.1093/acrefore/9780190224851.001.0001/acrefore-9780190224851-e-137
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; Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.; Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843.). Esta é uma realidade relativamente nova para quarenta HUFs em todo o Brasil e milhares de médicos atuantes nessas organizações públicas de saúde e educação. Destarte, há elementos em torno da relação profissionalismo-gerencialismo em hospitais de ensino que carecem de maior elucidação, sobretudo em contextos nacionais em que projetos neoliberais e gerencialistas passaram a ser vistos como “remédios para todos os males” no setor público, como parece ser o caso do Brasil hoje em dia.

Neste artigo, baseamo-nos em achados exploratórios derivados de um estudo inicial para explorar motivadores, implicações e tendências de estratificação e hibridização profissional na profissão médica atuante em HUFs, considerando-se o novo sistema de administração hospitalar. Embora interrelacionadas, estratificação e hibridização não se confundem. A primeira refere-se a um processo mais amplo de fragmentação de uma determinada força de trabalho profissional em segmentos de trabalhadores (Alvehus, Eklund & Kastberg, 2019Alvehus, J., Eklund, S., & Kastberg, G. (2019). Organizing professionalism - new elites, stratification and division of labor. Public Organization Review, 20, 163-177.) em razão de divisão do trabalho, especialização, novas funções ou hibridismo, por exemplo; a segunda pode ser entendida como um tipo de estratificação profissional que ocorre quando os profissionais assumem posições de gestão ou liderança, num processo que geralmente leva ao surgimento ou ao fortalecimento de elites de profissionais híbridos (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994). Dito de outro modo, hibridização profissional significa a combinação de lógicas institucionais profissionais e gerenciais, envolvendo identidades, princípios, práticas, discursos e comportamentos cada vez mais amalgamados (Croft, Currie & Lockett, 2015Croft, C., Currie, G., & Lockett, A. (2015). Broken ‘two-way windows’? an exploration of professional hybrids. Public Administration, 93(2), 380-394.; Hendrikx & Van Gestel, 2017; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.; Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Historicamente, argumentaremos, a lógica da hibridização tem sido uma característica constitutiva dos hospitais de ensino brasileiros devido à íntima interface entre as funções assistenciais, acadêmicas e administrativas. Entrelaçadas, tais funções costumavam ser dominadas por médicos-docentes-gestores, ou híbridos triplos, desse modo implicando a formação de uma identidade profissional, tarefas e princípios organizacionais híbridos que moldam o comportamento dos participantes nesse particular campo organizacional.

Não obstante a crescente coleção de literatura que explora os processos de mudança cultural e de identidades das elites híbridas no âmbito da profissão médica (Croft et al., 2015Croft, C., Currie, G., & Lockett, A. (2015). Broken ‘two-way windows’? an exploration of professional hybrids. Public Administration, 93(2), 380-394.; Denis et al., 2015Denis, J. L., Ferlie, E., & Van Gestel, N. (2015). Understanding hybridity in public organizations. Public Administration, 93(2), 273-289.; Martin, Bushfield, Siebert & Howieson, 2021Martin, G., Bushfield, S., Siebert S., & Howieson, B. (2021). Changing logics in healthcare and their effects on the identity motives and identity work of doctors. Organization Studies, 42(9), 1477-1499.; McGivern, Currie, Ferlie, Fitzgerald & Waring, 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.; Spyridonidis, Hendy & Barlow, 2015Spyridonidis, D., Hendy, J., & Barlow, J. (2015). Understanding hybrids roles: the role of identity processes amongst physicians. Public Administration, 93(2), 395-411.), há a necessidade de estudos adicionais que visem a esclarecer as implicações e tendências econômicas, culturais e políticas da estratificação e do hibridismo profissional em profissões tradicionais atuantes em hospitais de ensino, incluindo movimentos em direção a graus e formas mais variados de hibridização e mesmo lógicas contraditórias de desibridização coexistindo entre profissionais médicos e acadêmicos nesse domínio organizacional. Nesse sentido, nosso interesse reside em compreender como médicos e docentes que trabalham em hospitais universitários têm interpretado e lidado com a migração para a EBSERH e sua lógica de gestão e organização. Sustentamos que a mudança da lógica do profissionalismo médico-acadêmico para uma nova lógica empresarial de saúde pode ter implicações profundas para a natureza acadêmica dos HUFs brasileiros bem como para o futuro do profissionalismo nessas organizações de saúde e ensino.

A estrutura desse artigo é tal como segue. Primeiramente, apresentamos brevemente a teoria sobre estratificação e hibridização profissional à qual recorremos para entender o impacto das reformas gerenciais sobre os HUFs no Brasil. Em seguida, oferecemos uma visão geral sobre a EBSERH, sua posição dentro do sistema nacional de saúde e suas relações institucionais com as universidades, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS). Após descrever os métodos qualitativos de pesquisa que empregamos nesse estudo para obter, analisar e teorizar os dados empíricos, apresentamos e discutimos os achados exploratórios. Concluímos discutindo implicações teóricas e práticas de nossos achados para uma agenda de pesquisa futura.

2. ENTENDENDO A ESTRATIFICAÇÃO E HIBRIDIZAÇÃO PROFISSIONAL

Há diversas perspectivas teóricas que nos ajudam a entender processos de mudança em domínios profissionais clássicos como a medicina. As teses de proletarianização e desprofissionalização, por exemplo, focam numa postulada perda generalizada da habilidade dos profissionais de controlarem institucionalmente as várias dimensões da autonomia profissional (Coburn, Rappolt & Bourgeault, 1997Coburn, D., Rappolt, S., & Bourgeault, I. (1997). Decline vs. retention of medical power through restratification: an examination of the Ontario case. Sociology of Health & Illness, 19(1), 1-22.), enquanto a perspectiva alternativa da reprofissionalização sustenta que as comunidades profissionais estão aptas a realizarem uma reorganização interna do seu trabalho de modo a minimizar ativamente o impacto de ameaças externas e, ao mesmo tempo, reter importantes aspectos de sua dominância profissional (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35.). Para Freidson (1989), apesar de todos os ataques à profissão médica, esta ainda constitui a categoria profissional hegemônica na saúde, seja individualmente ou coletivamente (Light, 1991Light, D. W. (1991). Professionalism as a countervailing power. Journal of Health Politics, Policy and Law, 16(3), 499-506.; Light & Levine, 1988). Baseando-se no sistema médico americano, Freidson formulou o conceito de dominância profissional para defender a ideia de que a profissão médica tem mantido um controle institucional sobre o conteúdo do trabalho em assistência à saúde, sobre os usuários, sobre as ações de outras ocupações em saúde subordinadas e sobre políticas de saúde em geral por meio de comandos, influência e autoridade cultural derivados da sua expertise médica (Allsop, 2006Allsop, J. (2006). Medical dominance in a changing world: the UK case. Health Sociology Review, 15(5), 444-457.; Coburn, 1994, 2006; Ferlie & Geraghty, 2005Ferlie, E., & Geraghty, K. J. (2005). Professionals in public services organizations: implications for public sector “reforming”. In E. Ferlie, L. E. Lynn Jr., & C. Pollitt(Eds.), The oxford handbook of public management (Chap. 18, pp. 422-445) Oxford, UK: Oxford University Press.; Starr, 1982Starr, P. (1982). Social transformation of medicine. New York, NY: Basic Books.). Assim, a tese da reprofissionalização afirma que a profissão médica tem sido capaz não somente de moldar a organização e as condições do trabalho médico “como também de dominar relevantes campos de atividade social” (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704., p. 689). Em outras palavras,

a profissão médica domina o sistema de assistência médica na produção de conhecimento médico, na divisão do trabalho em medicina, na prestação de serviços de saúde e na organização da medicina (Navarro, 1988Navarro, V. (1988). Professional dominance or proletarianization? Neither. The Milbank Quarterly, 66(supplement 2), 57-75., p. 57).

Nesse sentido, a reprofissionalização pode ser vista como uma forma de lógica compensatória na profissão médica para limitar a perda de dominância (Light, 1995Light, D. W. (1995). Countervailing powers: a framework for professions in transition. In T. Johnson, G. Larkin, & M. Saks (Eds.), Health professions and the state in Europe (Chap. 2, pp. 25-41) London, UK: Routledge.) através de reorganização interna e redefinição de suas práticas, identidades, discursos e fronteiras institucionais em meio a pressões burocráticas e comerciais, como as expectativas das corporações de saúde, gestores e clientes, por exemplo (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Consequentemente, a profissão médica tem se tornado mais hierárquica, burocrática e estratificada com vistas a proteger ou ampliar sua influência sobre o conteúdo e a prestação de assistência em saúde (Coburn et al., 1997Coburn, D., Rappolt, S., & Bourgeault, I. (1997). Decline vs. retention of medical power through restratification: an examination of the Ontario case. Sociology of Health & Illness, 19(1), 1-22.). A título de exemplo, dentre as estratégias empregadas pelos médicos para reter autonomia clínica ou técnica estão seus esforços para adaptar protocolos e regras conforme suas necessidades por meio de negociação e reinterpretação dessas formas de controle; para tal, os médicos buscam persuadir ou interferir no desenvolvimento de ferramentas e padrões regulatórios ou, pelo menos, influenciar na sua implementação (Numerato, Salvatore & Fattore, 2012Numerato, D., Salvatore, D., & Fattore, G. (2012). The impact of management on medical professionalism: a review. Sociology of Health & Illness, 34(4), 626-644.).

Freidson (1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994) então descreve o advento de novos segmentos ou estratos profissionais hierárquicos internos compostos por profissionais de elite e de baixo escalão em virtude de ambientes de trabalho mais burocráticos, mercadológicos e gerenciais (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). De acordo com Freidson (1985), o processo de estratificação no âmbito da profissão médica decorre do surgimento de elites de conhecimento e elites administrativas mais fortalecidas paralelamente a um grupo mais amplo de profissionais assistencialistas (Freidson, 1985, 1994; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.; Waring, 2014). Nessa linha, as elites ou líderes profissionais podem reivindicar autoridade moral e apoio público para tratar de interesses coletivos ou gerenciar mudanças (Allsop, 2006Allsop, J. (2006). Medical dominance in a changing world: the UK case. Health Sociology Review, 15(5), 444-457.; Waring, 2014; Waring & Currie, 2009). Daí os delineamentos de Freidson acerca da reprofissionalização serem também conhecidos como uma teoria de restratificação profissional.

Em medicina, esta ideia de restratificação profissional não é nova. Há muito tempo estudiosos têm argumentado que a prática médica está cada vez mais fragmentada, diversificada e hierarquizada (Allsop, 2006Allsop, J. (2006). Medical dominance in a changing world: the UK case. Health Sociology Review, 15(5), 444-457.; Coburn, 2006Coburn, D. (2006). Medical dominance then and now: critical reflections. Health Sociology Review, 15(5), 432-443.; Coburn et al., 1997), com elites políticas e de conhecimento no topo; seguidas por elites corporativas, gerenciais e de governança; elites práticas ou técnicas; e praticantes comuns na base da pirâmide (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Na medida em que os profissionais estão crescentemente atuando em espaços de trabalho mais burocráticos e gerenciados (Waring & Currie, 2009), a restratificação resulta em hierarquias intraprofissionais nos pontos de “intersecção profissional-organizacional” onde os limites entre a profissão, o estado e as organizações de mercado se encontram e se confundem (Waring, 2014, p. 698). Tal hierarquização interna do trabalho médico em ambientes gerenciais leva então as elites de médicos a incorporarem ou se ajustarem estrategicamente a novas lógicas institucionais, ou sistemas de elementos culturais e princípios organizacionais (p. ex., lógicas familiares, gerenciais, mercadológicas, religiosas, acadêmicas) (Haveman & Gualtieri, 2017Haveman, H. A., & Gualtieri, G. (2017). Institutional logics. Oxford Research Encyclopedia of Business and Management. Retrieved from https://oxfordre.com/business/view/10.1093/acrefore/9780190224851.001.0001/acrefore-9780190224851-e-137
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; Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.; Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843.), com vistas a atuarem como defensores na salvaguarda das prerrogativas profissionais da medicina. Como alega Freidson (1994Freidson, E. (1994). Professionalism reborn: theory, prophecy and policy. Cambridge, UK: Polity Press., p. 9),

[…] o profissionalismo está renascendo numa forma hierárquica em que os profissionais comuns ficam sujeitos ao controle de elites profissionais que continuam a exercer a considerável autoridade técnica, administrativa e cultural que as profissões tiveram no passado.

