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O campo da resolução negociada de conflito: o apelo ao consenso e o risco do esvaziamento do debate político

Conflict resolution field: the appeal for consensus and the risk of political debate emptying

Resumo

Neste artigo, empreende-se uma genealogia do campo da resolução negociada de conflito e sua disseminação em diferentes áreas, identificando seus discursos e práticas. Buscou-se especificamente evidenciar que a formação deste campo inscreve-se em um processo de reconfiguração do sistema político-econômico capitalista desde os períodos de guerra, no final do século XIX e início do século XX, até mais recentemente, nos contornos do período de “pós-democracia consensual”. Notadamente nesse último período, refletiu-se acerca da possibilidade de que o sentido de tais discursos e práticas seja, sobretudo, o de esvaziar o debate político ampliado, por meio de um apelo ao consenso, que limita ou impede o exercício da reflexão e discussão para a politização de problemáticas que afetam a vida coletiva.

Palavras-chave:
resolução negociada; conflito; consenso; capitalismo; pós-democracia.

Abstract

In this article we undertake a genealogy of the conflict resolution field and its spread in different areas, identifying its speeches and practices. We specifically sought to show that the formation of this field is bonded to a process of reconfiguration of the political and economic capitalist system since the war periods in the end of the nineteenth century and early twentieth century until most recently “consensual post-democracy” period. Particularly in this period, we reflected on the possibility that the meaning of such discourses and practices is, above all, to empty the broad political debate through an appeal for consensus that limits or prevents the exercise of reflection and discussion for politicization of issues that affect the collective life.

Keywords:
conflict resolution; conflict; consensus; capitalism; post-democracy.

A partir do contexto das grandes guerras mundiais e, posteriormente, durante todo o período de Guerra Fria surge, na esfera das relações internacionais, o campo da resolução negociada de conflito1 1 A construção desse termo neste texto é elaborada analogamente aos “campos” definidos por Bourdieu, tendo como base sua formulação da “noção de campo”, explicitada e desenvolvida em várias de suas obras, em que podem ser encontradas suas definições dos campos “jurídico” e “político”, por exemplo. Para mais esclarecimentos sobre a última, ver Bourdieu (1990) e Bourdieu e Wacquant (1992). Morril e Owen-Smith (2000 apud Acselrad, Bezerra e Gaviria, 2010) chamam de campo da resolução negociada o domínio social delimitado que incorpora premissas institucionais, culturais e cognitivas, em que os atores sociais orientam estrategicamente suas relações, negociando sentidos para suas ações. dentro de uma série de organizações e agências multilaterais de cooperação internacional. Segundo Burton (1998BURTON, John. History of conflict resolution. In: PAULING, Linus (Ed.). World encyclopedia of peace. Oxford: Oxford University Press, v. 1, 1998. ), à época, tal campo dividiria a comunidade acadêmica entre os defensores da visão tradicional de conflito e poder e aqueles interessados em compreender o conflito com o intuito de resolvê-lo, de forma a desenvolver uma abordagem que fomentasse soluções cooperativas, negociadas e consensuais para os conflitos não só coletivos como individuais.

Um exemplo da ascensão do campo da resolução negociada de conflito no âmbito acadêmico foi o surgimento da Teoria dos Jogos, um ramo da matemática inicialmente utilizado por economistas para estudar o comportamento humano na resolução de problemas. Direcionada ao estudo de situações em que duas ou mais partes interdependentes escolhem diferentes estratégias e planos na tentativa de melhorar o resultado de suas ações, a Teoria dos Jogos pode ser definida como a teoria da decisão racional em situações de conflito (RAPOPORT, 1974RAPOPORT, Anatol. Game theory as a theory of conflict resolution. Dordrecht: D. Reidel, 1974.). Tal teoria popularizou-se especialmente depois da publicação, em 1944, de The Theory of Games and Economic Behavior, de John von Neumann e Oskar Morgenstern. A partir de então, Anatol Rapoport, cofundador do Journal of Conflict Resolution, passou a aplicar diretamente a Teoria dos Jogos na resolução de conflitos.

O campo da resolução negociada de conflito não se aproveita somente de teorias de decisão racional, mas frequentemente cita teorias sociais, como a de George Simmel, principalmente seu ensaio Conflict and the Web of Intergroup Affiliations, de 1955, e sua visão do conflito como fonte de coesão social, que contribui para a integração e a redução da tensão existente entre os membros de um grupo. Há ainda um destaque para a análise de Simmel sobre as relações em “tríade”, apresentada no artigo The Number of Members as Determining the Sociological Form of the Group, que inspirou a composição da figura, pelo campo da resolução negociada, do terceiro elemento neutro (o mediador, o facilitador, o conciliador etc.) dentro dos conflitos.2 2 Para Simmel, a geometria das relações sociais é independente do tamanho dos atores em um sistema social, mas fortemente influenciada pelo seu número. Em sua análise sobre as relações em tríade, afirma que, entre três elementos, cada um funciona como um intermediário entre os outros dois, exibindo uma dupla função, que é a de unir e separar. Para ele, esse tipo de arranjo não é possível com apenas dois elementos. Além disso, o terceiro elemento também oferece a oportunidade do desenvolvimento de um caráter supraindividual externo, bem como o desenvolvimento interno das partes envolvidas (as escolhas das posições e a formação de uma maioria em uma disputa). Para mais informações, ver Simmel (1902). Essa análise de Simmel inspiraria não somente as perspectivas de resolução negociada de conflito, como também a já citada Teoria dos Jogos, além de influenciar a formulação de uma série de teorias sobre a formação de coalizões. Ver Caplow (1956), Vinacke (1959), Vinacke e Arkoff (1957), Mills (1953) e Gamson (1961). Além disso, tal campo explora a afirmação do autor de que o conflito sempre acaba em uma das três seguintes formas: pela vitória de uma parte sobre a outra; pelo compromisso; ou pela conciliação (TIDWELL, 1998TIDWELL, Alan. Conflict resolved? A critical assessment of conflict resolution. London; New York: Pinter, 1998.).

Outras teorias citadas pelo campo da resolução negociada de conflito são: a teoria de Lewis Coser, apresentada no livro The Functions of Social Conflict, de 1956, e sua pesquisa que segue as linhas gerais de Simmel e preocupa-se com as funções positivas ou “integradoras” do conflito; a teoria de campo de Kurt Lewin e sua ideia de “espaço vital”, desenvolvida na obra Dynamic Theory of Personality, de 1935; e a teoria de Morton Deutsch, presente no livro The Resolution of Conflict: constructive and destructive processes, de 1973, e sua ideia de, em vez de eliminar ou prevenir o conflito, buscar fazer com que ele se torne produtivo.3 3 Cabe ressaltar que, excetuando Deutsch, nenhum dos teóricos citados (ao menos abertamente) possui a ambição de buscar a resolução de conflitos. Em vez disso, colocam o conflito como objeto a ser estudado.

O campo da resolução negociada de conflito desenvolve, dessa forma, uma seleção específica das teorias sociais, de maneira a deixar de lado visões conflitualistas amparadas na hipótese da estruturação do espaço social em classes sociais, como a de Saint Simon, Proudhon, Marx e autores próximos - para os quais o conflito ocupa posição central na formulação conceitual e no corpo teórico do conhecimento - e passa a referir-se a vertentes a partir das quais se constituem as diversas concepções do individualismo metodológico, cujas interrogações sobre a gênese dos conflitos tomam como ponto de partida os comportamentos individuais e as estratégias dos agentes nos sistemas de interação. Dentro desse grande corpo teórico, no interior do qual também estão presentes numerosas divergências e interpretações conflitantes (entre conservadores e progressistas, estudiosos do conflito e partidários do consenso, funcionalistas e teóricos da ação social) encontramos, por exemplo, os já citados Simmel e Coser.

Bush e Folger (1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994.) identificam quatro diferentes “histórias” (stories) sobre o que chamam de “movimento da mediação” (mediation movement). Mesmo se referindo à mediação, o esforço de identificação das diversas correntes de pensamento existentes principalmente nos Estados Unidos sobre tal método permite-nos uma visualização da resolução negociada como um espaço social de posições, em que determinados agentes sociais encontram-se em concorrência.

Segundo Bush e Folger (1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994.), tais histórias referem-se a diferentes concepções de distintos grupos de autores acerca do processo de mediação e seus impactos sociais. São elas: a história da “satisfação”, a história da “justiça social”, a história da “transformação” e a história da “opressão”. Em parte, a diferenciação promovida por Bush e Folger (1994) dá-se em razão de procurarem evidenciar o “movimento da mediação” como pluralístico e não monolítico, ou seja, como um campo que comporta diferentes abordagens sobre a prática da mediação, bem como diferentes interpretações acerca do que vêm a ser as principais metas de tal movimento e os desdobramentos sociais que este estabelece. Por outro lado, como veremos, esta diferenciação parte também da necessidade de tais autores, por estarem eles mesmos inscritos nesse movimento, de distinguirem-se de outras perspectivas e autores e, com isso, afirmarem seu ponto de vista específico sobre o tema.

