Acessibilidade / Reportar erro

Pileflebite e trombose séptica da veia mesentérica inferior secundárias a diverticulite

Sr. Editor,

Homem, 74 anos, diabético, queixando-se de dores abdominais e episódios de febre há 15 dias. Achados laboratoriais: leucocitose, proteína C reativa discretamente aumentada, aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) nos limites superiores da normalidade. Tomografia computadorizada (TC) abdominal não contrastada mostrou sinais sugestivos de processo inflamatório diverticular no sigmoide (Figura 1A). O paciente apresentou piora clínica, não responsiva a antibioticoterapia e evoluiu com icterícia em um dia. Estudos laboratoriais mostraram elevações na leucocitose, proteína C reativa, AST, ALT e bilirrubinas totais. Hemocultura mostrou crescimento de Citrobacter spp., Streptococcus spp. e Klebsiella spp. Nova TC abdominal, contrastada, demonstrou trombos e gás no sistema venoso portal (Figura 1B), junção esplenomesentérica (Figura 1C) e veia mesentérica inferior (Figura 1D). Foi realizada colectomia subtotal e o estudo anatomopatológico confirmou processo inflamatório agudo diverticular no sigmoide e achado incidental de pequeno adenocarcinoma cecal. Mudaram-se os antibióticos e iniciou-se anticoagulação parenteral. O paciente evoluiu com melhora clínica, recebendo alta hospitalar após um mês.

Figura 1
A: TC abdominal de admissão do paciente, sem a administração de meio de contraste intravenoso, mostrando densificação da gordura mesentérica em torno do sigmoide (cabeça de seta), onde também estavam presentes alguns divertículos colônicos, sugerindo processo inflamatório. B,C,D: TC após piora clínica do paciente, fase portal após a administração intravenosa de meio de contraste, demonstrando trombos (setas brancas) no ramo esquerdo da veia porta (B), junção esplenomesentérica (C,D) e no interior da veia mesentérica inferior (D), e focos gasosos (setas pretas) no sistema porta intra-hepático (B) e na veia mesentérica inferior (D), além de ascite.

Pileflebite é a trombose séptica da veia porta ou de seus ramos(11 Fonseca-Neto OCL, Vieira LPF, Miranda AL. Tromboflebite séptica da veia porta secundária à apendicite. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2007;20:137-8.

2 Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.
-33 Gonçalves L, Maio J, Barros MF, et al. Trombose da veia porta. Atitudes. A propósito de caso clínico. Acta Pediatr Port. 2001;32:377-80.), com incidência de 0,37-2,7 casos por 100.000 habitantes/ano(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.,55 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.), podendo ocorrer em 0,16% dos pacientes com infecções intra-abdominais(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.). A média de idade é de 40-65 anos, com predomínio nos homens (60-70%)(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
-66 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.). As principais causas incluem diverticulite (19-30%), pancreatite (5-31%), apendicite (2-19%), infecções no trato biliar (3-14%) e doença inflamatória intestinal (2-6%)(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.

6 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.
-77 Machado MM, Rosa ACF, Mota OM, et al. Ultrasonographic features of portal vein thrombosis. Radiol Bras. 2006;39:151-5.), além de cateterismo umbilical e onfalite em neonatos(33 Gonçalves L, Maio J, Barros MF, et al. Trombose da veia porta. Atitudes. A propósito de caso clínico. Acta Pediatr Port. 2001;32:377-80.). Fatores de risco envolvidos: cirurgias prévias (29-37%), tabagismo (29%), malignidades (6-17%), imunodepressão (14%), discrasias sanguíneas, etilismo e uso de esteroides(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
-66 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.).

O quadro clínico é inespecífico, sendo comuns febre, dor abdominal, náuseas, diarreia e anorexia, porém, a suspeita de pileflebite é mais pertinente quando aos dois primeiros se associa icterícia(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
-66 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.). Achados laboratoriais incluem leucocitose (80%), cultura positiva em sangue ou tecidos (44-88%), elevação de enzimas hepáticas (40-69%) e da bilirrubina total (55%). Nas culturas pode-se detectar um microorganismo (47%) ou mais (44%), destacando-se anaeróbios e Gram-negativos. São frequentemente encontrados: Escherichia coli, Streptococcus spp., Bacteroides spp., Proteus spp., Klebsiella spp. e Enterobacter spp. (44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
-66 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.).

A ultrassonografia com Doppler é útil para a caracterização de trombo, ectasia da veia porta, rede de colaterais venosas, hepatoesplenomegalia e ascite(22 Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.,44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.,88 Balthazar EJ, Gollapudi P. Septic thrombophlebitis of the mesenteric and portal veins: CT imaging. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:755-60.

9 Lee WK, Chang SD, Duddalwar VA, et al. Imaging assessment of congenital and acquired abnormalities of the portal venous system. Radiographics. 2011;31:905-26.

10 Tandon R, Davidoff A, Worthington MG, et al. Pylephlebitis after CT-guided percutaneous liver biopsy. AJR Am J Roentgenol. 2005;184(3 Suppl):S70-2.

