Resumos
Os métodos tradicionais de normalização dos dados de força muscular (FM) e torque muscular (TM) têm sido considerados inadequados para ajustar apropriadamente os efeitos da massa corporal em crianças e adultos. A alometria tem demonstrado ser o método mais eficiente para comparar indivíduos de diferentes dimensões corporais. Entretanto, os valores que o expoente alométrico pode assumir para FM e TM ainda são controversos e dependem de diversos fatores relacionados à composição corporal, sexo, idade, tipo de contração e modalidade esportiva. O volume muscular (VM), atualmente, tem demonstrado ser a variável emergente para a normalização dos dados de FM e TM.
Crianças; Força muscular; Torque
Traditional methods of normalization of muscle strength (MS) and muscle torque (MT) have been considered inadequate to properly adjust the effects of body mass in children and adults. Allometry has proved to be the most efficient method to compare individuals of different body dimensions. However, the values that the allometric exponent may show for MS and MT are still controversial and depend on many factors related to body composition, sex, age, type of contraction, and type of sport. Muscle volume (MV) has been suggested as the emerging variable for normalization of MS and MT.
Muscle strength; School children; Torque
ARTIGO ORIGINAL
Normalização da força e torque muscular em crianças e adolescentes
Normalization of muscle strength and torque in children and adolescents
Giovani dos Santos CunhaI,II; Marco Aurélio VazI; Álvaro Reischak de OliveiraI
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Educação Física. Laboratório de Pesquisa do Exercício. Porto Alegre, RS. Brasil
IIFaculdade Sogipa de Educação Física. Porto Alegre, RS. Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Giovani dos Santos Cunha Endereço: Rua Felizardo, nº 750, ESEF/UFRGSLAPEX Porto Alegre - RS - Brasil Cep: 90690-200 Email: giovanicunha@yahoo.com.br
RESUMO
Os métodos tradicionais de normalização dos dados de força muscular (FM) e torque muscular (TM) têm sido considerados inadequados para ajustar apropriadamente os efeitos da massa corporal em crianças e adultos. A alometria tem demonstrado ser o método mais eficiente para comparar indivíduos de diferentes dimensões corporais. Entretanto, os valores que o expoente alométrico pode assumir para FM e TM ainda são controversos e dependem de diversos fatores relacionados à composição corporal, sexo, idade, tipo de contração e modalidade esportiva. O volume muscular (VM), atualmente, tem demonstrado ser a variável emergente para a normalização dos dados de FM e TM.
Palavras-chave: Crianças; Força muscular; Torque.
ABSTRACT
Traditional methods of normalization of muscle strength (MS) and muscle torque (MT) have been considered inadequate to properly adjust the effects of body mass in children and adults. Allometry has proved to be the most efficient method to compare individuals of different body dimensions. However, the values that the allometric exponent may show for MS and MT are still controversial and depend on many factors related to body composition, sex, age, type of contraction, and type of sport. Muscle volume (MV) has been suggested as the emerging variable for normalization of MS and MT.
Key words: Muscle strength; School children; Torque.
INTRODUÇÃO
O treinamento de força tem sido considerado efetivo e seguro para o desenvolvimento da força muscular (FM) em crianças e adolescentes1. Testes de FM têm sido extensivamente utilizados no esporte e na educação física com o objetivo de fornecer valores normativos (perfil atlético), detecção de talentos, distinção entre diferentes níveis de desempenho ou avaliar adaptações ao treinamento2. A FM tem um papel importante para o desempenho esportivo, pois melhora a velocidade de execução de habilidades técnicas específicas e também é importante para estabilizar as articulações em diversas situações esportivas, auxiliando na prevenção de lesões2.
Durante a infância e a adolescência, a FM absoluta apresenta um aumento progressivo3,4. Esse aumento é atribuído, principalmente, a mecanismos neurais, como o aumento no recrutamento e na frequência de ativação de unidades motoras1. Contudo, durante o processo de maturação biológica, modificações no tamanho, massa e composição corporal influenciam esse comportamento da FM4-6 . Por esse motivo, tem sido postulado que o melhor período para o treinamento e desenvolvimento da FM seria durante o processo maturacional. Especificamente, o melhor período para o desenvolvimento da FM seria de 12-18 meses após o pico de velocidade da estatura para meninos e, imediatamente após a menarca, para meninas7.
