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Hematoma subdural bilateral secundário a punção dural acidental

Resumos

Apresentamos o caso clínico de uma paciente de 25 anos na qual uma técnica peridural foi aplicada durante o trabalho de parto e posteriormente apresentou cefaleia com características de cefaleia pós-punção dural. Foi iniciado tratamento conservador e tampão de sangue peridural. Devido à ausência de melhoria clínica e à mudança do componente postural da cefaleia, decidiu-se fazer um exame de imagem cerebral que demonstrou a presença de hematoma subdural bilateral. A cefaleia pós-punção dural é relativamente frequente, mas a falta de resposta ao tratamento médico instaurado, assim como a mudança em suas características e a presença de foco neurológico, deve levantar a suspeita de presença de um hematoma subdural que, embora infrequente, pode chegar a ser devastador se não for diagnosticado e tratado oportunamente.

Dura-máter; Analgesia epidural; Cefaleia pós-punção dural; Hematoma subdural; Placa de sangue epidural


We report the case of a 25-year-old woman, who received epidural analgesia for labor pain and subsequently presented post-dural puncture headache. Conservative treatment was applied and epidural blood patch was performed. In the absence of clinical improvement and due to changes in the postural component of the headache, a brain imaging test was performed showing a bilateral subdural hematoma. The post-dural puncture headache is relatively common, but the lack of response to established medical treatment as well as the change in its characteristics and the presence of neurological deficit, should raise the suspicion of a subdural hematoma, which although is rare, can be lethal if not diagnosed and treated at the right time.

Accidental dural puncture; Epidural analgesia; Post-dural puncture headache; Subdural hematoma; Epidural blood patch


Presentamos el caso clínico de una paciente de 25 años de edad, a quien se le realizó una técnica epidural durante el trabajo de parto y posteriormente presentó cefalea con características de cefalea pospunción dural. Se inició tratamiento conservador y se realizó parche hemático epidural. Ante la falta de mejoría clínica y debido al cambio en el componente postural de la cefalea, se decidió realizar una prueba de imagen cerebral que demostró la presencia de hematoma subdural bilateral. La cefalea pospunción dural es relativamente frecuente, pero la falta de respuesta al tratamiento médico instaurado, así como el cambio en sus características y la presencia de focalidad neurológica, deben hacer sospechar la presencia de un hematoma subdural que, aunque infrecuente, puede llegar a ser devastador si no se diagnostica y trata oportunamente.

Punción dural accidental; Analgesia epidural; Cefalea pospunción dural; Hematoma subdural; Parche hemático epidural


Introdução

A cefaleia pós-punção dural (CPPD) é a complicação mais frequente após uma anestesia neuroaxial.1Zeidan A, Farhat O, Maaliki H, et al. Does postdural punc- ture headache left untreated lead to subdural hematoma? Case report and review of the literature. Int J Obstet Anesth. 2006;15:50-8. Por sua vez, o hematoma subdural (HSD) é uma complicação infrequente, mas potencialmente grave, da punção dural que exige um diagnóstico e tratamento precoce. Inicialmente o diagnóstico de HSD é complicado, pois os primeiros sintomas são semelhantes aos de una CPPD, mas diante de uma cefaleia que não responde ao tratamento médico habitual, que perde suas características posturais, que é acompanhada de outras alterações neurológicas, é necessário suspeitar da presença de uma afecção intracraniana e fazer um exame de neuroimagem com urgência que possibilite um diagnóstico e tratamento correto.