A história da “satisfação” refere-se à linha das teorias das comunicações, que inclui autores como Fisher e Ury (1981FISHER, Roger; URY, William. Getting to yes: negotiation agreement without giving in. Boston: Houghton Mifflin, 1981.), Susskind, Cruikshank e Duzert (2008SUSSKIND, Lawrence; CRUIKSHANK, Jeffrey; DUZERT, Yann. Quando a maioria não basta. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.), Susskind e Cruikshank (1987), Pruitt (1983PRUITT, Dean. Achieving integrative agreements. In: BAZERMAN, M.; LEWICKI, R. J. (Eds.). Negotiation in organizations. Newbury Park: Sage , 1983.), Blake e Mouton (1964BLAKE, Robert; MOUTON, Jane. The managerial grid. Houston: Gulf Publishing Co., 1964.), Moore (1994MOORE, Carl M. Why do we mediate? In: FOLGER, Joseph P.; JONES, Tricia S. (Eds.). New directions in mediation: communication research and perspectives. Newbury Park: Sage, 1994.) e outros. Cada qual em seu estilo, tais autores buscam métodos que, em geral, envolvem a intervenção em uma disputa por uma terceira parte neutra, imparcial e aceitável, que não tem autoridade ou poder de decisão, mas que assiste as partes a alcançarem, voluntariamente, compromissos mutuamente aceitos diante do assunto objeto de disputa. Além disso, procuram desenvolver elementos que consideram mais produtivos para essas resoluções, seja enfatizando métodos de negociação ou barganha (propondo métodos voltados para a estruturação de políticas para organizações diante de conflitos), seja especificando a adequação de métodos conforme as diferentes áreas de atuação (trabalho, família, comunidade, meio ambiente etc.). De acordo com essa história:

[...] o processo da mediação é uma ferramenta poderosa para satisfazer as reais necessidades humanas das partes envolvidas em disputas individuais. Devido à sua flexibilidade, informalidade e consensualidade, a mediação envolve todas as dimensões do problema. Não sendo limitada por categorias ou regras jurídicas, ela reformula uma disputa contenciosa com vistas a se tornar um problema mútuo. Além disso, em função das habilidades dos mediadores em lidar com desequilíbrios de poder, a mediação reduz possíveis manobras estratégicas e abusos de poder. Como resultado dessas diferentes características, a mediação facilita a solução de problemas de maneira integradora e colaborativa, ao invés de processos adversariais. Pode, assim, produzir resultados criativos baseados em ganhos mútuos (win-win outcomes) que vão além de direitos formais para resolver problemas e satisfazer às necessidades genuínas das partes em uma dada situação. O movimento da mediação tem utilizado esses recursos para produzir soluções de qualidade superior para disputas de todos os tipos [...]. Além disso, em comparação com processos mais formais ou adversariais, a informalidade e mutualidade da mediação reduz os custos econômicos e emocionais da solução de controvérsias (BUSH & FOLGER, 1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994., p. 16, grifos do autor).

A história da “justiça social”, por sua vez, encara a mediação como um método de auxílio à organização e à construção de coalizões entre indivíduos e tem como meta gerar um maior “poder de barganha” para aqueles que não o possuem. Os autores dedicados a tal método são poucos e encontram-se principalmente ligados aos movimentos tradicionais de organização comunitária, tais como Wahrhaftig (1982WAHRHAFTIG, Paul. An overview of community-oriented citizen dispute resolution programs in the United States. In: ABEL, Richard (Ed.). The politics of informal justice . New York: Academic Press , v. 1, 1982. ), Shonholtz (1987SHONHOLTZ, Raymond. The citizens role in justice: building a primary justice and prevention system at the neighborhood level. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, n. 494, p. 42-52, 1987.) e Herrman (1993HERRMAN, Margaret. On balance: promoting integrity under conflicted mandates. Conflict Resolution Quarterly, v. 11, n. 2, p. 123-138, 1993.). Para essa história, a:

[...] mediação oferece meios eficazes de organização de indivíduos em torno de interesses comuns e, assim, constroem laços e estruturas comunitárias mais fortes [...] Além disso, por sua capacidade de auxiliar as partes a resolverem seus próprios problemas, a mediação reduz a dependência de agências distantes e estimula o espírito da livre iniciativa. Assim, a mediação trata as normas legais como apenas um dos vários meios pelos quais podem ser endereçados os problemas e avaliados as possíveis soluções para as disputas [...]. Esta realidade se aplica a muitos contextos em que a mediação é utilizada. A mediação interpessoal de bairros e vizinhanças tem incentivado inquilinos e moradores, por exemplo, a identificarem adversários em comum, tais como proprietários e órgãos municipais, e a tomarem uma ação conjunta com vistas a perseguirem seus interesses comuns. A mediação ambiental vem facilitando a asserção de novas reivindicações pelos grupos, no sentido de reestabelecer desequilíbrios de poder que comumente favorecem os donos de terras. Até mesmo a mediação envolvendo conflitos de consumo tem auxiliado os consumidores a confiarem mais em suas capacidades de formularem suas reclamações. Para resumir, a mediação tem auxiliado na organização de indivíduos e fortalecido comunidades de interesse em diferentes contextos (BUSH & FOLGER, 1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994., p. 18-19).

A história da “transformação” tem como meta principal conduzir as partes litigantes a um crescimento moral, produzindo, assim, “seres humanos mais fortes e compassivos”. Como afirmam Bush e Folger (1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994., p. 21), signatários dessa perspectiva, a história da “transformação” é a face oculta do movimento de mediação, pois ela se refere à força oculta que motiva o envolvimento dos praticantes. Outros autores e praticantes que trabalham esta perspectiva são Davis (1989DAVIS, Albie M. The logic behind the magic of mediation. Negotiation Journal, v. 5, n. 1, p. 17-24, 1989.), Riskin (1982RISKIN, Leonard. Mediation and lawyers. Ohio State Law Journal, n. 43, p. 29-60, 1982.), Menkel-Meadow (1991) e Dukes (1993DUKES, Frank. Public conflict resolution: a transformative approach. Negotiation Journal , v. 9, n. 1, p. 45-57, 1993.). De acordo com tal história:

[...] a promessa original de mediação reside na sua capacidade de transformar o caráter tanto dos indivíduos litigantes quanto da sociedade como um todo. Em razão de sua informalidade e consensualidade, a mediação permite com que as partes definam seus próprios problemas e metas e, dessa forma, validem a importância desses problemas e metas em suas vidas. Além disso, a mediação estimula as partes a um exercício de autodeterminação a partir do qual elas decidem como (ou até mesmo se devem) resolver uma disputa. E isso contribui para que as partes mobilizem recursos no sentido de identificarem seus problemas e atingirem suas metas. O movimento da mediação tem (pelo menos em certa medida) empregado essas capacidades do processo para auxiliar as partes em disputa a fortalecerem suas habilidades em lidar com circunstâncias adversas de todos os tipos, não somente com casos imediatos, mas com situações futuras. Os participantes na mediação ganham uma maior sensação de autorrespeito, autoconfiança e independência. A isto se tem denominado a dimensão do “empoderamento” do processo da mediação (BUSH & FOLGER, 1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994., p. 20).

A quarta “história”, a da “opressão”, difere radicalmente das demais. Ao passo que as três histórias anteriores procuram formular prescrições ou estabelecer diretrizes e metas para cumprir o que os autores entendem ser o valor ou o objetivo social mais importante a ser atingido pela mediação, a história da “opressão” trabalha a dimensão crítica de todo o movimento da mediação, de forma a evidenciar os efeitos sociais negativos de sua concepção e operacionalização. Entre os principais críticos estão Abel (1982ABEL, Richard. The contradictions of informal justice. In: ______. (Ed.). The politics of informal justice. New York: Academic Press, v. 1, 1982.), Delgado et al. (1985DELGADO, Richard et al. Fairness and formality: minimizing the risk of prejudice in alternative dispute resolution. Wisconsin Law Review, n. 6, p. 1359-1391, 1985.), Fineman (1988FINEMAN, Martha. Dominant discourse, professional language and legal change in child custody decision making. Harvard Law Review, v. 101, n. 4, p. 727-774, 1988.), Fiss (1984FISS, Owen. Against settlement. Yale Law Journal, v. 9, n. 6, p. 1073-1090, 1984.), Nader (1990NADER, Laura. Harmony ideology: justice and control in a Zapotec Mountain Village. Palo Alto: Stanford University Press, 1990.; 1992) e Barker (2009BARKER, Michael. Alternative dispute resolution or revolution. State of Nature, 21 Jan. 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.stateofnature.org/?p=6014 . Acesso em: 10 jun. 2010.
http://www.stateofnature.org/?p=6014...
). A análise crítica dessa história sugere que:

[...] mesmo que o movimento tenha começado com a melhor das intenções, a mediação tornou-se um perigoso instrumento que aumenta o poder dos mais fortes e tira vantagem dos mais fracos. Pela informalidade e consensualidade de seu processo e, consequentemente, pela ausência de regras processuais e materiais, a mediação pode ampliar desequilíbrios de poder e dar margem para a coerção e manipulação por parte das partes mais fortes. Entretanto, a postura de “neutralidade” exime o mediador de prevenir esse processo. Portanto, em comparação com o processo legal formal, a mediação frequentemente produz resultados injustos, isto é, produz resultados de maneira desproporcionada e injustificadamente favorável às partes mais fortes. Ademais, pela sua privacidade e informalidade, a mediação fornece aos mediadores um amplo poder estratégico para controlar a discussão, o que favorece qualquer tipo de bias por parte dos mesmos. Tal bias pode afetar a seleção e elaboração das questões, a apreciação e classificação das opções de solução do problema, bem como em vários outros elementos que influenciam os resultados. Uma vez mais, como resultado, a mediação tem frequentemente produzido resultados injustos. [...] Finalmente, uma vez que mediação lida com disputas sem levar em conta o interesse público em geral, ela resulta em uma desagregação e privatização de problemas de classe e de interesse público. Assim, as partes mais fracas se tornam incapazes de organizarem-se naturalmente em uma causa comum e o interesse público mais amplo é ignorado e indeterminado (BUSH & FOLGER, 1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994., p. 22-23, grifos do autor).