Entretanto, essa teoria deve ser interpretada com cautela, pois quando mensuramos a FM na população pediátrica, a idade, o sexo, a maturação biológica e o tamanho corporal são variáveis intervenientes. Assim, esse aumento da FM observado durante o processo maturacional poderia ser um efeito de escala, resultado de uma incorreta normalização dos dados. Desta forma, é extremamente importante que o efeito do tamanho corporal sobre os dados de FM e torque muscular (TM) seja devidamente normalizado. Caso contrário, não será possível definir se as alterações na FM e TM são devidas ao crescimento, à maturação biológica, ao treinamento, à composição corporal ou a uma interação entre esses fatores.
Historicamente, esse efeito do tamanho corporal sobre a FM e TM tem sido controlado por uma simples divisão do valor da FM absoluta pela massa corporal (MC) em quilogramas (kg), conhecida como expressão padrão (FM/MC). A MC foi escolhida como variável de normalização porque geralmente apresenta altos valores de correlação com a FM e TM. Entretanto, nos últimos anos, esse método de normalização tem sido extensamente criticado, pois a relação entre MC e FM não tem demonstrado ser linear, com os valores de FM aumentando em uma menor proporção do que a MC8-11. Caso esse comportamento seja observado, a expressão padrão torna-se inapropriada para ajustar adequadamente os efeitos da MC sobre a FM e TM.
Na tentativa de realizar comparações adequadas entre indivíduos heterogêneos em tamanho corporal, outras variáveis de normalização da FM e TM têm sido propostas, como a utilização do índice de massa corporal (IMC), massa livre de gordura (MLG), área de secção transversa (AST) e volume muscular (VM)3,12-14. Adicionalmente, muitos estudos têm indicado a alometria como método mais apropriado para ajustar os efeitos da MC sobre a FM15-18 ou TM19-24. Essa metodologia é baseada na aplicação da equação alométrica (Y=aXb), que estabelece um índice que permite comparar indivíduos heterogêneos em tamanho e composição corporal.
Por todo o exposto, a presente revisão tem como objetivo apresentar uma revisão crítica em relação aos métodos de normalização dos dados de FM e TM em crianças e adolescentes, bem como sugerir recomendações para a normalização dessas variáveis.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os artigos dessa revisão foram selecionados a partir das bases de dados PubMed e Scopus. Foram incluídos artigos publicados na íntegra, no período entre 1980 e 2011, que apresentavam as palavras chave allometric, strength, torque, children, normalizing, biological maturation e suas possíveis combinações. Fontes adicionais foram obtidas através das referências encontradas nos artigos primários.
VARIÁVEIS TRADICIONAIS DE NORMALIZAÇÃO DA FM E TM
A FM tem sido definida como a força máxima (N) ou o torque máximo (Nm) desenvolvido durante uma contração voluntária máxima (CVM) em dada condição18.
Diversos fatores afetam os resultados de FM e TM. Entre eles, podemos citar fatores relacionados aos participantes (sexo, idade, estágio maturacional, composição corporal e nível de condicionamento físico)5,6, à arquitetura muscular (ângulo de penação, comprimento do fascículo, espessura muscular e VM)13,14, a aspectos metodológicos (tipo de contra-ção muscular, estabilidade, correção da gravidade e sequência do protocolo de teste)5,18, a fatores neuromusculares (ativação e coativação de agonistas e antagonistas)5,12, e outros relacionados à inconsistência das variáveis utilizadas para a normalização dos dados (MC, IMC, MLG, AST e VM)3,12-14.
Embora os efeitos do tamanho e da composição corporal sobre os valores de FM e TM sejam conhecidos, a normalização dos dados tem sido inconsistente. Por exemplo, alguns estudos têm apresentado dados de FM não normalizados pelo tamanho corporal25,26, normalizados por expressões padrões (FM/estatura, FM/IMC, FM/MLG) ou normalizados por vários métodos diferentes para a mesma série de dados (MC, MLG, AST e VM)12,27.
Outras maneiras de normalizar os dados de FM e TM têm sido baseadas na teoria da similaridade geométrica, em que se afirma que o corpo humano tem a mesma forma, variando somente em tamanho corporal. Dessa forma, a FM deveria ser proporcional à estatura ao quadrado (E2). Assim, qualquer área de um objeto geometricamente similar é, em princípio, proporcional ao volume corporal ou a MC elevados na potência de dois terços (V2/3, MC2/3)19. Entretanto, as descobertas dessa teoria, que foram baseadas a partir de um músculo hipotético, têm sido estendidas diretamente para a normalização dos dados de FM e TM, o que dificulta ainda mais a comparação dos resultados de diferentes estudos.
