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Bloqueio do quadrado lombar tipo II contínuo para analgesia pós-operatória de nefrectomia parcial

Resumo

Justificativa e objetivos:

O bloqueio do quadrado lombar foi descrito pela primeira vez em 2007 e atualmente existem descrições da sua realização através de quatro pontos de injeção. Esse bloqueio promove analgesia da parede abdominal e analgesia visceral e um de seus mecanismos é a dispersão do anestésico local para o espaço paravertebral. Descrevemos a realização do bloqueio do quadrado lombar tipo II contínuo para analgesia pós-operatória numa nefrectomia parcial.

Relato de caso:

Mulher de 64 anos, agendada para nefrectomia parcial à esquerda por via laparoscópica. Durante o procedimento, por dificuldades técnicas, foi feita uma incisão no flanco esquerdo para facilitar a abordagem cirúrgica. No pós-operatório imediato, fez-se o bloqueio do quadrado lombar tipo II contínuo, recorrendo-se a ultrassonografia, como parte da estratégia analgésica multimodal. Inicialmente foram administrados 20 ml de ropivacaína 0,2% e introduzidos 3 cm de cateter no espaço interfascial. Posteriormente, colocou-se uma perfusão contínua de 5,2 mL.h−1 de ropivacaína 0,2% durante 48 horas. Nas primeiras 24 horas de pós-operatório, a paciente não referiu dor em repouso ou com movimento. Nas 24 horas seguintes, manteve-se sem dor em repouso e apenas com dor ligeira (2/10) com o movimento.

Conclusões:

A realização do bloqueio quadrado lombar tipo II contínuo foi uma opção analgésica pós-operatória eficaz. O bloqueio de nervos somáticos e das vias aferentes viscerais promoveu analgesia da parede abdominal e visceral, permitiu reduzir o consumo de opioides. Consideramos relevante explorar a capacidade analgésica do bloqueio do quadrado lombar e suas diferentes abordagens, bem como a possibilidade de se tornar uma opção em doentes propostos para cirurgia renal.

PALAVRAS-CHAVE
Nefrectomia parcial; Quadrado lombar tipo II contínuo; Analgesia pós-operatória; Ultrassonografia

Abstract

Background and objectives:

Quadratus lumborum block was first described in 2007 and currently there are descriptions of its achievement through four different injection points. This blockage provides abdominal wall and visceral analgesia, and one of its mechanisms is the dispersion of the local anesthetic into the paravertebral space. We describe the performance of a continuous quadratus lumborum type II block for postoperative analgesia in a partial nephrectomy.

Case report:

A 64-year-old woman, scheduled for partial left laparoscopic nephrectomy. During the procedure, due to technical difficulties, an incision was made in the left flank to facilitate the surgical approach. In the early postoperative period, a continuous quadratus lumborum type II block was performed using ultrasonography as part of the multimodal analgesic strategy. Initially, 20 ml of 0.2% ropivacaine was administered and 3 cm of catheter were introduced into the interfascial space. Subsequently, a continuous infusion of 5.2 mL.h−1 of 0.2% ropivacaine was given for 48 hours. In the first 24 postoperative hours, the patient reported no pain at rest or on movement. In the following 24 h, she was free of pain at rest and only a slight pain (2/10) on movement.

Conclusions:

Continuous quadratus lumborum type II block was an effective postoperative analgesic option. Blocking of somatic nerves and visceral afferent pathways provided abdominal and visceral wall analgesia, allowing the reduction of opioid consumption. We consider relevant to explore the analgesic capacity of the quadratus lumborum block and its different approaches, as well as the possibility of it becoming an alternative in patients scheduled for kidney surgery.

