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Efetividade em indicadores de atividade física de uma intervenção com estudantes do ensino médio

Resumos

A escola é um local favorável ao desenvolvimento de intervenções para o aumento da atividade física devido à possibilidade de alcançar simultaneamente grande número de indivíduos. O objetivo do estudo foi verificar a efetividade de uma intervenção para promoção da atividade física (projeto Saúde na Boa) em relação aos estágios de mudança do comportamento, prática de exercícios de força e do deslocamento ativo em estudantes do ensino médio. Trata-se de uma intervenção randomizada e controlada, realizada em Florianópolis e Recife durante o ano letivo de 2006. Foram investigados o deslocamento ativo (pontos de corte: ≥1 e ≥5 dias/semana), a prática de exercícios de força (pontos de corte: ≥1 dia/semana e alcance às recomendações relacionadas à saúde) e a mudança de comportamento para a prática de atividade física. Dos 2.155 participantes da linha de base, 989 foram avaliados no período pós-intervenção (45,9%). Comparado ao grupo controle, o grupo intervenção aumentou significativamente a prática de deslocamento ativo em ≥1 dia/semana (80,5% vs. 86,8%; p<0,001) e em ≥5 dias/semana (64,3% vs. 71,9%; p<0,001), a prática de exercícios de força em ≥1 dia/semana (41,4% vs. 46,0%; p=0,017) e o alcance das recomendações de sua prática relacionada à saúde (28,9% vs. 35,0%; p=0,002). O grupo intervenção alcançou maiores proporções em estágios fisicamente ativos de mudança do comportamento para a atividade física, comparado ao controle (p=0,004). Conclui-se que o projeto Saúde na Boa contribuiu de forma efetiva para o aumento da prática do deslocamento ativo, de exercícios de força e do status de atividade física.

Adolescente; Atividade motora; Estudos de intervenção; Força Muscular; Transportes


High schools represent a favorable environment for the development of interventions to increase physical activity because they reach a large number of teenagers. The goal of the study was to determine the effectiveness of an intervention to promote physical activity among high school students (through the 'Saúde na Boa' project) through assessing the stages of behavior change and the practices of muscle-strengthening exercise and active commuting. The present study comprised a randomized and controlled intervention conducted in Recife and Florianopolis, Brazil, during 2006. Dependent variables included active commuting (cutoff values: ≥1 and ≥5 days per week), the practice of muscle-strengthening exercises (cutoff values: ≥1 day per week and the recommended level of physical activity), and behavioral changes regarding physical activity. Of the 2,155 students included in the baseline data, 989 were evaluated in the post-intervention period (45.9%). In comparison with the control group, the intervention group significantly increased the practice of active commuting to school on ≥ 1 day per week (80.5% vs. 86.8%, p<0.001) and ≥ 5 days per week (64.3% vs. 71.9%, p<0.001), the practice of muscle-strengthening exercises on ≥ 1 day per week (41.4% vs. 46.0%, p=0.017), and the achievement of the recommended levels of exercise (28.9% vs. 35.0%, p=0.002). The intervention group reached higher stages of change in physical activity behavior compared with controls (p = 0.004). The 'Saúde na Boa' project effectively enhanced the practices of active commuting to school and muscle-strengthening exercises and resulted in an increased physical activity status.

Adolescent; Intervention studies; Motor activity; Muscle Strength; Transport


INTRODUÇÃO

A prática de atividade física durante a adolescência contribui para diversos indicadores de saúde, estimulando o adequado crescimento e desenvolvimento e prevenindo importantes doenças crônicas, como a obesidade e a depressão11. Malina RM, Bouchard C, Bar-Or O. Crescimento, maturação e atividade física. 2nd ed. São Paulo: Phorte; 2009.. Além disso, uma vida fisicamente ativa nesse período etário está associada a uma maior probabilidade de manutenção desse comportamento durante a idade adulta22. Friedman H, Martin L, Tucker J, Criqui M, Kern M, Reynolds C. Stability of Physical Activity across the Lifespan. J Health Psychol 2008;13(8):1092-104.. Mesmo diante de tais achados, considerável proporção dos adolescentes brasileiros não alcança os níveis recomendados de atividade física33. Malta D, Sardinha L, Mendes I, Barreto S, Giatti L, Castro I, and al. Prevalência de fatores de risco e proteção de doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Brazil, 2009. Cienc Saude Colet 2010;15(suppl. 2):3009-19.. Paralelamente, a prevalência de excesso de peso cresceu de forma significativa nos últimos vinte anos e, na atualidade, um em cada cinco adolescentes brasileiros já apresenta essa condição de risco à saúde44. Brasil. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..

