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Sistema vascular e controle do desenvolvimento de perfilhos em cereais de estação fria

Vascular system and tiller bud development control in small-grain cereals

Resumos

As causas da ausência e/ou baixa sobrevivência dos perfilhos foram estudadas pela conexão vascular entre os perfilhos e o resto da planta. Foram conduzidos ensaios em telado e câmara de crescimento com genótipos de trigo, IPF-49865 (unicolmo), EMBRAPA-16 e BR-23 (multicolmo), de aveia, UFRGS-10 e UFRGS-15 e de cevada, FM-519. Avaliou-se o desenvolvimento foliar do colmo principal e dos perfilhos primários, o número de perfilhos primários e secundários, o número de perfilhos férteis e a vascularização e conexão vascular dos perfilhos com o resto da planta. A conexão vascular poderia explicar a inibição dos perfilhos pois, todos estavam conectados vascularmente com o resto da planta.


The reasons for tiller absence and/or low survival were studied by analyzing vascular connections between tiller and other plant parts. Experiments were conducted on open air and growth chamber conditions with the wheat genotypes, IPF- 49865 (uniculm), EMBRAPA-16 and BR-23 (multiculm); oats, UFRGS-10 and UFRGS-15; and barley, FM-519. Analyses were made on main culm and primary tiller foliar development, number of primary and secondary tillers and vascularization and tiller vascular connection with the rest of the plants. Vascular connections did not explain tillering inhibition since all tillers were vascularly connected to the plant.

Tiller bud; Triticum aestivum L.; Avena sativa L.; Hordeum vulgare L.


Sistema vascular e controle do desenvolvimento de perfilhos em cereais de estação fria

ANTONIO CARLOS ALVES1,4 1. Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Caixa Postal 476, 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil. , CLAUDIO MARIO MUNDSTOCK2 1. Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Caixa Postal 476, 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil. e JOÃO DE DEUS MEDEIROS3 1. Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Caixa Postal 476, 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil.

(recebido em 28 de abril de 1999; aceito em 17 de novembro de 1999)

ABSTRACT-(Vascular system and tiller bud development control in small-grain cereals). The reasons for tiller absence and/or low survival were studied by analyzing vascular connections between tiller and other plant parts. Experiments were conducted on open air and growth chamber conditions with the wheat genotypes, IPF- 49865 (uniculm), EMBRAPA-16 and BR-23 (multiculm); oats, UFRGS-10 and UFRGS-15; and barley, FM-519. Analyses were made on main culm and primary tiller foliar development, number of primary and secondary tillers and vascularization and tiller vascular connection with the rest of the plants. Vascular connections did not explain tillering inhibition since all tillers were vascularly connected to the plant.

RESUMO-(Sistema vascular e controle do desenvolvimento de perfilhos em cereais de estação fria). As causas da ausência e/ou baixa sobrevivência dos perfilhos foram estudadas pela conexão vascular entre os perfilhos e o resto da planta. Foram conduzidos ensaios em telado e câmara de crescimento com genótipos de trigo, IPF-49865 (unicolmo), EMBRAPA-16 e BR-23 (multicolmo), de aveia, UFRGS-10 e UFRGS-15 e de cevada, FM-519. Avaliou-se o desenvolvimento foliar do colmo principal e dos perfilhos primários, o número de perfilhos primários e secundários, o número de perfilhos férteis e a vascularização e conexão vascular dos perfilhos com o resto da planta. A conexão vascular poderia explicar a inibição dos perfilhos pois, todos estavam conectados vascularmente com o resto da planta.

Key words - Tiller bud, Triticum aestivum L., Avena sativa L., Hordeum vulgare L.

Introdução

Os cereais de estação fria cultivados no Brasil como trigo, aveia, cevada e centeio desenvolvem muitos perfilhos mas esses, na maioria das vezes não são férteis. Dessa maneira, o potencial de perfilhamento dessas espécies não está sendo expresso em rendimento de grãos. Por isso, tornam-se necessários estudos que revelem quais os mecanismos que controlam o desenvolvimento de gemas axilares em gramíneas para, futuramente manejar geneticamente esse caráter e melhorar o rendimento de grãos dos cereais de estação fria.