A análise de Bush e Folger (1994BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: responding to conflict through empowerment and recognition. San Francisco: Jossey-Bass, 1994.) do “movimento da mediação” pode ser simplificada em dois grandes grupos: o dos apologistas e propaladores dos métodos da mediação (que incluiria os autores das histórias da satisfação, da justiça social e da transformação) e a dos críticos a tais métodos (os autores da história da opressão). Cada grupo justifica seu ponto de vista sobre a temática valendo-se de argumentos para justificar suas práticas ou apresentar críticas às demais.

Cabe aqui, mesmo que brevemente, definir um pouco do repertório dos métodos de resolução negociada de conflito. Ainda que as definições dos últimos não sejam consensuais, tendo em vista a heterogeneidade e a diferenciação metodológica das correntes, acredita-se que a identificação e a descrição a seguir forneçam um bom panorama.

Quadro 1
Métodos de resolução negociada de conflito

De forma geral, procuramos demonstrar, neste artigo, que a resolução negociada de conflito e seus discursos e práticas foram, ao longo da história, aplicados nas dinâmicas conflitivas de diferentes áreas: nos conflitos entre Estados (diplomacia internacional); nos conflitos dentro da relação capital-trabalho (conflitos trabalhistas); nos conflitos na esfera comercial; nos conflitos no âmbito do sistema judicial; e nos conflitos dentro das empresas (no setor de gestão de pessoas). Ademais, buscamos evidenciar que a formação do campo da resolução negociada inscreve-se em um processo de reconfiguração do sistema político-econômico capitalista desde os períodos de guerra, no final do século XIX e no início do século XX, até mais recentemente, nos contornos do período de “pós-democracia consensual” (RANCIÈRE, 1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.).

Para a consecução do objetivo elencado, procuramos empreender uma genealogia do campo da resolução negociada de conflito e sua disseminação em diferentes áreas, identificando seus discursos e práticas. Nessa etapa, partimos do entendimento de que toda construção discursiva (noções de direito, justiça, sociedade bem ordenada, consenso e solidariedade) e toda prática são contingentes e precárias e são resultado de determinados arranjos históricos. Além disso, notadamente no período de pós-democracia consensual, buscamos refletir acerca da possibilidade de que o sentido de tais discursos e práticas seja, sobretudo, o de esvaziar o debate político ampliado por meio de um apelo ao consenso, limitando ou impedindo o exercício da reflexão e da discussão para a politização de problemáticas que afetam a vida coletiva.

A resolução negociada na diplomacia internacional

A emergência da busca por formas modernas de resolução negociada de conflito esteve intimamente ligada às teorias elaboradas para responder às preocupações e aos problemas enfrentados nos períodos de guerra no contexto internacional do final do século XIX e início do século XX.

Em uma época marcada pela influência da corrente teórica do liberalismo (inspirada na visão da paz perpétua de Kant e movida pelo desejo de evitar conflitos), surgem tratados internacionais que foram consagrados com o intuito de promover a solução pacífica de conflitos entre os Estados, como: a Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais, de 1899; a Segunda Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais, de 1907; e o Ato Geral para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais, de 1928, mais conhecido como Ato Geral de Arbitragem de Genebra. Em âmbito regional, é válido mencionar, no continente americano, o Tratado Interamericano sobre bons Ofícios e Mediação, de 1936, e o Tratado Interamericano de Soluções Pacíficas de Litígios, de 1948, denominado Pacto de Bogotá.

No plano da diplomacia internacional, cabe destacar ainda a elaboração dos Catorze Pontos de Wilson,4 4 OsCatorze Pontos de Wilson são proposições apresentadas pelo então presidente norte-americano Woodrow Wilson em seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos em 8 de janeiro de 1918 para a reconstrução da Europa após a Primeira Guerra Mundial. Seu objetivo era garantir a paz e evitar novos confrontos motivados pela vingança ou pelos interesses políticos e econômicos. que serviram de base para o Tratado de Versalhes, de 1919, e proclamaram a elaboração de uma nova abordagem diplomática, com negociações abertas e acordos públicos. Tal visão levou à criação da Sociedade das Nações, primeira tentativa formal de criar uma organização internacional baseada no princípio da segurança coletiva, visando à resolução de conflitos, com uma estrutura permanente e uma Carta codificada.

Com a extinção da criação da Sociedade das Nações em 1946, o organismo passou suas responsabilidades à então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), cujo objetivo declarado foi o de facilitar a cooperação em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, direitos humanos e realização da paz mundial. Assim, dispõe o art. 2º da Carta das Nações Unidas5 5 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, concluindo a Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional. Entrou em vigor em 24 de outubro de 1945. que: “todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais” (ONU, 1945ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Washington: ONU, 1945. Disponível em: Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf . Acesso em: 8 nov. 2012.
http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta...
). Ademais, o art. 33 da mesma Carta complementa:

[...] as partes, em uma controvérsia que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha (ONU, 1945ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Washington: ONU, 1945. Disponível em: Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf . Acesso em: 8 nov. 2012.
http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta...
).

A resolução negociada nas relações trabalhistas

Além do plano da diplomacia internacional, a perspectiva da resolução negociada de conflito inseriu-se igualmente na esfera das relações trabalhistas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT),6 6 A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. criada em 1919 como parte do Tratado de Versalhes, convencionou a possibilidade de negociação coletiva dos contratos de trabalho e, na eventualidade de litígios envolvendo estes contratos, o desenvolvimento de métodos de resolução negociada como forma de “solucioná-los”.

A Convenção OIT nº 98, de junho de 1949, prevê as negociações coletivas baseadas no tripartismo e nos mecanismos alternativos de negociação e estimula os países conveniados a adotar diversas proposições relativas à aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva. O art. 4º da Convenção nº 98 assim dispõe:

[...] deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego (OIT, 1949OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 98. Brasília: OIT, 1949.).

Em sua Recomendação nº 92, de 29 de junho de 1951, a OIT preconiza o desenvolvimento e o aprimoramento de dois métodos de resolução negociada de conflito trabalhista no âmago dos Estados-membros: a conciliação e a arbitragem. No item 1, capítulo I da referida resolução, consta sobre a conciliação que: “devem ser estabelecidos organismos de conciliação voluntária, apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir com a prevenção e a solução dos conflitos laborais entre empregadores e trabalhadores” (OIT, 1951______. Resolução nº 92. Brasília: OIT, 1951.). Os itens 3 (2) e 4 do mesmo capítulo dispõem que:

3 (2) - Devem ser adotadas disposições para que o procedimento de conciliação voluntária possa ser entabulado por iniciativa de uma das partes em conflito ou por organismos de conciliação voluntária.

4 - Se um conflito for submetido a um procedimento de conciliação com o consentimento de todas as partes interessadas, estas devem ser incentivadas a se absterem de recorrer a greves e a lockouts[7 7 É importante salientar que no Brasil é vedado o lockout, que é o fechamento do estabelecimento de trabalho pelo empregador, impedindo os empregados de trabalhar. ] enquanto durar o processo de conciliação (OIT, 1951______. Resolução nº 92. Brasília: OIT, 1951., grifos do autor).

Isso vale também para a citada recomendação para a arbitragem: “se um conflito for submetido a um procedimento de arbitragem com o consentimento de todas as partes interessadas, estas devem ser incentivadas a se absterem de recorrer a greves e a lockouts enquanto durar o processo de arbitragem e a aceitarem a sentença arbitral” (OIT, 1951______. Resolução nº 92. Brasília: OIT, 1951., item 6, grifos do autor).

O Brasil, que figura entre os membros fundadores da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião, aderiu à referida recomendação de estabelecimento de um organismo de conciliação voluntária na área trabalhista, ao inserir as Comissões de Conciliação Prévia em seu ordenamento jurídico - em 13 de janeiro de 2000, com a Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000 (que alterou e acrescentou artigos à Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) -, permitindo, ainda, a execução do termo de conciliação, um título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho.

A resolução negociada no comércio internacional

No plano do comércio internacional, a resolução negociada faz-se presente pela arbitragem, que possui destaque em diversos textos aplicáveis: Protocolo de Genebra, em 1923 (incorporado pelo Brasil pelo Decreto nº 21.187, de 1932); a Convenção de Nova Iorque, de 1958; a Convenção do Panamá, de 1975; e a Lei-Modelo sobre Arbitragem Comercial (Uncitral), editada pela ONU.