As investigações científicas nesta temática têm dedicado atenção especial às atividades aeróbias, especialmente, quando praticadas no lazer. Outras formas de atividades físicas igualmente importantes para a saúde do adolescente, como a prática do deslocamento ativo e dos exercícios de força, têm sido menos exploradas na literatura. Sabe-se que o deslocamento ativo contribui de forma significativa para a atividade física diária e diminui a propensão à obesidade55. Cooper A, Wedderkopp N, Wang H, Andersen L, Froberg K, Page A. Active travel to school and cardiovascular fitness in Danish children and adolescents. Med Sci Sports Exerc 2006;38:1724-31.. Por sua vez, os exercícios de força contribuem para o fortalecimento muscular e o aumento de massa magra11. Malina RM, Bouchard C, Bar-Or O. Crescimento, maturação e atividade física. 2nd ed. São Paulo: Phorte; 2009..

Ao longo da adolescência, a existência de suporte social está claramente associada a menores declínios da atividade física66. Craggs C, Corder K, van Sluijs E, Griffin S. Determinants of change in physical activity in children and adolescents: a systematic review. Am J Prev Med 2011;40(6):645-58.. Nesse sentido, reconhece-se a escola como um importante espaço de intervenção para promoção da prática regular de atividade física77. Ribeiro I, Parra D, Hoehner C, Soares J, Torres A, Pratt M, et al. School-based physical education programs: evidence-based physical activity interventions for youth in Latin America. Global Health Promotion. 2010;17(2):5-15.. Níveis suficientes de atividade física podem ser mais facilmente alcançados se a comunidade escolar, representada pelo conjunto de professores, alunos, familiares e administradores, e as políticas públicas estiverem integrados.

Embora a escola represente um local apropriado ao desenvolvimento de intervenções para o aumento da atividade física em adolescentes, ainda há carência de estudos, especialmente, em países de baixa e média renda. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi verificar a efetividade de uma intervenção para promoção da atividade física (projeto Saúde na Boa) em relação aos estágios de mudança do comportamento, prática de exercícios de força e do deslocamento ativo em estudantes do ensino médio.

PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

O presente estudo consiste em uma intervenção randomizada, controlada e transcultural, desenvolvida durante o ano letivo (março a dezembro) de 2006. O projeto Saúde na Boa foi realizado com objetivo de promover a prática de atividades físicas e hábitos alimentares saudáveis para estudantes do ensino médio e do período noturno em escolas públicas de duas capitais brasileiras: Florianópolis e Recife. A escolha dos dois municípios foi decorrente dos contrastes ambientais e socioculturais à época do estudo. No entanto, ainda hoje, é possível observar essas disparidades: quando consideradas apenas as 26 capitais brasileiras e o Distrito Federal, Florianópolis ocupa a primeira posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, enquanto Recife encontra-se na décima terceira posição88. United Nations Program for Development. Atlas of Human Development in Brazil - City ranking in 2010-2013. Available from: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/ranking [2013 Nov 20].
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/ranki...
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A intervenção teve foco em três grandes componentes: (a) educação para a atividade física e alimentação saudável; (b) mudanças ambientais e organizacionais; e (c) treinamento e engajamento de recursos humanos. Algumas ações estratégicas desenvolvidas ao longo da intervenção foram: divulgação de informações educativas em página da internet, confecção de pôsteres temáticos e boletins informativos para discussão em sala de aula, criação de bicicletários, distribuição de frutas da estação, entrega de kits para a prática de atividades físicas, realização de eventos especiais no final de semana, como trilhas e pedaladas e palestras para professores, técnicos, estudantes e seus responsáveis. O modelo lógico e a descrição completa das atividades ofertadas pelo projeto foram apresentados em publicação prévia99. Nahas M, de Barros M, de Assis M, Hallal P, Florindo A, Konrad L. Methods and participant characteristics of a randomized intervention to promote physical activity and healthy eating among Brazilian high school students: the Saude na Boa project. J Phys Act Health 2009;6(2):153-62..