Isto significa que ao se adaptarem a novos sistemas institucionais de valores, crenças e expectativas normativas (Haveman & Gualtieri, 2017Haveman, H. A., & Gualtieri, G. (2017). Institutional logics. Oxford Research Encyclopedia of Business and Management. Retrieved from https://oxfordre.com/business/view/10.1093/acrefore/9780190224851.001.0001/acrefore-9780190224851-e-137
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), os profissionais da elite médica têm conseguido reavaliar e reorganizar seu trabalho de modo a manter a autonomia profissional como um todo, embora às custas da autonomia de seus pares de baixo escalão (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Nesse caso, alguns profissionais perdem autonomia e poder para uma elite que busca preservar ou mesmo expandir seu relativo poder, status e influência por meio de engajamento formal em papéis de gestão (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35.; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.). Este envolvimento progressivo de médicos em gestão foi caracterizado por Freidson (1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994Freidson, E. (1989). Medical work in America. New Haven, Connecticut: Yale University Press.) como um processo de diferenciação interna da profissão médica em que grupos de elite optam deliberadamente por desempenhar um papel ativo na gestão como resposta a forças e ameaças externas (Kirkpatrick, Jespersen, Dent & Neogy, 2009; Noordegraaf, 2015Noordegraaf, M. (2015). Hybrid professionalism and beyond: (new) forms of public professionalism in changing organizational and societal contexts. Journal of Professions and Organization, 2(2), 187-206.). Tal processo de restratificação é bem exemplificado pela emergência da hibridização profissional, que ocorre quando os profissionais adotam lógicas gerenciais (Croft et al., 2015Croft, C., Currie, G., & Lockett, A. (2015). Broken ‘two-way windows’? an exploration of professional hybrids. Public Administration, 93(2), 380-394.; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.), daí se tornando mais responsáveis pelo desempenho organizacional agregado (Freidson, 1994Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35.). Na medicina, a categoria híbrida de médicos-gestores (p. ex., diretores clínicos, líderes de pesquisa clínica, médicos diretores-executivos, superintendentes de hospitais, chefes de unidades de saúde, etc.) ilustra um exemplo de primeira ordem (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.).

Portanto, o conceito de restratificação de Freidson representa um ponto de partida fértil para a compreensão das ocupações especializadas e para uma análise sociológica e organizacional de funções profissionais-gerenciais híbridas (Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). A hibridez significa a mistura de formação profissional com práticas, elementos culturais e responsabilidades gerenciais (Croft et al., 2015Croft, C., Currie, G., & Lockett, A. (2015). Broken ‘two-way windows’? an exploration of professional hybrids. Public Administration, 93(2), 380-394.; Hendrikx & Van Gestel, 2017; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.). Como tal, os profissionais híbridos geralmente se encontram em posições intermediárias entre a profissão e a organização em geral, desempenhando funções administrativas ou de liderança para coordenar as interfaces entre as tarefas profissionais e organizacionais (Waring, 2014). De acordo com Waring (2014, p. 688), esses profissionais gestores híbridos pressupõem uma “recombinação e indefinição de distintos modos de trabalho profissionais e organizacionais”. Quer isto dizer que esses profissionais estão sendo atraídos para funções mais burocráticas, padronizadas e hierárquicas, desse modo desempenhando seu trabalho especializado de maneiras mais gerenciais (Waring & Currie, 2009) num processo de hibridização que torna as fronteiras profissionais e organizacionais mais confusas e entrelaçadas. Em última instância, portanto, a hibridização pode ser concebida como uma forma de profissionalismo organizacional, uma lógica institucional (Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843.) que contrasta a lógica mais tradicional de profissionalismo ocupacional colegial (Evetts, 2006Evetts, J. (2006). A short note: the sociology of professional groups. Current Sociology, 54(1), 133-143.; Waring, 2014), sendo assim cada vez mais utilizada como um discurso de controle gerencial, hierarquia e formas racionais-legais de tomada de decisão organizacional.

A literatura sobre lógicas institucionais tem se desenvolvido rapidamente, estando intimamente associada à escola institucionalista de análise organizacional. Lógicas institucionais, nesse sentido, são sistemas socialmente construídos de elementos culturais e princípios organizacionais (Haveman & Gualtieri, 2017Haveman, H. A., & Gualtieri, G. (2017). Institutional logics. Oxford Research Encyclopedia of Business and Management. Retrieved from https://oxfordre.com/business/view/10.1093/acrefore/9780190224851.001.0001/acrefore-9780190224851-e-137
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; Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.) que envolvem “padrões históricos de práticas materiais, suposições, valores, crenças e regras pelos quais os indivíduos produzem e reproduzem sua subsistência material, organizam o espaço e o tempo, e propiciam significado a sua realidade social” (Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843., p. 804), seja ela uma profissão, o mercado, uma corporação ou religião, por exemplo (Thornton, 2004). Há um punhado de lógicas institucionais alternativas e de amplo escopo que refletem a presença de tais subsistemas sociais fundamentais. É também possível elas possam interagir e criar formas híbridas.

O caso do profissionalismo híbrido combina, portanto, as lógicas profissional e gerencial por meio de socialização e reformulação da identidade profissional em torno de imperativos gerenciais e práticas de trabalho mais flexíveis (Evetts, 2006Evetts, J. (2006). A short note: the sociology of professional groups. Current Sociology, 54(1), 133-143.), particularmente no que tange a como os profissionais coordenam o trabalho, estabelecem autoridade e quais valores, crenças e regras compartilham (Noordegraaf, 2015Noordegraaf, M. (2015). Hybrid professionalism and beyond: (new) forms of public professionalism in changing organizational and societal contexts. Journal of Professions and Organization, 2(2), 187-206.). Para a profissão médica, os efeitos do profissionalismo híbrido têm inscrito a prática médica em princípios mais racionalizados, padronizados e responsabilizáveis de organização do trabalho, “para além da autonomia, discricionariedade e julgamento individuais” (Kirkpatrick et al., 2009Kirkpatrick, I., Jespersen, P. K., Dent, M., & Neogy, I. (2009). Medicine and management in a comparative perspective: the case of Denmark and England. Sociology of Health & Illness, 31(5), 642-658., p. 643). Logo, os médicos têm tratado seus casos dentro de ambientes organizacionais altamente gerenciados (Noordegraaf, 2015), constituindo assim uma elite administrativa que desempenha um papel ativo na gestão e na liderança ao “definir padrões, revisar o desempenho e exercer supervisão e controle” (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., p. 26).

A lógica do gerencialismo é, portanto, subjacente ao profissionalismo híbrido, visto que ela ressignifica as conexões entre as profissões e os padrões de ação, interação e interpretação gerenciais por meio de processos normalmente ambíguos, maleáveis e complexos nos quais os campos profissionais lidam com a gerencialização absorvendo, se adaptando ou mesmo resistindo a ela (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Nessa linha, a crescente gerencialização do trabalho médico representa a transição intricada da lógica do profissionalismo à lógica do gerencialismo, assim implicando mudanças nas dinâmicas políticas dos interesses e do poder da profissão médica no interior de ambientes gerenciais mais amplos. Isto aponta para pesquisas anteriores segundo as quais embora a lógica institucional dominante na assistência à saúde tenha passado do profissionalismo médico para o gerencialismo empresarial, há ainda lógicas institucionais concorrentes interagindo e coexistindo nesse domínio organizacional (Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.).

Nesse sentido, enquanto alguns autores enfatizam que a restratificação por meio da hibridização implica cooptação ou colonização dos profissionais médicos pela racionalidade gerencialista (Coburn et al., 1997Coburn, D., Rappolt, S., & Bourgeault, I. (1997). Decline vs. retention of medical power through restratification: an examination of the Ontario case. Sociology of Health & Illness, 19(1), 1-22.; Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994; Jacobs, 2005Jacobs, K. (2005). Hybridisation or polarisation: doctors and accounting in the UK, Germany and Italy. Financial Accountability and Management, 21(2), 135-161.; Llewellyn, 2001Llewellyn, S. (2001). ‘Two-way windows’: clinicians as medical managers. Organization Studies, 22(4), 593-623.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.; Waring & Currie, 2009), outros sustentam que os profissionais podem resistir ou até mesmo jogar com a lógica gerencial (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Assim sendo, considerando que lógicas institucionais diferentes, e mesmo rivais, podem coexistir dentro de um mesmo campo organizacional (Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.) e que ambas as lógicas do profissionalismo puro e do gerencialismo se entrelaçam de formas sutis e ambivalentes (Noordegraaf, 2015Noordegraaf, M. (2015). Hybrid professionalism and beyond: (new) forms of public professionalism in changing organizational and societal contexts. Journal of Professions and Organization, 2(2), 187-206.), a recombinação e imprecisão das identidades, práticas, valores, crenças e regras profissionais e organizacionais podem suscitar uma variedade de relações híbridas plurais, complexas, agitadas, instáveis e mesmo contraditórias (McGivern et al., 2015; Noordegraaf, 2015; Waring, 2014), assim como lógicas institucionais conflitantes (Reay & Hinings, 2009).

Convém mencionar, finalmente, que a introdução da APG em vários sistemas de saúde mundo afora tem impulsionado a infusão de lógicas empresariais de assistência à saúde (Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.) e, consequentemente, o envolvimento de médicos em gestão. A expansão de tal hibridização gerencial em organizações de saúde torna-se então um caminho óbvio (Kirkpatrick et al., 2009Kirkpatrick, I., Jespersen, P. K., Dent, M., & Neogy, I. (2009). Medicine and management in a comparative perspective: the case of Denmark and England. Sociology of Health & Illness, 31(5), 642-658.; McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.), não obstante alguns debates remanescentes sobre até que ponto os médicos estão comprometidos com ou vinculados a funções de gestão (Fitzgerald et al., 2006Fitzgerald, L., Lilley, C., Ferlie, E., Addicott, R., McGivern, G., & Buchanan, D. (2006). Managing Change and Role Enactment in the Professionalized Organization. London, UK: NCCSDO.), além de estudos indicando diferentes reações profissionais à administração (Degeling et al., 2006Degeling, P., Zhang, K., Coyle, B., Xu, L., Meng, Q., Qu, J., … Hill, M. (2006). Clinicians and the governance of hospitals: a cross-cultural perspective on relations between profession and management. Social Science and Medicine, 63(3), 757-775.). Logo, a estratificação profissional via processo de hibridização é amplamente tida pela literatura como provável de ocorrer nos ambientes contemporâneos de prestação de serviços de saúde e como uma faca de dois gumes, quer dizer, um processo dinâmico, contraditório e sutil que retrata como professionais são cooptados pela gestão, mas também como podem resistir, atenuar ou mesmo dominar lógicas burocráticas e gerenciais de organização do trabalho especializado em contextos de mudança organizacional (McGivern et al., 2015), como veremos nas seções seguintes.

3. REFORMAS APG, HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS FEDERAIS E A EBSERH

Desde a década de 1980, o Brasil tem atravessado períodos de estagnação no crescimento econômico e aumento da dívida pública (Bresser-Pereira, 1996Bresser-Pereira, L. C. (1996). Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 120(1), 7-40.). Nesse contexto econômico, a necessidade de reduzir o gasto público e redesenhar as burocracias estatais incitou a emergência de um consenso político liberal em torno da adoção de uma abordagem de desenvolvimento econômico dependente e associado, de políticas neoliberais para estabilização fiscal e de reformas do tipo APG no setor público. O governo brasileiro tem então se comprometido firmemente em implementar elementos-chave da APG, vista como o modelo ideal para organizar e gerir o setor público e promover a recuperação econômica (Bresser-Pereira, 1996; Paes de Paula, 2005).

