Resumos
Neste trabalho foi realizado um levantamento bibliográfico etnobotânico sobre plantas utilizadas pela população brasileira no tratamento de sinais e sintomas relacionados às infecções fúngicas. Foram citadas 409 espécies, distribuídas em 98 famílias, com maior concentração em Fabaceae e Asteraceae. Para as dez espécies mais citadas, foi realizada uma busca relativa a estudos de atividade antifúngica na base de dados MEDLINE-PubMed. Somente foram encontrados estudos para Phytolacca americana L., Rosmarinus officinalis L., Mirabilis jalapa L., Schinus molle L. Entre as dez espécies mais utilizadas, seis correspondem a espécies nativas: Anacardium occidentale L., Cecropia peltata L., Schinus molle L., Schinus terebinthinfolius Raddi, Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo.
Plantas medicinais; Atividade antifúngica; Uso tradicional
The aim of this work was to draw up a list of plants used by Brazilian population for the treatment of signs and symptoms related to fungal infections and to verify the existence of scientific data related to the antifungal activity in the databasis MEDLINE-PubMed. Four hundread and nine species were listed, which are distributed in ninety eight families, mainly Fabaceae and Asteraceae. Among the more frequently mentioned species (10), only four were evaluated regarding to the antifungal activity: Phytolacca americana L., Rosmarinus officinalis L., Mirabilis jalapa L. and Schinus molle L. From those ten species, six are native (Anacardium occidentale L., Cecropia peltata L., Schinus molle L., Schinus terebinthifolius Raddi, Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo.
Medicinal plants; Antifungal activity; Folk medicine
TRABALHOS ORIGINAIS
Plantas utilizadas na medicina popular brasileira com potencial atividade antifúngica
Plants with potencial antifungal activity employed in Brazilian folk medicine
Raquel FennerI; Andresa Heemann BettiI; Lilian Auler MentzII; Stela Maris Kuze RatesI,*
IFaculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIDepartamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Neste trabalho foi realizado um levantamento bibliográfico etnobotânico sobre plantas utilizadas pela população brasileira no tratamento de sinais e sintomas relacionados às infecções fúngicas. Foram citadas 409 espécies, distribuídas em 98 famílias, com maior concentração em Fabaceae e Asteraceae. Para as dez espécies mais citadas, foi realizada uma busca relativa a estudos de atividade antifúngica na base de dados MEDLINE-PubMed. Somente foram encontrados estudos para Phytolacca americana L., Rosmarinus officinalis L., Mirabilis jalapa L., Schinus molle L. Entre as dez espécies mais utilizadas, seis correspondem a espécies nativas: Anacardium occidentale L., Cecropia peltata L., Schinus molle L., Schinus terebinthinfolius Raddi, Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo.
Unitermos: Plantas medicinais. Atividade antifúngica. Uso tradicional
ABSTRACT
The aim of this work was to draw up a list of plants used by Brazilian population for the treatment of signs and symptoms related to fungal infections and to verify the existence of scientific data related to the antifungal activity in the databasis MEDLINE-PubMed. Four hundread and nine species were listed, which are distributed in ninety eight families, mainly Fabaceae and Asteraceae. Among the more frequently mentioned species (10), only four were evaluated regarding to the antifungal activity: Phytolacca americana L., Rosmarinus officinalis L., Mirabilis jalapa L. and Schinus molle L. From those ten species, six are native (Anacardium occidentale L., Cecropia peltata L., Schinus molle L., Schinus terebinthifolius Raddi, Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo.
Uniterms: Medicinal plants. Antifungal activity. Folk medicine.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos, a ocorrência de infecções fúngicas humanas vem apresentando um aumento expressivo, sendo as dermatomicoses as principais infecções responsáveis por esse aumento. Vários fatores estão relacionados ao crescimento dessas infecções fúngicas, entre eles: o melhor diagnóstico laboratorial e clínico, o aumento da sobrevida de pacientes com doenças imunossupressoras e o emprego de medicamentos imunossupressores, utilizados às vezes de forma abusiva, permitindo a instalação de microorganismos convencionalmente saprófitos (Sidrim et al., 1999).
Os fungos responsáveis por essas infecções são fungos patógenos (Epidermophyton, Microsporum, Trichophyton, Paracoccidioides, Histoplasma) ou fungos patógenos oportunistas (Candida albicans, Cryptococcus neoformans). O tratamento das micoses humanas não é sempre efetivo, pois os fármacos antifúngicos disponíveis produzem recorrência ou causam resistência, além de apresentarem importante toxicidade. Por esta razão, há uma busca contínua de novos fármacos antifúngicos mais potentes, mas, sobretudo, mais seguros que os existentes. Além das infecções em humanos, os animais também podem ser atacados esporadicamente por fungos muito difíceis de serem combatidos. Além disso, as infecções fúngicas em plantas (espécies de Rhizoctonia, Phytophtora, Sclerotinia, Fusarium, Phomopsis, Colletotrichum, Diaphorte, Macrophomina, Cercospora) representam perdas incalculáveis para a produção agrícola (Zacchino, 2001).