No Brasil, a inserção da Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) deu-se como resultado do esforço empreendido pelo então senador Marco Maciel que, em 3 de junho de 1992, em solenidade no Senado Federal, formulou e encaminhou à apreciação do Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 78/1992. Tal projeto surgiu um ano após e sob influência da criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), criado em 26 de março de 1991, que unia Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em um mesmo bloco econômico. O Mercosul previa, em seu art. 3º e no anexo III, a adoção de um sistema de solução de controvérsias, regulamentado pelo Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991. Neste sistema, estipula-se que os Estados-partes, em uma controvérsia, procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas (art. 2º). Não se alcançando um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, os Estados-partes podem submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum (GMC), que avaliará a situação, propiciando oportunidades às partes para que exponham suas respectivas posições e requerendo, quando necessário, o assessoramento de especialistas. Caso não seja solucionada a controvérsia, qualquer um dos Estados-partes pode comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral, constante no capítulo IV (intitulado Procedimento Arbitral) do Protocolo de Brasília.

Sancionada durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), no qual Marco Maciel era vice-presidente da República, a Lei da Arbitragem insere-se na plataforma da política neoliberal do governo, que postulava uma modernização e uma racionalização do Estado na busca por superar formas ditas “burocráticas” de administrá-lo, bem como no intuito de delimitar sua intervenção no funcionamento do mercado. Marco Maciel apresenta suas pretensões de criar, com a edição da referida Lei da Arbitragem, um mecanismo que liberasse do Estado as questões comerciais que envolvessem interesses e recursos econômicos, ao afirmar que:

[...] a grande parte dos processos na área civil e a quase totalidade das questões comerciais que envolvem interesses e recursos econômicos relevantes podem encontrar, nessa via, o caminho de uma solução natural, consensuada e de enorme praticidade, desde que, como já está começando a ocorrer, sejam criados, sem interferência do Estado, mecanismos e instituições capazes de agilizar conflitos que, na área judiciária, podem levar anos para ser solucionados (MACIEL, 1997MACIEL, Marco. Arbitragem e avanço institucional. Revista do SFI, n. 3, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/201155/arbitragemeavanco.pdf?sequence=1 . Acesso em: 19 set. 2013.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream...
, p. 3-4).

Além das pretensões notadamente voltadas para a desjudicialização e para a busca por agilidade na “solução” dos conflitos na área civil e envolvendo questões comerciais, apela-se também para a criação de mecanismos “inovadores” que trouxessem “consenso” e “soluções pacíficas” para os conflitos. Nas palavras de Maciel:

[...] os mecanismos institucionais decorrentes de todas essas inovações têm por finalidade normatizar as práticas usuais da política, valorizando a conciliação, a busca do consenso e a solução pacífica dos conflitos, garantidoras de um lado da coesão social e da legitimidade, e de outro, da própria governabilidade (MACIEL, 1997MACIEL, Marco. Arbitragem e avanço institucional. Revista do SFI, n. 3, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/201155/arbitragemeavanco.pdf?sequence=1 . Acesso em: 19 set. 2013.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream...
, p. 2).

A resolução negociada e o “enfoque de acesso à justiça”

Cappelletti e Garth (1988CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.) afirmam que o despertar do interesse ao acesso efetivo à justiça levou a três tipos de “ondas” de reforma que emergiram, a partir de 1965, em sequência cronológica nos países do mundo ocidental. A primeira onda desse movimento foi a assistência judiciária, que se concentrou em proporcionar serviços jurídicos para os pobres. Esta primeira onda foi seguida por uma segunda, referente às reformas realizadas com vistas a garantir representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor. A terceira e mais recente onda, denominada pelos autores de “enfoque de acesso à justiça”, representa uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso à justiça de modo mais articulado e compreensivo. Esta terceira onda, ainda que incluindo as soluções e os posicionamentos das ondas anteriores, centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Ela parte da ideia de que a representação judicial - tanto de indivíduos quanto de interesses difusos - não se mostrou suficiente em tornar os novos direitos efetivos para os pobres, os inquilinos, os consumidores e outras categorias que, durante muito tempo, estiveram privadas dos benefícios de uma justiça igualitária. Diante disso, tal reforma constitui-se em esforços no enfrentamento da inflação de demandas judiciais, por meio da criação de instituições e métodos - em grande parte de resolução negociada - como forma de melhor processar as demandas ou mesmo preveni-las.

A partir do novo enfoque adotado pela terceira onda, reclama-se ao Judiciário soluções mais harmônicas para os problemas e conflitos, de forma que o processo civil adapte-se aos diferentes tipos de litígio, que podem variar de acordo com suas “complexidades”, com o “montante de suas controvérsias” e com o tipo de “repercussão” (coletiva e/ou individual) encontrada (CAPPELLETTI E GARTH, 1988CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988., p. 26-27). Para a realização de tal proposta, espera-se que seja desenvolvido um conjunto mais variado e dinâmico de serviços que se estabeleça para além das decisões produzidas pelos juízes tradicionais, dos quais se constituem exemplos a mediação ou outros métodos de interferência apaziguadora. Trata-se, como sustenta Sadek (2004SADEK, Maria Teresa. Judiciário: mudanças e reformas. Estudos Avançados, v. 18, n. 51, p. 79-101, 2004.), de uma busca por uma nova mentalidade nos profissionais do Direito, mais aberta e menos formalista, principalmente nos juízes, serventuários da justiça, advogados, procuradores e promotores, substituindo a postura de árbitro, em um jogo de soma zero, por uma de pacificação, em uma arena de composições e acertos. No bojo dessa dinâmica, há todo um esforço no sentido de se criar novas arenas de tratamento de conflito, como é o caso dos Juizados Especiais, bem como há toda uma busca por recaracterizar ou reconfigurar instituições vinculadas às arenas tradicionais de tratamento de conflito, como, por exemplo, o Ministério Público. Enxerga-se, nessa dinâmica, a própria evolução do direito e do Estado em sua função privilegiada de “manutenção da paz e ordem social”:

[...] promover os Juizados Especiais faz parte desta evolução. Implementar em seu seio práticas processuais inovadoras e participativas torna a caminhada frutífera. Etapas do procedimento são queimadas. Enxerga-se a problemática por trás da causa. As partes se sentem mais honradas. Tornam-se mais cientes de suas ações. Gera-se comprometimento e aceitação. Há menos inconformismo. Têm-se uma visão clara dos interesses em julgamento. Crer em novas formas de pacificação social traz, em verdade, a certeza de que não estamos paralisados. Criatividade é a palavra. Ativistas sim, atávicos nunca (VIDAL, 2008VIDAL, Cláudia Márcia Gonçalves. Juizado especial criminal. Passo a passo. Um diálogo com o povo. Banco do Conhecimento, 31 jul. 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=1b840208-ba31-406e-9a8a-6b753af96ba5&groupId=10136 . Acesso em: 18 jul. 2013.
http://www.tjrj.jus.br/c/document_librar...
, p. 3).

A resolução negociada dentro da racionalidade da empresa capitalista

Os imperativos do discurso da gestão empresarial, suas formas de racionalidade e suas propostas de organização humana são também uma referência decisiva para o campo da resolução negociada de conflito. A ideia de “negociação”, inventada pelos membros do Departamento de Relações Humanas ou Relações Industriais (DRH) para referir-se ao encaminhamento das reinvindicações, contestações e rebeldias a uma “solução” que seja “do contento das partes” (CHAUI, 1984CHAUI, Marilena. Desvios 3: considerações sobre o realismo político. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984., p. 15), bem como uma série de outros ideários, como, por exemplo, o da eficiência e eficácia, fazem parte da construção discursiva desse campo e se constituem na maneira pela qual pautam suas práticas.

O campo da resolução negociada de conflito ocorre em consonância com os novos imperativos de racionalidade que caracteriza a empresa capitalista como um tipo peculiar de organização social que busca não somente obter desempenhos mais eficazes e eficientes de produção, como também procura resolver conflitos, divergências e antagonismos que possam colocar em jogo este desempenho. Como aponta Chaui (1984CHAUI, Marilena. Desvios 3: considerações sobre o realismo político. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.):

[...] a grande empresa [...] pensada como devendo obter de todos os seus membros o desempenho mais eficaz, mais eficiente e mais produtivo de todas as funções, introduz como imperativo da racionalidade a ideia de plena separação entre decisão e execução, concepção e tarefa. Ao mesmo tempo, aparece outro imperativo: trata-se de considerar todos os conflitos (de classe), todas as divergências (entre setores da empresa) e todos os antagonismos como problemas individuais, seja de origem psicológica (desadaptação, disfunção etc.), seja de ordem familiar (desajustes e dificuldades entre membros de uma família trabalhadora), seja de ordem psicossocial (os comportamentos ‘associais’). Faz parte da administração racional ou da chamada gerência científica, um departamento constituído por técnicos encarregados de lidar com os conflitos, as divergências e os antagonismos para neutralizá-los ou desfazê-los. Trata-se do Departamento de Relações Humanas ou Relações Industriais (DRH). [...] O DRH trata de criar canais paralelos ou “informais” de comunicação e de ajustamento (que, se malsucedidos, cedem lugar à repressão pura e simples), visando negociar a paz empresarial e, pela negociação terapêutica ou assistencial, preparar caminho para a negociação trabalhista propriamente dita (CHAUI, 1984CHAUI, Marilena. Desvios 3: considerações sobre o realismo político. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984., p. 14-15).