Dentre as estratégias da APG aplicadas nas reformas brasileiras, certamente a privatização tem se mostrado uma forte tendência desde os anos 1990; esta, entretanto, não tem sido a única alternativa para substituir as administrações públicas burocráticas e centralizadas. Reformas em direção à publicização (Schweizer & Nieradtka, 2001Schweizer, L. T., & Nieradtka, K. (2001). “Publicização”, uma alternativa aos extremos da privatização e da estatização: um estudo de caso do Sisar, no setor de água e saneamento. Revista de Administração Pública, 32(2), 153-191.) surgem como alternativas mais brandas da APG ou quase-mercado (Ferlie & Geraghty, 2005Ferlie, E., & Geraghty, K. J. (2005). Professionals in public services organizations: implications for public sector “reforming”. In E. Ferlie, L. E. Lynn Jr., & C. Pollitt(Eds.), The oxford handbook of public management (Chap. 18, pp. 422-445) Oxford, UK: Oxford University Press.) para a transferência de serviços públicos não-exclusivos para organizações privadas sem fins lucrativos (Ferreira, 2003Ferreira, W. C. Jr. (2003). Gerenciamento de hospitais estaduais paulistas por meio das organizações sociais de saúde. Revista de Administração Pública, 37(2), 243-264.; Morais, Albuquerque, Oliveira, Cazuzu & Silva, 2018Morais, H. M. M., Albuquerque, M. S. V., Oliveira, R. S., Cazuzu, A. K. I., & Silva, N. A. F. (2018). Organizações Sociais da Saúde: uma expressão fenomênica da privatização da saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 1-13.) e empresas públicas de direito privado (Bresser-Pereira, 1996Bresser-Pereira, L. C. (1996). Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 120(1), 7-40.). No setor público de saúde, a empresa pública EBSERH é um exemplo recente de publicização levada a cabo com o objetivo de reorganizar a administração hospitalar e gerenciar os serviços de ensino e saúde nos HUFs, que representam cerca de 28% de todos os hospitais pertencentes e administrados pelo governo federal (La Forgia & Couttolenc, 2008La Forgia, G. M., & Couttolenc, B. F. (2008). Hospital performance in Brazil: the search for excellence. Washington, DC: The Word Bank.).

A EBSERH foi estabelecida pela Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011, sob forte crítica por parte das comunidades universitárias. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que é responsável por grande parte dos hospitais de ensino no país (La Forgia & Couttolenc, 2008La Forgia, G. M., & Couttolenc, B. F. (2008). Hospital performance in Brazil: the search for excellence. Washington, DC: The Word Bank.), a empresa se tornou a entidade da administração indireta do poder executivo federal encarregada de administrar o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF) por intermédio de contratos de gestão com as universidades (Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011). Em síntese, o REHUF visa a reestruturar e a revitalizar os HUFs integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Criado pela Constituição Federal de 1988, o SUS oferece assistência à saúde universal e gratuita por meio de um sistema integral, participativo e descentralizado que tem sido amplamente reconhecido como um exemplo de sucesso em reformas na saúde na América Latina (Atun et al., 2015Atun, R., Andrade, L. O. M., Almeida, G., Cotlear, D., Dmytraczenko, T., Frenz, P. … Wagstaff, A. (2015). Health-system reform and universal health coverage in Latin America. The Lancet, 385(9974), 1230-1247.).

Os HUFs constituem uma importante ramificação do SUS, especialmente no que se refere à oferta de serviços de atenção secundária e terciária e educação superior em saúde. No entanto, apesar de grande heterogeneidade entre os hospitais universitários espalhados pelo país (Machado & Kuchenbecker, 2007Machado, S. P., & Kuchenbecker, R. (2007). Desafios e perspectivas futuras dos hospitais universitários no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4), 871-877.), há anos essas instituições de ensino médico têm enfrentado desafios consideráveis como falta de pessoal, escassez de suprimentos médicos e de equipamentos, carência de investimentos e capacidades financeira e administrativa deficientes. Como observam La Forgia e Couttolenc (2008La Forgia, G. M., & Couttolenc, B. F. (2008). Hospital performance in Brazil: the search for excellence. Washington, DC: The Word Bank.), os hospitais de ensino de natureza universitária custam mais do que hospitais regulares devido aos custos adicionais inerentes às atividades de ensino e pesquisa, uso intensivo de equipamentos de alta tecnologia e tratamento clínico de problemas de saúde mais complexos e, portanto, mais dispendiosos. Nesse diapasão, Persson e Moretto (2018Persson, E. & Moretto, L. Neto , . (2018). Ideology and discourse in the public sphere: a critical discourse analysis of public debates at a Brazilian public university. Discourse & Communication, 12(3), 278-306., p. 279) esclarecem que a EBSERH

emerge como um novo aparato organizacional proposto pelo governo federal para gerenciar os hospitais universitários federais públicos e resolver problemas graves de precarização e falta de pessoal nessas instituições, em vista da crise econômica brasileira.

A EBSERH é de propriedade da União, tendo seu orçamento definido anualmente por decreto (Vieira, 2016Vieira, K. R. (2016). Uma revisão bibliográfica acerca da gestão de hospitais universitários federais após o advento da EBSERH. Revista Brasileira de Administração Política, 9(1), 157-178.) e suas atividades reguladas por estatuto. E empresa não pode comercializar serviços na medida em que todos os serviços médico-hospitalares devem ser prestados única e exclusivamente no âmbito do SUS. Isto significa que, apesar de deter ampla autonomia administrativa, operacional e financeira, a EBSERH deve atender à Política Nacional de Saúde estabelecida pelo Ministério da Saúde (MS). Todavia, a empresa pode funcionar de acordo com uma abordagem empresarial, particularmente no que tange ao recrutamento de pessoal e às práticas de gestão. Para terem seus hospitais gerenciados pela EBSERH, as universidades federais devem aderir à empresa por meio de um contrato de gestão que envolve diagnósticos situacionais, estabelecimento de metas e um período de um ano para a conclusão do processo de transferência (Vieira, 2016).

Vale notar que a EBSERH surge como uma entidade híbrida em meio as recomendações do Banco Mundial para liberalização, descentralização, delegação de serviços de saúde para o setor privado e redução dos sistemas públicos de saúde (World Bank, 1993), juntamente com ideias promissoras de modernização (Sodré, Littike, Drago & Perim, 2013Sodré, F., Littike, D., Drago, L. M. B., & Perim, M. C. M. (2013). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Social & Sociedade, 114, 365-380.) por meio da lógica do gerencialismo empresarial. Como Persson e Moretto (2018Persson, E. & Moretto, L. Neto , . (2018). Ideology and discourse in the public sphere: a critical discourse analysis of public debates at a Brazilian public university. Discourse & Communication, 12(3), 278-306., p. 289) salientam, os objetivos da empresa em torno de eficiência, metas de desempenho, pragmatismo, produtividade, gestão estratégica e assim por diante “justificam-se pelos esforços para erradicar uma ineficiência administrativa associada à prestação de serviços públicos de saúde e educação”.

De fato, o governo brasileiro enxergou na EBSERH a única opção viável para regularizar a terceirização ilegal de mão-de-obra empregada nos hospitais universitários por meio das fundações de apoio, para expandir seus quadros de pessoal através do uso de contratos de trabalho do setor privado - portanto mais flexíveis -, para melhorar a gestão, recursos e desempenho dos hospitais e para atender eficientemente as demandas sempre crescentes por infraestrutura, ensino, pesquisa e atenção de alta complexidade (Andreazzi, 2013Andreazzi, M. F. S. (2013). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: inconsistências à luz da reforma do estado. Revista Brasileira de Educação Médica, 37(2), 275-284.; Luedy, Mendes & Ribeiro, 2012Luedy, A., Mendes, V. L. P. S., & Ribeiro, H. Jr . (2012). Gestão pública por resultados: contrato de gestão como indutor de melhoras em um hospital universitário. Organizações & Sociedade, 19(63), 641-659.; Sales & Peixe, 2020Sales, J. C., & Peixe, B. C. S. (2020). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: resultados para usuários da gestão de política pública na área da saúde. Revista de Gestão em Sistemas de Saúde, 9(2), 319-339.; Sodré et al., 2013Sodré, F., Littike, D., Drago, L. M. B., & Perim, M. C. M. (2013). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Social & Sociedade, 114, 365-380.). A gerencialização foi, dessa feita, concebida como a melhor abordagem para reorganizar e gerenciar a rede de hospitais de ensino federais, apesar da crítica quanto ao impacto da lógica do gerencialismo sobre a autonomia universitária (Soares, 2016Soares, W. T. B. (2016). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH: Sistema Único de Saúde e autonomia universitária (Master Thesis). Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ.; March, 2012March, C. (2012). A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, universidades públicas e autonomia: ampliação da subordinação à lógica do capital. Universidade e Sociedade, 21(49), 62-70.) e a natureza formativa desses hospitais em virtude de sistemas administrativos reforçados, maior ênfase na assistência e formas de trabalho voltadas à performance.

Atualmente, a EBSERH é responsável por gerenciar quarenta dos cinquenta HUFs no Brasil, assim constituindo a maior rede de hospitais públicos do país (ver Figura 1). Seu próprio quadro de funcionários conta com cerca de 36.800 trabalhadores, incluindo aproximadamente 7.200 médicos celetistas. Além disso, a empresa agora gerencia mais de 22.000 servidores públicos das universidades (incluindo pessoal administrativo, médicos e outros profissionais de saúde) que já atuavam nos hospitais universitários antes da migração. O orçamento estimado da EBSERH para 2021 é de R$ 6,68 bilhões, o que representa 0,15% do gasto público total para o exercício (Portal da Transparência, 2021Portal da Transparência. (2021). Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH. Retrieved from https://www.portaltransparencia.gov.br/orgaos/26443?ano=2021
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).

FIGURA 1
REDE DE HUFS GERENCIADOS PELA EBSERH

No presente artigo, sustentamos uma linha argumentativa que, em se tratando de uma expressão de abordagem da APG em saúde, a EBSERH pode levar a uma estratificação mais intensa da força de trabalho médica e a um engajamento mais firme com a lógica institucional de saúde empresarial por meio de novas formas de vínculos formais e psicológicos entre médicos, universidades e a administração hospitalar. Por um lado, é esperado que a centralização da gestão na EBSERH aumente as disparidades intraprofissionais entre as elites híbridas vinculadas às universidades e os médicos e outros profissionais de saúde empregados pela empresa. Ao serem tratados mais como “empregados” do que como “profissionais”, os médicos contratados pela empresa são alocados principalmente para posições de baixo escalão, com uma lacuna presumivelmente maior entre eles e outras áreas de administração hospitalar e ensino médico. Por exemplo, apesar das oportunidades para se envolverem em preceptoria de residências e cargos administrativos de níveis mais baixos, muitos médicos contratados pela empresa alegam enfrentar restrições ou limitados incentivos para assumirem atividades de ensino e pesquisa mais complexas ou que consomem mais tempo de trabalho, assim como para cargos de alta gestão. Por outro lado, a ampliada lógica da gerencialização visando à recuperação financeira pode acarretar efeitos significativos sobre o trabalho e as identidades dos híbridos acadêmicos. Isso porque esforços crescentes para atender as demandas por assistência médica têm se tornado prioritários, ao passo que tarefas de ensino e pesquisa têm sido relegadas ao segundo plano no funcionamento dos hospitais. Isso implica que a assistência médica está agora mais dissociada do trabalho acadêmico, o que em última análise sugere uma tendência de processos de desibridização alterando padrões antigos de identidade e funções profissionais entre acadêmicos médicos das universidades, como discutiremos mais adiante.

4. MÉTODOS DE PESQUISA

Este artigo baseia-se em dados qualitativos exploratórios derivados de um estudo conduzido no campo dos HUFs no Brasil entre setembro 2019 e dezembro 2019. Este estudo foi elaborado com o objetivo de reunir dados em dois níveis de análise (ver Figura 2): a nível meso (motivadores e implicações do avento da EBSERH que demarcam mudanças nos HUFs) e a nível micro (impactos das mudanças sobre os HUFs e novas tendências para a força de trabalho médica). O quadro geral subjacente desse primeiro estágio de investigação empírica foi a transferência dos HUFs da gestão autônoma das universidades para a EBSERH a partir de 2011.

O estudo piloto envolveu entrevistas semiestruturadas em profundidade realizadas por meio remoto com sete especialistas selecionados intencionalmente em diferentes áreas, incluindo médicos das elites gerencial e acadêmica (5), um profissional de saúde (1) e um professor-gestor sênior (1) com expertise em administração de hospitais universitários, políticas de saúde e reformas na gestão pública (o Apêndice contém informações adicionais sobre os entrevistados). No que concerne ao tamanho da amostra (Vasileiou, Barnett, Thorpe & Young, 2018Vasileiou, K., Barnett, J., Thorpe, S., & Young, T. (2018). Characterising and justifying sample size sufficiency in interview-based studies: systematic analysis of qualitative health research over a 15-year period. BMC Medical Research Methodology, 18(148), 1-18.), seguimos a sugestão de Sandelowski (1995Sandelowski, M. (1995). Sample size in qualitative research. Research in Nursing & Health, 18(2), 179-183.) no sentido de definir uma amostra qualitativa suficientemente grande para fornecer informações novas e ricamente estruturadas sobre o fenômeno sob investigação, porém pequena o bastante para permitir uma análise aprofundada dos dados qualitativos obtidos. Igualmente, adotamos a noção de Malterud, Siersma e Guassora (2016Malterud, K., Siersma, V. D., & Guassora, A. D. (2016). Sample size in qualitative interview studies: guided by information power. Qualitative Health Research, 26(13), 1753-1760.) sobre “poder informacional”, de acordo com a qual quanto mais informação útil a amostra contém, menor é o número de participantes necessário. Portanto, para fins de uma etapa preliminar de um estudo mais amplo em andamento, nossa amostra mostrou-se bastante apropriada para uma compreensão inicial sobre um fenômeno que ainda não havia sido estudado no Brasil. Os participantes foram selecionados para entrevistas a partir de suas experiências passadas e presentes e conhecimentos sobre o campo dos hospitais de ensino. Eles forneceram insights e narrativas altamente relevantes acerca da migração dos hospitais universitários para a empresa e sobre suas implicações para a prática da medicina, contemplando mudanças tais como novas lógicas institucionais, formas de gestão e organização do trabalho, relações profissionais, formação identitária e novos e reformulados vínculos formais e psicológicos.