Foram selecionadas aleatoriamente 20 escolas, sendo 10 em cada município, pareadas conforme seu porte e localização geográfica. Foram arroladas 50% das escolas para o grupo controle e 50% para o grupo experimental. Todos os estudantes das escolas selecionadas e que estavam matriculados no ensino médio, no período noturno e na faixa etária de 15 a 24 anos foram convidados a participar do estudo. Mais informações sobre o processo de amostragem estão descritos em publicação prévia99. Nahas M, de Barros M, de Assis M, Hallal P, Florindo A, Konrad L. Methods and participant characteristics of a randomized intervention to promote physical activity and healthy eating among Brazilian high school students: the Saude na Boa project. J Phys Act Health 2009;6(2):153-62..

Para a coleta de dados, foi empregado o questionário Saúde na Boa, previamente validado1010. Nahas M, Barros M, Florindo A, Farias Júnior JC, Hallal PC, Konrad L, et al. Reliability and validity of the Saude na Boa questionnaire to assess physical activity and eating habits of high-school students. Rev Bras Ativ Fis Saúde 2007;13:80-5.. O instrumento foi aplicado em sala de aula de forma orientada e coletiva por uma equipe de estudantes de pós-graduação em Educação Física devidamente treinados pelos supervisores do estudo.

Três indicadores da prática de atividade física foram os desfechos deste estudo: o deslocamento ativo, a prática de exercícios de força e o estágio de mudança de comportamento para a prática de atividade física. O deslocamento ativo foi avaliado pela seguinte questão: "Durante uma semana típica (normal), em quantos dias você caminha ou pedala para ir e voltar da escola ou trabalho?". A prática do deslocamento ativo foi determinada pelo uso de dois pontos de corte distintos: ≥1 e ≥5 dias por semana. A prática de exercícios de força foi definida pela pergunta: "Durante uma semana típica (normal), em quantos dias você faz exercícios para melhorar o tônus e a força dos seus músculos, tais como musculação ou ginástica (apoio sobre o solo, suspensão na barra)?". Novamente, foram utilizados dois pontos de corte: a prática de exercícios de força em ≥1 dia por semana e a aderência às recomendações relacionadas à saúde, que estipula a prática de exercícios resistidos em 2 ou mais dias por semana, para indivíduos com até 17 anos de idade, ou em 3 ou mais dias por semana, para aqueles com idade ≥18 anos1111. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization, 2010.. Os estágios de mudança de comportamento advindos do modelo transteórico foram empregados para a definição desse desfecho quanto à prática de atividade física12. Para isso, empregou-se a seguinte questão: "Considera-se fisicamente ativo o jovem que acumula pelo menos 60 minutos diários de atividades físicas em cinco ou mais dias da semana. Em relação aos seus hábitos de prática de atividades físicas, você diria que:". As opções de resposta (a) sou fisicamente ativo há mais de seis meses; (b) sou fisicamente ativo há menos de seis meses; (c) não sou, mas pretendo me tornar fisicamente ativo nos próximos 30 dias; (d) não sou, mas pretendo me tornar fisicamente ativo nos próximos seis meses; e (e) não sou e não pretendo me tornar fisicamente ativo nos próximos seis meses. As respostas foram usadas para classificar os participantes nos estágios de mudança de comportamento, adotando-se a seguinte correspondência: item (a)= manutenção; item (b)= ação; item (c)= preparação, item (d)= contemplação; item (e)= pré-contemplação.

A estatística descritiva incluiu frequências absolutas (n) e relativas (%). A efetividade do projeto Saúde na Boa foi testada, considerando a intenção de tratar (dados imputados pelo método de manutenção da última observação efetuada) e considerando apenas os dados coletados (i.e., estudantes participantes até o final do estudo). Na comparação dos grupos controle e intervenção, foi empregado o teste exato de Fisher. O confronto dos grupos controle (linha de base vs. pós-intervenção) e dos grupos intervenção (linha de base vs. pós-intervenção) foi feito pelo uso do teste de McNemar e teste de homogeneidade marginal de Stuart-Maxwell, para as variáveis dicotômicas e politômicas, respectivamente.