11 Muglia VF. Diverticular disease of the colon: evolution of the therapeutic approach and the role of computed tomography in the evaluation of acute conditions. Radiol Bras. 2017;50(2):ix-x.
-1212 Naves AA, D'Ippolito G, Souza LRMF, et al. What radiologists should know about tomographic evaluation of acute diverticulitis of the colon. Radiol Bras. 2017;50:126-31.). A TC com administração intravenosa de meio de contraste é método diagnóstico de escolha, podendo demonstrar gás no sistema porta (18%) e o trombo vascular hipodenso. Trombose de segmentos venosos portais intrahepáticos, veias mesentérica superior e esplênica é observada em 39%, 42% e 12% dos casos, respectivamente, enquanto a veia mesentérica inferior é pouco acometida isoladamente (2%). Gás no sistema porta (portograma aéreo), diferentemente da aerobilia, se estende até a periferia hepática(22 Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.,44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.,88 Balthazar EJ, Gollapudi P. Septic thrombophlebitis of the mesenteric and portal veins: CT imaging. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:755-60.

9 Lee WK, Chang SD, Duddalwar VA, et al. Imaging assessment of congenital and acquired abnormalities of the portal venous system. Radiographics. 2011;31:905-26.

10 Tandon R, Davidoff A, Worthington MG, et al. Pylephlebitis after CT-guided percutaneous liver biopsy. AJR Am J Roentgenol. 2005;184(3 Suppl):S70-2.

11 Muglia VF. Diverticular disease of the colon: evolution of the therapeutic approach and the role of computed tomography in the evaluation of acute conditions. Radiol Bras. 2017;50(2):ix-x.
-1212 Naves AA, D'Ippolito G, Souza LRMF, et al. What radiologists should know about tomographic evaluation of acute diverticulitis of the colon. Radiol Bras. 2017;50:126-31.).

A terapêutica mais utilizada é a associação de anticoagulantes e antibióticos. O tratamento cirúrgico fica reservado a casos não responsivos, ressecção do foco inflamatório/infeccioso, drenagem de grandes coleções e abscessos(44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
-66 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.). Os índices de mortalidade são de 11-50%(22 Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.,44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.

6 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.

7 Machado MM, Rosa ACF, Mota OM, et al. Ultrasonographic features of portal vein thrombosis. Radiol Bras. 2006;39:151-5.
-88 Balthazar EJ, Gollapudi P. Septic thrombophlebitis of the mesenteric and portal veins: CT imaging. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:755-60.). Complicações ocorrem em 20-50%, como abscessos hepáticos (37%), infarto venoso mesentérico, trombose portal crônica e hipertensão portal(22 Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.,44 Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.

5 Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.

6 Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.

7 Machado MM, Rosa ACF, Mota OM, et al. Ultrasonographic features of portal vein thrombosis. Radiol Bras. 2006;39:151-5.
-88 Balthazar EJ, Gollapudi P. Septic thrombophlebitis of the mesenteric and portal veins: CT imaging. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:755-60.).

REFERENCES

  • 1
    Fonseca-Neto OCL, Vieira LPF, Miranda AL. Tromboflebite séptica da veia porta secundária à apendicite. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2007;20:137-8.
  • 2
    Guimarães RA, Sueth DM, Barros MGCRM, et al. Pileflebite mesentérica secundária à diverticulite. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2010;29:90-2.
  • 3
    Gonçalves L, Maio J, Barros MF, et al. Trombose da veia porta. Atitudes. A propósito de caso clínico. Acta Pediatr Port. 2001;32:377-80.
  • 4
    Belhassen-García M, Gomez-Munuera M, Pardo-Lledias J, et al. Pylephlebitis: incidence and prognosis in a tertiary hospital. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2014;32:350-4.
  • 5
    Choudhry AJ, Baghdadi YM, Amr MA, et al. Pylephlebitis: a review of 95 cases. J Gastrointest Surg. 2016;20:656-61.
  • 6
    Kanellopoulou T, Alexopoulou A, Theodossiades G, et al. Pylephlebitis: an overview of non-cirrhotic cases and factors related to outcome. Scand J Infect Dis. 2010;42:804-11.
  • 7
    Machado MM, Rosa ACF, Mota OM, et al. Ultrasonographic features of portal vein thrombosis. Radiol Bras. 2006;39:151-5.
  • 8
    Balthazar EJ, Gollapudi P. Septic thrombophlebitis of the mesenteric and portal veins: CT imaging. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:755-60.
  • 9
    Lee WK, Chang SD, Duddalwar VA, et al. Imaging assessment of congenital and acquired abnormalities of the portal venous system. Radiographics. 2011;31:905-26.
  • 10
    Tandon R, Davidoff A, Worthington MG, et al. Pylephlebitis after CT-guided percutaneous liver biopsy. AJR Am J Roentgenol. 2005;184(3 Suppl):S70-2.
  • 11
    Muglia VF. Diverticular disease of the colon: evolution of the therapeutic approach and the role of computed tomography in the evaluation of acute conditions. Radiol Bras. 2017;50(2):ix-x.
  • 12
    Naves AA, D'Ippolito G, Souza LRMF, et al. What radiologists should know about tomographic evaluation of acute diverticulitis of the colon. Radiol Bras. 2017;50:126-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br