Ademais, nosso desenho de pesquisa qualitativa assentou-se em múltiplas fontes de dados, abrangendo não somente entrevistas, mas também uma variedade de documentos publicamente disponíveis como relatórios, legislações e regulamentações, comunicação oficial e reportagens. Os dados documentais nos proporcionaram informações contextuais e esclarecedoras tanto em nível meso quanto em nível micro de análise. Combinadas, essas fontes de dados (ver material suplementar: Apêndice) compuseram um extenso corpus discursivo para uma análise textualmente orientada com base em triangulação entre fontes de dados primários intensivas (entrevistas em profundidade) e fontes de dados secundários extensivas (documentos) (Rothbauer, 2008Rothbauer, P. M. (2008). Triangulation. In L. M. Given (Ed.), The Sage Encyclopedia of Qualitative Research Methods (Chap. 1, pp. 892-894) London, UK: Sage.).

A abordagem de análise de dados baseou-se numa combinação de lógicas de pesquisa dedutiva e indutiva. Embora guiada por um arcabouço teórico-analítico predefinido, a análise foi orientada pelos dados, assim favorecendo a emergência de novos conceitos. A sistematização e a organização dos dados foram iniciadas logo após a transcrição de todas as entrevistas e compilação dos documentos. As transcrições e os outros documentos textuais foram aglutinados para compor um corpus discursivo que foi então inserido no software NVivo 11.

A análise foi iniciada com um processo de codificação aberta (Strauss & Corbin, 1998Strauss, A., & Corbin, J. (1998). Basics of qualitative research techniques. London, UK: Sage.) por meio de leitura minuciosa dos dados. Nesse procedimento, conceitos de 1ª ordem foram extraídos (Gioia, Corley & Hamilton, 2012Gioia, D. A., Corley, K. G., & Hamilton, A. L. (2012). Seeking qualitative rigor in inductive research: notes on the Gioia Methodology. Organizational Research Methods, 16(1), 15-31.) do corpus discursivo mantendo-se fidedignamente os termos, noções e ideias dos informantes. O segundo estágio consistiu em codificação axial, uma codificação mais focada em identificar temas de 2ª ordem ou narrativas principais por meio de similaridades, diferenças, conexões e outros padrões discursivos. Reunidos, esses temas ofereceram uma descrição e identificação coerente dos motivadores, implicações e tendências (ver material suplementar: Quadro B). O terceiro estágio de codificação avançou como um processo iterativo e reflexivo guiado pelo arcabouço teórico para destilar dos temas as principais categorias agregadas. Esse processo envolveu revisão e refinamento dos dados para responder às questões da pesquisa.

5. ACHADOS

Nossos dados exploratórios ajudam a explicar os principais motivadores que têm impulsionado importantes mudanças institucionais no campo dos HUFs no Brasil, precisamente no que concerne ao estabelecimento da empresa EBSERH (ver Figura 2).

FIGURA 2
QUADRO DAS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS NOS HUFS

5.1 Motivadores de Reformas nos HUFs

A nível meso, encontramos quatro fatores fomentadores de mudança institucional na organização e gestão dos HUFs, culminando na criação da EBSERH. O entrevistado PSI-01 destacou que o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF) constitui uma das principais políticas para esses hospitais nos últimos anos. Esse programa foi lançado pelo governo em 2010 para a “reestruturação e revitalização dos hospitais das universidades federais, integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, proporcionando esses hospitais com condições materiais e institucionais tais como aperfeiçoamento dos processos gerenciais, infraestrutura, modernização, aumento dos quadros de pessoal e introdução do sistema de financiamento compartilhado (Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010; Portaria Interministerial nº 883, de 05 de julho de 2010). Tendo sua coordenação delegada para a EBSERH em 2012 (Portaria nº 442, de 25 de abril de 2012), o REHUF pode ser entendido como o primeiro passo para a criação da empresa, que foi então concebida como uma segunda política crucial para resolver a crise nos HUFs.

Embora ampliando o financiamento dos hospitais universitários, o REHUF não se mostrou inteiramente efetivo em solucionar a crise de precarização nesses hospitais. Conforme nossos dados documentais, a EBSERH surgiu como uma solução organizacional para cumprir os objetivos do REHUF através da introdução da lógica empresarial de assistência em saúde com vistas a uma gestão mais eficiente das organizações hospitalares. Entretanto, os respondentes indicaram que longe de resolver os problemas, a empresa tem se mostrado capaz apenas de mitigá-los, visto que “problemas relativos à própria gestão, às aquisições de material, a sua, digamos assim, organização, né, do processo de elaboração de contratos, inclusive os contratos de manutenção, ainda continuam sendo um pouco difíceis” [PSI-01]. Nossos dados contemplam vários documentos de imprensa, sindicatos, instituições representativas e ações judiciais que endossam tal narrativa de continuidade da precarização estrutural e surgimento de novos problemas nos hospitais de ensino sob o controle da EBSERH. Como exemplo, alguns dados documentais reportam que “todos os hospitais universitários estão em crise” [Brasil de Fato jornal online] devido à “falta recursos”, “aparelhos quebrados” [APUFPR reportagem], “defasagem salarial” [FENAM reportagem], “condições insalubres” [Jornal do Brasil jornal online], “assédio moral” [G1 RS jornal online], entre outras situações críticas.

Outro argumento veemente que sustentou discursivamente a migração dos HUFs para a EBSERH alegava que a transferência seria a melhor solução para resolver os problemas de falta de pessoal e de terceirização irregular de trabalhadores contratados pelas fundações de apoio às universidades. Segundo a EM Interministerial nº 00127/2011/MP/MEC, há muito os HUFs têm sofrido com as “limitações impostas pelo regime jurídico de direito público da administração direta e das autarquias, especialmente no que se refere à contratação e à gestão da força de trabalho”. De forma semelhante, o respondente PSI-04 observou que “a gente tinha os fundacionais há muito tempo e poucas vagas de funcionários públicos, com toda a morosidade que a gente tem de funcionários públicos, não das pessoas, mas do funcionamento do sistema para contratar, para assumir”. Nesse contexto, a contratação de pessoal pelas fundações de apoio e sua alocação para os hospitais foram uma alternativa para lidar com a questão da falta de pessoal crônica, embora tal solução endógena tenha levado a inúmeras ações judiciais no Tribunal de Contas e no Ministério Público Federal (EMI nº 00383/2010/MP/MEC).

[…] [a fundação] é uma entidade jurídica que em teoria não poderia contratar pessoas para atuarem como funcionários públicos [na universidade]. Então eles eram contratados via CLT [contrato de trabalho do setor privado] e trabalhavam dentro do hospital como se fossem funcionários públicos ali, como funcionários públicos federais mesmo. [...] Foi uma maneira que “burlou” a regra geral, que era o governo autorizar novos funcionários públicos [PSI-04].

A EBSERH foi, então, apresentada pelo governo como a única forma viável para regularizar os contratos de trabalho irregulares. Além do mais, em termos do enfrentamento do problema da falta de pessoal, as conexões mais próximas entre a empresa e outras entidades ministeriais do executivo federal pareciam facilitar um razoável desenvolvimento institucional nos hospitais de ensino federais, agora vistos como estando numa condição mais estável. O entrevistado PSI-04 ilustra tal perspectiva positiva: “Na parte de pessoal acho que estamos numa situação mais bem definida do que antes”. Igualmente, PSI-01 declarou que a “EBSERH entra como uma solução voltada principalmente para questão de pessoal. Então a EBSERH tem 28 mil empregados públicos hoje, dos quais praticamente todos estão em atividade nos hospitais. Então isso trouxe um alento”.

No entanto, discursos mais céticos emergiram dos dados. Alguns entrevistados representaram a EBSERH como uma solução ruim e deficiente. PSI-03, por exemplo, observou que “não houve ainda essa contratação na mesma proporção que foi anunciada no contrato. Digamos que eles atenderam aí uns 60% do que foi prometido, no caso em termos de pessoal”. Na citação a seguir, a EBSERH é também reconhecida como “um mal necessário”, na medida em que as universidades foram desprovidas das condições objetivas para recomporem seus próprios quadros de funcionários e fundos adequados. A criação da empresa foi fortemente rechaçada desde o início, especialmente por grupos sociais de esquerda, não obstante o fato de a EBSERH ter sido estabelecida durante o governo do Partido dos Trabalhadores.

Chegou num determinado momento que ela [a EBSERH] passou a ser um mal necessário. Então sem a EBSERH era morte; com a EBSERH a possibilidade de sobreviver. E no nosso caso foi isso que aconteceu. [...] Mas na minha opinião, a EBSERH qualquer dia vai acabar e vai ser substituída por outra solução, porque ela está sendo tolerada. Ninguém efetivamente a engoliu ainda direito [PSI-06].

5.2 Implicações para a Profissão Médica

Avançando para a dimensão micro de análise, uma importante implicação do novo sistema de organização e gestão dos HUFs para o trabalho médico envolve a centralização do controle, investimento e gestão de pessoal na EBSERH, que se tornou o centro de poder decisório. De fato, isso corresponde a um dos aspectos principais da lógica gerencial da empresa, isto é, a “implementação de sistema de gestão único com geração de indicadores quantitativos e qualitativos para o estabelecimento de metas” (Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011). As percepções dos médicos sobre centralização se dividem. O entrevistado PSI-01, por exemplo, argumentou que “A EBSERH se transformou num polo de desenvolvimento do conhecimento relacionado à gestão dos hospitais de grande porte, dos hospitais universitários, [...] que certamente se acumula e que permitirá desenvolver essas instituições”. Por outro lado, a centralização é vista como violando a autonomia universitária, uma vez que “O hospital passa a não ser mais um hospital da universidade, mas da EBSERH” [PSI-05], o que deixa os médicos “sem voz em relação a definir as pessoas ou as funções” que almejam [PSI-04]. Ademais, modos mais centralizados de controle contribuiriam para corroer autonomias clínicas até então consolidadas, como a liberdade dos médicos para definirem seus próprios planos e agendas de trabalho, como observado pelo participante PSI-07.

Esses dados exploratórios demonstram nitidamente que a estratificação interna da força de trabalho médica tem sido reforçada. Reforçada porque os dados confirmam consistentemente que a medicina atuante em HUFs tem sido segmentada historicamente, mesmo antes do advento da EBSERH. Sempre houve uma diferenciação formal entre médicos-professores e médicos assistencialistas em termos de vínculos empregatícios, cargos e planos de carreira. Como exemplo, PSI-02 descreveu que

Existia uma divisão clara entre os médicos que eram médicos-professores e aqueles que eram apenas médicos do hospital. Então dava para ver que havia uma divisão hierárquica em termos de ocupação de cargos. Havia uma tendência maior de médicos que eram médicos-professores assumirem cargos dentro do hospital universitário.

De fato, a profissão médica atuante em hospitais de ensino é, em geral, altamente segmentada não apenas por conta das diversas especialidades médicas, mas especialmente em razão do envolvimento dos médicos em trabalhos acadêmicos e funções gerenciais, o que frequentemente leva ao surgimento de elites do conhecimento e elites gerenciais. Para além dessas elites profissionais, os HUFs também apresentam um caso distintivo de triplo hibridismo entre as elites prática, de conhecimento e gerencial. Isso porque muitos médicos empregados nesses hospitais desempenham assistência, ensino e pesquisa simultaneamente. Na medida em que alguns deles também assumem cargos gerenciais, acabam por formar uma elite de profissionais triplo híbridos (médicos-professores-gestores). Nossos achados preliminares reforçam a ideia de uma tradição de triplo hibridismo em hospitais universitários, vez que médicos-docentes são ainda vistos como o principal estrato profissional para assumir a gestão hospitalar. Entretanto, recentemente muitos híbridos acadêmicos parecem estar se afastando da gestão, o que aponta para um possível desgaste do triplo hibridismo. O excerto a seguir ilustra a pressuposta dominância dos médicos-docentes em cargos de gestão:

Durante muito tempo, não havendo um processo de profissionalização adequado nesse sentido, essa hegemonia médica era praticamente absoluta. [...] Então eu acho que esse caráter híbrido a que você se refere é uma realidade histórica, concreta, importante e significativa, seguramente inclusive trazendo alguns problemas no desenvolvimento das instituições. Hoje a gente já observa que há profissionais de origem mais variada [fazendo gestão] [PSI-01].