Caso clínico

Mulher de 25 anos, tercípara, na 39ª semana de gestação, que ingressou no hospital devido a início de dinâmica uterina. Entre os antecedentes pessoais destacou que em seu primeiro parto não recebera analgesia peridural por impossibilidade de aplicar a técnica. Com uma dilatação cervical de 2 cm, e depois de avaliação ginecológica, a paciente solicitou analgesia peridural para controlar a dor do trabalho de parto. Com explicação prévia dos riscos e após assinar o consentimento informado, foi aplicada uma técnica peridural. Após várias tentativas, com uso de uma agulha Touhy 18 G e perda da resistência com ar, o espaço peridural foi localizado no nível L3-L4 e deixou-se o cateter nessa posição. Após um teste de aspiração negativo, administrou-se uma dose teste de 3 mL de bupivacaína 0,25% com adrenalina 1:200.000 sem que surgissem alterações hemodinâmicas nem bloqueio sensitivo ou motor imediato. A dose inicial foi de 10 mL de levobupivacaína 0,25% e posteriormente uma perfusão peridural de levobupivacaína a 0,125% + fentanil 2 µg.mL-1 a 10 mL.h-1 foi conectada.

O trabalho de parto transcorreu sem intercorrências e duas horas depois, após parto eutócico, nasceu uma menina de 3.090 g, com teste de Apgar de 8 ao primeiro minuto e 9 aos cinco minutos. Após estada protocolizada para vigilância na área de pós-parto, o cateter peridural foi retirado e a paciente foi levada para o quarto.

Com 24 horas de pós-parto o Serviço de Anestesia foi chamado porque a paciente apresentava cefaleia intensa, com valorização da dor em escala verbal simples (EVS) 9/10, que piorava com posição de pé e que melhorava em decúbito. Embora não se tenha observado punção da dura-máter, suspeitou-se de uma possível CPPD e com esse suposto diagnóstico iniciou-se tratamento analgésico com paracetamol 1 g IV/6 h e dexcetoprofeno 50 mg IV/8 h. Passadas 48 horas do início da cefaleia, por persistência dos sintomas apesar do tratamento médico administrado e com diagnóstico de CPPD, fez-se tampão sanguíneo peridural (TSP) sem intercorrências. Inicialmente os resultados foram satisfatórios, já que a paciente referiu melhoria da cefaleia durante as primeiras horas, mas no dia seguinte apresentou cefaleia não ortostática, com intensidade máxima em decúbito, em EVS 10/10, associada a zumbidos e contratura cervical. Devido à ausência de melhoria clínica, com mudança das características da cefaleia e após descartar foco neurológico no exame físico, solicitou-se ressonância magnética nuclear (RMN) cerebral e de coluna lombar, que evidenciou HSD bilateral intracraniano (Figura 1 and Figura 2). O Serviço de Neurocirurgia foi consultado e indicou tratamento com corticoides IV (dexametasona 4 mg IV/8 h) e solicitou tomografia computarizada (TC) de controle em uma semana.

Figura 1
Corte axial de ressonância magnética cerebral no qual se observa hematoma subdural bilateral.

Figura 2
Corte coronal de ressonância magnética cerebral em que se observa hematoma subdural bilateral.

Com 24 horas do início do tratamento com corticoides, a paciente referiu melhoria da cefaleia, EVS 3/10 e 48 horas depois relatou ausência de cefaleia ou outra sintomatologia. A paciente permaneceu internada durante mais uma semana, para tratamento médico e vigilância clínica. A TC craniana de controle mostrou melhoria das lesões e dada a evolução satisfatória, com remissão total da cefaleia e sem presença de foco neurológico, decidiu-se pela alta hospitalar com tratamento corticoide via oral em regime de retirada (doses decrescentes) durante 20 dias e controle pela equipe de neurocirurgia.

Discussão

A incidência descrita na literatura de punção dural inadvertida após a aplicação de uma técnica peridural varia de 0,4-6%,2Nepomuceno R, Herd A. Bilateral subdural hematoma after inadvertent dural puncture during epidural analgesia. J Emerg Med. 2013;44:227-30. mas apenas 60% desses pacientes desenvolvem CPPD.3Gaiser RR. Postdural puncture headache: a headache for the patient and a headache for the anesthesiologist. Curr Opin Anesthesiol. 2013;26:296-303.Em nosso Serviço de Anestesia do Hospital Maternal La Paz os números são semelhantes, com uma incidência de punção dural acidental de 0,6% e de CPPD de 56%.4Martinez Serrano B. Cefalea postpunción dural tras analgesia epidural para trabajo de parto [Tesis]. Madrid: Facultad de Medicina. Universidad Autónoma; 2006.