Por muitos anos tem sido postulado que a produção de FM é diretamente dependente da AST e, por esse motivo, a normalização da FM pela AST (FM/AST) tem sido considerada o método padrão ouro12,28,29. Entretanto, a normalização FM/AST também tem demonstrado ser inconsistente. Algumas justificativas poderiam ser atribuídas aos diferentes métodos de determinação da AST, ao sexo, à idade e ao nível de condicionamento físico, mas, principalmente, porque essa relação direta entre FM e AST muitas vezes não tem sido observada16,29. Para exemplificar essa inconsistência, Maughan et al.30 compararam a FM/AST nos extensores do joelho em dois grupos de atletas de elite (velocistas e maratonistas) e um grupo controle. Os resultados revelaram que os velocistas (9,9±0,9 N/cm2) eram significativamente (p<0,01) mais fortes do que os maratonistas (8,8±0,5 N/cm2) e semelhantes ao grupo controle (9,5±1,4 N/cm2), não existindo diferenças na AST entre os grupos. O resultado mais curioso foi que os sujeitos do grupo controle apresentaram maiores valores individuais de FM/AST do que o grupo de atletas (13,6 N/cm2 vs 11,4 N/cm2). Especificamente em crianças, a AST não tem demonstrado ser uma variável explicativa da FM3, além de não aumentar na mesma proporção que a FM5.
Na tentativa de encontrar um método que permita comparar adequadamente indivíduos de diferentes idades, sexo e composição corporal, diversos estudos têm indicado a alometria como método de normalização mais adequado para os dados de FM e TM10,18,21,23. O quadro 1 apresenta, em resumo, os principais estudos que utilizaram a alometria para normalização os dados de FM e TM.
UTILIZAÇÃO DA ALOMETRIA PARA NORMALIZAÇÃO DE DADOS BIOLÓGICOS
A alometria é o método matemático que expressa a medida à qual uma variável (seja anatômica, fisiológica, física ou temporal) é relacionada com uma unidade de tamanho corporal4.
A análise alométrica pode ser descrita pela equação Y=aXb, em que Y é a variável dependente e X a variável independente (geralmente MC em kg). Essa equação possui dois termos importantes, o coeficiente de proporcionalidade "a" e o expoente alométrico "b". Esses dois termos podem ser identificados por meio de uma análise de regressão linear após convertermos os valores de X e Y para logaritmo. Assim, temos a equação logY = log a + b logX. O coeficiente de proporcionalidade "a" pode ser utilizado para comparar a magnitude das forças. O expoente alométrico "b" indica a extensão e a direção da relação entre a variável dependente Y e a variável independente X. O expoente alométrico "b" pode apresentar diferentes valores, tanto positivos como negativos, dependendo da relação a ser observada. Além disso, caracteriza de forma descritiva a relação entre as alterações da variável dependente Y e a variável independente X31.
Do ponto de vista esportivo, muitos estudos têm utilizado a alometria para normalizar diversas variáveis, como o VO2max e limiar anaeróbio32,33, FM e TM8,16,18,27 e efeitos da maturação biológica13,14,32,33. Entretanto, poucos estudos têm examinado diretamente a aplicação dos expoentes alométricos durante o crescimento e maturação biológica de crianças, adolescentes e jovens atletas.
UTILIZAÇÃO DA ALOMETRIA PARA A NORMALIZAÇÃO DOS DADOS DE FM E TM
Algumas investigações têm indicado que a FM aumenta em uma menor proporção do que o tamanho corporal8-11. Por esse motivo, os modelos alométricos têm sido utilizados para ajustar adequadamente os efeitos do tamanho corporal sobre os dados de FM e TM10,11,18,23. A identificação do expoente alométrico nos permite identificar a direta relação entre a FM ou TM com a sua variável de normalização e estabelece um índice independente do tamanho corporal.
No entanto, o valor que esse expoente alométrico (b) pode assumir tem apresentado uma grande variação, pois é dependente do tamanho amostral, da variável de normalização (MC, MLG, AST, ASTF e VM) e da forma de manifestação da força (isométrica, concêntrica e excêntrica). Nesse sentido, exercícios de FM que necessitam vencer uma resistência externa (ex.: preensão manual, agachamento, supino, rosca bíceps e tríceps) geralmente apresentam expoentes alométricos de aproximadamente b=0,67. Exercícios que suportem o peso corporal (ex.: abdominal, barra, apoio e elevação de pernas) apresentam valores negativos para b=-0,33; e exercícios de FM com componente de potência (ex.: salto vertical, salto horizontal, chute e arremessos) têm valores de b=0, ou seja, sem necessidade de normalização pela MC21.