Finalmente, foram realizadas análises ajustadas pelo emprego da regressão logística binária (para variáveis dicotômicas) e regressão logística multinomial (para variáveis politômicas), respectivamente. O emprego da última análise ocorreu, pois os estágios de mudança do comportamento não atenderam todos os pressupostos para o uso da regressão ordinal, violando o pressuposto da proporcionalidade de razões de odds. Em virtude das diferenças sociodemográficas observadas entre os dois grupos na linha de base, gênero, idade, cor da pele, ocupação e município em que estuda (categorizados conforme consta na Tabela 1) foram incluídos como potenciais fatores de confusão. Na modelagem estatística, foi adotada a estratégia de seleção para trás, com a inclusão de todas as variáveis sociodemográficas. Adotou-se um nível crítico de p≤0,20 para permanência no modelo. Os resultados foram expressos em razões de odds (RO) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos escolares do Ensino Médio participantes do projeto Saúde na Boa. Florianópolis, Santa Catarina, e Recife, Pernambuco, 2006.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (protocolo número 031/2005) e do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (protocolo número 587/2005).

RESULTADOS

A linha de base do projeto Saúde na Boa incluiu 2.155 escolares. A maioria dos participantes foi representada pelas moças e escolares com cor da pele não branca, sem ocupação trabalhista e estudantes em Florianópolis, com diferenças significativas entre os grupos controle e intervenção. O período pós-intervenção contou com a participação de 989 escolares (45,9%). Com exceção do status de ocupação trabalhista, a maioria dos participantes apresentou características sociodemográficas semelhantes à linha de base, porém sem importantes diferenças entre os grupos controle e intervenção. Mais informações sobre a caracterização sociodemográfica dos escolares são apresentadas na Tabela 1.

Considerando uma probabilidade de erro α de 0,05, um poder de 80% e percentuais dos jovens participantes de toda intervenção, foi possível observar como estatisticamente significativas diferenças de 6,7 pontos percentuais para o deslocamento ativo em ≥1 dia/semana; de 8,5 pontos percentuais para o deslocamento ativo em ≥5 dia/semana; 9,9 pontos percentuais para a prática de exercícios de força em ≥1 dia/semana e 8,3 pontos percentuais para o alcance às recomendações da prática de exercícios de força relacionada à saúde. No caso dos estágios de mudança de comportamento para a prática de atividade física, não foi possível realizar o cálculo de poder estatístico, em virtude do tipo de variável (politômica ordinal).

A Tabela 2 mostra a efetividade da intervenção, considerando a intenção de tratar, sobre indicadores de atividade física. Com exceção da prática do deslocamento ativo em ≥1 dia/semana, não foi constatada diferença significativa nos indicadores de atividade física quando comparados os grupos controle e intervenção na linha de base. Após o programa, observou-se que o grupo intervenção, em relação ao grupo controle, apresentou maior número de pessoas com prática de deslocamento ativo em ≥1 dia/semana e, em ≥5 dias/semana, assim como maiores práticas de exercícios de força tanto em ≥1dia/semana quanto no alcance das recomendações de exercícios de força relacionados à saúde. Além disso, foi constatado um aumento significativo dos escolares em estágios mais avançados de mudança do comportamento para a prática de atividade física, quando confrontados a intervenção com o grupo controle.

Tabela 2
Análise de efetividade considerando a intenção de tratar do projeto Saúde na Boa sobre indicadores de atividade física entre os escolares do Ensino Médio de escolas públicas de Florianópolis, Santa Catarina, e Recife, Pernambuco, em 2006.

Quando observado apenas o grupo controle, a comparação da linha de base com o período pós-intervenção (Tabela 2) evidenciou uma redução na proporção de escolares que praticavam deslocamento ativo em ≥5dias/semana e um aumento na proporção daqueles pertencentes a estágios mais avançados de mudança de comportamento para a prática de atividade física.

Na comparação entre a linha de base e período pós-intervenção, o grupo intervenção aumentou significativamente sua prática de exercícios de força em ≥1dia/semana e o alcance às recomendações de exercícios de força relacionados à saúde. Os resultados da análise de efetividade apenas com os dados coletados (Tabela 3) foram muito semelhantes àqueles observados considerando a intenção de tratar (Tabela 2).

Tabela 3
Análise de efetividade considerando apenas os dados coletados do projeto Saúde na Boa sobre indicadores de atividade física entre os escolares do Ensino Médio de escolas públicas de Florianópolis, Santa Catarina, e Recife, Pernambuco, em 2006.