De acordo com os critérios diagnósticos estabelecidos pela International Headache Society, a CPPD caracteriza-se por seu caráter postural, piora aos 15 min de posição de pé ou sentada e melhora em tempo semelhante com o decúbito; desenvolve-se dentro dos cinco dias após a punção e desaparece espontaneamente em uma semana em 95% dos casos ou nas 48 horas seguintes à feitura de um TSP.3Gaiser RR. Postdural puncture headache: a headache for the patient and a headache for the anesthesiologist. Curr Opin Anesthesiol. 2013;26:296-303.

A HSD é uma complicação infrequente mas potencialmente fatal da punção dural, como consequência de uma raquianestesia ou de uma punção dural acidental durante técnica peridural.2Nepomuceno R, Herd A. Bilateral subdural hematoma after inadvertent dural puncture during epidural analgesia. J Emerg Med. 2013;44:227-30. Embora a literatura recolha somente casos isolados de HSD secundários a anestesia neuroaxial, estima-se que a prevalência dessa entidade seja de 1/500.000-1/1.000.000. 5Machurot PY, Vergnion M, Fraipont V, et al. Intracranial sub- dural hematoma following spinal anesthesia: case report and review of the literature. Acta Anaesthesiol Belg. 2010;61:63-6.

Os mecanismos postulados para a CPPD e o HSD são semelhantes: a perda de líquido cerebrospinal (LCE), através do orifício criado na dura-máter, causa uma redução do volume e posteriormente da pressão espinhal e intracraniana. Essa hipotensão intracraniana provoca um deslocamento caudal da medula e cérebro, com tração das estruturas cerebrais sensíveis a dor, e origina assim a cefaleia. A drenagem venosa do cérebro é feita através das veias nas pontes durais, que vão do cérebro até os seios durais e que têm sua parte mais fraca no espaço subdural, e é precisamente a tração dessas veias a causadora de seu desprendimento e surgimento posterior de um HSD e aumento da pressão intracraniana.6K K, Chatterjee N, Shrivastava A, et al. Sub-dural hematoma fol- lowing spinal anesthesia treated with epidural blood patch and burr-hole evacuation: a case report. Middle East J Anesthesiol. 2013;22:117-20. Dessa maneira, nos pacientes com HSD, podem-se observar duas fases clínicas como consequência das mudanças geradas na pressão intracraniana: inicialmente apresentam cefaleia com um claro componente postural (relacionado com a hipotensão intracraniana). Em uma fase posterior apresentam aumento da intensidade da cefaleia, com perda do componente ortostático, sem melhoria com o tratamento habitual de uma CPPD e até com pioria clínica após a feitura de TSP e que pode ser acompanhado de sinais de focalidade neurológica (relacionados com hipertensão intracraniana).1Zeidan A, Farhat O, Maaliki H, et al. Does postdural punc- ture headache left untreated lead to subdural hematoma? Case report and review of the literature. Int J Obstet Anesth. 2006;15:50-8.

O tratamento convencional da CPPD inclui a administração de analgésicos e antieméticos. Em caso de cefaleia persistente apesar dessas medidas, pode-se fazer um TSP, que é considerado atualmente o tratamento definitivo dessa entidade clínica. O mecanismo postulado para sua eficácia é duplo: inicialmente comprime o saco tecal, aumenta a pressão no canal lombar neuroaxial, que conduz a passagem de LCE do canal espinhal ao crânio, e com isso provoca melhoria da cefaleia; por outro lado, a manutenção do efeito terapêutico é atribuída à formação de um coágulo que impede a fuga de LCE.3Gaiser RR. Postdural puncture headache: a headache for the patient and a headache for the anesthesiologist. Curr Opin Anesthesiol. 2013;26:296-303.