KEYWORDS
Partial nephrectomy; Quadratus lumborum type II continuous; Postoperative analgesia; Ultrasonography

Justificativa e objetivos

O bloqueio do quadrado lombar (BQL) foi descrito pela primeira vez por Rafael Blanco, em 2007, durante o Congresso Europeu de Anestesia Regional, como uma variação da abordagem posterior do bloqueio do plano transverso abdominal, guiado por ultrassonografia. Ao longo dos últimos dez anos surgiram relatos da sua aplicabilidade, de novos pontos de injeção do anestésico local e de várias abordagens possíveis. Desse modo, atualmente existem descrições da feitura do bloqueio através de quatro pontos de injeção. O BQL lateral (ou tipo I) consiste na injeção do anestésico local no bordo anterolateral do músculo quadrado lombar (QL), na sua junção com a fáscia transversal, profundamente à aponevrose do abdominal transverso. No BQL posterior (ou tipo II) o anestésico local é depositado no bordo posterior do músculo QL, idealmente no triângulo interfascial lombar. Outra descrição é o BQL anterior feito através da injeção do AL anteriormente ao músculo QL. No BQL intramuscular o AL é injetado no interior do músculo QL.11 Blanco R, Ansari T, Girgis E. Quadratus lumborum block for postoperative pain after caesarean section. Eur J Anaesthesiol. 2015;32:812-8.,22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.

Atualmente, o bloqueio do quadrado lombar é considerado uma técnica analgésica eficaz para cirurgia abdominal, contudo não é consensual qual a melhor abordagem. A falta de compreensão dos mecanismos implicados na analgesia promovida por esse bloqueio, bem como a incerteza da dispersão do anestésico local para o espaço paravertebral, contribui para essa falta de consenso e de uniformização de práticas.22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.

3 Cardoso JM, Sá M, Reis H, et al. Type II quadratus lumborum block for sub-total gastrectomy in a septic patient. Rev Bras Anestesiol. 2018;68:186-9.
-44 Blanco R. The mechanism of the quadratus lumborum block: a peripheral sympathetic field block?. Br J Anaesth. 2016;117 eLetters Suppl., http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593.
http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593...

Estudos que recorreram à ressonância magnética nuclear e compararam o BQL tipo I (lateral) e o BQL tipo II (posterior) mostraram que o BQL tipo II tem uma dispersão maior, mais previsível e mais consistente do anestésico local para o espaço paravertebral. Assim, promove analgesia de um maior número de níveis sensitivos e maior extensão de bloqueio simpático.11 Blanco R, Ansari T, Girgis E. Quadratus lumborum block for postoperative pain after caesarean section. Eur J Anaesthesiol. 2015;32:812-8.,22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.,44 Blanco R. The mechanism of the quadratus lumborum block: a peripheral sympathetic field block?. Br J Anaesth. 2016;117 eLetters Suppl., http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593.
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Adicionalmente, o BQL tipo II tem a vantagem de ser um bloqueio mais superficial, permite obter uma imagem ultrassonográfica melhor e é mais seguro, visto que o ponto de injeção fica atrás do músculo quadrado lombar e mais afastado do peritoneu e de estruturas neurovasculares.11 Blanco R, Ansari T, Girgis E. Quadratus lumborum block for postoperative pain after caesarean section. Eur J Anaesthesiol. 2015;32:812-8.

2 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.
-33 Cardoso JM, Sá M, Reis H, et al. Type II quadratus lumborum block for sub-total gastrectomy in a septic patient. Rev Bras Anestesiol. 2018;68:186-9. Assim, podemos considerar essa abordagem de execução mais simples e mais segura.

Recentemente, foi exposto que o triângulo interfascial lombar é o ponto ótimo de injeção na abordagem do BQL tipo II. Esse espaço triangular serve de conduto para o anestésico local dispersar no espaço paravertebral torácico e tem uma rede de fibras simpáticas e mecanorreceptores, estruturas essas a que se atribui um papel importante nos efeitos do BQL e sua ação no controle da dor aguda.22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.,44 Blanco R. The mechanism of the quadratus lumborum block: a peripheral sympathetic field block?. Br J Anaesth. 2016;117 eLetters Suppl., http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593.
http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593...

Daquilo que é o nosso conhecimento, existe apenas uma descrição de um caso em que foi feito um BQL tipo I contínuo para cirurgia renal, em criança.55 Chakraborty A, Goswami J, Patro V. Ultrasound-guided continuous quadratus lumborum block for postoperative analgesia in a pediatric patient. A&A Case Rep. 2015;4:34-6.