O avanço dessa racionalização segue as transformações das bases organizacionais contemporâneas que vêm enfatizando a construção de estruturas alternativas em que predominam racionalidades voltadas para o “consenso e a democratização” (ROTHSCHILD-WHITT, 1979ROTHSCHILD-WHITT, Joyce. The collectivist organization: an alternative to rational-bureaucratic models. American Sociological Review , n. 44, p. 509-527, 1979.; HECKSCHER, 1994HECKSCHER, Charles. Defining the post-bureaucratic type. In: HECKSCHER, Charles; DONNELLON, Anne (Eds.). The post-bureaucratic organization: new perspectives on organizational change. California: Sage, 1994.) e para um apelo a “mais democracia e menos burocracia” (MINTZBERG, 1995MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes. São Paulo: Atlas, 1995.). Essas transformações, por conseguinte, são fruto de um momento de crise8 8 Refere-se aqui à crise estrutural do capital, ocorrida a partir do início da década de 1970, em suas múltiplas dimensões: esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; hipertrofia da esfera financeira; crise do Estado do bem-estar social etc. e de reordenação do processo produtivo para superar tal crise, o que implicou mudanças não só no plano econômico como no plano político e ideológico. Tais mudanças buscam não só reorganizar (em termos capitalistas) o processo produtivo, mas procuram igualmente gestar um projeto de recuperação da hegemonia nas mais diversas formas de sociabilidade (ANTUNES, 1999ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.). A essas estruturas alternativas dão-se diferentes denominações: coletividades, organizações flexíveis, adhocracias ou pós-burocracias (HATCH, 1997HATCH, Mary. Organization theory: modern, symbolic and postmodern perspectives. Oxford: Oxford University Press , 1997.).

A resolução negociada de conflito e seu apelo ao consenso

O desenvolvimento do campo da resolução negociada de conflito dá-se em consonância com a ideia de “consenso”, principalmente a partir da celebração do Consenso de Washington, de maneira que esta invade as agendas públicas internacionais de discussão sobre o desenvolvimento, especialmente em matéria de combate à pobreza e de políticas sociais. A partir de então, os “consensos”, emanados, em sua grande maioria, das agências internacionais da ONU (como o Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - Pnud etc.), passam a tratar de objetivos, compromissos, instrumentos estabelecidos em conferências que trazem geralmente o nome da cidade em que foram realizadas: Monterrey, Cairo, Beijing, Copenhague etc.

A disseminação do discurso do consenso e de boa parte dos métodos de resolução de conflito acontece ainda no final dos anos 1980, a partir da grande influência que o Consensus Building Institute (CBI), do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, passa a ter sobre organizações internacionais como o Banco Mundial, o Pnud, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Asiático de Desenvolvimento, o State of the World Forum, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, bem como sobre diversos governos. Coordenado por especialistas em planejamento territorial, ambientalistas e outros experts, o CBI propõe e vende intervenções de métodos como os de facilitação e mediação para tipos de conflitos extremamente diversos (LAUTIER, 2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.). Ele é um dos responsáveis pela construção de uma linguagem específica do campo da resolução negociada, a começar pelo sentido específico dado à palavra “consenso”, que passa a conotar “acordo”, e pelos diferentes significados atribuídos ao “conflito”, que muitas vezes passa a ser tratado como “disputa” ou “controvérsia”.9 9 Spangler (2003) analisa a maneira com que certos autores do campo da resolução negociada promovem distinções entre alguns termos, enquanto outros costumam usá-los indistintamente. Spangler demonstra, por exemplo, que alguns autores consideram disputas e conflitos como sendo fenômenos diferentes, com base em sua natureza e duração, enquanto outros os tratam como similares. A construção dessa linguagem específica do campo da resolução negociada inclui termos como, além da “construção de consenso” (consensus building) (SUSSKIND, MCKEARNAN E THOMAS-LARMER, 1999SUSSKIND, Lawrence; MCKEARNAN, Sarah; THOMAS-LARMER, Jennifer. The consensus building handbook: a comprehensive guide to reaching agreement. Thousand Oaks: Sage, 1999.), “colaboração” (collaboration) (DUKES E FIREHOCK, 2001DUKES, Frank; FIREHOCK, Karen. Collaboration: a guide for environmental advocates. Charlottesville: Institute for Environmental Negotiation, 2001.), “aprendizagem colaborativa” (collaborative learning) (DANIELS E WALKER, 2001DANIELS, Steven; WALKER, Gregg. Working through environmental conflict: the collaborative learning approach. Westport: Praeger, 2001.), “gestão colaborativa de recursos naturais” (collaborative natural resource management) (CONLEY E MOOTE, 2001CONLEY, Alex; MOOTE, Ann. Collaborative conservation in theory and practice: a literature review. Tucson: Udall Center for Studies in Public Policy, 2001.), “colaboração de base comunitária” (community-based collaboration),10 10 Para mais informações, ver a página do Community Based Collaboratives Research Consortium (CBCRC), disponível em: <www.cbcrc.org>. “conservação de base comunitária” (community-based conservation) etc. Essa mudança de vocabulário ocorre também dentro dos discursos das instituições internacionais, que passam a incorporar novas palavras (como, por exemplo, capabilities/capacidades e empowerment/empoderamento) e substituir outras (“pobreza” por “vulnerabilidade”).11 11 Lautier (2010) afirma que a substituição do vocabulário das instituições internacionais indica uma mudança nas abordagens de seus programas e projetos. É assim que a substituição da ideia de “combate à pobreza” para a de “combate à vulnerabilidade” reflete a mudança de ênfase na “compaixão vitimizante” (o pobre que se ajuda) para a ênfase na “atenção paternal” (o vulnerável que é ajudado a ajudar-se, e é protegido enquanto continuar frágil).

O esforço pela construção de uma linguagem específica para a resolução negociada de conflito busca promover uma espécie de distinção linguística que envolve um distanciamento de linguagens jurídicas e formais e uma aproximação, como sustenta Nader (1996______. A civilização e seus negociadores: a harmonia como técnica de pacificação. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 19., 1996, Salvador. Anais... Salvador: ABA, 1996.), de uma linguagem terapêutica usada para descrever como os interesses conflitantes e antagônicos podem ser negociados. Um exemplo de tal asserção é o uso frequente de expressões como “aprendizado mútuo”, “partilha de informações”, “diálogo construtivo” etc. Além da busca por uma distinção linguística, a construção desta linguagem envolve igualmente a disseminação de determinadas crenças e valores do que determinados grupos (no caso, os propositores da resolução negociada) acreditam que deva ser a realidade.

Alguns exemplos de instituições americanas (além do já citado CBI) que trabalham com tais métodos são: Center for Public Policy Dispute Resolution, da Universidade do Texas; Florida Conflict Resolution Consortium, da Universidade do Estado da Flórida e da Universidade Central da Flórida; Center for Collaborative Policy, da Universidade do Estado da Califórnia; Common Ground, da Universidade da Califórnia; Oregon Consensus, da Universidade Estadual de Portland; Kukin Program for Conflict Resolution, da Universidade de Yeshiva; Program on Negotiation (PON), da Universidade de Harvard; The William D. Ruckelshaus Center, da Universidade do Estado de Washington e da Universidade de Washington; Massachusetts Office of Dispute Resolution and Public Collaboration, da Universidade de Massachusetts; Ohio Commission on Dispute Resolution; Maryland Conflict Resolution (Macro); Institute for Environmental Negotiation, da Universidade de Virgínia; Center for Negotiation and Conflict Resolution, da Universidade do Estado de New Jersey; Environmental Protection Agency (EPA); US Institute for Environmental Resolution; Community Focus; Institute for Local Government etc.

A emergência do discurso do consenso é evidenciada por Lautier (2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.), quando chama a atenção para o processo de mudança de foco dos debates sobre políticas públicas na América Latina e no resto do mundo que teriam passado da ênfase no conflito para o consenso. Segundo o autor, dos anos 1940 a meados dos anos 1990, houve uma série de debates e conflitos intensos em grande parte dos países. Durante esse período, acirraram-se as discussões sobre o grau de universalização do acesso às prestações, o esfacelamento ou, ao contrário, a necessidade de unificar os regimes de seguridade social. Foram também amplamente discutidas as medidas assistenciais e, evidentemente, o custo das políticas sociais. Para ele, entretanto, não obstante o clima conflituoso, esse ambiente de debate e as próprias políticas sociais em si significaram mais do que uma questão política relevante, pois “elas estão no cerne do campo político, que se compõe e recompõe em torno delas” (op. cit., p. 354).