As Tabelas 4 e 5 mostram as medidas de efeito do projeto Saúde na Boa sobre indicadores de atividade física. Na Tabela 4, a efetividade considerando a intenção de tratar mostrou que, quando comparados aos escolares do grupo controle, aqueles que fizeram parte da intervenção apresentaram maior prática deslocamento ativo em ≥1 e ≥5 dias por semana. Escolares participantes da intervenção apresentaram razões de odds significativamente maiores para realizar exercícios de força em, no mínimo, um dia por semana e alcançar as recomendações dessa prática relacionada à saúde, respectivamente. Medidas de efeito em maior magnitude foram constatadas quando a efetividade somente com os dados dos participantes até o final do estudo foi analisada.

Tabela 4
Medidas de efeito do projeto Saúde na Boa sobre indicadores de atividade física após a intervenção com os escolares do Ensino Médio de escolas públicas de Florianópolis, Santa Catarina, e Recife, Pernambuco, em 2006.
Tabela 5
Medidas de efeito do projeto Saúde na Boa sobre os estágios de mudança de comportamento para a atividade física após a intervenção com os escolares do Ensino Médio de escolas públicas de Florianópolis, Santa Catarina, e Recife, Pernambuco, em 2006.

Na Tabela 5, a efetividade, considerando a intenção de tratar e os dados coletados, foi testada pela comparação das medidas de efeito dos estágios de mudança do comportamento para a prática de atividade física dos grupos controle e intervenção. Na intenção de tratar, quando comparados aos escolares no estágio de pré-contemplação, os escolares que participaram do projeto apresentaram progressivamente maiores chances de estarem nos estágios de ação e manutenção. Resultados semelhantes foram constatados quando analisados somente os estudantes participantes até o final do estudo.

DISCUSSÃO

Este estudo apontou que o projeto Saúde na Boa foi efetivo no aumento do número de estudantes que se deslocam de forma ativa para a escola e/ou o trabalho, realizam exercícios de força e que estão em estágios mais avançados de adesão ou aderência à prática de atividade física. Até o presente momento, não é de conhecimento dos autores a existência de resultados sobre esses indicadores advindos de amostras com adolescentes brasileiros em intervenções randomizadas e controladas.

A escola é um ambiente privilegiado para se abordar tópicos em saúde com crianças e adolescentes, inclusive a prática de atividade física. É nela que os jovens passam boa parte da semana e a ela são atribuídas funções sociais que envolvem a educação para a vida em seus diferentes domínios. Portanto, espera-se que o ambiente escolar possa contribuir também para que os jovens adotem um estilo de vida ativo e saudável1313. Ippolito-Shepherd J. Health-promoting schools - strengthening regional initiatives: strategies and lines of action during 2003-2012. Washington: Pan American Health Organization, 2006.. De acordo com Costa et al.1414. Costa F, Garcia L, Nahas M. A Educação Física no Brasil em transição: perspectivas para a promoção da atividade física. Rev Bras Ativ Fis Saúde 2012;17(1):14-21., essa contribuição pode ocorrer, principalmente, pela criação de ambientes físicos e sociais propícios para a atividade física e por meio de ações didático-pedagógicas desenvolvidas nas disciplinas curriculares.

De fato, diversas experiências ao redor do mundo têm apontado para a efetividade de ações na escola que visem ao aumento da prática de atividades físicas77. Ribeiro I, Parra D, Hoehner C, Soares J, Torres A, Pratt M, et al. School-based physical education programs: evidence-based physical activity interventions for youth in Latin America. Global Health Promotion. 2010;17(2):5-15. , 1515. De Bourdeaudhuij I, Van Cauwenberghe E, Spittaels H, Oppert J, Rostami C, Brug J, et al. School-based interventions promoting both physical activity and healthy eating in Europe: a systematic review within the HOPE project. Obes Rev 2011;12(3):205-16.. Uma revisão sistemática recente sobre as intervenções existentes na América Latina identificou quatro estratégias para a promoção de atividades físicas no ambiente escolar: mudanças curriculares nas aulas de Educação Física; infraestrutura adequada e treinamento dos funcionários da escola; provisão de equipamentos e materiais; e direcionamento das ações de acordo com as características da população-alvo77. Ribeiro I, Parra D, Hoehner C, Soares J, Torres A, Pratt M, et al. School-based physical education programs: evidence-based physical activity interventions for youth in Latin America. Global Health Promotion. 2010;17(2):5-15.. Vale apontar que tais estratégias foram utilizadas no projeto Saúde na Boa9.

