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“Descomemorando” o desastre no Rio Doce: táticas, performances e enquadramentos

“Uncelebrating” the Rio Doce disaster: tactics, performances and frames

“Desconmemoración” del desastre de Rio Doce: tácticas, representaciones y marcos

Resumo:

Excluídos da participação no sistema de governança do desastre no Rio Doce, movimentos sociais e organizações civis promoveram uma onda de protestos a partir de 2015. Como as táticas, performances e enquadramentos adotados nesse ciclo se relacionaram e se transformaram ao longo do tempo? De que forma as demandas por reparação foram expressas e dramatizadas publicamente nesses protestos? Para responder essas questões, aliamos o método da Análise de Eventos de Protesto (AEP) a uma análise compreensiva das performances e enquadramentos presentes em táticas extrainstitucionais reportadas pela mídia e realizadas no Espírito Santo entre 2015 e 2019, com ênfase nos meses de novembro, nos quais é “descomemorado” o aniversário do desastre. Os resultados indicam que táticas, performances e enquadramentos articulam-se e variam longitudinalmente diante da reação de autoridades e opositores no confronto político, e de acordo com os “gostos por táticas” dos atores predominantes no ciclo.

Palavras-chave:
táticas; performances; enquadramentos; eventos de protestos; desastre no Rio Doce

Abstract:

Social movements and civil organizations were excluded from the governance system for the reparation and compensation of the damages caused by the Rio Doce disaster. In response, they promoted a wave of protest beginning in 2015. How were the tactics, performances and frames adopted during this protest cycle related to each other and how did they change over time? How did protesters publicly express and dramatize their demands for reparations? To answer these questions, we combined the Protest Event Analysis (PEA) with a comprehensive study of the frames and performances presented during extra institutional events reported by the media in the state of Espírito Santo from 2015 to 2019. We paid particular attention to activities taking place during each November, when the anniversary of the disaster is “uncelebrated”. The results indicate that tactics, performances, and frames are interrelated and vary longitudinally in response to the reaction of authorities and opponents in the context of ongoing political contention. They also change in accordance with the “taste in tactics” of the predominant actors in the cycle of protest.

Keywords:
tactics; performance; frames; protest events; Rio Doce disaster

Resumen:

Excluidos de participar en el sistema de gobernanza del desastre del Rio Doce, los movimientos sociales y las organizaciones civiles promovieron una ola de protestas a partir de 2015. ¿Cómo se relacionaron y transformaron con el tiempo las tácticas, representaciones y marcos adoptados en este ciclo? ¿Cómo se expresaron y dramatizaron públicamente las demandas de reparación en estas protestas? Para responder a estas preguntas, combinamos el método de Análisis de Eventos de Protesta (AEP) con un análisis integral de las performances y marcos presentes en tácticas extrainstitucionales reportadas por los medios y realizadas en Espírito Santo entre 2015 y 2019, con énfasis en los meses de noviembre, en el que se cumple el aniversario “desconmemoración” del desastre. Los resultados indican que las tácticas, las representaciones y marcos se articulan y varían longitudinalmente en respuesta a la reacción de autoridades y opositores en la confrontación política, y según los “gustos por la táctica” de los actores predominantes en el ciclo.

Palabras clave:
tácticas; representaciones; marcos; eventos de protesta; desastre en el Rio Doce

Fazemos memória para que nunca mais se repita. Para que os responsáveis sejam devidamente punidos pela lei. Para que os atingidos e atingidas sejam devidamente reparados e indenizados. Para que nossa casa comum volte a ser respeitada e o rio volte a ser sinal de vida e esperança para aqueles que nele veem a própria vida (Movimento dos Atingidos por Barragens).