Neste contexto, embora a maioria dos antifúngicos existentes no mercado seja de origem sintética, o estudo de produtos naturais voltou a receber a atenção dos cientistas (Yunes, Filho, 2001). Entre as principais ferramentas na busca de novos modelos moleculares estão a informação de como as plantas são utilizadas por diferentes grupos étnicos e o estudo farmacológico das preparações utilizadas, abordadas, respectivamente no âmbito da Etnobotânica e da Etnofarmacologia (Rates, 2001).
A busca de novos compostos antifúngicos a partir de plantas da flora latinoamericana, baseada principalmente no seu uso etnofarmacológico, é tema do projeto de pesquisa X.7 do CYTED (Ciencia y Tecnologia para el Desarrollo) "Proyecto Iberoamericano de Búsqueda y Desarrollo de Antifúngicos Naturales y Análogos (PIBEAFUN).
Com base nos objetivos traçados pelo Projeto X.7 do CYTED (2002), este trabalho teve como finalidade a elaboração, a partir da literatura etnobotânica, de uma lista de plantas utilizadas na medicina popular brasileira no tratamento de sinais e sintomas relacionados a infecções fúngicas e verificar, para as 10 espécies mais citadas com essas finalidades, se já existem estudos para a avaliação da atividade antifúngica na base dados MEDLINE-PubMed.
MATERIAL E MÉTODOS
A busca bibliográfica foi feita em obras publicadas a partir de 1840: Martius (1844), Oliveira (1854), Moreira (1862), (1871), Caminhoá (1877), Castro (1878), Oliveira (1883), Dutra (1887), D'Ávila (1910), Freise (1933), Orth (1937), Reitz (1950), Reitz (1954), Moreira Filho e Goltcher (1972), Cavalcante e Frikel (1973), Van den Berg (1982), Neto (1987), Santos et al. (1988), Di Stasi et al.(1989), Paciornik (1990), Agra (1996), Matos (1998), Simões et al.(1998), Lorenzi e Matos (2002).As obras mais antigas representam levantamentos originais realizados junto às comunidades da época em que foram publicadas. A partir de 1980, constituem-se de levantamentos bibliográficos e foram selecionadas por serem elaboradas por autores ligados ao meio acadêmico e científico nacional.
A seleção dos sinais e sintomas empregados na busca bibliográfica foi baseada nas manifestações clínicas de infecções fúngicas relatadas por Carvalhaes de Oliveira (1999), Lacaz et al.(1991) e Edman (1998). Os sinais e sintomas considerados são os apresentados na sexta coluna da Tabela 1.
A nomenclatura das espécies foi atualizada, de acordo como banco de dados "W3 TROPICOS" do "Missouri Botanical Garden" ou o banco do "The International Plant Names Index". Para a descrição dos usos relatados, procurou-se manter, sempre que possível, a linguagem utilizada pelos autores.
As famílias e 10 espécies mais citadas foram submetidas à busca bibliográfica na base de dados MEDLINE-PubMed. Os termos utilizados para esta pesquisa foram: o binômio científico com as palavras "antifungal", "antifungic", "antimycotic", "fungal infections" e "antimicrobial".
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram encontradas 409 espécies vegetais utilizadas no tratamento de sinais e sintomas aqui considerados como relacionados às infecções fúngicas (Tabela I). Essas espécies estão distribuídas em 98 famílias, sendo que as duas famílias com maior número de representantes citados foram as famílias Fabaceae (no sentido amplo) com 30 citações, e a família Asteraceae com 29 citações. Este pode ser um resultado importante, visto que estas duas famílias seriam consideradas prioritárias em estudos posteriores de avaliação de atividade antifúngica. Porém, entre as 10 espécies com maior número de citações, a maioria não pertence a estas famílias. Além disso, como essas famílias são constituídas de grande número de representantes se comparadas com outras famílias do Reino Plantae (Judd et al., 1999), este resultado pode ser decorrente do maior acesso da população a essas plantas e não de uma real seleção. Estas famílias também são juntamente com a família Piperaceae as mais testadas para a atividade antifúngica em um programa de screening de plantas medicinais latinoamericanas. Porém, neste screening, foi observado que o maior número de resultados positivos concentra-se na família Piperaceae (CYTED, 2003). A família Fabaceae foi também citada por Gottlieb e Borin (2003) como uma das dez famílias mais citadas em levantamentos etnobotânicos publicados no Journal of Ethnopharmacology. Desta família, provêm, segundo Gottlieb e Borin, principalmente substâncias ativas em doenças infecciosas e parasitárias. De fato, entre as duas famílias com maior número de representantes citados e, também, entre as famílias as quais pertencem as 10 espécies mais citadas, encontramos que o maior número de publicações é para a família Fabaceae (502), seguida por Asteraceae (108) e Lamiaceae (108). Para Anacardiaceae foram encontradas 17 citações; para Phytolacaceae e Bignoniaceae, 08; para Nyctaginaceae, 04. Não foram encontrados trabalhos com Cecropiaceae e Violaceae. A busca para a família Piperaceae resultou em 14 artigos.