Para Lautier (2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.), todo esse ambiente de debate político teria perdido clareza a partir dos anos 1990 e acabado por desaparecer por completo no início dos anos 2000, dando lugar a um consenso que se desdobra em vários campos. De início, os objetivos destes consensos são extremamente gerais e imprecisos: combater a pobreza, promover o direito das mulheres, universalizar a proteção social etc. Porém, com o tempo, passam a ter objetivos mais refinados, tratando de compromissos assinados solenemente por numerosos chefes de Estado. Como bem define o autor:

[...] os consensos concernem, enfim, aos instrumentos a serem privilegiados - a distribuição de alimentos, o microcrédito, os conditional cash transfers/os programas condicionados de transferência de renda [...] -, que se sucedem sem que sejam explicitadas as razões do abandono dos precedentes. Na realidade, os consensos são raramente definitivos, já que é preciso renová-los, modificá-los, e até mesmo negar os anteriores (LAUTIER, 2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010., p. 355, grifos do autor).

Tais consensos dificilmente são nacionais ou têm origem interna em algum país; são antes mundiais, proclamados por alguma agência da ONU ou assembleia de chefes de Estado. Voltados para eliminar disparidades e diferenças históricas entre os países, tais consensos impõem-se nos debates políticos nacionais ao proclamarem instrumentos de políticas sociais que possuem uma suposta validade universal, de “valores comuns”, representada na ideia de que o que é bom para um país é necessariamente bom para todos. Dessa forma, “recorrer ao consenso (exógeno) torna-se um instrumento de circunscrição, e até mesmo do fim do debate político” (LAUTIER, 2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010., p. 355). Nesse processo, os regimes políticos nacionais passam a ser concebidos e postos em prática pelos mecanismos fiscalizadores e controladores dos mais diversos organismos multilaterais e órgãos (formais e informais) da chamada “governança multinível” (FARIA, 2008FARIA, José Eduardo. Direito e conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008.).

É nesse sentido que, para Lautier (2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.), em termos de políticas sociais, a função do consenso é a de terminar e proibir o debate antes mesmo que ele se inicie, eliminando a questão dos direitos e da democracia da discussão sobre tais políticas em nome de uma evidência moralmente fundada e de uma comunidade de valores nunca verificada.

A análise de Lautier (2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.) sobre a mudança de foco dos debates políticos ao longo das décadas citadas aproxima-se da reflexão de Rancière (1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.) sobre as transformações nos rumos da democracia, que envolveu um processo de ruína dos “mitos” do povo e da “democracia real” e a consolidação da chamada “democracia formal”. Segundo o autor, com a falência dos sistemas totalitários e o abandono da dupla figura do povo que pesou sobre a política na era das revoluções modernas (a identificação rousseauniana do povo ao sujeito da soberania e a identificação marxista do trabalhador como figura social empírica e do proletário ou produtor como figura de uma superação da política em sua verdade), deu-se a vitória da “democracia formal”. Entretanto, esta vitória veio acompanhada por uma sensível perda de afeição por suas formas, representada na perda da busca pelo reforço da adesão aos dispositivos institucionais da soberania do povo e principalmente às formas do controle parlamentar. Essa situação estabelece o seguinte paradoxo:

[...] na época em que as instituições da representação parlamentar eram contestadas, em que prevalecia a ideia de que elas eram “apenas formas”, eram no entanto objeto de uma vigilância militante bem superior. E vimos gerações de militantes socialistas e comunistas lutarem ferozmente por uma Constituição, direitos, instituições e funcionamentos institucionais dos quais diziam, por outro lado, que exprimiam o poder da burguesia e do capital. Hoje, a situação se acha invertida [...], a sabedoria democrática não seria tanto a atenção escrupulosa a instituições que garantem o poder do povo por meio de instituições representativas, mas a adequação das formas de exercício do político ao modo de ser de uma sociedade às forças que a movem, às necessidades, interesses e desejos entrecruzados que a tecem. Seria a adequação aos cálculos de otimização que se operam e se entrecruzam no corpo social, aos processos de individualização e às solidariedades que eles mesmos impõem (RANCIÈRE, 1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996., p. 100-101).

É a partir desse novo contexto que se instaura o que Rancière (1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.) chama de “pós-democracia consensual”, entendida por ele como a prática governamental e a legitimação conceitual de uma democracia de depois do demos, concebida por meio da prática consensual do apagamento das formas do agir democrático que, desconsiderando as desigualdades e clivagens estruturais, concebe indivíduos e entidades como “atores da sociedade civil” igualmente responsáveis pelos “problemas” e pelas “soluções” a serem enfrentados em sociedade. Para Rancière (1996):

[...] o que o consenso pressupõe, portanto, é o desaparecimento de toda distância entre a parte de um litígio e a parte da sociedade. É o desaparecimento do dispositivo da aparência, do erro de cálculo e do litígio abertos pelo nome do povo e pelo vazio de sua liberdade. É, em suma, o desaparecimento da política. Ao dispositivo ternário da democracia, isto é, da política, opõe-se estritamente a proposta de um mundo em que tudo se vê, em que as partes se contam sem resto e em que tudo se pode regular por meio da objetivação dos problemas (RANCIÈRE, 1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996., p. 105).

Nesse sentido, de acordo com Rancière (1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.), a política deve se estabelecer em contraposição a esse consenso e deve ter como base o conflito - a angustiante presença da dissonância que o outro impõe. Para ele, a política, longe de controlar o conflito ou submetê-lo a uma maquinaria que o transforme em consenso, deve lhe conferir potência, ou seja, tornar falante e ouvinte o estrangeiro que é cada uma das partes do povo entre si.

Semelhante crítica ao consenso como elemento anulador da dimensão política é realizada por Mouffe (1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996.) em sua análise sobre o liberalismo político. Para a autora, o liberalismo político busca encontrar um princípio de unidade social sob a forma de uma neutralidade baseada na racionalidade. Para a realização de tal proposta, há a relegação do pluralismo e da discordância para a esfera privada, a fim de garantir o consenso no domínio público, fazendo com que todas as questões controversas sejam retiradas da agenda de debate para que se criem condições para um consenso racional. Nesse processo, a política é encarada como uma espécie de negociação racional entre indivíduos que oblitera toda dimensão de poder e antagonismo próprio das relações sociais. Como afirma a autora:

[...] a alegação liberal de que um consenso racional universal poderia ser obtido mediante um diálogo sem distorções e que uma discussão pública livre poderia garantir a imparcialidade do Estado só é possível negando o irredutível elemento antagônico presente nas relações sociais, o que pode ter consequências desastrosas para a defesa das instituições democráticas. Negar o político não o faz desaparecer, apenas conduz ao espanto perante as suas manifestações e à impotência no seu tratamento (MOUFFE, 1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996., p. 186-187).

Para Mouffe (1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996.), a dimensão do político radica-se em relações antagônicas que alteram seu conteúdo no exato momento em que suas lutas políticas são empreendidas. Nesse sentido, a constituição das noções de direito, de justiça, de sociedade bem ordenada, e mesmo a construção de consenso, são construções discursivas sempre contingentes e precárias. Desse modo, o consenso pode ser considerado como um arranjo histórico e contingente, fruto de um tipo de formulação política que busca hegemonizar seus conteúdos socialmente. O consenso, em sua proposta de abranger a todos os interesses, é o resultado de uma imposição política excludente, pois desconsidera outras formas de tomadas de decisão, outras manei ras de conceber o jogo democrático, uma vez que as relega à condição de formulações políticas inferiores. Seguindo essa assertiva, a autora declara que:

[...] o liberalismo ignora o fato de dizer respeito à construção de identidades coletivas e à criação de um “nós” em contraposição a um “eles”. A política, como tentativa de domesticar o político, de manter afastadas as forças de destruição e estabelecer a ordem, está sempre relacionada com conflitos e antagonismos. Exige a compreensão de que todos os consensos são, por necessidade, baseados em atos de exclusão e de que nunca poderá existir um consenso “racional” absolutamente abrangente (MOUFFE, 1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996., p. 186-187).

O processo de exclusão obtido por meio do consenso é justificado pela argumentação de que tais exclusões são produto do “livre exercício da razão prática” e do acordo livre resultante de seus procedimentos racionais (“véu da ignorância” ou diálogo racional). Tendo como base esse discurso de racionalidade e neutralidade, as exclusões e também o consenso aparecem isentos de relação de poder. Assim posto, “a racionalidade é a chave para a resolução do ‘paradoxo do liberalismo’: como eliminar os adversários mantendo-se neutro” (MOUFFE, 1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996., p. 188).

O discurso do consenso, de maneira semelhante ao “discurso de solidariedade” - também propalado pelos organismos multilaterais (Demo, 2002DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez, 2002.) -, tende a encobrir os contextos dos efeitos de poder sobre os quais as relações históricas de dominação, exploração e desigualdade entre sociedades foram engendradas, bem como abandona a marca ambivalente, não linear e dialética de qualquer formação histórica. Nesse aspecto, o ideal de consenso parece aproximar-se do que Demo (2002) chama de “solidariedade como utopismo”. Segundo o autor,

[...] a solidariedade torna-se utopismo quando imagina implantar na história a sociedade em que todos cooperam para o bem comum, mantendo-se a este como paradigma social exclusivo e intocável. Absolutiza expressões historicamente relativas. No limite, trata-se de noção ditatorial, ao pretender que todos se alinhem à ideia única, como se alguma história específica pudesse ser erigida em parâmetro exclusivo para todas as histórias (DEMO, 2002DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez, 2002., p. 145).