Efeito sobre o deslocamento ativo

Evidências conferem importância ao deslocamento ativo para a saúde1616. World Health Organization. A physically active life through everyday transport: with a special focus on children and older people and examples and approaches from Europe. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2002. , 1717. Hamer M, Chida Y. Active commuting and cardiovascular risk: a meta-analytic review. Prev Med 2008;46(1):9-13., incluindo o aumento dos níveis de atividade física1818. Lee MC, Orenstein MR, Richardson MJ. Systematic review of active commuting to school and children's physical activity and weight. J Phys Act Health 2008;5(6):930-49., a melhora da aptidão física relacionada à saúde1919. Lubans DR, Boreham CA, Kelly P, Foster CE. The relationship between active travel to school and health-related fitness in children and adolescents: a systematic review. Int J Behav Nutr Phys Act 2011;8(5)., além da minimização de problemas como congestionamentos no tráfego e danos ambientais (e.g., poluição, ruídos sonoros oriundos do uso de transportes motorizados)2020. Pooley CG, Turnbull J, Adams M. The journey to school in Britain since the 1940s: continuity and change. Area 2005;37(1):43-53.. No presente estudo, a prática do deslocamento ativo aumentou no grupo de intervenção tanto para uma frequência semanal ≥1 dia/semana, quanto para ≥5 dias/semana, em relação ao grupo controle. Em odds, esses valores refletiram 1,66 e 1,45 de efeito, respectivamente. Na análise separada por grupo, registrou-se declínio no uso do deslocamento ativo no grupo controle em ≥5 dias/semana (-6,8%).

O deslocamento tem sido um dos principais domínios da atividade física utilizados em estratégias de intervenção para um estilo de vida ativo em crianças e adolescentes. Isso porque o deslocamento à escola é um comportamento que possibilita a adoção de um hábito diário na rotina dos jovens. Apesar da média de tempo gasto (15 a 30 minutos) com o deslocamento ativo se apresentar abaixo do tempo preconizado pelas recomendações de atividade física, esse tipo de deslocamento tem contribuído para o aumento do volume total de atividade física, com gasto semanal de 955 kcal (5 dias por semana, para uma distância de 1,9 km, com tempo de 22 minutos em cada percurso), o que contribui para melhorar a saúde2121. Shephard RJ. Is active commuting the answer to population health? Sports Med 2008;38(9):751-8..

Estudo de revisão reportou que o ambiente físico (e.g., presença de áreas livres, parques e instalações recreativas) influencia o deslocamento ativo2222. Pont K, Ziviani J, Wadley D, Bennett S, Abbott R. Environmental correlates of children's active transportation: a systematic literature review. Health Place 2009;15(3):827-40.. Por outro lado, em recente revisão sistemática se verificou que existem poucas intervenções com foco no transporte ativo para escola, sendo a sua maioria com delineamento quase-experimental, conduzidos, especificamente, nos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, em estudantes do Ensino Fundamental. A maioria dos estudos incluiu a participação das escolas, dos pais e da comunidade, e encontraram aumento do deslocamento ativo na faixa de 3% a 64%, com tamanho de efeito pequeno para maioria dos estudos (seis dos 12 estudos)2323. Chillón P, Evenson KR, Vaughn A, Ward DS. A systematic review of interventions for promoting active transportation to school. Int J Behav Nutr Phys Act 2011;8(1):10..

No presente estudo, as principais estratégias direcionadas ao deslocamento ativo foram a instalação de bicicletários, o sorteio de bicicletas e a divulgação de materiais informativos para motivar os alunos a adotarem esse comportamento. Tem-se encontrado algum sucesso em outras iniciativas como "Walk to School" e "Safe Routes to School", que se baseiam em campanhas, ações e eventos específicos, e adotam como meta principal o encorajamento do deslocamento ativo à escola (<www.iwalktoschool.org>). De fato, mudanças no ambiente físico aliadas a campanhas de incentivo tendem a contribuir para o aumento do deslocamento ativo à escola.