Nesse diapasão, a condição de ser um “docente” é percebida como potencialmente fortalecendo a hibridização gerencial, pois os médicos já são considerados atores centrais na gestão em saúde, especialmente porque a organização hospitalar é geralmente disposta de acordo com os conhecimentos e as tecnologias médicas. Como notado por PSI-01, a “intensa ramificação [do trabalho médico] implica a presença de médicos pelos menos em alguns aspectos da gestão”. De modo semelhante, o respondente PSI-04 argumentou que é “mais fácil ensinar gestão para um médico do que ensinar medicina para um administrador. Só colocando que o médico também teria uma certa importância em relação à própria gestão por conhecer a execução [do hospital] como um todo”. Ademais, os híbridos acadêmicos são percebidos como sendo um grupo profissional essencial para promover uma conexão apropriada entre ensino, assistência e gestão dentro de hospitais universitários, considerando suas peculiaridades e caráter educacional:

Então, eu acho que pelas peculiaridades de um hospital universitário o médico é quem deveria estar à frente. Porém, se não for um médico, tem que ser um outro profissional da saúde. E também da mesma maneira ele tem que se preparar para administrar uma instituição complexa como é um hospital universitário. O que eu quero dizer é o seguinte, sim, eu acho que é o médico por razões diversas, mas ele tem que se preparar para administrar. Não basta ser alguém só politicamente expressivo eleito pela comunidade. Ele tem que saber administrar. É a profissionalização da gestão pública [PSI-06].

Nesse sentido, os achados da pesquisa indicam que a dominância dessas duas categorias de profissionais médicos geralmente produz identidades profissionais e lógicas de trabalho mescladas dentro dos ambientes de trabalho dos hospitais e das escolas médicas. O participante PSI-03 recordou que “as pessoas até confundiam um pouco o médico com o professor, o professor da medicina com o médico do HU. As pessoas têm dificuldades até de diferenciar, na verdade”. Além disso, muitos médicos assistencialistas têm sido reconhecidos pelos pares enquanto membros de uma elite prática por conta de sua expertise e apoio às tarefas de ensino, dado os seus relacionamentos próximos com estudantes e residentes. Sob o controle das universidades, as oportunidades para médicos desempenharem ensino em serviço nos hospitais eram um importante fator gerador de lógicas profissionais confusas e hibridizadas, “[...] porque qualquer médico que esteja num hospital universitário é um docente em potencial” [PSI-06].

Todavia, a introdução de diferentes planos de carreira pela EBSERH foi considerada uma mudança institucional significativa que tem afetado a relação entre a prática médica e o trabalho acadêmico. Isto porque tal mudança tem levado à coexistência de diferentes grupos profissionais sendo regulados por regimes empregatícios e contratos de trabalho distintos (i.e., servidores públicos das universidades vs empregados da EBSERH). De acordo com a EMI nº 00383/2010/MP/MEC, “A organização como empresa possibilitará a contratação de profissionais sob regime celetista e o estabelecimento de um regime de remuneração e gestão de pessoal compatível com a realidade do setor”. Em outras palavras, a empresa pode contratar trabalhadores sob as mesmas regras que regulam os vínculos empregatícios do setor privado - a chamada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os servidores públicos que trabalham para a universidades federais, por sua vez, são regulados por um distinto sistema de emprego público denominado Regime Jurídico Único (RJU). Como resultado, a migração dos hospitais universitários para a EBSERH é vista como “separando um pouco mais” [PSI-04] uma força de trabalho médica profissional que já era bastante fragmentada. As entrevistas e os dados documentais sugerem que, do curto para o médio prazo, a ampliada estratificação da força de trabalho médica pode acarretar pelo menos três resultados problemáticos. O primeiro concerne a crescentes conflitos no ambiente de trabalho:

[...] Essa distorção vai prejudicar e muito, ao longo dos próximos anos, talvez das próximas décadas, o desenvolvimento do hospital universitário. Porque tu tens o celetista junto com o regime jurídico único trabalhando com remunerações diferentes, carreira diferentes, chefias diferentes. Então essa introdução do regime celetista junto com o RJU para mim foi um dos grandes problemas da EBSERH [PSI-06].

Nesse momento, há um sistema de contratação diferenciado, um sistema de trabalho diferenciado, um sistema salarial diferenciado. Você tem diferentes pessoas exercendo a mesma função e recebendo diferente. Isso não pode. Isso não pode em lugar nenhum. Isso não dá certo é lugar nenhum [PSI-07].

Os funcionários contratados pela EBSERH ganham quase o dobro dos estatutários, realizando as mesmas funções. O alto escalão tem altos salários e mordomias. Se tiver feriado na terça, emendam a semana inteira (Jornal do Brasil, 2019).

Em segundo lugar, a presença de dois planos de carreira diferentes nos HUFs pode levar à uma tendência de contratação de médicos sem perfil ou interesses acadêmicos, assim inibindo que muitos médicos ser tornem parte de uma elite prática em virtude de um forte engajamento com tarefas de ensino, como costumava ocorrer no passado. PSI-05 descreveu que esta já é uma questão em alguns hospitais universitários: “Como os valores para a contratação de docente [pela universidade] são valores não atrativos no mercado, nós estamos perdendo professores no hospital universitário e o curso [de medicina] passa a ter uma certa ‘crise de docentes’”. Em terceiro lugar, a fragmentação da força de trabalho médica e o número crescente de médicos com pouco ou nenhum envolvimento em trabalho acadêmico, devido à natureza de seus vínculos empregatícios e ao maior foco na atividade assistencial, podem ser prejudiciais à missão educacional dos hospitais universitários, pois “Isso vai prejudicar o objetivo final do hospital universitário, que é assistir aos pacientes ensinando concomitantemente aos alunos” [PSI-06].

A narrativa acima está diretamente associada ao posicionamento diferencial dos médicos assistencialistas, este sendo outro importante tema que despontou dos dados. Esse grupo de médicos inclui aqueles diretamente envolvidos com o trabalho clínico. Os dados atestam que os médicos empregados pela EBSERH estão sendo alocados para desempenharem, principalmente, assistência médica. Como descrito pelo participante PSI-03, “eles [médicos contratados pela EBSERH] vão trabalhar mais ali na parte de ambulatórios, emergência e tal. Vão trabalhar naquele trabalho mais pesado ali, eu acho”. PSI-05 também destacou que esses profissionais “vão trabalhar como médicos da assistência, basicamente”. Igualmente, o respondente PSI-04 observou que “nosso hospital, a grande maioria, até por terem entrado há pouco tempo, está nas funções de atendimento e não em funções gerenciais”.

5.3 Tendencias de Estratificação e Hibridização Profissional

A Figura 3 ilustra algumas tendências em potencial para a força de trabalho médica empregada nos HUFs. Tais tendências apontam para quatro narrativas principais em torno das lógicas de hibridização e desibridização gerencial e acadêmica. Apresentamos essas quatro narrativas a seguir.

FIGURA 3
TENDÊNCIAS NA PROFISSÃO MÉDICA ATUANTE EM HUFS

5.3.1 Hibridização gerencial

Os dados sugerem que alguns médicos tendem a assumir cargos gerenciais híbridos por conta de fortes vínculos subjetivos que desenvolvem para com o hospital universitário e seus pares profissionais. Aqui, vínculos subjetivos se referem a ligações psicológicas tais como senso de pertencimento, afiliação, autorrealização e cooperação, que desempenham um papel importante na (re)formulação das identidades profissionais, práticas de trabalho, princípios organizacionais e comportamentos. Por exemplo, o entrevistado PSI-04 observou que o senso de comprometimento com a administração do hospital é frequentemente um motivador subjetivo para a assimilação da lógica de gestão dentro de hospitais-escola. O participante deu a seguinte declaração:

Ela [superintendente do hospital] é realmente uma pessoa que abraça de coração o hospital, sabe. Pessoa, que como eu falei, deve tudo o que ela tem à universidade. Ela estava quase para se aposentar, tem 66 anos, não tinha nada a provar para ninguém. Mas ela resolveu assumir esse desafio para tentar melhorar um pouco o hospital.

A relevância de se obter formação e qualificação formal em administração para promover o profissionalismo híbrido foi sublinhada nas entrevistas. PSI-04 comentou, por exemplo, que “com as dificuldades do mercado a gente vê cada dia mais profissionais tentando se especializar e buscar essa área de gestão também”. Educação formal em gestão através de MBAs e mestrados parece integrar a lógica institucional profissional de muitos médicos envolvidos em tarefas administrativas dentro de hospitais universitários. O conhecimento de gestão foi bastante legitimado nos discursos dos entrevistados:

Porém, esse profissional [médico] precisa aprender a administrar, porque na nossa área, e eu vivi muito isso, há um seguinte conceito: se o cara é bom médico, se ele é muito respeitado, ele sabe fazer diagnóstico e tratamentos e se relaciona bem com as pessoas, então esse cara vai ser diretor. E as vezes ele pode ser um péssimo diretor, porque ele não tem formação administrativa. Então, o fato de ser bom médico não significa ser bom diretor. Não há uma relação [PSI-06].

Eu acho que o médico ele não é... o conhecimento do médico não é suficiente para fazer a gestão de uma unidade grande de saúde, né, de uma secretaria municipal grande ou de um grande hospital. Eu acho que o nosso conhecimento é insuficiente. [...] Mas eu também acho que um administrador tem conhecimento insuficiente para gerir instituições de saúde [PSI-02].

Um desenvolvimento de carreira profissional que favoreça experiência cumulativa em gestão é um outro fator crucial que estimula o envolvimento de médicos em cargos gerenciais e de liderança dentro de hospitais universitários. Por exemplo, PSI-06 comentou que por muito tempo tem estado “envolvido diretamente com a administração do hospital universitário. Eu fui diretor de apoio, fui vice-diretor por quatro anos e fui diretor-geral de 1996 a 2000”. Igualmente, PSI-01 mencionou que fora chefe do departamento de doenças infecciosas do hospital antes de tomar a decisão de se candidatar ao cargo de diretor-geral: “Em função dessa experiência, que foi uma pequena experiência de gestão, mas que foi significativa em termos de aprendizado, eu me candidatei a diretor do hospital”. Alguns médicos e híbridos acadêmicos (médicos-docentes) assumiram inicialmente cargos de coordenação em departamentos acadêmicos e clínicos antes de, voluntária ou incidentalmente, avançarem para posições gerenciais mais estratégicas na administração hospitalar. PSI-04 ilustrou isso ao afirmar que: “tenho sempre participado ativamente ali do Departamento da Oftalmologia, participando com aulas de graduação, na parte de gestão”.

Um sistema diferenciado de gratificações financeiras implementado pela EBSERH está no centro das críticas em torno dessa nova forma de organização dos hospitais. As gratificações pagas pela empresa chegam a cerca de quinze vezes os valores que costumavam ser pagos pela universidade àqueles ocupantes de cargos de gestão no hospital. PSI-03 observou, por exemplo, que sob a administração da EBSERH “o diretor do hospital universitário recebe mais do que o reitor”. Nesse contexto, os dados indicam que alguns professores e médicos vinculados à universidade estariam dispostos a assumir cargos de gestão dentro da governança da EBSERH com vistas a ganhar essas gratificações atrativas. Entretanto, tal sistema de compensações excessivas constituiria um forte fator econômico objetivo capaz de seduzir os profissionais para a hibridização gerencial em detrimento de motivadores mais subjetivos. Como sugerido por PSI-06, “a pessoa pode querer assumir [cargos de gestão] de olho na gratificação [...]. Isso pode criar sim distorções”.

A oportunidade de manter ou mesmo expandir o grau de influência política também emerge como outro elemento chave para fomentar a hibridização gerencial em hospitais universitários. Como exemplo, PSI-07 enfaticamente alegou que “Os médicos nunca vão deixar ninguém mais administrar o hospital. Os médicos nunca vão deixar”. Por “médicos” o entrevistado se refere aos médicos e híbridos acadêmicos da universidade que compõem as elites administrativa e de conhecimento e que “têm mais voz” [PSI-04]. De igual modo, PSI-03 atestou que “[...] os professores da saúde, que estão na estrutura de poder ali do hospital universitário, eles ocupam essas chefias. Eu acho um pouco difícil eles concederem para um médico que está ingressando ali pela EBSERH”.