Nesse tocante, o sentido do consenso, tal qual o sentido da solidariedade apontado por Demo (2002DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez, 2002.), decai para a proposta salvacionista, que acaba corroborando a falência das políticas públicas e eleva expectativas de marketing social privado. Na esteira desse processo, os Estados (principalmente na Ásia e na América Latina) têm sido compelidos a substituir a ideia de “universalização”, pela qual o poder público oferece serviços e benefícios para a população como um todo (direitos básicos de saúde, educação, saneamento etc.), por políticas de focalização. Por meio destas, os gastos sociais devem concentrar-se em públicos-alvo definidos e selecionados em situações-limite de sobrevivência, de maneira a garantir a maximização da eficiência de recursos escassos (KERSTENETZKY, 2006KERSTENETZKY, Celia Lessa. Políticas sociais: focalização ou universalização? Revista de Economia Política, v. 26, n. 4, p. 564-574, 2006.).

Os discursos da solidariedade e do consenso, por trás de suas pretensões democráticas, teriam uma função hegemônica, pois contestá-los implicaria colocar-se “fora do jogo”, fora do novo tipo de relacionamento internacional que se estabelece. Por outro lado, aceitá-los envolveria submeter-se à aceitação de tudo o que os envolve: a moral da compaixão, a técnica da focalização, a correção das fraudes, as metodologias de resolução de conflitos e divergências etc. (LAUTIER, 2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010.).

Contestando o consenso, como filosofia e como método, e em seu conteúdo, fica-se fora do jogo em todos os planos: no plano da ética, em primeiro lugar. Quem gostaria, de fato, de semear a discórdia sobre o que todos os participantes afirmam seu acordo e o caráter racional e subjetivamente consentido das concessões que eles fizeram? Em seguida, no plano filosófico: quem ousaria contrariar um consenso que baseia a sua legitimidade sobre um constante apelo aos direitos humanos, e onde o direito e a moral estão unificados? No plano da eficácia técnica, em terceiro lugar: a elaboração do consenso é talvez mais onerosa (em tempo e em pagamento de consultores), mas a eliminação dos conflitos posteriores compensa isso, e muito além disso. Enfim, no plano da harmonia das relações sociais, no consenso, não existem perdedores e ganhadores, mas maiorias triunfantes e minorias desgostosas. Só existiriam ganhadores, já que os perdedores eventuais apenas usam as palavras dos ganhadores. O consenso condena a divergência, que deve ser ocultada (LAUTIER, 2010LAUTIER, Bruno. O consenso sobre as políticas sociais na América Latina, negação da democracia? Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 353-368, 2010., p. 366).

Considerações finais

De modo geral, consideramos o campo da resolução negociada de conflito e seus discursos e práticas como o resultado de toda uma transformação político-econômica que tornou possível a utilização de tais discursos e práticas por determinados atores sociais. Nesse tocante, alinhamo-nos a Foucault (2011FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2011.) que, em sua análise do procedimento do inquérito, sustenta que:

[...] nenhuma história feita em termos de progresso da razão, de refinamento do conhecimento, pode dar conta da aquisição da racionalidade do inquérito. Seu aparecimento é um fenômeno político complexo. É a análise das transformações políticas da sociedade medieval que explica como, por que e em que momento aparece este tipo de estabelecimento da verdade a partir de conhecimentos jurídicos completamente diferentes. Nenhuma referência a um sujeito de conhecimento e sua história interna daria conta deste fenômeno. Somente a análise dos jogos de força política, das relações de poder, pode explicar o surgimento do inquérito (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2011., p. 73).

De maneira análoga ao estudo de Foucault do inquérito como fruto de transformações políticas da sociedade medieval, buscamos compreender o campo da resolução negociada como fruto das transformações político-econômicas ocorridas desde o final do século XIX e início do século XX até mais recentemente, nos contornos do período de “pós-democracia consensual” (RANCIÈRE, 1996RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.).

Se outrora, como afirma Adorno (1996ADORNO, Sérgio. A gestão urbana do medo e da insegurança: violência, crime e justiça penal na sociedade brasileira contemporânea. 1996. Tese (Livre-Docência em Ciências Humanas) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.), a constituição de um Estado de Direito cumpriu um papel decisivo na “pacificação da sociedade”, por meio de um Estado moderno que passa a deter o monopólio da soberania jurídico-política e da violência física legítima, contribuindo para a progressiva expropriação das formas tradicionais de resolução de conflito herdadas da alta Idade Média,12 12 Temos como exemplo a autotutela (ou autodefesa), que passa a ser definida como crime, seja quando praticada pelo particular (“exercício arbitrário das próprias razões”, art. 345 do Código Penal brasileiro), seja pelo próprio Estado (“exercício arbitrário ou abuso de poder”, art. 350 do Código Penal brasileiro). cria-se, com a busca pela constituição da resolução negociada, a expectativa de que a desjudicialização dos conflitos mediante o uso de métodos consensuais contribua para a obtenção de uma nova forma de “pacificação da sociedade” - ao identificar os métodos de resolução negociada como formas de obtenção de soluções consensuais que se dão em contraposição ao uso do direito como “forma regulamentada de fazer a guerra” (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2011., p. 56-57), ou seja, como forma de se evitar “o comando frio e enérgico de uma sentença” (DE MIO, 2005DE MIO, Geisa Paganini. O inquérito civil e o termo de ajustamento de conduta como instrumentos efetivos para resolução de conflitos ambientais: a experiência da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos - SP. 2005. Tese (Doutorado em Engenharia) - Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005., p. 28). Nesse caso, como afirma Nader (1996______. A civilização e seus negociadores: a harmonia como técnica de pacificação. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 19., 1996, Salvador. Anais... Salvador: ABA, 1996.), a busca por soluções consensuais para os conflitos, isto é, a “ideologia da harmonia”, transforma a “ética do certo e errado” em “ética do tratamento”. A autora, em sua análise da retórica da resolução alternativa de disputa (alternative dispute resolution - ADR), descreve esse processo:

Comecei a coletar palavras-chave: a ADR estava associada à paz, enquanto a solução mediante disputa judicial era relacionada à guerra. Uma é antagônica, a outra não antagônica. Em uma há confronto, insensibilidade, destruição da confiança e da cooperação, e apenas perdedores, enquanto na outra a cura suave e sensível dos conflitos humanos produz apenas vencedores (NADER, 1996______. A civilização e seus negociadores: a harmonia como técnica de pacificação. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 19., 1996, Salvador. Anais... Salvador: ABA, 1996., p. 49).

No campo da resolução negociada de conflito, espera-se que os resultados do tratamento de conflitos mediante o uso de seus métodos sejam o resultado do “livre exercício da razão prática” e do consenso resultante de seus procedimentos racionais (Mouffe, 1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996.). Entretanto, nesse processo de busca por obtenção de soluções consensuais, corre-se o risco de excluir aqueles que ameaçam a racionalidade que se quer fazer vigorar no ambiente de tratamento dos conflitos, impondo-se, assim, uma “harmonia coercitiva” que “funciona para silenciar pessoas que falam ou atuam colericamente” (NADER, 2002______. The life of the law: anthropological projects. Berkeley: University of California Press, 2002., p. 127). Tendo como base o discurso de racionalidade, tais soluções correm o risco de estarem isentas de relação de poder e, conforme afirma Dryzek (1983 apud Acselrad, Bezerra e Gaviria, 2010ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo; GAVIRIA, Edwin. Inserción económica internacional y “resolución negociada” de conflictos ambientales en América Latina. EURE, v. 36, n. 107, p. 27-47, 2010.), ao serem concebidas em termos de compromissos entre interesses - e argumentos feitos em nome destes interesses -, podem liberar do jogo político as partes envolvidas e obscurecer as questões mais fundamentais a respeito do tipo de futuro que os atores sociais, em sua diversidade, pretendem alcançar. Ademais, caso restrinjam o escopo de participação por meio do uso da razão prática, tais soluções podem tender a não incorporar os distintos esquemas de representação de justiça provindos da realidade social e limitar o sentido de justiça, à semelhança do sentido hobbesiano de “valor justo” ao sentido acertado entre as partes contratantes.