Outro problema reportado é a distinção entre as formas de normalização para a FM e o TM9. Essa distinção é necessária, pois o torque é uma função da FM, com a vantagem biomecânica do sistema de alavanca5. As evidências demonstram que os métodos de normalização permanecem semelhantes para FM e TM27,36, causando problemas para a normalização dos efeitos do tamanho corporal. Por outro lado, se os indivíduos testados forem geometricamente similares, o efeito da alavanca não dependerá do tamanho corporal, desde que o braço de alavanca varie proporcionalmente.
Jaric et al.9 propuseram a utilização de diferentes expoentes alométricos para normalizar a FM (b=0,67) e o TM (b=1). Esses autores teorizaram que o tamanho corporal pode alterar o braço de alavanca muscular e a resistência externa poderia variar na mesma proporção. Dessa forma, a força gerada poderia ser proporcional a FM, visto que esta é dependente da AST do músculo, que, por sua vez, é proporcional à MC0,67. Ao contrário, o TM depende da FM multiplicada pelo braço de alavanca do músculo (BAM), que é proporcional à MC0,33. Em vista disso, podemos expressar essas relações como TM= FM x BAM, ou seja, MC0,67 x MC0,33 = MC1. Assim, o expoente alométrico b=1 deveria ser utilizado para normalizar os dados de TM, o que teoricamente torna a normalização padrão (TM/ MC) adequada. Entretanto, alguns estudos têm demonstrado que esse expoente alométrico pode variar de b=0,77 até b=1,87 em resposta a diferentes protocolos isocinéticos10,17,35,36.
O valor que o expoente alométrico pode assumir para a FM e TM é outro fator que reforça a necessidade de distinção na normalização dessas variáveis. Geralmente, a FM tem apresentado menores valores de expoente alométrico do que o TM27. Vanderburgh et al.24 sugerem valores de expoente alométrico para a FM que variam de 0,48<b<0,58, enquanto que Jaric et al.9 recomendam valores de b=0,67. Estudos com levantamento de pesos têm apresentado uma maior variação dos expoentes alométricos para FM (0,45<b<0,87). Quando analisamos o TM, esse tem apresentado consistentemente maiores valores de expoente alométrico (0,74<b<1,31)9,11,27,34.
Na tentativa de elucidar esses questionamentos, Folland et al.23 verificaram as diferenças entre FM isométrica e o TM dos extensores do joelho em 86 homens. Os resultados demonstraram que o expoente alométrico para o TM (b=0,69) foi consistentemente maior do que para a FM (b=0,33). Quando a amostra foi separada em dois grupos de acordo com o percentual de gordura (menor e maior do que 20%), os expoentes alométricos correspondiam a b=0,45 e b=0,68 para FM, e b=0,68 e b=0,98 para TM, respectivamente. Quando a MLG foi utilizada como uma variável de normalização dos dados, essa igualmente evidenciou maiores valores de expoente alométrico para o TM (b=1,12) do que para a FM (b=0,76).
Excepcionalmente, Nevill et al.10 apresentaram valores de expoente alométrico bem abaixo aos reportados pela literatura para o TM de bíceps e quadríceps (b=0,38 e b=0,36, respectivamente). Entretanto, a amostra desse estudo foi composta de crianças, e os resultados podem ter sido afetados pelo efeito da maturação biológica.
UTILIZAÇÃO DA ALOMETRIA PARA NORMALIZAÇÃO DA FM E TM EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A alometria tem sido utilizada para normalizar os dados de FM e TM em crianças e adolescentes, principalmente, porque permite identificar um índice estatisticamente independente do tamanho corporal. A identificação desse índice é extremamente importante, pois os dados de FM e TM também são influenciados pela idade cronológica, sexo, treinamento e composição corporal.
Do ponto de vista do treinamento desportivo, tem sido postulado que o melhor período para desenvolver a FM seria durante o processo maturacional7. Essa indicação é baseada principalmente em estudos que identificaram um aumento progressivo da FM absoluta (sem normalização) de acordo com a idade cronológica e maturação biológica. A partir disso, diversos estudos utilizaram a alometria para normalizar adequadamente os dados de FM e TM, na tentativa de elucidar o real comportamento da FM em crianças e adolescentes3,10,24,35.