Efeito sobre prática de exercícios de força

As recomendações atuais de prática de atividade física dedicam um ponto específico para os exercícios de força, inclusive entre os jovens. Elas apontam que atividades para fortalecimento dos músculos e ossos deveriam ser realizadas por crianças e adolescentes (5 a 17 anos de idade) em ao menos três dias da semana, e por adolescentes de 18 e 19 anos e adultos em, pelo menos, dois dias da semana1111. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization, 2010.. A realização regular de exercícios de força entre jovens pode melhorar o perfil de risco cardiovascular, facilitar o controle de peso, aumentar a densidade óssea, melhorar o bem-estar psicossocial, ajudar o desempenho em habilidades motoras e reduzir a incidência de lesões relacionadas à prática esportiva2424. Faigenbaum A, Kraemer W, Blimkie C, Jeffreys I, Micheli L, Nitka M, et al. Youth resistance training: updated position statement paper from the national strength and conditioning association. J Strength Cond Res 2009;23(5 Supl.):S60-79..

No presente estudo, pode-se observar que o projeto Saúde na Boa foi efetivo tanto para o aumento de praticantes, como de escolares que atingiam as recomendações de exercícios de força relacionadas à saúde, em comparação com o grupo controle. No entanto, é interessante notar que os autores não encontraram na literatura outras intervenções de incentivo à prática de atividade física em escolas que analisaram seus efeitos sobre a prática de exercícios de força. Isto pode indicar que apesar da importância e da explícita recomendação da prática deste tipo de atividade, pouca atenção é ainda dedicada em seu incentivo e monitoramento.

Efeito sobre estágios de mudança de comportamento

O monitoramento dos estágios de mudança do comportamento para a atividade física em adolescentes é importante não apenas para identificar os níveis de atividade física, mas também o interesse pela sua prática. Em termos de mudança de comportamento para a atividade física, o projeto Saúde na Boa promoveu uma transição de alunos de estágios inativos para estágios fisicamente ativos. A proporção de estudantes no estágio de ação após a intervenção 20,2%) foi superior ao resultado encontrado em inquérito com escolares de Pernambuco (16,4%)2525. Oliveira N, Barros M, Reis R, Tassitano R, Tenório M, Bezerra J, et al. Estágios de mudança de comportamento para a atividade física em adolescentes. Motriz 2012;18(1):42-54..

Ações específicas além daquelas citadas no estímulo ao deslocamento ativo podem ter contribuído para o aumento da prática de atividade física no âmbito do lazer. A entrega de kits para a prática de atividades físicas, a realização de eventos especiais no final de semana, como trilhas e pedaladas e palestras para professores, técnicos, estudantes e seus responsáveis, destacam-se nesse sentido.

Análises comparativas com outros estudos congêneres ficam comprometidas, conforme relatado por Dumith et al.2626. Dumith S, Domingues M, Gigante D. Stages of behavior change for physical activity: a literature review. Rev Bras Cineantropom Desemp Hum 2008;10(3):301-7., em revisão da literatura acerca dos estudos que investigaram os estágios de mudança de comportamento para a prática de atividades físicas. Verificou-se que praticamente a totalidade dos estudos foi do tipo transversal, o que impossibilita o entendimento temporal relativo à continuidade dos comportamentos.

Limitações e pontos positivos do estudo

Apesar de o questionário aplicado ter sido avaliado quanto às suas propriedades psicométricas, a coleta de informações por meio de medidas autorrelatadas pode acarretar em erros de precisão da informação coletada, notavelmente em questões comportamentais, como o caso da atividade física. Entretanto, acredita-se que a repetição da forma de coleta entre o grupo controle e intervenção minimiza potenciais vieses na comparação dos achados. A presente coleta também foi marcada pela ocorrência de greves nas escolas em ambas as cidades, porém, em períodos distintos, resultando em intervenções em fases diferenciadas. Contudo, o tempo dedicado à intervenção e o ajuste das análises para as cidades incluídas no estudo minimizam problemas relacionados à sazonalidade.

Como pontos positivos, enfatiza-se a condução da intervenção randomizada e controlada; a escolha por estudantes matriculados no período noturno, que estão mais expostos à inatividade física, e a inclusão de variáveis relacionadas à atividade física, pouco estudadas em outras intervenções.

CONCLUSÃO

O projeto Saúde na Boa contribuiu de forma efetiva para o aumento da prática do deslocamento ativo, de exercícios de força e do status de atividade física e forneceu sustentação para a necessidade de que as intervenções sejam planejadas de acordo com as características regionais e dos subgrupos populacionais ao qual se destinam. Nesse sentido, estratégias de intervenção com adolescentes direcionadas especialmente ao ambiente escolar são interessantes alternativas para a promoção da atividade física em termos de saúde pública.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2014
  • Aceito
    22 Mar 2014
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