A conexão vascular entre o eixo principal da planta e os brotos laterais é um aspecto importante para o crescimento destes, considerando que o transporte de material orgânico e inorgânico dentro da planta é realizado pelos tecidos vasculares. Segundo McCall (1934) interrupções nas conexões vasculares entre o eixo principal de plantas de trigo e as gemas poderiam estar inibindo o desenvolvimento de gemas laterais.

Observações de que falhas na conexão entre feixes vasculares do eixo principal e das gemas laterais podem controlar o desenvolvimento de gemas laterais ( Sorokin & Thimann 1964, Sachs 1970, Fletcher & Dale 1974) e de flores (Torres et al. 1980, Wiebold & Panciera 1990) foram relatadas para diversas plantas, incluindo espécies de monocotiledôneas. Fletcher & Dale (1974), por exemplo, sugeriram que em cevada os feixes vasculares de uma folha imediatamente superior ao perfilho estariam controlando o desenvolvimento desse perfilho. No entanto, conforme outros autores foram observadas conexões vasculares em gemas laterais totalmente inibidas (Peterson & Fletcher 1973, Tamas 1995) e ausência de conexão vascular por ocasião da iniciação (Marr & Blaser, 1967) e reinício do desenvolvimento das gemas laterais (Wardlaw & Mortimer 1970, McIntyre & Larmour 1974). Tamas (1995) sugeriu que quando a formação da conexão vascular não promove o desenvolvimento da gema lateral, os tecidos dessa região poderiam não ser funcionais. Porém, em soja, segundo Peterson & Fletcher (1973) os brotos laterais inibidos apresentam xilema e floema funcionais, conectados com o eixo principal da planta. Assim, mesmo não sendo necessárias para a iniciação do broto lateral, a vascularização e as conexões vasculares entre broto lateral e o resto da planta são imprescindíveis para o seu subsequente crescimento (Fletcher & Dale 1974, Cline, 1991).

Devido à importância da vascularização para o desenvolvimento das plantas, esse trabalho teve como objetivo verificar se falhas na conexão vascular entre perfilhos e o resto da planta poderiam afetar o desenvolvimento dos perfilhos em cereais de estação fria, cultivados em condições controladas.

Material e métodos

O presente estudo foi realizado através da implantação de dois ensaios em telado utilizando-se diferentes genótipos de trigo (Triticum aestivum L.). Também foram cultivadas plantas de trigo, aveia (Avena sativa L.) e cevada (Hordeum vulgare L.) em câmaras de crescimento e sob telado para observação da conexão vascular de perfilhos inibidos.

O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado e os dados foram submetidos à análise de variância e as diferenças entre médias analisadas pelo teste de Duncan, a 5%. Todos os solos utilizados como substrato foram classificados como de alta fertilidade, sendo apenas aplicado semanalmente nitrogênio em cobertura, na base de 10 kg.ha-1 de uréia durante o decorrer dos experimentos.

O desenvolvimento das folhas do colmo principal e dos perfilhos foram avaliados através da escala proposta por Haun (1973). Essa escala baseia-se na notação decimal do crescimento das folhas, sendo a notação 0,5 correspondente a um colmo com a primeira folha expandida em 50% do seu tamanho final. Nessa mesma escala 1,0 corresponde à primeira folha totalmente (100%) expandida.

Um dos experimentos foi implantado sob telado no Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. A semeadura de todas as espécies ocorreu em 23/08/96 e a emergência das plântulas em 27/08/96. A duração do experimento foi de 115 dias desde a emergência até a última observação. Os vasos (parcelas) utilizados possuíam 35 cm de altura e 18 cm de diâmetro e foram preenchidos com solo até 30 cm de altura e continham três plantas em cada um. O solo apresentou as seguintes características físico-químicas : argila: 21%; pH: 6,9; valor pH-SMP (Shoemaker, Maclean e Pratt): 6,9; P: + 50 mg.dm-3; k: + 150 mg.dm-3; M.O.: 5,9%; Al: 0,0 Cmolc.dm-3; Ca: 4,8 Cmolc.dm-3; Mg: 2,6 Cmolc.dm-3.A cultivar de trigo utilizada neste experimento foi EMBRAPA-16.