Introdução

Este artigo tem como objeto as táticas, performances e enquadramentos mobilizados ao longo do ciclo de protestos3 3 De acordo com Tarrow (2009, p. 182), ciclos de protesto são “uma fase de conflito acentuado que atravessa o sistema social: com uma rápida difusão dos setores mais mobilizados para outros menos mobilizados; com uma rápida inovação nas formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos da ação coletiva, novos ou transformados; com a combinação de participação organizada e não organizada; e com sequências e fluxos intensificados de informação e de interação entre participantes e autoridades”. desencadeado no estado do Espírito Santo em decorrência do desastre no Rio Doce provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração de Fundão, localizada no distrito de Bento Rodrigues no município de Mariana (Minas Gerais), em 5 de novembro de 2015, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. O principal objetivo desse artigo é analisar as transformações nas táticas, performances e enquadramentos adotados no decorrer do tempo, bem como as relações entre esses elementos. Em linhas gerais, argumentamos que as táticas, performances e enquadramentos articularam-se entre si ao longo do ciclo de protestos e se transformaram a partir das dinâmicas relacionais do confronto político e da trajetória dos atores nesse conflito.

Considerado o maior colapso de barragem de rejeitos de mineração do mundo (Bowker; Chambers, 2015BOWKER, Lindsay Newland; CHAMBERS, David. World mine tailings failures from 1915. lindsaynewlandbowker. 12 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://lindsaynewlandbowker.wordpress.com/2015/12/12/samarco-dam-failure-largest-by-far-in-recorded-history/ Acesso em: 1 jun. 2019.
https://lindsaynewlandbowker.wordpress.c...
), o desastre produziu múltiplos e complexos impactos que afetaram os 41 municípios situados na bacia do Rio Doce em Minas Gerais (onde deixou 19 vítimas letais), além de outros quatro municípios no litoral norte do Espírito Santo. Seus impactos ambientais e socioeconômicos afetaram a cadeia produtiva da pesca, a segurança alimentar e a saúde da população, com danos aos meios de subsistência local, às relações de trabalho e à organização social. Centenas de pessoas foram atingidas, gerando diversas demandas por políticas de reparação. Após o rompimento da barragem, desenrolou-se um longo processo de construção de uma governança para a reparação dos danos causados às diversas populações e aos ambientes afetados por meio da assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Esse processo teve como marco a assinatura de um acordo extrajudicial, em março de 2016, entre União, governos estaduais de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES) e as empresas responsabilizadas. Tal acordo - estruturado pela instituição do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), bem como pela criação do Comitê Interfederativo (CIF) e da Fundação Renova (FR) - configurou um sistema de governança que estabeleceu as regras da reparação e compensação dos danos do desastre através da resolução negociada do conflito (Carlos, 2019CARLOS, Euzeneia. Mobilizando a sociedade civil: inovação organizacional e repertórios de confronto no desastre do Rio Doce. Psicologia Política, Florianópolis, v. 19, n. 46, p. 8-28, 2019.). O TTAC estabeleceu 40 programas de restauração, mitigação e compensação dos danos a serem executados pela FR, uma fundação de caráter privado, cabendo ao CIF e às suas câmaras técnicas o papel de supervisionar, monitorar, fiscalizar e validar essas ações (Silva; Cayres; Souza, 2019SILVA, Marta Z.; CAYRES, Domitila C.; SOUZA, Luciana A. M. Desastre socioambiental e Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) como instrumento de política pública: o caso da barragem de Fundão, MG. Civitas, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 464-488, 2019.). O sistema de governança híbrido estabelecido pelo TTAC, composto por representantes governamentais no CIF e pela FR, representando os interesses corporativos das empresas, produziu uma combinação peculiar de governança corporativa e de “desgovernança” pública e social (Gurza Lavalle et al., 2022GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; ALBUQUERQUE, Maria do Carmo; DOWBOR, Monika; SZWAKO, José. Desastre e desgovernança no Rio Doce: efeitos e contratendências. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 15-40.).