5.3.2 Desibridização gerencial

Se a lógica institucional de hibridização gerencial se revela como uma clara tendência para a profissão médica atuante em HUFs, este também é o caso da desibridização gerencial. Por desibridização referimo-nos a uma reação negativa voluntária ou induzida ao gerencialismo. A Figura 3 aponta uma associação entre desibridização gerencial e um status desprivilegiado entre profissionais médicos que trabalham em hospitais públicos de ensino. De modo geral, o envolvimento com administração hospitalar é normalmente entendido como prejudicial a outras atividades como assistência especializada e trabalho acadêmico. Por exemplo, o entrevistado PSI-01 comentou que “a atividade de gestão é uma atividade que atrapalha sua vida acadêmica. E atrapalha mesmo. É muito difícil conciliar bem uma coisa com a outra”. Além disso, nossos achados exploratórios ilustram que o hibridismo gerencial frequentemente acarreta hostilidade por parte de colegas. O participante PSI-06 nos fornece um exemplo elucidativo: “Um professor que assume a gestão ele é, digamos assim, um pouco malvisto. ‘O cara é pró-reitor, diretor de centro, diretor clínico, diretor do hospital... O que esse cara está fazendo lá?’ Não é valorizado”.

Os dados revelam que profissionais médicos com longas carreiras dentro do hospital universitário costumavam valorizar vínculos subjetivos como status, vocação, autonomia e propósitos acadêmicos, mesmo ganhando menos do que poderiam ganhar na medicina privada. No entanto, a precarização das relações de trabalho e as condições mais cerceadas do trabalho médico podem levar a uma enfraquecida retenção profissional, daí apontando para uma tendência de desibridização gerencial. Em termos econômicos, o plano de carreira da EBSERH parece promissor para jovens médicos em início de carreira por conta dos bons salários iniciais; entretanto, vínculos afetivos mais fortes podem não ser fomentados por esses novos arranjos de emprego, desse modo inibindo os médicos de construírem um compromisso e uma carreira de longo prazo no hospital universitário. Por exemplo, os contratos de trabalho mais flexíveis tendem a aumentar a rotatividade, pois “como é um cargo pela CLT, se a pessoa não está se agradando muito do ambiente, a pessoa pede demissão” [PSI-03]:

O jovem médico não avalia a longo prazo; é uma característica dele. Então ele vai entrar [no hospital universitário] porque o salário inicial é bom. Mas ao longo do tempo ele tende a não permanecer. Essa que é a questão. Não criar vínculo. […] Quando eu comecei no hospital universitário, um grande contingente [de médicos] ficou no hospital universitário porque à medida que a carreira foi progredindo melhorou a remuneração, o vínculo cresceu. E eu acho que EBSERH é o inverso [PSI-06].

É claro! Isso é obvio. Com as novas normas do trabalho, o novo tipo de contratação, tudo isso fica muito mais fácil: manda o cara para rua! E acabou [PSI-07].

Como explicado anteriormente, o advento da EBSERH implica novas lógicas de organização e gestão nos HUFs. A empresa está fortemente comprometida em criar “condições para a melhoria substancial dos padrões de gestão, inclusive pela adoção de instrumentos avançados de controle de resultados e transparência” (EMI nº 00383/2010/MP/MEC). Esses incluem “um modelo de gestão administrativa, orçamentária e financeira baseado em resultados e em efetivo controle de gastos” (EM Interministerial nº 00127/2011/MP/MEC). Adicionalmente, novas formas de controle contemplam “metas de desempenho, indicadores e prazos de execução” e “sistemática de acompanhamento e avaliação, contendo critérios e parâmetros” (Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011). Apesar de possíveis variações locais, essas novas ferramentas de gestão estão sendo implantadas em todos os hospitais integrados à empresa, indicando uma crescente centralização administrativa, como já discutido. Nesse contexto, a empresa é percebida como exercendo “maior controle sobre os médicos” [PSI-03], embora não esteja claro até que ponto as novas e centralizadas formas de controle gerencial impactam a autonomia clínica. Nossos dados sugerem que vínculos formais como gratificações financeiras podem se tornar uma lógica institucional mais patente em justificar adaptação, conformidade ou subordinação dos profissionais a objetivos organizacionais e mecanismos de controle avançados.

Outro tema relevante que pode sinalizar a desibridização gerencial refere-se a uma perceptível relutância em assumir responsabilidades por parte de alguns médicos e médicos-docentes. De acordo com o respondente PSI-07, por exemplo, alguns profissionais “não estão nem aí. Não querem nem trabalhar. Não querem ter o compromisso com a instituição”. Similarmente, PSI-04 comentou que:

Os docentes muitas vezes não querem ter responsabilidades perante o hospital. Eles querem ir lá dar a sua aula magna, operar o seu caso difícil, no horário que eles querem, atender o número de pacientes X para eles ensinarem; mas as vezes eles não querem estar junto [na gestão].

Gatilhos para relutância em assumir tarefas administrativas certamente variam para cada profissional médico, mas estão provavelmente associados aos temas anteriores, especialmente acerca de novas formas de controle e centralização da tomada de decisão política na empresa. Tal resistência em participar ativamente da administração hospitalar pode ser vista como outro fator que sinaliza “que a hibridização é um processo em superação, embora ainda muito significativo” [PSI-01], o que, conforme nossas entrevistas, pode corroer o triplo hibridismo e, em última instância, prejudicar o desempenho do hospital universitário: “O afastamento dos docentes da administração do hospital universitário prejudica a sua função de hospital universitário. Isso eu concordo, e eu acho que isso está acontecendo” [PSI-06].

5.3.3 Hibridização acadêmica

Como podemos observar na Figura 3, status acadêmico é uma forma de reconhecimento social e profissional que tem o potencial de promover ou manter a hibridização acadêmica na profissão médica. Os dados indicam que alguns médicos acreditam que seu envolvimento em funções acadêmicas em renomadas universidades leva a um status diferenciado, que muitas vezes é definido em termos mercadológicos. Por exemplo, [...] se você falar que é professor de uma universidade, isso conta bastante para os pacientes. E como você tem a questão mercadológica, de marketing, né, faz bastante diferença. Então, tem vários colegas que usam isso [status acadêmico] como uma estratégia de marketing”, comentou PSI-02. Do mesmo modo, PSI-06 afirmou que “um médico-professor traz um status diferenciado, sem dúvida. Ele tem mais valor de mercado, digamos assim”. Cabe ressaltar que status acadêmico não é o mesmo que o prestígio social que médicos normalmente possuem na sociedade. Na verdade, o status acadêmico é uma forma de reconhecimento que adiciona à posição social diferenciada dos médicos não somente na sociedade, mas também no âmbito da própria profissão. Como notou PSI-05, “ser de um hospital universitário tem um status na sociedade e dentro da categoria [profissional]”.

Tal como na hibridização gerencial, fortes vínculos subjetivos com a vida universitária aparecem como fatores relevantes na formação identitária e no autorreconhecimento dos profissionais vis-à-vis outros colegas dentro do grupo médico. Docentes, por exemplo, foram considerados como possuindo ligações emocionais íntimas com a comunidade universitária, enquanto médicos foram descritos como mais envolvidos com o trabalho cotidiano do hospital. No entanto, a identificação afetiva que alguns médicos possuem para com a natureza acadêmica do hospital, bem como com seu potencial de “fazer a diferença na sociedade de um modo geral” [PSI-01] ao “mudar a formação do pessoal da saúde” [PSI-02], os estimula a se comprometerem e assumirem tarefas de ensino, independentemente de seus vínculos formais e cargos principais dentro do hospital. PSI-06 forneceu um exemplo ilustrativo a esse respeito:

Eu sou professor e médico. Mas muitos lá no hospital universitário não são professores de direito, mas são excelentes professores de fato; estão ensinando lá os alunos na emergência, no ambulatório, mesmo não estando ligados a departamento de ensino, por exemplo. Essa filosofia do hospital universitário é que tem que predominar.

Nossos achados preliminares também demonstram que a carreira dos médicos que pertencem a uma elite prática parece ser mais atrativa e motivadora, visto que este grupo tem mais oportunidades de se engajar em práticas médicas complexas, processos de ensino-aprendizagem e supervisão de residentes, embora dispensados do ensino para estudantes de graduação. Para esses híbridos acadêmicos, os vínculos psicológicos parecem ter um peso significativo sobre o desenvolvimento da carreira. Como exemplo, PSI-02 destacou que “Durante o plantão, a gente recebia residentes e alunos. Então eles faziam plantão conosco. A gente era responsável por fazer o ensino em serviço, como a gente chama”.

O envolvimento de médicos em funções acadêmicas é também explicado pela inclinação à carreira acadêmica. Os dados demonstram claramente que ter a “perspectiva ser professor universitário” [PSI-01] faz com que muitos profissionais médicos permaneçam na universidade após a graduação, geralmente completando residência médica antes de prestarem concursos para cargos na universidade como docentes ou médicos. Fatores relacionados ao reconhecimento, tais como vocação, devoção, paixão, influência familiar e o desejo de fazer a diferença na sociedade, foram citados pelos entrevistados como elementos que definem suas escolhas pela carreira universitária. A citação a seguir é interessante para ilustrar esse ponto:

A nossa família tem uma tendência irresistível à docência [risos]. Minha mãe foi professora durante muito tempo, assim como as minhas irmãs e um irmão. Então eu sempre tive esse viés de ensinar. Durante a minha atividade acadêmica e já me envolvia com monitoria. Depois na residência médica a gente sempre orienta os alunos [...]. Eu sempre gostei muito de ensinar. E logo que eu me envolvi com o hospital universitário, eu resolvi colocar toda a minha vida ali porque era isso que eu queria fazer [PSI-06].

A hibridização acadêmica também representa uma abordagem política para retenção de poder, no sentido de preservar ou expandir as autonomias dos médicos (p. ex., horários flexíveis de trabalho, escolha pelo tipo de atendimento, nível das ocupações) e sua influência sobre a administração hospitalar, na medida em que médicos-docentes geralmente são figuras altamente reconhecidas na comunidade universitária. Por exemplo, o respondente PSI-07 polemizou ao afirmar que: “Os docentes é que fazem as campanhas para eleger e botar quem eles querem lá [na direção-geral do hospital]. Quantas vezes um médico não-docente foi eleito? Nenhuma”. De modo semelhante, PSI-01 observou que “o peso corporativo é grande em função das eleições. Então a universidade tem um peso significativo” na organização do ensino e do trabalho médico no hospital.

5.3.4 Desibridização acadêmica

A quarta narrativa sugere uma tendência em direção à desibridização acadêmica não apenas em virtude de novas formas de administração e dinâmicas de trabalho sob a gestão da EBSERH, mas também por certas práticas clínicas consideradas obsoletas, o que resulta em desapontamento e falta de motivação por parte dos médicos. Por exemplo, processos de trabalho desorganizados, condições de trabalho adversas, problemas estruturais contínuos e falta de desafios profissionais foram citados como fatores que acarretam frustração, desmotivação e desencorajamento, assim minando a construção de uma identificação positiva com o ambiente organizacional do hospital universitário. O entrevistado PSI-02, por exemplo, afirmou que: “Eu fiquei bem desestimulado quando eu vi a realidade dentro do hospital, sabe?”. Nesse caso, a frustração relacionava-se com a constatação dos profissionais de que o hospital universitário não era tão inovador e avançado como supunham inicialmente.

Os dados mostram que os médicos assistencialistas contratados pela EBSERH parecem muito mais apartados do ensino e, principalmente, das atividades de pesquisa. Apesar de se envolverem em preceptoria de residentes, esse grupo de médicos tem poucos incentivos da empresa e enfrentam limitações (p. ex., tempo, recursos, burocracia) para realizarem pesquisa clínica dentro das dependências do hospital. Isso significa que pode haver uma tendência de um escopo mais restrito de trabalho acadêmico para um grupo de médicos que, no passado, costumava desenvolver conhecimento e habilidades práticas avançadas para o hospital e a comunidade como um todo. Como mencionado por PSI-05, “o médico que vai trabalhar na EBSERH a última coisa que ele pensa é em ser docente”. Igualmente, PSI-03 afirmou que “essa carreira mais, digamos assim, mais fundamentada na pesquisa, no ensino e na extensão seria uma perda, na verdade. Não teria tanto essas possibilidades; a universidade não daria tanta possibilidade [aos médicos da EBSERH] para a pesquisa e para extensão”. Nessa linha, as entrevistas indicam que tal tendência pode ter um impacto significativo sobre o caráter educacional do hospital universitário, visto que parte de sua força de trabalho médica estará cada vez menos envolvida em ensino:

Muitos médicos ensinaram e ensinam ainda acadêmicos, residentes e doutorandos sem serem docentes; quer dizer, fazendo essa integração [ensino e assistência] que é absolutamente fundamental. E é isso que eu temo que possa ser perdido com esse novo regime e nova administração [PSI-06].