Especificamente no Brasil, há a necessidade de os órgãos tradicionalmente vinculados às arenas tradicionais de tratamento de conflito, como, por exemplo, o Ministério Público, refletirem sobre suas atuações no tratamento de conflito mediante o uso de métodos de resolução negociada de conflito por meio da problematização dos fatores endógenos que envolvem a demanda por tais instrumentos, bem como que façam uma análise exógena do sentido político do fomento de organizações como o Banco Mundial13 13 Referimo-nos à parceria realizada em junho de 2009 entre o Banco Mundial e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para, segundo informações colhidas no informativo do MPMG, “fortalecer a capacidade institucional e aperfeiçoar o sistema de gestão ambiental da instituição”. Para mais informações, ver Minas Gerais (2011). e a ONU14 14 Referimo-nos a uma pesquisa realizada pela Organização Não Governamental (ONG) Viva Rio, que contou com fomento do Pnud, por interveniência do Ministério da Justiça. Nessa pesquisa, foram analisados 14 projetos de prestação de serviços jurídicos alternativos, que constavam no programa Balcão de Direitos, fomentado pelo ministério. Para mais informações, ver Veronese (2007). Conforme alega Schuch (2008, p. 2), “com o objetivo de ajudar o governo brasileiro a modernizar a máquina do Estado e prevenir a criminalidade, o Pnud gerenciou US$ 150 mil, investidos pelo governo brasileiro, neste projeto de cooperação técnica. As ações do projeto estão calcadas num diagnóstico sobre as melhores iniciativas do Judiciário brasileiro, realizado em 2003, possibilitado através de recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”. Vale frisar que esse padrão de fomento por parte dessas instituições multilaterais a projetos judiciários voltados para disseminação de formas alternativas de tratamento de conflitos não é algo exclusivo do Brasil, de modo que se estende a uma série de outros países, como, por exemplo, o Timor-Leste. Para mais informações, ver Simião (2007). a projetos judiciários no Brasil voltados para disseminação de formas alternativas de tratamento de conflitos.15 15 Vale citar também o trabalho de Rebouças e Santos (2012), que analisaram o marco teórico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre direitos humanos a partir de estratégias de acesso à justiça implantadas pela instituição, com ênfase no Manual de Direitos Humanos da International Bar Association, disponibilizado a partir de 2011, como direcionamento de práticas de direitos humanos para a Justiça brasileira. A análise das autoras chama a atenção para o uso de uma perspectiva neoliberalizante para os direitos humanos, marcada por uma política judiciária que passa a seguir um “modelo neoliberal de justiça” que reduz todo o campo de lutas por reconhecimento e emancipação dos direitos humanos a uma orientação para técnicas e boas práticas de gestão. A busca por um entendimento da lógica do fomento a tais projetos surge como uma necessidade fundamental para se compreender a dinâmica das forças sociais e do jogo político que se estabelece dentro do campo da resolução negociada de conflito. Isso porque a procura por esta resolução, mediante a disseminação de discursos de consenso, possui uma gênese e um telos específicos que se pretende alcançar por meio de diretrizes ou, seguindo a perspectiva de Vainer (2002VAINER, Carlos Bernardo. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? Cadernos IPPUR, v. 15, n. 2, v. 16, n. 1, p. 13-32, 2002.), “palavras-de-ordem-político-escalares” difundidas por uma série de organismos multilaterais e órgãos (formais e informais). Tal dinâmica e seu conteúdo imanente devem ser reconhecidos principalmente pelas instituições vinculadas às arenas tradicionais de tratamento de conflitos, que buscam recaracterizar ou reconfigurar suas atuações, de forma a atender aos preceitos da resolução negociada de conflito.

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  • 1
    A construção desse termo neste texto é elaborada analogamente aos “campos” definidos por Bourdieu, tendo como base sua formulação da “noção de campo”, explicitada e desenvolvida em várias de suas obras, em que podem ser encontradas suas definições dos campos “jurídico” e “político”, por exemplo. Para mais esclarecimentos sobre a última, ver Bourdieu (1990) e Bourdieu e Wacquant (1992). Morril e Owen-Smith (2000 apud Acselrad, Bezerra e Gaviria, 2010) chamam de campo da resolução negociada o domínio social delimitado que incorpora premissas institucionais, culturais e cognitivas, em que os atores sociais orientam estrategicamente suas relações, negociando sentidos para suas ações.
  • 2
    Para Simmel, a geometria das relações sociais é independente do tamanho dos atores em um sistema social, mas fortemente influenciada pelo seu número. Em sua análise sobre as relações em tríade, afirma que, entre três elementos, cada um funciona como um intermediário entre os outros dois, exibindo uma dupla função, que é a de unir e separar. Para ele, esse tipo de arranjo não é possível com apenas dois elementos. Além disso, o terceiro elemento também oferece a oportunidade do desenvolvimento de um caráter supraindividual externo, bem como o desenvolvimento interno das partes envolvidas (as escolhas das posições e a formação de uma maioria em uma disputa). Para mais informações, ver Simmel (1902). Essa análise de Simmel inspiraria não somente as perspectivas de resolução negociada de conflito, como também a já citada Teoria dos Jogos, além de influenciar a formulação de uma série de teorias sobre a formação de coalizões. Ver Caplow (1956), Vinacke (1959), Vinacke e Arkoff (1957), Mills (1953) e Gamson (1961).
  • 3
    Cabe ressaltar que, excetuando Deutsch, nenhum dos teóricos citados (ao menos abertamente) possui a ambição de buscar a resolução de conflitos. Em vez disso, colocam o conflito como objeto a ser estudado.
  • 4
    OsCatorze Pontos de Wilson são proposições apresentadas pelo então presidente norte-americano Woodrow Wilson em seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos em 8 de janeiro de 1918 para a reconstrução da Europa após a Primeira Guerra Mundial. Seu objetivo era garantir a paz e evitar novos confrontos motivados pela vingança ou pelos interesses políticos e econômicos.
  • 5
    A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, concluindo a Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional. Entrou em vigor em 24 de outubro de 1945.
  • 6
    A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico.
  • 7
    É importante salientar que no Brasil é vedado o lockout, que é o fechamento do estabelecimento de trabalho pelo empregador, impedindo os empregados de trabalhar.
  • 8
    Refere-se aqui à crise estrutural do capital, ocorrida a partir do início da década de 1970, em suas múltiplas dimensões: esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; hipertrofia da esfera financeira; crise do Estado do bem-estar social etc.
  • 9
    Spangler (2003) analisa a maneira com que certos autores do campo da resolução negociada promovem distinções entre alguns termos, enquanto outros costumam usá-los indistintamente. Spangler demonstra, por exemplo, que alguns autores consideram disputas e conflitos como sendo fenômenos diferentes, com base em sua natureza e duração, enquanto outros os tratam como similares.
  • 10
    Para mais informações, ver a página do Community Based Collaboratives Research Consortium (CBCRC), disponível em: <www.cbcrc.org>.
  • 11
    Lautier (2010) afirma que a substituição do vocabulário das instituições internacionais indica uma mudança nas abordagens de seus programas e projetos. É assim que a substituição da ideia de “combate à pobreza” para a de “combate à vulnerabilidade” reflete a mudança de ênfase na “compaixão vitimizante” (o pobre que se ajuda) para a ênfase na “atenção paternal” (o vulnerável que é ajudado a ajudar-se, e é protegido enquanto continuar frágil).
  • 12
    Temos como exemplo a autotutela (ou autodefesa), que passa a ser definida como crime, seja quando praticada pelo particular (“exercício arbitrário das próprias razões”, art. 345 do Código Penal brasileiro), seja pelo próprio Estado (“exercício arbitrário ou abuso de poder”, art. 350 do Código Penal brasileiro).
  • 13
    Referimo-nos à parceria realizada em junho de 2009 entre o Banco Mundial e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para, segundo informações colhidas no informativo do MPMG, “fortalecer a capacidade institucional e aperfeiçoar o sistema de gestão ambiental da instituição”. Para mais informações, ver Minas Gerais (2011).
  • 14
    Referimo-nos a uma pesquisa realizada pela Organização Não Governamental (ONG) Viva Rio, que contou com fomento do Pnud, por interveniência do Ministério da Justiça. Nessa pesquisa, foram analisados 14 projetos de prestação de serviços jurídicos alternativos, que constavam no programa Balcão de Direitos, fomentado pelo ministério. Para mais informações, ver Veronese (2007). Conforme alega Schuch (2008, p. 2), “com o objetivo de ajudar o governo brasileiro a modernizar a máquina do Estado e prevenir a criminalidade, o Pnud gerenciou US$ 150 mil, investidos pelo governo brasileiro, neste projeto de cooperação técnica. As ações do projeto estão calcadas num diagnóstico sobre as melhores iniciativas do Judiciário brasileiro, realizado em 2003, possibilitado através de recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”. Vale frisar que esse padrão de fomento por parte dessas instituições multilaterais a projetos judiciários voltados para disseminação de formas alternativas de tratamento de conflitos não é algo exclusivo do Brasil, de modo que se estende a uma série de outros países, como, por exemplo, o Timor-Leste. Para mais informações, ver Simião (2007).
  • 15
    Vale citar também o trabalho de Rebouças e Santos (2012), que analisaram o marco teórico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre direitos humanos a partir de estratégias de acesso à justiça implantadas pela instituição, com ênfase no Manual de Direitos Humanos da International Bar Association, disponibilizado a partir de 2011, como direcionamento de práticas de direitos humanos para a Justiça brasileira. A análise das autoras chama a atenção para o uso de uma perspectiva neoliberalizante para os direitos humanos, marcada por uma política judiciária que passa a seguir um “modelo neoliberal de justiça” que reduz todo o campo de lutas por reconhecimento e emancipação dos direitos humanos a uma orientação para técnicas e boas práticas de gestão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2015
  • Aceito
    28 Jan 2016
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