Diariamente as folhas individuais do colmo principal eram cortadas à medida em que se desenvolviam. No tratamento 1 (testemunha) as folhas não foram cortadas. Nos tratamentos 2, 3, 4 e 5 foram cortadas as folhas 1, 2, 3 e 4 do colmo principal das plantas, respectivamente.

As variáveis analisadas aos 33 dias após a emergência (DAE) das plântulas e com seis repetições foram: desenvolvimento foliar do colmo principal e dos perfilhos primários, número de perfilhos primários e número total de perfilhos (primários e secundários). Aos 115 dias após a emergência das plântulas analisou-se o número de perfilhos férteis, utilizando para isto três repetições.

Outro experimento foi implantado em telado na área da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Os vasos (parcelas) possuíam 23 cm de altura e 25 cm de diâmetro, sendo o solo colocado até a altura de 20 cm. As características físico-químicas do solo foram as seguintes: argila: 24%; valor pH-SMP: 5,7; P: 27 mg.dm-3; k: 190 mg.dm-3; M.O.: 2,1%; Al: 1,2 Cmolc.dm-3; Ca: 0,9 Cmolc.dm-3; Mg: 0,4 Cmolc.dm-3. Para este experimento foram utilizados dois genótipos de trigo: IPF 49865, classificado como unicolmo, que foi cedido pelo Centro Nacional de Pesquisa do Trigo da EMBRAPA, localizado em Passo Fundo(RS) e a cultivar EMBRAPA-16 (cultivar comercial de trigo recomendada para o sul do Brasil), classificada como multicolmo, com características de alto perfilhamento. Para cada genótipo as sementes foram semeadas em 30 vasos, onde foram deixadas quatro plantas por vaso após o desbaste. Os vasos foram dispostos lado a lado procurando simular uma condição de campo de baixa densidade de plantas. A semeadura e a emergência das plântulas ocorreram em 23/05/96 e 28/05/96, respectivamente. Amostras de dez plantas por genótipo foram coletadas em nove épocas, inicialmente a cada três dias (31/05, 03/06, 06/06, 09/06 e 12/06) e posteriormente a cada cinco dias (17/06, 23/06, 27/06 e 02/07). Esse experimento teve uma duração de 33 dias desde emergência até a última coleta de plantas. Foram utilizadas dez plantas para cada genótipo, sendo que cada planta constituiu uma repetição. Por ocasião de cada amostragem foram registrados o desenvolvimento das folhas do colmo principal e dos perfilhos primários, o número de perfilhos primários, a porcentagem de emergência dos perfilhos primários e o número total de perfilhos primários e secundários por planta. Em seguida as plantas foram fixadas em glutaraldeído (glutaraldeído 25% e tampão fosfato 0,1 M para pH 7,2) e armazenadas em álcool etílico 70 GL para análise histológica segundo Koehler (1973).

Cultivo de plantas para análises histológicas - Plantas de aveia (UFRGS-15) e trigo (BR-23) foram cultivadas (1994 e 1995) em câmaras de crescimento modelo Percival com radiação incidente de 0,221 cal.m-2.min. (ao nível das plantas), fotoperíodo de 11/13 horas - diurno/noturno, temperatura de 20/10 oC - diurna/noturna e umidade relativa do ar aproximada de 70%. Foram coletadas plantas até aos 42 dias após a emergência das plântulas. O solo utilizado apresentou as seguintes características químicas: pH: 5,5; fósforo: 12 mg.dm-3; potássio: 108 mg.dm-3; alumínio: 0,0 Cmolc.dm-3 e matéria orgânica: 1,6 %. A adubação foi realizada com 28,1 mg de nitrogênio [(NH4)2SO4 e (NH4)2HPO4], 21,8 mg de fósforo [(NH4)2HPO4] e 16,7 mg de potássio (KCl), para cada quilograma de solo seco. As adubações de cobertura com nitrogênio (25 mg.kg-1 de solo seco), foram realizadas semanalmente, utilizando-se (NH4)2HPO4. As características morfológicas analisadas foram: desenvolvimento vascular do colmo principal, desenvolvimento vascular das folhas do colmo principal, desenvolvimento vascular dos perfilhos primários e conexão vascular entre os perfilhos e o resto da planta.