As 10 espécies com maior número de citações estão relacionadas na Tabela 2. Observa-se que para 6 das 10 espécies com maior número de citações no levantamento bibliográfico não foram encontrados estudos de avaliação da atividade antifúngica. Além disso, o número de trabalhos científicos publicados não corresponde ao número de citações de uso popular.
Com relação aos dados publicados, destaca-se a atividade antifúngica dos óleos voláteis, presentes em Rosmarinus officialis e Schinus molle e a atividade de defesa contra fitopatógenos encontrada para proteínas de Phytolacca americana e Mirabilis jalapa. Os óleos voláteis têm sua atividade anti-séptica reconhecida e normalmente atribuída à presença de compostos fenólicos, aldeídos e álcoois: citral, geraniol, linalol e timol têm alto poder anti-séptico, superior ao do próprio fenol (Simões e Spitzer, 2003). Os óleos voláteis da família Lamiaceae, a qual pertence R. officinalis, apresentam grande importância econômica e várias espécies são cultivadas para utilização na indústria de alimentos, cosméticos e, também, para fins medicinais (Simões et al., 2003). O fato de as proteínas de Phytolacca americana e Mirabilis jalapa apresentarem sequências homólogas e atividades biológicas semelhantes é muito interessante, visto que as famílias Phytolaccaceae e Nyctaginaceae são filogeneticamente relacionadas e ambas pertencem à ordem Caryophyllales (Judd et al., 1999). No entanto, não foi possível estabelecer a partir deste trabalho, uma relação entre a constituição química das plantas e os usos populares indicativos de atividade antifúngica. Isto não é surpreendente, visto que a atividade antifúngica tem sido documentada para várias classes de metabólitos secundários vegetais, na maioria das vezes sem um alvo específico (Zacchino, 2001).
Entre as dez espécies avaliadas, seis correspondem a espécies nativas: Anacardium occidentale L., Cecropia peltata L., Anchietea salutaris A.St.-Hil., Schinus molle L., Schinus terebinthifolius Raddi, Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo. A. occidentale ocorre em campos e dunas da costa norte do Brasil, especialmente nos estados do Maranhão e Piauí (Lorenzi, Matos, 2002; W3 TROPICOS, 2006); Cecropia peltata, na Amazônia e mata atlântica (Di Stasi, 2002); Schinus molle, no sul do Brasil (Lorenzi e Matos, 2002; W3 TROPICOS, 2006). Schinus terebinthifolius, ao longo da mata atlântica, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul (Lorenzi, Matos, 2002; W3 TROPICOS). Stryphnodendron adstringens, nos cerrados do Sudeste e Centro-Oeste (Lorenzi, Matos, 2002; W3 TROPICOS, 2006) e Tabebuia heptaphylla, em Santa Catarina, São Paulo e Bahia (W3 TROPICOS, 2006). Essas espécies são ainda preservadas, não sendo vulneráveis ou ameaçadas de extinção (BIODIVERSITAS, 2006). Apenas para Schinus molle foram encontrados dados de atividade antifúngica, indicando que, apesar da diversidade de espécies do nosso país, a grande maioria ainda não foi objeto de avaliação de um potencial efeito antifúngico.
CONCLUSÕES
Neste trabalho foi encontrado um número significativo (409) de espécies mencionadas na literatura etnobotânica brasileira como úteis para o tratamento de sinais e sintomas indicativos de ação antifúngica, distribuídas principalmente em duas famílias: Fabaceae e Asteraceae. Porém, entre as 10 espécies com maior número de citações, a maioria não pertence a estas famílias. Considerando a necessidade premente de novos antifúngicos eficazes e que, reconhecidamente, o estudo da utilização popular de plantas medicinais é uma ferramenta importante no descobrimento de novos fármacos, estes resultados apontam para a flora brasileira como alvo para pesquisa e desenvolvimento de novas substâncias com atividade antifúngica. No entanto, os dados publicados sobre avaliação da potencial atividade antifúngica destas espécies é ainda escarço, sendo que entre as espécies nativas mais citadas, apenas uma foi investigada.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi realizado com apoio do Projeto X.7 do CYTED e AUGM ( Associação das Universidades do Grupo Montevidéu).
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Recebido para publicação em 29 de novembro de 2004.
Aceito para publicação em 07 de junho de 2006.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Dez 2006 -
Data do Fascículo
Set 2006
Histórico
-
Aceito
07 Jun 2006 -
Recebido
29 Nov 2004