Ademais, vínculos empregatícios mais flexíveis estabelecidos pela empresa podem ser vistos como menos atrativos para uma carreira de longo prazo no hospital e menos prováveis de produzir fortes vinculações entre os profissionais e as universidades, assim comprometendo o interesse dos médicos recém-contratados pelas funções acadêmicas e desenvolvimento de habilidades pedagógicas. A citação a seguir é bastante ilustrativa dessa retenção profissional mais fragilizada para o trabalho acadêmico híbrido:

Eu acredito muito que esses vínculos que muitos de nós médicos ali criamos com a instituição [...] tendem a diminuir, tendem a se tornar mais uma relação empregado-empregador; e quando não estiver bom para mim, no caso o empregado, eu vou embora para outra instituição [PSI-06].

Embora nossos achados exploratórios não mostrem evidências incontestes de que os médicos de baixo escalão possuem um status inferior, sua posição diferenciada parece estar causando conflitos em questões de trabalho bem como vínculos emocionais mais frágeis com o hospital universitário. Os dados sugerem que profissionais assistencialistas tendem a se sentir menos motivados em razão de carga horária aumentada, trabalho médico repetitivo, básico e centrado no paciente, além de insulamento (pouca interação com outros pares). Nesse sentido, as evidências discursivas apontam para uma alta rotatividade entre os empregados da EBSERH:

A gente até teve alguns profissionais que saíram, porque talvez eles imaginavam que teriam um cargo a mais, como o funcionário público do passado. Mas [não gostaram] de ficar ali 24h por semana fazendo os atendimentos iniciais. Mas a gente teve alguns profissionais que inclusive pediram a sua exoneração, desistiram de ficar. Então eu vou dizer que, talvez pela situação e até pelo tempo que eles entraram, né, é um pouco menos atrativo [para eles] do que os cargos em que faziam uma hora menor e que já estavam, no geral, em seus laboratórios específicos [PSI-04].

Isso poderia ser explicado tanto pelas lógicas institucionais distintas permeando a carreira médica em HUFs, envolvendo vínculos formais estabelecidos entre a empresa e os empregados (p. ex., carga de trabalho, contratos de emprego, remuneração, cargos), quanto pelos vínculos psicológicos mais frágeis com a organização (p. ex., tédio, desmotivação, senso de pertencimento, comprometimento, prestígio).

Outro tema que surgiu em torno da tendência à desibridização acadêmica diz respeito à centralização do processo decisório na EBSERH. Para o respondente PSI-06, por exemplo, “a EBSERH trouxe um cronograma totalmente atípico em relação àquilo que acontecia no hospital universitário” e isso tem desafiado e alterado importantes lógicas profissionais estabelecidas, tais como práticas, autoridade e relações de trabalho entre os híbridos acadêmicos. Segundo PSI-04, “[médicos-docentes] devem fazer parte daquela estrutura [do hospital universitário] com os seus papéis mais bem delimitados. Isso as vezes acaba sendo difícil já que eles vêm de um período em que eles mandavam e desmandavam, eles faziam do jeito que eles queriam”. Nesse sentido, a centralização associada à perda de autonomia pode estar afastando novos profissionais das funções acadêmicas híbridas, devido ao seu posicionamento na assistência e elevada subordinação às lógicas institucionais de gestão dominantes da EBSERH. Além disso, na medida em que a empresa se torna o ponto de referência para os profissionais recém-contratados, o nexo entre seu trabalho e o caráter de ensino do hospital universitário parece bastante opaco para muitos deles:

[A EBSERH] simplesmente contrata o indivíduo e o indivíduo começa a trabalhar, entra no sistema, a empresa começa a cobrar. Não há nada. O indivíduo não sabe o que ele está fazendo ali dentro além do que ele sabe fazer [trabalho clínico] [PSI-07].

6. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Nossas análises mostram que a estratificação profissional não é uma realidade nova nos HUFs brasileiros. De fato, a lógica institucional dominante da profissão médica neste campo organizacional costumava ser caracterizada por uma fragmentação da força de trabalho médica em que formas idiossincráticas de organização do trabalho, prática especializada, regimes empregatícios, sistemas de normas e crenças resultaram, historicamente, na presença de elites do conhecimento, elites técnicas e elites administrativas, geralmente culminando na formação de uma elite de profissionais triplo híbridos. Identificamos que tal lógica profissional de triplo hibridismo em hospitais-escola decorre de um misto de reivindicações incidentais e voluntárias por funções híbridas (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Dito de outro modo, tal lógica deriva de relações complexas, conturbadas e multifacetadas entre as lógicas do gerencialismo e do profissionalismo médico-acadêmico, no sentido de que alguns médicos-docentes escolhem deliberadamente se engajar na gestão como uma oportunidade de meio de carreira enquanto outros se sentem pressionados a assumirem a administração hospitalar em algum estágio de suas carreiras dentro da organização (Martin et al., 2021Martin, G., Bushfield, S., Siebert S., & Howieson, B. (2021). Changing logics in healthcare and their effects on the identity motives and identity work of doctors. Organization Studies, 42(9), 1477-1499.; McGivern et al., 2015; Noordegraaf, 2015Noordegraaf, M. (2015). Hybrid professionalism and beyond: (new) forms of public professionalism in changing organizational and societal contexts. Journal of Professions and Organization, 2(2), 187-206.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.).

Em termos da formação da identidade profissional, nossos achados revelam que os vínculos subjetivos auxiliam os híbridos a (re)construírem ou (re)formularem tanto o seu “senso de si” (relação consigo mesmo) quanto seu reconhecimento recíproco com outros colegas (relação com o outro), enquanto combinam as lógicas de trabalho médica, acadêmica e gerencial. O desenvolvimento de vinculações psicológicas sólidas com o hospital universitário encoraja um engajamento positivo na gestão (p. ex., autorrealização, autoestima, recompensa), assim levando à hibridização gerencial voluntária (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Esses tipos de motivadores baseados no reconhecimento também ajudam a justificar a tomada de cargos gerenciais como uma obrigação profissional (p. ex., senso de responsabilidade, solidariedade, dever) diante de reinvindicações mais passivas ou reativas por essas funções (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Argumentamos, dessa feita, que a hibridização gerencial tem implicações substantivas para o reconhecimento profissional, pois parece desestabilizar antigas lógicas tradicionais de identidade profissional e de reconhecimento no campo da medicina para fomentar novas lógicas dentro de domínios organizacionais acadêmicos cada vez mais gerenciados (Noordegraaf, 2015Noordegraaf, M. (2015). Hybrid professionalism and beyond: (new) forms of public professionalism in changing organizational and societal contexts. Journal of Professions and Organization, 2(2), 187-206.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.).

Em pontos mais transicionais entre as subjetividades dos profissionais, medidas econômicas e princípios organizacionais no âmbito de hospitais universitários, a importância da experiência acumulada e da aquisição de competências em administração foi ressaltada nos dados. Na verdade, experiência e conhecimentos em gestão foram bastante legitimados nos discursos dos entrevistados. Tal narrativa converge para pesquisas anteriores que demonstraram que os híbridos reconciliam profissionalismo e gestão não apenas enquanto lógicas institucionais conflitantes, mas também como complementares (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). Entretanto, não está claro em nossos dados se tal incorporação da lógica gerencial decorre primariamente de cooptação da gestão pelos profissionais médicos ou, alternativamente, da colonização da profissão médica pela lógica do gerencialismo (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994Freidson, E. (1989). Medical work in America. New Haven, Connecticut: Yale University Press.; Numerato et al., 2012Numerato, D., Salvatore, D., & Fattore, G. (2012). The impact of management on medical professionalism: a review. Sociology of Health & Illness, 34(4), 626-644.; Waring & Currie, 2009Waring, J., & Currie, G. (2009). Managing expert knowledge: organizational challenges and managerial futures for the UK medical profession. Organization Studies, 30(7), 755-778.). Estudos empíricos adicionais são necessários para se esclarecer esta questão no campo dos HUFs no Brasil.

Medidas econômicas como gratificações financeiras e oportunidade para manter ou aumentar a influência política também apareceram como importantes motivadores de hibridização gerencial entre alguns médicos-docentes. Esses achados reforçam discussões anteriores acerca da hibridização enquanto processo de reprofissionalização (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994Freidson, E. (1989). Medical work in America. New Haven, Connecticut: Yale University Press.) por meio do qual a profissão médica se reconstrói perante a lógica gerencialista para preservar algum grau de dominância econômica e política, mesmo que isso signifique, em última instância, a perda da autonomia técnica ou clínica. Nesse sentido, os híbridos gerenciais são incentivados a cooperar com os objetivos organizacionais em troca de serem reconhecidos como um estrato profissional especial e autorizado pela organização a exercer algum grau de autonomia e poder sobre os demais colegas. Pesquisas prévias já mostraram que dentro da profissão médica os padrões institucionalizados e dominantes de ação, interação e interpretação dos valores organizacionais e discursos gerenciais são adotados pelos híbridos médicos-gestores, que são ativos em disseminar tais padrões entre seus pares de baixo escalão (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Do mesmo modo, nossos dados mostram que, ao procurarem assumir funções híbridas, alguns médicos e acadêmicos da universidade utilizam-se deliberadamente da lógica da gestão para preservarem algum grau de poder político, adaptarem-se a novas estruturas organizacionais formais, elevarem seus ganhos pecuniários, distinguirem-se de outros grupos ocupacionais, substituírem administradores gerais externos à profissão, e melhor acomodarem mudanças institucionais (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.; Waring & Currie, 2009Waring, J., & Bishop, S. (2013). McDonaldization or commercial re-stratification: corporatization and the multimodal organisation of English doctors. Social Science & Medicine, 82, 147-155.; Ferlie & Geraghty, 2005Ferlie, E., & Geraghty, K. J. (2005). Professionals in public services organizations: implications for public sector “reforming”. In E. Ferlie, L. E. Lynn Jr., & C. Pollitt(Eds.), The oxford handbook of public management (Chap. 18, pp. 422-445) Oxford, UK: Oxford University Press.).

A identidade e a natureza do trabalho dos profissionais médicos foram representadas como amalgamadas, consequência da inclinação de muitos médicos à uma carreira acadêmica dentro dos hospitais universitários. Prestígio acadêmico e sólidos vínculos afetivos com a universidade, juntamente com uma inclinação à academia e perspectiva de carreira longa dentro do hospital, nos ajudam a entender a histórica hibridização acadêmica na medicina. Além disso, a carreira em hospitais-escola apresenta-se como mais atrativa e estimulante para médicos que pertencem à elite prática ou técnica, pois geralmente encontram amplas oportunidades para se envolverem em processos mais complexos de ensino-aprendizagem e supervisão de residência médica.

As análises revelam que a identidade imprecisa e nuançada dos híbridos triplos é considerada crucial para a concretização da missão educacional dos hospitais universitários. Entretanto, a lógica do tripo hibridismo pode estar ameaçada e sujeita a reformulações por novos modos de gestão e recrutamento de profissionais assistencialistas, bem como por novos pontos de intersecção e conflitos potenciais entre as lógicas profissional e híbrida de organização do trabalho na área médica. Nossos dados demonstram, por exemplo, que os esforços para aumentar a eficiência em atender as demandas por assistência médica têm se tornado uma prioridade organizacional, ao passo que o ensino e a pesquisa têm sido agora relegados ao segundo plano no funcionamento diário dos hospitais. Por outras palavras, a oferta assistencial e a administração hospitalar estão mais dissociadas das atividades de ensino e pesquisa, o que reverbera diretamente tanto nos médicos da EBSERH quanto nos acadêmicos das universidades. Empiricamente, esses são achados preliminares interessantes, em linha com pesquisas anteriores sobre lógicas institucionais variadas coexistindo nos campos organizacionais (Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.), na medida em que os dados assinalam a coexistência das lógicas de hibridização e desibridização entre híbridos acadêmicos e híbridos gerenciais.