Os autores descrevem um caso no qual fizeram um BQL tipo II contínuo unilateral, como parte da abordagem analgésica multimodal pós-operatória, numa doente adulta submetida a nefrectomia parcial à esquerda.

Relato do caso

Paciente do sexo feminino, de 64 anos e 60 Kg, ASA II, com antecedentes de gastrite crônica e doença osteoarticular, que apresentava uma duplicação do bacinete renal esquerdo com marcada dilatação pielocalicial no bacinete superior, que motivou o tratamento cirúrgico. A doente foi proposta para nefrectomia parcial esquerda por via laparoscópica e abordagem retroperitoneal.

A abordagem anestésica escolhida foi uma anestesia geral balanceada. Na indução administraram-se 0,15 mg de fentanil, 120 mg de propofol e 40 mg de rocurônio. Na manutenção anestésica foi usado sevoflurano. Devido a dificuldades na técnica cirúrgica, a equipe teve a necessidade de fazer uma incisão no nível do flanco esquerdo para facilitar a abordagem. A cirurgia durou quatro horas, ao longo das quais se administraram 0,20 mg de fentanil, 1 g de paracetamol, 100 mg de tramadol, 4 mg de ondansetrom e 4 mg de dexametasona.

Tendo em conta o aumento não previsto da duração da cirurgia, com maior manipulação e alteração da abordagem, no fim da cirurgia optou-se pela feitura do bloqueio do quadrado lombar tipo II contínuo à esquerda como técnica analgésica pós-operatória. Nessa altura, não foi necessário mobilizar novamente a doente, que já se encontrava em decúbito lateral direito. O bloqueio foi feito com a doente ainda sob anestesia geral.

Procedeu-se à técnica ecoguiada, sob condições de assepsia, com o uso de uma sonda linear de alta frequência (12 MHz) e ecógrafo vivid I GE, agulha e cateter perineural da Pajunk® - StimuLong Sono II - com uma agulha de 19G e 100 mm de comprimento.

Inicialmente, a sonda foi colocada na parede abdominal lateral, transversalmente, no nível da linha médio-axilar, entre a espinha ilíaca anterossuperior e o bordo inferior da grade costal. Em seguida, deslizou-se a sonda em direção posterior, seguiu-se o músculo oblíquo externo até a sua porção mais posterior, e identificamos o músculo quadrado lombar.

Na abordagem usada, a agulha foi introduzida no plano ecográfico, com orientação lateromedial, até o bordo posterior do músculo quadrado lombar, no triângulo interfascial lombar (fig. 1). Confirmou-se a posição por meio de hidrodissecção com 4 ml de soro fisiológico. Antes da introdução do cateter, de forma a facilitar a sua passagem, procedeu-se à administração de 15 ml de ropivacaína a 0,2%, observaram-se a dispersão do anestésico e a separação dos planos fasciais. Nessa altura foram introduzidos 3 cm de cateter, através da agulha, no espaço interfascial. Retirou-se a agulha com o cuidado de não se alterar a sua posição. Após a confirmação da aspiração negativa, foram administrados mais 5 ml de ropivacaína a 0,2%, sob visibilização ecográfica, confirmou-se a posição do cateter.

Figura 1
Imagem de ultrassonografia com representação da agulha e abordagem do bloqueio do quadrado lombar tipo II contínuo: LD, latissimus dorsal; EE, eretor da espinha; OE, oblíquo externo; OI, oblíquo interno; QL, quadrado lombar.

Para analgesia pós-operatória, a doente ficou com perfusão contínua de 5,2 mL.h−1 de ropivacaína a 0,2% durante 48 horas. Do esquema de analgesia multimodal pós-operatório da doente fizeram também parte 1 g de paracetamol de 8 em 8 horas endovenoso e tramadol 100 mg endovenoso de 8 em 8 horas de resgate.