Essas características foram analisadas, também, em plantas de aveia (UFRGS-10), trigo (EMBRAPA-16) e cevada (FM-519) cultivadas em vasos, sob telado no Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Sementes dessas cultivares foram colocadas para germinar em 29/11/96 em solo com alta fertilidade, sendo apenas aplicado nitrogênio em cobertura na base de 10 kg.ha-1 de uréia, semanalmente. As plantas foram amostradas durante 23 dias, sendo acompanhado o desenvolvimento foliar das plântulas pela escala Haun (Haun, 1973). Por ocasião das amostragens não foi observada a emergência de nenhum perfilho, pois as plântulas estavam sob estresse térmico (temperatura média das máximas de 28,3 oC e temperatura média das máximas absolutas de 32,6 oC, conforme dados fornecidos pela EPAGRI, SC). Essa condição ambiental proporcionou a observação precoce da iniciação dos primórdios de perfilhos através de cortes histológicos antes que eles tivessem emergido.

Análises histológicas foram realizadas em plantas de trigo, aveia e cevada cultivadas em câmara de crescimento e telado. Essas amostras foram fixadas em glutaraldeído e armazenadas em álcool etílico 70 GL enquanto as demais amostras foram fixadas em FAA 50 GL (Johansen, 1940) e armazenadas em álcool etílico 70 GL.

Após a fixação as amostras foram desidratadas em série alcoólica etílica e infiltradas com parafina segundo técnicas usuais descritas por Johansen (1940) e Sass (1966), emblocadas e seccionadas transversal e longitudinalmente de forma seriada através de micrótomo rotativo modelo E. Zimmermann Leipzig. A espessura dos cortes variou de 8 a 18 mm. Os cortes foram montados em lâminas permanentes e coloridos com safranina 50 GL e Astra Blau (Johansen, 1940). As ilustrações foram realizadas com o auxílio de câmara clara modelo Carl Zeiss – Jena A8.

Resultados e Discussão

A hipótese de que interrupções na conexão entre feixes vasculares dos perfilhos com o resto da planta controlam o desenvolvimento dos perfilhos foi analisada através de dois enfoques. Primeiramente, considerou-se que os feixes vasculares de uma folha imediatamente superior ao perfilho são conectados a ele e que controlam o seu desenvolvimento. O segundo enfoque considerou que esse controle ocorre através da conexão vascular entre o perfilho e o colmo principal (CP).

A primeira possibilidade foi verificada através da excisão das folhas 1 à 4 do CP da cultivar de trigo EMBRAPA-16, de modo a tornar indisponíveis os feixes vasculares dessas folhas para os respectivos perfilhos. Os dados apresentados nas tabelas 1 e 2 mostraram que os cortes das folhas 1, 2, 3 e 4 não impediram o desenvolvimento dos perfilhos A0, A1, A2 e A3, respectivamente. Quando as folhas não foram cortadas (testemunha) a emergência do A0 foi de 50%. O tratamento de corte da folha 1, que deveria ter impedido totalmente a emergência do A0, apresentou emergência de 33% desse perfilho (tabela 1). Além disso, não houve diferença significativa para o número de perfilhos A0 emergidos entre a testemunha e o corte da folha 1 (tabela 2). O corte dessa folha, com a consequente eliminação dos seus feixes vasculares, deveria ter impedido a emergência do A0 de acordo com a hipótese sugerida por Fletcher & Dale (1974), o que não ocorreu. Comportamento semelhante ocorreu com o corte das folhas 2, 3 e 4 (tabelas 1 e 2), cujos perfilhos tiveram 100% de emergência (tabela 1) e produziram muitos subperfilhos (tabela 2). No entanto, o corte das folhas afetou o desenvolvimento do CP e dos perfilhos (tabela 1) medido pela escala Haun, o número de perfilhos secundários e o número total de perfilhos (tabela 2). O número de espigas férteis por planta, como mostra a tabela 2 não foi afetado. O corte de folhas, não impedindo a emergência de perfilhos primários, nem acima, nem abaixo delas, mostrou que a ausência de uma determinada folha e seus respectivos feixes vasculares não foi o motivo da não emergência do perfilho primário por ela supostamente controlado. Desse modo, o efeito dos cortes das folhas foi aparentemente de caráter nutricional.