O acordo foi estabelecido sem a participação das pessoas atingidas e de organizações da sociedade civil e não foi homologado pelo Ministério Público Federal (MPF). Analisando este processo, os estudos são inequívocos ao apontar o alijamento das pessoas atingidas do direito à participação nas instâncias decisórias da governança acerca do conteúdo dos danos e dos processos de reparação (Carlos, 2019CARLOS, Euzeneia. Mobilizando a sociedade civil: inovação organizacional e repertórios de confronto no desastre do Rio Doce. Psicologia Política, Florianópolis, v. 19, n. 46, p. 8-28, 2019.; Losekann; Milanez, 2018LOSEKANN, Cristiana; MILANEZ, Bruno. A emenda e o soneto: notas sobre os sentidos da participação no TAC de Governança. Versos, Juiz de Fora, v. 2, n. 1, p. 26-45, 2018.). Ainda que o TTAC continuasse a ditar as regras da resolução negociada, em 2017, o MPF assinou o Termo de Ajustamento Preliminar (TAP) e, logo depois, o TAP Aditivo. No entanto, foi somente em julho de 2018 que um novo acordo entre as partes foi firmado, chamado TAC Governança. O novo acordo previa a participação dos atingidos na governança do processo reparatório, a assessoria técnica e a repactuação dos programas em execução pela FR (Souza; Carlos, 2019SOUZA, Luciana A. Martins; CARLOS, Euzeneia. Políticas públicas e mobilização social no contexto do desastre do Rio Doce. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 2, p. 56-80, 2019.).

A exclusão dos atores coletivos das decisões das autoridades e corporações produziu incentivos para a mobilização social fora do sistema de governança. Buscando influenciar o processo reparatório, movimentos sociais e organizações civis protagonizaram um processo de inovação organizacional nos territórios através do uso não convencional das formas de organização preexistentes (Carlos, 2020CARLOS, Euzeneia. Social mobilizations in the disaster of the Doce river. Integrated Environmental Assessment and Management (IEAM), Special Series “SETAC Fundão Meeting”, v. 16, n. 5, p. 681-690, 2020.). Além disso, um ciclo de protestos foi desencadeado, com picos de mobilização no episódio de colapso da barragem e nos aniversários do desastre, o que impulsionou a inovação nos repertórios de ação coletiva por meio da combinação entre táticas extrainstitucionais, institucionais e multiescalares (Carlos, 2022CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228.).

Se estudos anteriores já examinaram as formas organizacionais e os repertórios de ação dessa onda de protestos, bem como suas relações (Carlos, 2020CARLOS, Euzeneia. Social mobilizations in the disaster of the Doce river. Integrated Environmental Assessment and Management (IEAM), Special Series “SETAC Fundão Meeting”, v. 16, n. 5, p. 681-690, 2020., 2022CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228.), nesse artigo, lançamos nosso olhar sobre as dinâmicas simbólicas do ciclo,4 4 De acordo com Della Porta (2013), ciclos de protestos também podem ser chamados de “ondas de protesto”, ainda que este último conceito tenha sido definido de forma mais ampla a partir da alternância entre fases intensas e brandas de conflito. A partir dessa definição, neste artigo, utilizamos de forma alternada os termos “ciclo” e “onda” de protestos. analisando as relações entre táticas, performances e enquadramentos nele presentes. Nossa análise sobre o tema foi guiada pelas seguintes questões: Como esses elementos se conectam? Quais foram suas transformações ao longo do tempo? E quais dinâmicas ajudam a compreender os motivos que levaram a essas mudanças?

Para responder essas questões, aliamos procedimentos de coleta e análise de dados do método da Análise de Eventos de Protestos (AEP) a análises qualitativas de enquadramentos e performances presentes nos eventos de caráter extrainstitucional coletados entre 2015 e 2019. Nossos resultados indicam que táticas, performances e enquadramentos se constituem mutuamente e se modificam ao longo do tempo conforme a dinâmica do confronto político e a trajetória dos atores que as mobilizam. Dessa forma, para explicar as variações simbólicas e táticas nessa onda de protestos, propomos uma síntese entre, por um lado, o argumento que considera o contexto relacional e contencioso no qual táticas, performances e enquadramentos são utilizados (McAdam; Tilly; Tarrow, 2001McADAM, Doug; TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Dynamics of contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.; Tilly; Tarrow, 2015TILLY, Charles; TARROW, Sidney. Contentious politics. 2 ed. New York: Oxford University Press, 2015.) e, por outro, considerações sobre as associações entre os atores e seus “gostos por táticas” e por enquadramentos (Jasper, 1997JASPER, James M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in social movements. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1997.).

