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"What women want"

EDITORIAL

"What women want"

Christian Spaulding; Stephane Manzo-Silberman; Julien Rosencher

Departamento de Cardiologia Intervencionista, Cochin Hospital, Universidade Paris Descartes - Paris, França

Correspondência Correspondência: Christian Spaulding Department of Cardiology - Cochin Hospital and INSERM U 970 - Paris Descartes University 27 Rue du Faubourg Saint-Jacques 75014 - Paris, France E-mail: christian.spaulding@cch.aphp.fr

Em um filme chamado "What women want", Mel Gibson faz o papel de um machista egocêntrico, obcecado com a carreira, que é atingido por um raio e repentinamente começa a ler os pensamentos das mulheres. Ele passa a perceber as necessidades e desejos não realizados das mulheres e transformase em um ser humano carinhoso e generoso, alcançando sucesso ainda maior. Se um cardiologista intervencionista machista "todo femoral" fosse atingido por um raio, o que ele leria na cabeça de uma paciente? No topo da lista estaria, certamente, o desejo de um procedimento rápido, eficaz e não complicado.

O sexo feminino é um dos principais preditores de complicações locais, incluindo-se hemorragia e necessidade de cirurgia vascular1. Além disso, há forte associação entre hemorragia grave e mortalidade nos pacientes submetidos a intervenções coronárias percutâneas com diagnóstico de síndrome coronária aguda2. A prevenção de complicações locais é, portanto, de extrema importância para todos os pacientes, incluindo-se os subgrupos de alto risco, como as mulheres.

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Andrade et al.3 descrevem sua experiência utilizando a abordagem radial em mulheres. Os auto-res relatam elevada taxa de sucesso, pequeno número de eventos cardiovasculares adversos e virtualmente nenhuma hemorragia grave relacionada ao local da punção. É interessante observar que mulheres com mais de 65 anos de idade apresentaram taxas de sucesso e de complicações semelhantes, comparativamente às mulheres com menos de 65 anos de idade.

Será que os resultados desse estudo podem ser aplicados a todos os centros? Os operadores obviamente são muito experientes. O domínio da arte da abordagem radial requer a realização de um mínimo de 100 procedimentos, sendo necessários mil casos antes que essa abordagem possa ser utilizada em pacientes com alto risco de complicações locais, como mulheres idosas ou angioplastia primária no infarto agudo do miocárdio4.

A abordagem radial deve ser utilizada apenas em substituição ao acesso femoral em pacientes com lesões obstrutivas na artéria femoral e em pacientes com alto risco de complicações hemorrágicas? A tentação é grande, em decorrência dos resultados impressionantes da abordagem radial nesses pacientes, como os obtidos na síndrome coronária aguda5. Andrade et al.3 descrevem taxa de uso do acesso radial de 91%. Essa proporção elevada de procedimentos radiais é a chave para o sucesso de um programa radial. A habilidade com a técnica deve ser mantida por meio da prática regular e o uso exclusivo da abordagem radial em pacientes mais complexos levará a uma taxa elevada de falhas e ao desestímulo do operador. A conversão de um femoralista à fé radial deve, portanto, ser completa.

Vários estudos randomizados demonstraram a superioridade da abordagem radial na redução de complicações locais. Contudo, essa abordagem é utilizada em menos de 5% dos procedimentos em alguns países, como os Estados Unidos6. Como os radialistas podem transmitir sua fé? A publicação de registros de grande qualidade, como é o caso de Andrade et al.3, é uma das estratégias. A realização de cursos de um a dois dias sobre a abordagem radial tem sido sugerida, embora nesses cursos seja dada apenas uma pequena noção da técnica. O ensino direto por radialistas experientes é, portanto, essencial, seja convidando femoralistas a atuarem em centros com alto volume de procedimentos radiais seja por meio da visita de um "tutor radial" a determinado centro para transmitir orientações e recursos do método.

O que aconteceria, então, se os femoralistas machistas pudessem ler a mente de suas pacientes idosas? Eles provavelmente controlariam seu ego, demasiado grande, contatariam um radialista para começar a fazer seu treinamento, e seis meses depois estariam utilizando a abordagem radial na maioria dos casos, inclusive em procedimentos de emergência em pacientes idosas, para grande benefício de seus pacientes. Imaginem só se os cenários de Hollywood pudessem virar realidade...

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses.

Recebido em: 13/11/2009

Aceito em: 16/11/2009

  • 1. Applegate RJ, Sacrinty MT, Kutcher MA, Baki TT, Gandhi SK, Kahl FR, et al. Vascular complications in women after catheterization and percutaneous coronary intervention 1998-2005. J Invasive Cardiol. 2007;19(9):369-74.
  • 2. Doyle BJ, Rihal CS, Gastineau DA, Holmes DR Jr. Bleeding, blood transfusion, and increased mortality after percutaneous coronary intervention. Implications for contemporary practice. J Am Coll Cardiol. 2009;53(22):2019-27.
  • 3. Andrade PB, Tebet MA, Andrade MVA, Mattos LA, Labrunie A. Safety and efficacy of the transradial approach in diagnostic and therapeutic coronary procedures in women. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2009;17(4):457-62.
  • 4. Spaulding C, Lefevre T, Funck F, Thébault B, Chauveau M, Ben Hamda K, et al. Left radial approach for coronary angiography: results of a prospective trial. Cathet Cardiovasc Diagn [Internet]. 1996[cited 2008 Jul 23];39:365-70. Available from: http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/64683/ PDFSTART
  • 5. Jolly SS, Amlani S, Hamon M, Yusuf S, Mehta SR. Radial versus femoral access for coronary angiography or intervention and the impact on major bleeding and ischemic events: a systematic review and meta-analysis of randomized trials. Am Heart J. 2009;157(1):132-40.
  • 6. Rao SV, Ou FS, Wang TY, Roe MT, Brindis R, Rumsfeld JS, et al. Trends in the prevalence and outcomes of radial and femoral approaches to percutaneous coronary intervention: a report from the National Cardiovascular Data Registry. JACC Cardiovasc Interv. 2008;1(4):379-86.
  • Correspondência:

    Christian Spaulding
    Department of Cardiology - Cochin Hospital and INSERM U 970 - Paris Descartes University
    27 Rue du Faubourg Saint-Jacques
    75014 - Paris, France
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2009
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