A pressuposição de que a conexão vascular entre os feixes dos perfilhos com os do CP são mais importantes do que a conexão com os feixes de folhas do CP foi outra hipótese testada. Nesse sentido, foram realizados cortes histológicos nas regiões de conexão vascular dos perfilhos não emergidos, especialmente no perfilho A0.

Análises histológicas de plantas de trigo (cultivar EMBRAPA-16), aveia (cultivar UFRGS-10) e cevada (cultivar FM-519) revelaram que os perfilhos aparentemente não emergidos estavam presentes e conectados com os feixes do CP como representado na figura 1. O perfilho A0, que teve baixa emergência e grande variabilidade, mostrada pelos altos coeficientes de variação (tabelas 1 e 3 ), apresentou vascularização normal e conexão com o CP (figuras 1, 2 e 3). Detalhes da vascularização do perfilho A0 estão apresentados na figura 1, sendo possível identificar os elementos de vaso curtos que fazem a conexão vascular, assim como, elementos de vaso longos, que não estão relacionados a conexão vascular. Plantas de cevada (cultivar FM-519) amostradas com desenvolvimento de 2,5 na escala Haun apresentaram quatro primórdios de perfilhos (A0, A1, A2 e A3) não emergidos (figura 4). O A0 estava vascularizado e conectado com o CP, o que é concordante com dados da literatura referentes à presença de conexões vasculares em gemas totalmente inibidas (Peterson & Fletcher, 1973 e Tamas, 1995) e com xilema e floema funcionais (Peterson & Fletcher, 1973). De fato, desde as primeiras épocas de amostragem A0 mostrou-se com desenvolvimento vascular normal, como pode ser observado através da figura 5.

Figuras 1-3.
Esquema dos detalhes da vascularização xilemática do perfilho do coleoptile (A0) inibido de Avena sativa, cv. UFRGS-10, em secção longitudinal. 1. Aspecto da vascularização do A0 mostrando feixes procambiais (FP) do A0 e feixes do colmo principal (FCP) (25,6x). 2-3. Representação esquemática da região de conexão vascular mostrando elementos de vaso curtos (VC) e elementos de vaso padrão (VP) (320x).

Figura 4.
Ápice de Hordeum vulgare, cv. FM-519, em secção longitudinal mostrando quatro perfilhos (A0, A1, A2 e A3) inibidos, três folhas (F1, F2 e F3) e inflorescência (IN) (40x).
Figura 5.
Triticum aestivum, linhagem unicolmo IPF-49865, em secção transversal, mostrando de forma esquemática a vascularização do A0 e do CP (25,6x). ES-escutelo, CO-coleoptile, CP- colmo principal, FV-feixe vascular, FCP-feixe do colmo principal.

A precocidade do desenvolvimento vascular e da conexão dos perfilhos com o resto da planta nas gramíneas estudadas não surpreendeu, pois até o escutelo apresentava-se vascularizado, como pode ser observado na figuras 6, juntamente com a vascularização precoce e conexão vascular do A0 com o resto da planta. Detalhes dessas conexões são mostrados na figura 7. Em ervilha (Wardlaw & Mortimer 1970) e em linho (McIntyre & Larmour 1974), a vascularização e a conexão vascular dos brotos laterais só ocorrem após a liberação dos brotos laterais da dominância apical. Os trabalhos de Wardlaw & Mortimer (1970), Peterson & Fletcher (1973), McIntyre & Larmour (1974) e Tamas (1995) e os resultados obtidos no presente trabalho sugerem que a vascularização e conexão vascular das gemas laterais não controlam o desenvolvimento de brotos laterais. Na etapa inicial do desenvolvimento, incluindo a emergência, a gema lateral não precisa estar vascularizada e conectada com o eixo principal da planta para se desenvolver. No entanto, em etapa posterior, seguramente é necessária a vascularização e conexão vascular da gema lateral (Fletcher & Dale 1974, Cline 1991). Isso se contrapõe aos resultados obtidos por McCall (1934), Sorokin & Thimann (1964), Sachs (1970), Torres et al. (1980) e Wiebold & Panciera (1990) que evidenciaram que a conexão vascular controla o desenvolvimento de gemas laterais e flores. Esta controvérsia pode ser devida ao fato de referirem-se a várias espécies de plantas, com fisiologia e morfologia diferentes. Entre as gramíneas, por exemplo, os perfilhos que se desenvolvem são aqueles da parte basal da planta, formando um sistema radicular próprio e independente do CP. Nesse caso a conexão vascular do perfilho com o resto da planta aparentemente não é essencial. Por outro lado, as gemas laterais das dicotiledôneas situam-se nas porções superiores da planta e, na maioria das vezes, continuam dependentes do eixo principal. Nesses casos, a conexão vascular das gemas laterais com o resto da planta pode assumir grande importância. Além disso, a vascularização e conexão vascular da gema lateral depende de outros fatores como a origem da gema. Gemas laterais adventícias são menos conectadas ao eixo principal da planta (Esau 1965, Cutter 1986).