O artigo se estrutura em quatro seções. A primeira apresenta a fundamentação teórico-analítica do texto, ancorada nas contribuições das abordagens da contentious politics e de estudos culturalistas sobre movimentos sociais. A segunda seção descreve o método e o desenho de pesquisa. A terceira analisa mudanças nas táticas mobilizadas ao longo do ciclo de protestos, associando-as às dinâmicas do confronto político e à entrada de novos atores no conflito. A quarta analisa como tais transformações táticas foram acompanhadas por mudanças nas performances e nos enquadramentos dos atores, também explorando as conexões entre esses fenômenos. Por fim, a conclusão sintetiza os principais achados do artigo.

Táticas, performances e enquadramentos: articulações e processos de transformação

Essa seção teórica está estruturada em torno de dois objetivos. Primeiramente, buscamos definir os conceitos que orientam a nossa análise - táticas, performances e enquadramentos - e discorrer sobre suas relações. Na subseção seguinte, revisamos a literatura que buscou explicar as transformações nesses fenômenos ao longo do tempo, apresentando nossos argumentos a partir dessa revisão.

Definindo enquadramentos, performances e táticas e suas relações

No debate sobre movimentos sociais, “táticas” podem ser definidas como “formas de ação que foram deliberadamente escolhidas com o objetivo de influenciar ou coagir um ou mais oponentes, o público em geral, e ativistas companheiros de movimento” (Doherty, 2013DOHERTY, Brian. Tactics. In: SNOW, David A. et al. (orgs.). The Wiley-Blackwell encyclopedia of social and political movements. Oxford: Blackwell Publishing, 2013.). Exemplos são as táticas da ocupação, dos atos públicos, das marchas, entre outras. Em um nível “macro”, quando utilizadas de forma recorrente por determinado ator e/ou em determinado recorte espaço temporal, táticas passam a integrar repertórios de ação (Pereira; Silva, 2020PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Camila F. Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 615-645, 2020.).

Já em um nível “micro”, observa-se que, quando postas em prática em uma situação particular, as táticas dão origem a performances por meio das quais ativistas constroem e difundem significados contenciosos a partir de recursos dramáticos como vestimentas, músicas, cores, coreografias, entre outros (Pereira; Silva, 2020PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Camila F. Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 615-645, 2020.; Alexander, 2017ALEXANDER, Jeffrey C. A tomada do palco: performances sociais de Mao Tsé-Tung a Martin Luther King, e a Black Lives Matter hoje. Sociologias, Porto Alegre, a. 19, n. 44, p. 198-246, 2017.; Benford; Hunt, 1992BENFORD, Robert D.; HUNT, Scott A. Dramaturgy and social movements: the social construction and communication of power. Sociological Inquiry, v. 1, n. 62, p. 36-55, 1992.; Eyerman, 2006EYERMAN, Ron. Performing opposition or, how social movements move. In: ALEXANDER, Jeffrey C. et al. (orgs.). Social performance symbolic action, cultural pragmatics, and ritual. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 193-217.; Jasper, 2016JASPER, James M. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.). Nesse sentido, performances podem ser definidas como os “processos sociais pelos quais os atores [...] exibem para os outros os significados de sua situação social” com o objetivo de “levar aqueles a quem suas ações e gestos se dirigem a tomar suas motivações e explicações como relatos razoáveis” (Alexander, 2006ALEXANDER, Jeffrey C. Cultural pragmatics: social performance between ritual and strategy. In: ALEXANDER, Jeffrey C. et al. (orgs.). Social performance symbolic action, cultural pragmatics, and ritual. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 29-90., p. 32).5 5 O conceito de “performances” é polissêmico e se refere a ao menos duas tradições teóricas, que o concebem de maneiras distintas (Pereira; Silva, 2020). A primeira delas está relacionada à formulação tillyana do conceito, que toma as performances como unidades básicas dos repertórios (Alonso, 2012; Tilly, 2008). Nessa abordagem, o conceito de performances se aproxima da ideia de táticas (Pereira; Silva, 2020). Um segundo sentido dado pela literatura ao conceito de performances está mais fortemente vinculado à tradição culturalista descrita no texto. Ao longo do artigo, o termo “táticas” se aproxima da primeira dessas tradições e o termo “performances” da segunda. Dessa forma, o conceito de performances enfatiza o caráter dramático e simbólico das ações transcorridas na mobilização de uma tática pelos atores, por meio das quais eles transmitem significados que contribuem para sua luta.

