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Carta ao Editor

As Bases anatômicas da "cardectomia" parcial

Senhor Editor,

Os sucessos da cirurgia mostram a importância da anatomia e estimulam a realização de novas pesquisas científicas sobre as estruturas do corpo humano. Abrem-se novas avenidas para estudos que enveredam por caminhos desbravados pela cirurgia, mostrando a interação e, mesmo, a integração da anatomia com a cirurgia. Caso típico é o que está ocorrendo com as ressecções e reconstruções de estruturas cardíacas para o tratamento de várias afecções (valvopatias, fibrilação atrial, aneurismas ventriculares pós infarto do miocárdio, cardiomiopatias).

Desde quando acabou o mito da "intocabilidade" do coração, a ponto de poder ser transplantado, a anatomia do órgão passou por ampla e profunda revisão. A tradição, baseada na lógica, de estudar cada vez mais profundamente os pormenores de uma estrutura anatômica, pelo fato desta não ser conhecida como seria desejável, foi levada ao extremo, desde o nível macroscópio até o da biologia molecular e, mesmo, atômica, como demonstramos no estudo de biopróteses valvares cardíacas defeituosas, removidas cirurgicamente, pela micro-análise de raios X, com a colaboração de cirurgiões, clínicos pesquisadores do Instituto do Coração (InCór) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Com o progresso recente da cirurgia do coração, foi possível separar "o joio do trigo" e dar o devido valor ao trigo, no campo anatômico. Assim é que estruturas consideradas intangíveis passaram a ser manipuladas, modificadas, relocadas, reduzidas e substituídas cirurgicamente, de acordo com as necessidades de cada paciente.

Além das publicações científicas, os meios de comunicação instantânea, como a Internet, dão-nos continuamente informações e excitam os pesquisadores de ciências básicas, clínicos e cirurgiões, que de pronto se põem a investigar. É preciso, porém, alertar contra os perigos dessa informação indiscriminada, às vezes, espetacular, para leigos, para a imprensa especializada e, mesmo, para pesquisadores novatos. Com efeito, a boa ou má qualidade da notícia deve ser cuidadosamente avaliada, mais do que as publicações em revistas científicas de reconhecida confiabilidade, devido ao rigoroso processo de arbitragem que empregam para julgar os trabalhos que lhes são submetidos. Vale lembrar que a Internet, os jornais e as revistas de divulgação não possuem, ainda, conselhos editoriais, nem avaliadores especializados idôneos para atestar a qualidade do material que lhes é apresentado. Assim sendo, os menos experientes devem encarar as notícias espetaculares "cum grano salis", tendo em vista o processo laborioso da metodologia científica e as normas bioéticas a que estão sujeitas as pesquisas e a publicação de seus resultados.

As pesquisas anatômicas e experimentais sobre os fundamentos da cirurgia cardíaca moderna e do imediato futuro, que estamos realizando com a equipe do InCór, dentro daqueles rígidos preceitos científicos exigidos pelo saudoso Prof. Renato Locchi, visam fornecer, com o auxílio de numerosas técnicas disponíveis, bases científicas confiáveis tanto para o cirurgião quanto para o paciente.

A experiência adquirida com a identificação e a classificação dos segmentos anatomocirúrgicos do coração, submetidos há anos ao escrutínio de congressos e simpósios internacionais, e sua publicação em revistas especializadas, com a colaboração do Prof. H. Rodrigues, está permitindo planejar as pesquisas experimentais em número suficiente de animais para obter dados estatisticamente significantes. Além disso, graças ao acervo de dados clínicos do InCór, em breve, publicaremos, com a colaboração de F. Jatene, Monteiro e Caixeta, o trabalho pioneiro da identificação de todos os segmentos cardíacos nas imagens obtidas pelo cateterismo cardíaco, que deve preceder a cirurgia desejada.

De posse desses achados, ofereceremos os subsídios anatômico e experimental para a realização segura da "cardectomia" sistemática, "reglée", ou segmentar, em outras palavras, da segmentectomia cardíaca.

Prof. Dr. L. J. A. DiDio

Consultor Científico do InCór e

Professor de Anatomia Cirúrgica e de Metodologia

Científica da Universidade de Santo Amaro

São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 1999
  • Data do Fascículo
    Jan 1998
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