Figuras 6-7.
Esquema dos detalhes da iniciação de perfilhos (A0, A1 e A2) de Triticum aestivum, cv. EMBRAPA-16, em secção longitudinal. 6. Aspecto geral da vascularização do A0 e conexão vascular de feixes do escutelo (VE) com o CP e de feixes vasculares do colmo principal (FCP) com o A0 (25,6x). 7. Detalhe da conexão vascular (CV) do A0 com o CP e desenvolvimento de feixes procambiais (FP) da base para o ápice do A0 (80x).

A importância da conexão vascular pode ser melhor detalhada quando é estudado o comportamento do perfilho do coleoptile. Como ficou comprovado nesse estudo e em outros (Kirby & Jones 1977, Simmons et al. 1982, Krenzer & Nipp 1991, Wobeto 1994), A0 apresentou uma baixa taxa de emergência. Fletcher & Dale (1974) e McMaster (1997) definiram o desenvolvimento do A0 como anômalo e relacionaram sua localização anatômica, no nó do coleoptile, como um dos fatores responsáveis por esse comportamento. McCall (1934) e Fletcher & Dale (1974) atribuíram ao comportamento anômalo do A0 a dificuldade em se conectar vascularmente com o resto da planta. No entanto, é atribuído a esse perfilho a diferença no perfilhamento em gramíneas (Skinner & Nelson, 1994) e, portanto, seu mecanismo de controle merece ser estudado com atenção pois talvez esse perfilho seja controlado de modo diferente dos demais.

Ficou evidente através das análises histológicas realizadas, que o A0 estava numa região com entrenós bem curtos, sendo essa região altamente vascularizada, inclusive com disponibilidade de feixes do coleoptile, escutelo e raízes, além do CP (figura 8). A conexão entre feixes do escutelo, coleoptile, raiz e CP também foi mostrada por Fahn (1990). Essa região com características de entrenós curtos, associados ao padrão vascular atactostele do CP, nas fases iniciais de desenvolvimento das plantas, apresentou intensa anastomose de feixes, favorecendo a vascularização do A0. Essas observações são contrárias às encontradas por Fletcher & Dale (1974) que observaram dificuldades na vascularização do A0. McCall (1934) também concluiu que a ausência de adequada conexão vascular foi a causa do não desenvolvimento do A0.

Figuras 8-9.
Ápice de Triticum aestivum. 8. Cultivar EMBRAPA-16, em secção longitudinal, apresentando três perfilhos (A0, A2 e A3) e detalhes da vascularização e conexão vascular do CP, perfilhos e ES. ER-conexão escutelo-raiz (25,6x). 9. Linhagem unicolmo IPF-49865, em secção longitudinal, apresentando aspectos da vascularização do CP, folha 1 (F1), A0 e do A1 (40x). Em detalhe, feixes procambiais (FP) nos ápices do A0, A1 e CP mostrando a direção do desenvolvimento dos feixes vasculares da base para o ápice das estruturas. Desvios de feixes vasculares (xilema) do CP em direção ao A0 e F1.