Durante as primeiras 24 horas de pós-operatório, a doente apresentava bloqueio sensitivo ipsilateral nos dermátomos de T6 a L1 e não referiu dor em repouso ou com o movimento. Nas 24 horas seguintes, apresentava-se igualmente sem dor em repouso e apenas com dor ligeira (2/10) com o movimento, manteve-se sem necessidade de recorrer à analgesia de resgate com tramadol. Durante o acompanhamento pós-operatório, a doente não apresentou efeitos colaterais associados.

Conclusão

O bloqueio do quadrado lombar é um bloqueio relativamente recente e continua por esclarecer qual a abordagem mais eficaz e com melhor analgesia visceral para além da analgesia da parede abdominal.22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.

Os autores consideram que a feitura do BQL tipo II contínuo foi uma opção analgésica pós-operatória eficaz e útil neste caso, em que a abordagem cirúrgica exigiu maior manipulação. Verificou-se que, durante as primeiras 48 h, não houve necessidade de recorrer à analgesia de resgate com tramadol. O fato de o BQL, pelo bloqueio de nervos somáticos e simpáticos, promover analgesia da parede abdominal e visceral tornou-o uma opção vantajosa na abordagem deste caso, promoveu uma melhor analgesia à doente, reduziu o consumo de opioides e consequentemente reduziram-se os efeitos colaterais, nomeadamente náuseas e vômitos pós-operatórios e hiperalgesia. Os autores optaram pela técnica contínua de forma a conseguir uma analgesia mais prolongada. Nessa cirurgia, acresce ainda a vantagem de não ser necessário mobilizar a paciente para a feitura do bloqueio no pós-operatório.

O seguimento pós-operatório da doente permitiu concluir tratar-se de uma técnica bem tolerada, com poucos efeitos laterais associados e com boa capacidade analgésica visceral e da parede abdominal.

Na cirurgia renal, quer o bloqueio paravertebral quer o epidural fornecem boa analgesia, contudo apresentam maior número de riscos associados. O bloqueio paravertebral tem associado risco de hipotensão, punção vascular, dispersão epidural ou intratecal, punção pleural e pneumotórax. O bloqueio epidural apresenta o risco de cefaleia pós-punção da dura, hipotensão, administração intratecal de anestésico, infeção, hematoma epidural e complicações neurológicas. Dessa forma, o BQL tipo II apresenta a vantagem de, teoricamente, ter menos riscos associados e tem se mostrado um bloqueio seguro com menos complicações descritas.22 Ueshima H, Otake H, Lin J. Ultrasound-guided quadratus lumborum block: an updated review of anatomy and techniques. Biomed Res Int. 2017;2017:1-7.,33 Cardoso JM, Sá M, Reis H, et al. Type II quadratus lumborum block for sub-total gastrectomy in a septic patient. Rev Bras Anestesiol. 2018;68:186-9.,55 Chakraborty A, Goswami J, Patro V. Ultrasound-guided continuous quadratus lumborum block for postoperative analgesia in a pediatric patient. A&A Case Rep. 2015;4:34-6.

No caso que descrevemos, o BQL tipo II contínuo foi eficaz como parte de analgesia multimodal pós-operatória.

Em conclusão, é necessário explorar mais a capacidade analgésica do bloqueio do quadrado lombar, nomeadamente da técnica contínua; por meio de mais publicações e estudos com mais doentes, que comparem as várias abordagens, de forma a aferir a possibilidade de se tornar uma opção à abordagem do neuroeixo em doentes propostos para cirurgia renal.

References

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    Cardoso JM, Sá M, Reis H, et al. Type II quadratus lumborum block for sub-total gastrectomy in a septic patient. Rev Bras Anestesiol. 2018;68:186-9.
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    Blanco R. The mechanism of the quadratus lumborum block: a peripheral sympathetic field block?. Br J Anaesth. 2016;117 eLetters Suppl., http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593
    » http://dx.doi.org/10.1093/bja/el13593
  • 5
    Chakraborty A, Goswami J, Patro V. Ultrasound-guided continuous quadratus lumborum block for postoperative analgesia in a pediatric patient. A&A Case Rep. 2015;4:34-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    8 Maio 2017
  • Aceito
    31 Mar 2018
  • Publicado
    17 Ago 2018
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