Em nosso hospital fazemos o TSP em caso de CPPD grave que persiste 48 horas após a punção e início do tratamento analgésico. O procedimento consiste em fazer uma punção peridural, preferencialmente no mesmo espaço intervertebral no qual se produz a punção dural acidental ou um abaixo, e uma vez localizado o espaço peridural, extraem-se, de maneira asséptica, 15-20 mL de sangue autólogo provenientes de uma veia do antebraço e prossegue-se com sua injeção por via peridural, toma-se cuidado para interromper a injeção se a paciente queixar-se de dor lombar ou nos membros inferiores. Posteriormente a paciente deve permanecer em decúbito dorsal durante uma hora na área de Reanimação.

Com relação ao diagnóstico de HSD pós-punção dural acidental, é importante ressaltar que diante de uma cefaleia que não responde ao tratamento habitual para CPPD, que perde seu caráter postural (ortostática a não ortostática), que piora após a feitura de um TSP que reaparece após ter sofrido remissão, deve-se suspeitar de uma complicação intracraniana e fazer um estudo de neurorradiologia - TC ou RMN cerebral - para descartar a presença de um HSD.7Liang MY, Pagel PS. Bilateral interhemispheric subdural hema- toma after inadvertent lumbar puncture in a parturient. Can J Anesth. 2012;59:389-93. Quanto a esses exames diagnósticos, demonstrou-se que tanto a TC como a RMN em fase isodensa podem não evidenciar a presença de um HSD e por isso devem ser feitos com contraste para evitar os falsos negativos em seus resultados.1Zeidan A, Farhat O, Maaliki H, et al. Does postdural punc- ture headache left untreated lead to subdural hematoma? Case report and review of the literature. Int J Obstet Anesth. 2006;15:50-8. and 8Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haema- toma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. Esse foi o procedimento que se seguiu no caso de nossa paciente.

O tratamento do HSD pode ser médico ou cirúrgico, a depender do seu tamanho e da gravidade dos sintomas.2Nepomuceno R, Herd A. Bilateral subdural hematoma after inadvertent dural puncture during epidural analgesia. J Emerg Med. 2013;44:227-30. Na maioria das vezes, hematomas pequenos (< 5 mm) e pouco sintomáticos respondem clínica e radiologicamente de maneira satisfatória com o tratamento médico conservador. Por outro lado, os pacientes com hematomas de maior tamanho e deterioração neurológica acentuada habitualmente requerem drenagem cirúrgica urgente.9Abbinante C, Lauta E, di Venosa N, et al. Acute subdural intra- cranial hematoma after combined spinal-epidural analgesia in labor. Minerva Anestesiol. 2010;76:1091-4. and 1010 Kayacan N, Arici G, Karsli B, et al. Acute subdural haematoma after accidental dural puncture during epidural anaesthesia. Int J Obstet Anesth. 2004;13:47-9. Em nosso caso, a paciente não apresentou focalidade neurológica e por isso decidiu-se por uma conduta conservadora, em que se obtiveram bons resultados clínicos.

Em conclusão, após uma punção dural acidental, a presença de cefaleia intensa, progressiva, com mudança em seu componente postural, sem melhoria ou até com pioria após a feitura de um TSP e associada a outros sinais neurológicos, deve ser considerada um sinal de alerta para uma complicação intracraniana, assim como o é o HSD. Essa situação é infrequente, mas pode chegar a ser catastrófica e produzir sequelas neurológicas persistentes e até morte. Por isso, é necessário insistir no diagnóstico e tratamento precoce dessa entidade clínica.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2014
  • Aceito
    04 Jul 2014
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