A disponibilidade de feixes do CP para as gemas laterais é grande e as conexões ocorrem precocemente, como foi observado por Lersten (1987). A origem interna das gemas laterais no CP é evidenciada pela observação do processo de diferenciação das células meristemáticas no ápice do CP (Cutter 1987, Kerstetter & Hake 1997) e estas localizam-se junto ao plexo nodal (figura 8), o qual é altamente vascularizado. Essas observações também mostraram que o modo de conexão dos perfilhos com o CP foi diferente do observado por Fletcher & Dale (1974). O que esses autores interpretaram como desvios dos feixes vasculares da folha superior para se conectar com o perfilho abaixo dela, foi observado, nesse trabalho, como sendo o desenvolvimento acropétalo de feixes do CP com desvios, primeiro para o perfilho e, após, para a folha imediatamente superior a ele (figuras 1, 6, 7 e 9). A região de conexão vascular entre feixes dos perfilhos e do CP pode ser vista através das figuras 1, 6, 7, 8 e 9. No entanto, os feixes vasculares de folhas de gramíneas podem se desenvolver abaixo de seus respectivos nós de origens (Sharman & Hitch 1967, Hitch & Sharman 1968b, Hitch & Sharman 1971) e os feixes das gemas axilares também conectam-se com feixes de folhas abaixo delas (Hitch & Sharman 1968a, Hitch & Sharman 1971) , ao contrário do que interpretaram Fletcher & Dale (1974) e McCall (1934).

Os resultados obtidos no presente trabalho, mostraram que a vascularização não foi a causa do não desenvolvimento dos perfilhos, pois os perfilhos não emergidos estavam vascularizados e conectados com o CP. Um aspecto importante observado nesse estudo foi a região de conexão entre folha, gema lateral e raiz com o CP e o padrão celular dessa região. Na região de conexão entre perfilhos e CP (figuras 1, 6, 7 e 9), folhas e CP (figura 9) e raiz e CP (figura 8) foram observados elementos de vaso bem curtos (figuras 2 e 3) com espessamento de parede pontuado (figura 2) e às vezes reticulado, que faziam a conexão vascular entre esses órgãos. Descrição semelhante foi realizada por Zimmermann & Tomlinson (1967) em Rhapis excelsa. Essa estratégia das plantas em produzir células curtas (elementos de vaso) de conexão entre folhas e gemas com o CP (figuras 2 e 3) parece bastante importante. Em condições de ventos e chuvas fortes as folhas e as gemas laterais movimentam-se muito e por isso precisam de flexibilidade nas regiões de junção com o eixo principal da planta. Os elementos de vaso curtos devem conferir essa flexibilidade que esses órgãos necessitam. Se as conexões fossem realizadas por elementos de vaso padrão (figura 3) poderia haver quebra ou dobramento desses elementos nessas regiões. Com isso poderia ocorrer embolia do sistema vascular com conseqüente comprometimento dos órgãos.

Apesar do presente trabalho ter mostrado que perfilhos não emergidos estavam perfeitamente vascularizados e conectados com o CP, o mesmo não contemplou observações sobre o floema e tampouco quanto à funcionalidade dos tecidos vasculares. Nesse estudo foi priorizada a observação da presença de xilema nas gemas laterais e se esse tecido estava conectado com os feixes do CP. Dessa maneira, ainda são necessários estudos para verificar a presença do floema e a funcionalidade dos dois tecidos, conforme sugerido por Tamas (1995).

O controle do desenvolvimento dos perfilhos pela vascularização pode ter ocorrido, mas por mecanismo diverso ao que foi inicialmente suposto, podendo envolver a ação hormonal nesse processo, impedindo o alongamento de células dos meristemas apicais e intercalares. Esse efeito seria mais acentuado sobre o A0 porque ele é o primeiro perfilho iniciado e provavelmente a concentração de auxina estimulando a síntese de etileno seria alta nesse momento. Com o desenvolvimento da planta esse efeito seria reduzido, mas continuaria existindo. Talvez seja essa a razão da baixa emergência do A0 obtida nesse trabalho e na literatura de um modo geral.

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2. Departamento de Plantas de Lavoura, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves 7712, Bairro Agronomia, Caixa Postal 776, 91501-970 Porto Alegre, RS, Brasil.

3. Departamento de Botânica, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Caixa Postal, 476, 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil.

4. Autor para correspondência: alves@cca.ufsc.br

  • 1.
    Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Caixa Postal 476, 88040-900 Florianópolis, SC, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 2000

    Histórico

    • Recebido
      28 Abr 1999
    • Aceito
      17 Nov 1999
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