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Curva de aprendizado ou de aperfeiçoamento?

EDITORIAL

Curva de aprendizado ou de aperfeiçoamento?

Roberto V. Botelho; Clauber Lourenço

Instituto do Coração do Triângulo, Uberlândia, MG

Correspondência Correspondência: Dr. Roberto Botelho Instituto do Coração do Triângulo Rua Arthur Bernardes, 555 - Martins Uberlândia, MG - CEP 38400-368 Tel.: (34) 3239-8700 E-mail: r.botelho@itms.com.br

Desde sua introdução para angiografia diagnóstica, por Campeau1, em 1989, e para intervenções coronárias terapêuticas, por Kiemeneij e Laarman2, em 1993, a via radial tem sido ampla e progressivamente utilizada em procedimentos endovasculares percutâneos, sejam cardíacos ou extracardíacos3. Vários e consistentes são os argumentos fomentadores dessa tendência universal, em comparação ao acesso braquial ou femoral, dentre eles estão a maior comodidade ao paciente, aferida pela maior qualidade de vida, percepção de desconforto, dor, ou mesmo, maior agilidade após o procedimento4. A possibilidade de deambulação precoce: nenhuma outra alternativa oferece deambulação tão rápida a tamanha parcela de pacientes; os dispositivos de sutura da artéria femoral não proporcionam tal precocidade à deambulação, tampouco o fazem à grande parcela dos candidatos ao método. Além disso, o acesso radial apresenta menores complicações, principalmente aquelas conseqüentes ao uso da terapia antitrombótica vigorosa, em síndromes coronárias agudas5. A vantagem da via radial é ainda mais legitimada ao se aferirem as complicações à luz da ultra-sonografia vascular, capaz de diagnosticar complicações não percebidas ao exame clínico desarmado. A relação custo/efetividade também é favorável ao acesso radial, haja vista a redução do tempo de internação hospitalar com esta via e dos custos derivados das complicações durante os acessos femorais ou braquiais6. Imprescindível aos laboratórios de cardiologia intervencionista é a ampliação de indicações, quando a via femoral é contra-indicada ou apresenta limitações5. Neste aspecto, até dez por cento dos pacientes não se candidatam ao acesso femoral, seja por doença aorto-ilíaca, anticoagulação sistêmica, obesidade mórbida, entre outros7. Nenhum intervencionista pode prescindir do domínio técnico dessa abordagem, tanto mais quando os avanços técnicos e tecnológicos criam instrumental cada vez mais apropriado, reduzindo eventuais limitações, como agulhas e jelcos específicos para a punção da artéria radial, guias metálicos com pontas mais macias e corpos de maior suporte, introdutores revestidos com polímeros lubrificantes, cateteres de menor calibre e com curvaturas multifuncionais (aptos a cateterizar seletivamente ambas as artérias coronárias, mesmo que com curvas pré-formadas), inúmeros dispositivos inteligentes para a compressão seletiva da artéria radial, poupando a artéria ulnar e mantendo o adequado fluxo do arco palmar, etc8. Por isso, essa via tem sido empregada em diferentes situações diagnósticas e terapêuticas, servindo ao tratamento de lesões complexas com aterectomias, abordagem de bifurcações, intervenções extracardíacas, em artérias carótidas, renais ou outros vasos maiores3. Em situações de emergência, como o infarto agudo do miocárdio, obtêm-se resultados semelhantes quanto aos índices de sucesso, porém, com significativa redução das complicações, principalmente aquelas relacionadas ao sítio da punção e ao uso de potente farmacologia antitrombínica e antiplaquetária9. Em nosso meio, avaliamos, em estudo randomizado e prospectivo, 600 pacientes submetidos à angioplastia primária, no infarto agudo do miocárdio, comparando a via radial à femoral. Os tempos porta-balão foram semelhantes, assim como os índices de sucesso e de fluxo TIMI 310.

Entre as limitações, a ausência de boa suplência do arco palmar pela artéria ulnar pode restringir até 7% das indicações, quando se utiliza o teste de Allen manual. Essa limitação pode ser amenizada pelo teste oximétrico, quando menos que 2% dos pacientes se apresentam com o teste inadequado, portanto, negativo11.

A técnica é contra-indicada a pacientes com insuficiência renal, assim como àqueles com arterites ou fenômeno de Raynaud. A reutilização desta via é limitada, pois, mesmo que possível, à medida que seja reutilizada, a artéria radial sofre progressiva redução de calibre por remodelamento e espessamento intimal12, até a inviabilidade de nova punção, geralmente após a sétima utilização13.

A dose de radiação é, geralmente, maior que aquela oferecida pela via femoral, mesmo que o tempo de fluoroscopia seja semelhante, pois o operador trabalha mais próximo ao tubo de raios-X14. A curva de aprendizado é maior que a exigida pela via femoral e tem sido fonte de resistência de alguns operadores. Entretanto, deve-se atentar para inúmeras variáveis que interferem nessa análise e justificam a controvérsia e o debate sobre o real impacto desta curva de aprendizado. A principal causa de insucesso é a falha na canulação da artéria radial, responsável por até 80% dos insucessos. A simples sedação superficial dos pacientes, promovendo menor incidência de espasmos arteriais, pode interferir significativamente sobre essa variável. A utilização de jelcos de menor calibre também aumenta o sucesso do procedimento. Uma vez canulada a artéria, os espasmos podem ser reduzidos ao se empregarem introdutores lubrificados com silicone, assim como ao se utilizar um só cateter, evitando-se as trocas. O trabalho de Nunes et al.15 apresenta interessante análise da redução de complicações ao longo do tempo, sugerindo curva de aprendizado de até 500 casos. Porém, em sua análise, englobam-se experiências de quatro operadores e não se discriminou o impacto do incremento técnico e tecnológico ao longo do tempo, o que pode reduzir esse período de aprendizado. A redução de insucessos e de complicações pode se dever a incrementos técnicos e tecnológicos, muito mais que à simples curva de aprendizado. Talvez represente curva de aperfeiçoamento, muito mais que de aprendizado, o que pode ocorrer com qualquer técnica, mesmo após seu amadurecimento. O índice de sucesso dos primeiros 500 casos da experiência de Nunes et al.15 já é semelhante àquele apresentado pelo acesso braquial no estudo pioneiro Access16, em torno de 95%. Da mesma forma, este índice, após os 4000 casos de Nunes et al.15, se aproxima dos melhores resultados do acesso femoral no mesmo estudo Access, em torno de 99%.

Seja aprendizado ou aperfeiçoamento, a técnica atinge sua maioridade, ao se completarem 18 anos de sua introdução por Campeau1, com seu lugar solidamente estabelecido nos programas de treinamento, assim como na prática diária dos diferentes centros de cardiologia intervencionista.

Recebido em: 07/05/2007

Aceito em: 08/05/2007

Ver artigo relacionado na página 115

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  • Correspondência:

    Dr. Roberto Botelho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2007
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