Um dos primeiros estudos a utilizar a alometria para normalizar os dados de FM em crianças foi o de Vanderburgh et al.24. Esse estudo tinha como objetivo identificar um índice que permitisse comparar a força de preensão manual entre meninos (n=100) e meninas (n=105) independentemente dos efeitos de confusão da MC. Os autores concluíram que o expoente alométrico b=0,51 normalizava adequadamente os dados e permitia uma comparação entre meninos e meninas independente da MC (FM/MC0,51).
De Ste Croix et al.35 examinaram os efeitos da idade e do sexo sobre a FM isocinética de membros inferiores em meninos, meninas e adultos. Foram identificados os expoentes alométricos para o TM de extensores do joelho (b=0,82 e b=0,85 para homens e mulheres, respectivamente) e para o TM de flexores do joelho (b=1 e b=0,96 para homens e mulheres, respectivamente). Os resultados demonstraram que não existiam diferenças no TM absoluto (TM), relativo (TM/MC) e alométrico (TM/MCb) entre crianças e adolescentes, mas existiam diferenças entre os sexos no grupo dos adultos. Os dados sugerem que quando a MC é devidamente ajustada por alometria, a FM isocinética aumenta de acordo com a idade, e as diferenças entre os sexos não são evidentes até os 14 anos.
Wren et al.17 verificaram a aplicação de diversos métodos de normalização do TM de membro inferior em crianças. Foram utilizadas as normalizações TM/MC, TM/MCxE, TM/IMC e o modelo alométrico TM/MCb. Os resultados demonstraram que a simples normalização (TM/MC) não ajusta adequadamente os valores de TM em crianças. O modelo alométrico demonstrou ser o método mais apropriado para a normalização do TM, sendo que os valores dos expoentes alométricos variaram de b=1,32 até b=1,87, com um valor médio de b=1,60 para os seis movimentos testados. Outro estudo utilizou a alometria para examinar a influência da MLG sobre o TM em dois grupos de levantadores de peso, classificados por idade cronológica (8-13 anos vs 14-18 anos). Os resultados indicaram que a TM aumentava de acordo com a idade cronológica e não poderia ser explicado pelo aumento da MLG. O efeito da idade cronológica foi maior no grupo 8-13 anos e poderia ser devido ao desenvolvimento do sistema neuromuscular, alterações na massa muscular ou a combinação desses fatores11.
Assim como a idade cronológica, a maturação biológica é considerada uma variável crítica quando analisamos a FM e o TM em crianças e adolescentes, pois o desenvolvimento do sistema nervoso e a mielinização neuromuscular só estarão totalmente completos ao final desse processo. Estudos examinando os efeitos da maturação biológica sobre a FM devem ser interpretados com muita cautela, pois esses estimam o estágio maturacional a partir da idade cronológica ou simplesmente classificam os indivíduos como sendo pré-púberes ou pós-púberes5. Adicionalmente, existe uma dificuldade de dissociar os efeitos da maturação biológica de outras variáveis intervenientes que causam confusão na interpretação dos dados, como a idade cronológica, a estatura e a composição corporal.
Nedeljkovic et al.6 verificaram o efeito da maturação biológica sobre o tamanho corporal e sua relação com o desempenho em vários testes de FM. Os resultados revelaram que existe um incremento no desempenho da FM concomitante com o aumento do tamanho corporal durante a puberdade. Esse incremento é superior aos encontrados durante a pré-puberdade e pós-puberdade. Neu et al.37 analisaram o efeito da força de preensão manual em 185 mulheres e 181 homens com idades entre 6 e 23 anos. Os resultados demonstraram um aumento da AST e da FM com a idade. Como esperado, incrementos no tamanho muscular e na FM eram acelerados durante a puberdade nos homens, mas não nas mulheres, o que indica uma influência da maturação biológica e do gênero. Contudo, quando os dados de FM específica (FM/AST) foram ajustados pelo comprimento do antebraço, a FM específica não apresentou diferenças significativas entre os gêneros e demonstrou ser independente dos efeitos dos hormônios sexuais.
Da mesma forma, De Ste Croix et al.3 determinaram que a maturação biológica não influencia independentemente o desenvolvimento da FM isocinética de extensores e flexores do joelho quando a estatura e a MC eram devidamente controladas. Os autores ressaltam a necessidade de cautela na interpretação dos dados, porque não existia uma grande variação dos estágios maturacionais. Adicionalmente, Tonson et al.13 verificaram o efeito do crescimento e da maturação biológica sobre a FM isométrica em 14 pré-púberes, 16 adolescentes e 16 homens. Os dados foram normalizados por AST, VM e VM estimado por antropometria. Os resultados apresentaram diferenças entre os grupos quando a FM era normalizada por AST e VM estimado; no entanto, não apresentavam diferenças quando normalizados por VM. Os autores concluíram que o VM é a melhor variável de normalização dos dados de FM durante o crescimento e maturação biológica.
