A técnica de aquisição de qualquer tipo de imagem que necessite conhecimento da dinâmica dos fluidos e dos tempos de passagem do contraste pelos diversos vasos de corpo possui impacto direto na qualidade da contrastação vascular e pode interferir na interpretação dos exames. Sendo assim, o conhecimento do tempo de trânsito médio dos contrastes intravenosos e de todos os fatores que podem confundir sua interpretação é extremamente necessário.
Aos que praticam radiologia há mais de 20 anos e, naquela época, precisavam realizar estudos de emergência para detectar tromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta nos aparelhos helicoidais, de primeira geração, sabem que o conceito do tempo médio de chegada do contraste implica diretamente no resultado final do exame.
No número anterior da Radiologia Brasileira, o artigo escrito por Borges et al.(1) apresenta a avaliação do tempo de circulação vascular pulmonar em exames retrospectivos realizados em pacientes com parâmetros de volumes e função cardíaca normais, idade acima de 18 anos e sem história de insuficiência cardíaca, doença valvar ou pulmonar conhecidas, exames estes realizados com velocidade de infusão do meio de contraste de 4 mL/s.
Foram incluídos no estudo 43 pacientes, no qual o coeficiente de Pearson (r) do tempo de circulação entre o tronco da artéria pulmonar e a aorta ascendente com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi de -0,36 (p = 0,015) e o índice cardíaco foi de -0,29 (p = 0,05). O tempo médio entre a injeção periférica do meio de contraste e a chegada na veia cava superior foi de 3,0 ± 2,4 s e entre a veia cava superior e o tronco arterial pulmonar foi de 2,9 ± 1,4 s. O tempo médio de circulação entre o tronco arterial pulmonar e a aorta ascendente foi de 7,2 ± 2,2 s. Dessa forma, o tempo entre a injeção periférica do agente de contraste e a chegada na aorta ascendente foi de 13,0 ± 2,56 s(1).
Tentando aprofundar na discussão, a altura média da população estudada foi de 163,7 ± 7,3 cm, isto é, um intervalo de 156,4 a 171,0 cm nos desvios padrões. Já o intervalo médio dos desvios padrões do tempo de circulação entre o tronco da artéria pulmonar e a aorta ascendente foi de 4,4 s, e o tempo médio de circulação foi de 7,2 ± 2,2 s(1).
Visto isso, alguns pontos precisam ser amplamente discutidos e aprofundados para não termos equívocos de interpretação dos resultados do estudo.
Na realização de qualquer exame com bomba injetora é fundamental conversar com os pacientes antes de realizar o exame, e treinar a apneia durante a aquisição das imagens deve ser incentivado em qualquer instituição. O principal erro técnico em exames do tórax é uma apneia inspiratória com grande quantidade de ar no interior dos pulmões provocando importante aumento da pressão intratorácica e um efeito tipo Valsalva. Quando isto acontece, mesmo utilizando bomba injetora e alta velocidade de infusão, é comum verificarmos grande quantidade de contraste na subclávia e refluxo desse contraste por veias intercostais ou paravertebrais. Tal acontecimento irá influenciar diretamente no tempo de circulação do contraste.
Um fator que não pode ser deixado de lado é a viscosidade do meio de contraste intravenoso e a temperatura do contraste. Os meios de contraste intravenosos precisam estar aquecidos à temperatura corporal para reduzir a viscosidade e permitir maior velocidade de injeção(2).
Uma condição clínica que pode gerar confusão na hora da realização de exames contrastados dinâmicos no tórax é a síndrome do desfiladeiro torácico. Na maioria das vezes, os exames são realizados com o braço estendido ao lado da cabeça. Ao se assumir tal posicionamento, qualquer compressão na passagem da veia subclávia entre a primeira costela e o escaleno anterior ou por alguma variação na inserção do músculo peitoral menor pode acarretar obstrução à passagem do meio de contraste. Nesses casos, o exame deve ser feito com os braços para baixo, ao lado do corpo do paciente(3).
A velocidade de infusão do meio de contraste também irá modificar esses tempos médios, portanto, a injeção do meio de contraste feita a 3 mL/s mostrará tempos médios diferentes de uma injeção realizada a 5,5 mL/s.
Outro fator importante é o tamanho do paciente. Por exemplo, jogadores de basquete, altos e com braços longos, terão em centímetros uma distância maior para o meio de contraste percorrer quando comparados a atletas de ginástica olímpica, que geralmente possuem estatura menor e comprimento dos braços e tamanho da veia cava menores. Isto também influencia no tamanho da vascularização pulmonar e no tempo até a aorta ascendente. Na população do estudo de Borges et al., com 14,6 cm de intervalo de desvio padrão médio, observou- se um tempo médio no intervalo do desvio padrão de 4,4 s(1).
Dados interessantes podem ser verificados no trabalho de Skrok et al.(4), que fizeram a injeção do contraste a uma velocidade de 5 mL/s e o tempo médio de trânsito foi de 6,4 s. Já o estudo de Borges et al., em que se fez a injeção na velocidade de 4 mL/s e o tempo médio de trânsito foi de 7,2 s, mostra a importância da velocidade de infusão do meio de contraste(1).
Importante relatar que a presença de obstrução venosa, seja por trombose de subclávia, tronco braquiocefálico ou veia cava superior em pacientes em quimioterapia, com síndrome do desfiladeiro torácico, qualquer tipo de massa mediastinal que comprima a veia cava superior, shunts intracardíacos, disfunção ventricular ou valvar, entre outros fatores, irá alterar o tempo de circulação.
Embora ainda exista argumentação científica para ampliação desse tipo de estudo, esses conhecimentos ajudam na melhoria de diversos protocolos e ainda servem de base para educação e orientação de técnicos e biomédicos.
Nesse contexto, e considerando-se o relevante papel dos radiologistas no treinamento e avaliação da qualidade dos protocolos dos exames de angiotomografia, o artigo de Borges et al.(1) merece atenção especial, pois o conhecimento dos padrões da normalidade impacta na prática médica.
Referências bibliográficas
- 1 Borges RR, Morato TN, Bezerra ASA, et al. Evaluation of intravascular contrast media transit times in coronary computed tomography angiography. Radiol Bras. 2022;55:161-6.
-
2 ACR Committee on Drugs and Contrast Media. ACR manual on contrast media. American College of Radiology; 2022. [cited 2022 June 20]. Available from: https://www.acr.org/-/media/ACR/files/clinical-resources/contrast_media.pdf
» https://www.acr.org/-/media/ACR/files/clinical-resources/contrast_media.pdf - 3 Remy-Jardin M, Remy J, Masson P, et al. Helical CT angiography of thoracic outlet syndrome: functional anatomy. AJR Am J Roentgenol. 2000; 174:1667-74.
- 4 Skrok J, Shehata ML, Mathai S, et al. Pulmonary arterial hypertension: MR imaging-derived first-pass bolus kinetic parameters are biomarkers for pulmonary hemodynamics, cardiac function, and ventricular remodeling. Radiology. 2012;263:678-87.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Ago 2022 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2022