Nessa linha, os dados sugerem um movimento em direção à desibridização gerencial especialmente entre híbridos acadêmicos e médicos assistencialistas da empresa. Tal narrativa indica tendências fortalecidas para acadêmicos e médicos resistirem ou distanciarem-se das lógicas gerenciais para preservarem lógicas acadêmicas mais tradicionais e um certo “espírito” médico (Numerato et al., 2012Numerato, D., Salvatore, D., & Fattore, G. (2012). The impact of management on medical professionalism: a review. Sociology of Health & Illness, 34(4), 626-644.; Waring & Currie, 2009Waring, J., & Currie, G. (2009). Managing expert knowledge: organizational challenges and managerial futures for the UK medical profession. Organization Studies, 30(7), 755-778.). De fato, alguns médicos em hospitais de ensino brasileiros estão optando por se afastarem da gestão enquanto outros sentem-se repelidos por formas mais rígidas de controle e recrutamento para cargos administrativos.

Uma primeira tendência demarcada de desibridização gerencial é a desibridização voluntária, em que médicos-docentes decidem deixar a gestão para se concentrarem nas atividades acadêmicas. Por um lado, vínculos subjetivos como autorrealização, devoção e comprometimento com o trabalho acadêmico constituem fatores-chave na decisão dos profissionais de se manterem distantes da lógica gerencial. Por outro lado, alguns profissionais que já assumiram cargos administrativos anteriormente por se sentirem emocionalmente pressionados a fazê-lo (p. ex., senso de responsabilidade, dever, desejo de contribuir), estão agora escolhendo abandonar a gestão em vista de novas formas de organização, gestão e controle da empresa EBSERH. Para aqueles que supervalorizam os vínculos psicológicos com a universidade, vínculos formais redistributivos como compensações salariais e carga de trabalho burocrático elevada parecem menos eficazes em suscitar seu engajamento com a lógica gerencial dentro da administração hospitalar.

Ademais, este estudo preliminar mostra que os híbridos médicos-docentes geralmente gozam de um limitado prestígio entre seus pares e com frequência sofrem animosidade e discriminação no ambiente de trabalho por conta de seu envolvimento com gestão e metas organizacionais, o que as vezes é percebido pelos colegas como perda da identidade médica (McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.). De modo semelhante, a pesquisa de Waring e Bishop (2013Waring, J., & Bishop, S. (2013). McDonaldization or commercial re-stratification: corporatization and the multimodal organisation of English doctors. Social Science & Medicine, 82, 147-155.) demonstrou que os híbridos gerenciais têm frequentemente se queixado de hostilidade por parte de colegas, sendo retratados pejorativamente como “maçãs podres”, “dedos-duros da gestão” e “vira-casacas” (Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.). Os profissionais assistencialistas também parecem ter pouca influência ou estima por parte de colegas sêniores. Além disso, nossos dados reforçam outras pesquisas anteriores que sugerem que à medida que os híbridos desempenham um trabalho mais regulatório e focado nos interesses organizacionais, notadamente em contextos de recursos limitados, muitas vezes acabam mudando seus comportamentos profissionais e relacionamentos com os colegas (McGivern et al., 201McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.5). Desse modo, vínculos de reconhecimento intersubjetivo como respeito, senso de pertencimento, valorização social e integração podem ser substituídos por sentimentos de polarização, isolamento e medo. Esses achados podem indicar que alguns híbridos estão mais dispostos a recusar a lógica gerencialista (Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.) em prol da autopreservação, para evitar antipatias ou desrespeito no ambiente de trabalho ou para preservar as lógicas profissionais médicas e acadêmicas.

A segunda forma de desibridização gerencial é a desibridização induzida. Esta tendência se relaciona a novas formas de coordenação, envolvimento com discursos e práticas gerenciais empresariais e elevada centralização do poder decisório na EBSERH. A literatura mostra que o profissionalismo híbrido combina as lógicas institucionais profissionais e gerenciais (Croft et al., 2015Croft, C., Currie, G., & Lockett, A. (2015). Broken ‘two-way windows’? an exploration of professional hybrids. Public Administration, 93(2), 380-394.; Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994; Hendrikx & Van Gestel, 2017; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.) por meio de socialização e reformulação da identidade e do trabalho profissional em torno de princípios organizacionais gerenciais e formas mais flexíveis de trabalho que afetam o comportamento dos profissionais, seu sendo de propósito comum e unidade dentro dos domínios organizacionais (Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.). Nessa linha, nosso estudo aponta que novos sistemas de gestão e controle estão afastando docentes da gestão, visto que alguns deles não parecem dispostos a concordar com as novas formas de seleção para cargos de gestão e estão mais relutantes em assumir responsabilidades administrativas. Outros médicos sentem que suas autonomias estão sendo cerceadas uma vez que a prática médica está agora sendo administrada sob a lógica empresarial de “fazer mais com menos” em saúde.

É esperado que a centralização da gestão dos hospitais na EBSERH aumente as disparidades intraprofissionais entre as elites híbridas da universidade e os médicos assistencialistas e outros profissionais de saúde empregados pela empresa. Como vimos, os médicos que trabalham para a EBSERH estão sendo alocados principalmente para o baixo escalão, mas com distâncias ampliadas entre eles e outras áreas da administração hospitalar e das escolas médicas das universidades. Tal fragmentação em subgrupos, separando elites híbridas daqueles que realizam tarefas rotineiras de assistência aos pacientes, denota que posições gerenciais, recursos materiais e tecnológicos estão agora mais desigualmente distribuídos entre diferentes estratos profissionais (Noordegraaf, 2013Noordegraaf, M. (2013). Reconfiguring professional work: changing forms of professionalism in public services. Administration & Society, 48(7), 783-810.). Por exemplo, as oportunidades para os médicos empregados da empresa se envolverem em gestão são menos propensas do que as que os profissionais de saúde das universidades geralmente têm em razão da natureza distinta de seus vínculos organizacionais formais e psicológicos. Em outras palavras, o resultado provável dessa reforçada estratificação profissional é exacerbar o isolamento de grupos, a exclusão e a subordinação, vez que os médicos assistencialistas tendem a ser tratados muito mais como “empregados” do que como “profissionais”.

Nossas análises apontam que particularmente dentre os híbridos acadêmicos e os médicos que são vistos como docentes em potencial, desapontamento, falta de motivação, pouco desafio no trabalho, percebida capacidade limitada da universidade para inovação e conflituosos conjuntos de pressupostos, valores e crenças podem estar levando à desibridização acadêmica intencional. De fato, nossa pesquisa indica que alguns híbridos acadêmicos podem se sentir desinteressados pelo ensino em nível de graduação enquanto os profissionais da EBSERH são considerados como um grupo de empregados médicos com pouco ou nenhum interesse em, ou mesmo qualificação avançada para, realizar atividades acadêmicas, principalmente pesquisa clínica.

Os dados demonstram, portanto, que a desibridização acadêmica induzida pode se constituir em uma forte tendência entre os médicos da EBSERH, o que pode potencialmente corroer o triplo hibridismo tendo em vista o reduzido escopo para atividades acadêmicas e as lógicas de trabalho mais gerenciais e centralizadas. Isso, por sua vez, pode levar à decomposição do trabalho acadêmico (Ferlie & Geraghty, 2005Ferlie, E., & Geraghty, K. J. (2005). Professionals in public services organizations: implications for public sector “reforming”. In E. Ferlie, L. E. Lynn Jr., & C. Pollitt(Eds.), The oxford handbook of public management (Chap. 18, pp. 422-445) Oxford, UK: Oxford University Press.) e ao enfraquecimento da representação política dos docentes dentro dos hospitais. Aparentemente, muitos médicos contratados pela empresa encaram seu trabalho no hospital como qualquer outra ocupação; eles buscam cumprir suas horas de trabalho, mas não parecem desejosos de participar de processos decisórios, especialmente no que concerne ao aspecto acadêmico do hospital. Portanto, mudanças nos planos de carreira, limitadas oportunidades para médicos assistencialistas em atividades de ensino, percebida precarização dos vínculos organizacionais subjetivos (p. ex., status, vocação, autonomia) e objetivos (p. ex., contrato de emprego, nível da ocupação, condições de trabalho) entre os profissionais da EBSERH, somadas ainda à fraca retenção profissional, são fatores que apontam para uma progressiva desibridização acadêmica.

Para concluir, ressaltamos que nosso estudo contribui para acender os debates acerca de como os profissionais médicos e docentes lidam com as mudanças nas lógicas institucionais no âmbito dos HUFs administrados pela EBSERH ao analisarmos documentos-chave de políticas e entrevistas de profissionais especialistas em saúde nesse intrigante campo organizacional. Nossa pesquisa mostra que a transferência da administração hospitalar para a EBSERH tem levado a uma aprofundada estratificação interna da força de trabalho médica. Essa virada da lógica do profissionalismo médico-acadêmico para a nova lógica empresarial de saúde, expressa pela adoção de contratos de emprego distintos e sistemas mais gerenciais de controle sobre o trabalho, pode muito bem estar modificando os vínculos subjetivos e formais estabelecidos entre os profissionais, as universidades e os hospitais. Esses achados são relevantes porque esse movimento contínuo de mudança na lógica institucional dominante pode ter implicações profundas para a natureza acadêmica dos HUFs e para o futuro do profissionalismo médico-acadêmico nessas organizações de saúde e educação. Por exemplo, mudanças em nível micro na interface entre as funções clínicas, acadêmicas e gerenciais desempenhadas pelos profissionais médicos, especialmente os híbridos triplos, estão impactando as formas e graus de hibridização acadêmica e gerencial, que costumavam ser características constitutivas dos hospitais de ensino brasileiros. Ao identificar tendências contraditórias em direção à hibridização e à desibridização envolvendo uma mesma categoria profissional num mesmo campo organizacional, nosso estudo adiciona novos insights às pesquisas anteriores sobre estratificação e hibridização profissional e coexistência de lógicas institucionais concorrentes nas organizações (Freidson, 1985Freidson, E. (1985). The reorganization of the medical profession. Medical Care Review, 42(1), 11-35., 1994; Kirkpatrick, 2016Kirkpatrick, I. (2016). Hybrid managers and professional leadership. In M. Dent, I. Lynn Bourgeault, J. L. Denis, & E. Kuhlmann (Eds.), The Routledge Companion to the Professions and Professionalism (Chap. 12, pp. 175-187) New York, NY: Routledge.; McGivern et al., 2015McGivern, G. Currie, G., Ferlie, E., Fitzgerald, L., & Waring, J. (2015). Hybrid manager-professionals’ identity work: the maintenance and hybridization of medical professionalism in managerial contexts. Public Administration, 93(2), 412-432.; Numerato et al., 2012Numerato, D., Salvatore, D., & Fattore, G. (2012). The impact of management on medical professionalism: a review. Sociology of Health & Illness, 34(4), 626-644.; Reay & Hinings, 2009Reay, T., & Hinings, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies, 30(6), 629-652.; Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843.; Waring, 2014Waring, J. (2014). Restratification, hybridity and professional elites: questions of power, identity and relational contingency at the points of ‘professional-organisational intersection’. Sociology Compass, 8(5), 688-704.). Essas novas intersecções entre as lógicas profissionais e gerenciais são de fato interessantes achados preliminares contraintuitivos que, no entanto, carecem de investigação empírica adicional para se analisar profundamente como os médicos e docentes buscam (re)construir suas identidades profissionais e práticas médicas em suas relações com o trabalho acadêmico e as práticas gerenciais subjacentes à lógica de gestão da empresa.

Por fim, reconhecemos as limitações deste estudo piloto devido à limitada amostra de entrevistados e documentos incluídos na análise. Embora constituindo materiais empíricos altamente relevantes, esses dados não nos permitem generalizações para outros hospitais de ensino não federais ou subsistemas de saúde que operam no âmbito do SUS. Entretanto, argumentamos que os resultados da pesquisa têm potencial para substanciar um arcabouço teórico-analítico capaz de guiar pesquisas futuras sobre os relacionamentos dinâmicos entre as lógicas do profissionalismo médico-acadêmico e de gestão, bem como suas implicações para os hospitais universitários brasileiros.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

APÊNDICE

Quadro a
questões do estudo piloto (piq)

QUADRO A
continuação

QUADRO A
continuação

QUADRO B
SÍNTESE DOS DADOS

QUADRO B
continuação

QUADRO B
continuação

QUADRO B
continuação

QUADRO B
continuação

QUADRO C
ATORES E DOCUMENTOS INCLUÍDOS NA ANÁLISE

QUADRO C
continuação

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2020
  • Aceito
    30 Ago 2021
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