O VM tem demonstrado ser essencial para analisarmos o desempenho muscular e suas adaptações em resposta ao treinamento, desuso ou envelhecimento38. A máxima capacidade de geração de força do músculo é proporcional a ASTF, podendo ser estimada a partir do VM e do comprimento do fascículo (FL). Assim, o VM é um determinante de massa muscular, tornando-se um parâmetro importante para avaliar a FM do músculo39. Atualmente, tem sido utilizado como uma variável de normalização da FM13 e do TM13,14,40. Adicionalmente, essa normalização (FM/VM e TM/VM) tem sido considerada um índice de tensão específica do músculo esquelético39.
RECOMENDAÇÕES PARA NORMALiZAÇÃO DA FM E TM
Existem três questões básicas que devem ser primordialmente consideradas quando comparamos os valores de FM e TM entre crianças, adolescentes e adultos.
1ª Identificar a relação dos valores absolutos de FM (geralmente kg) e TM (Nm) com a MC (kg). Para realizarmos essas análises, podemos utilizar a correlação de Pearson (figura 1). Para utilizarmos a MC como variável de normalização, é necessário que exista uma correlação significativa com a FM e TM (p<0,05). Caso contrário, a FM e TM serão consideradas independentes da MC. Geralmente esse pressuposto é atendido na maioria dos estudos.
2ª O próximo passo é verificar se a normalização padrão da FM (FM/MC) e do TM (TM/MC) é independente da MC (kg). Para isso, devemos novamente realizar uma correlação de Pearson, mas agora com os dados normalizados de FM (kg.kg-1) e TM (Nm.kg-1) com a MC (kg). Não havendo correlação significativa, a FM e o TM foram devidamente normalizados. Entretanto, essa expressão raramente tem demonstrado ser independente da MC, geralmente apresentando uma correlação significativa com a MC (figura 2).
3ª Para solucionar essa questão, podemos utilizar a equação alométrica Y=aXb. Essa equação pode ser expressa como Log (FM ou TM) = Log a + b Log MC, para dados que apresentarem grande variabilidade. Ela nos permite identificar o expoente alométrico b, que quantifica a relação entre FM ou TM e MC. Resolvemos essa equação utilizando uma regressão linear com a FM absoluta (kg) ou TM absoluto (Nm), representando a variável dependente, e a MC (kg), a variável independente. Conhecido o valor do expoente b, utilizaremos esse valor para expressar a MC (kg) em uma função potência (ex.: MCb). Suponhamos que o valor do expoente para a FM seja b=0,67 e para o TM seja b=0,75. O próximo passo é dividir o valor da FM absoluta pela MC0,67; e, da mesma forma, dividir o valor TM absoluto pela MC0,75, criando as expressões alométricas FM (kg.kg0,67) e TM (Nm.kg-0,75). Teoricamente, agora os dados foram devidamente normalizados e identificamos um índice de normalização estatisticamente independente da MC (p>0,05). A figura 3 ilustra esse procedimento.
Nesse sentido, o efeito do tamanho corporal foi devidamente ajustado e a comparação entre indivíduos heterogêneos em sexo, idade, maturação biológica, nível de condicionamento físico e composição corporal (% gordura, % massa muscular e % ósseo) podem ser comparados adequadamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A alometria tem demonstrado ser a metodologia mais adequada para normalizar os dados de FM e TM. Em crianças e adolescentes, essa metodologia também tem demonstrado ser a mais eficiente para a normalização dos dados, além de ser sensível para verificar os efeitos do crescimento e da maturação biológica.
Recomendamos o cálculo dos expoentes alométricos específicos para a FM e TM, verificando se esses estabelecem um índice independente do tamanho corporal.
O VM poderá assumir um papel importante na normalização da FM e TM, pois tem sido considerado superior à MC, MLG e AST como variável de normalização.
Agradecimentos
Ao CNPq, FINEP e CAPES pelo apoio financeiro a este trabalho.
Recebido em 15/02/11
Revisado em 13/05/11
Aprovado em 15/06/11
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Dez 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2011
Histórico
-
Revisado
13 Maio 2011 -
Recebido
15 Fev 2011 -
Aceito
15 Jun 2011