Tais significados podem ser entendidos, em muitos casos, como enquadramentos da ação coletiva (frames), ou seja, como esquemas interpretativos que “simplificam e condensam aspectos do ‘mundo lá fora’” (Benford; Snow, 2000BENFORD, Robert D.; SNOW, David A. Framing processes and social movements: an overview and assessment. Annual Review of Sociology, v. 26, p. 611-639, 2000., p. 614) com o objetivo de “mobilizar potenciais aderentes e bases, garantir apoio dos espectadores e desmobilizar antagonistas” (Snow; Benford, 1988, p. 198SNOW, David A.; BENFORD, Robert D. Ideology, frame resonance and participant mobilization. International Social Movements Research, v. 1, p. 197-218, 1998.). Esse conceito foi desenvolvido em oposição a perspectivas que tomavam ativistas como meros “portadores” de convicções morais, valores ou ideologias, sugerindo que eles têm um papel ativo na construção de significados que justificam e motivam a ação coletiva (Benford; Snow, 2000BENFORD, Robert D.; SNOW, David A. Framing processes and social movements: an overview and assessment. Annual Review of Sociology, v. 26, p. 611-639, 2000.; Snow et al., 1986SNOW, David A.; ROCHFORD, Burke; WORDEN, Steven; BENFORD, Robert. Frame alignment processes, micromobilization, and movement participation. Annual Sociological Review, v. 51, n. 4, p. 464-481, 1986.; Pereira; Silva, 2017PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Marcelo Kunrath. O dilema do enquadramento interpretativo: o caso das interações entre o movimento dos direitos animais e a grande mídia. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, p. 189-216, 2017.; Snow; Benford, 1988).

Dessa forma, uma primeira contribuição desse artigo é apresentar uma articulação teórica e empírica entre estes conceitos, que foram desenvolvidos por tradições teóricas distintas. Em suma, sugerimos que as táticas, quando colocadas em prática em situações particulares, dão origem a performances por meio das quais ativistas dramaticamente comunicam seus enquadramentos.

Explicando transformações em enquadramentos, performances e táticas

Uma segunda contribuição desse trabalho reside na tentativa de analisar os fatores que levam à transformação de táticas, performances e enquadramentos de movimentos sociais ao longo do tempo. A literatura sobre escolhas táticas tem demonstrado que diversos fatores as influenciam (Pereira; Silva, 2020PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Camila F. Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 615-645, 2020.), tais como considerações estratégicas sobre sua efetividade (McAdam, 1983McADAM, Doug. Tactical innovation and the pace of insurgency. American Sociological Review, v. 48, n. 6, p. 735-754, 1983.) e os vínculos morais, identitários, cognitivos e afetivos construídos entre os atores e determinadas formas de ação (Jasper, 1997JASPER, James M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in social movements. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1997.). Já a literatura sobre frames indica que considerações estratégicas em relação à ressonância dos enquadramentos (Snow; Benford, 1988SNOW, David A.; BENFORD, Robert D. Ideology, frame resonance and participant mobilization. International Social Movements Research, v. 1, p. 197-218, 1998.) e ao uso tático das emoções e afetos (Berbrier, 1998BERBRIER, Mitch. “Half the battle”: cultural resonance, framing processes, and ethnic affectations in contemporary white separatist rhetoric. Social Problems, v. 45, n. 4, p. 431-450, 1998.), disputas internas aos movimentos sociais (Trumpy, 2014TRUMPY, Alexa J. Woman vs. fetus: frame transformation and intramovement dynamics in the pro-life movement. Sociological Spectrum, v. 34, n. 2, p. 163-184, 2014.), suas interações com contramovimentos (Rohlinger, 2002ROHLINGER, Deana A. Framing the abortion debate: organizational resources, media strategies, and movement-countermovement dynamics. The Sociological Quarterly, v. 43, n. 4, p. 479-507, 2002.), processos de mudança de escala (Oliveira, 2016OLIVEIRA, Gerson de L. A mudança de escala na mobilização dos atingidos por barragens. 2016. 170f. Tese. (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.), transformações nas respostas do Estado às demandas dos ativistas (Pedriana, 2006PEDRIANA, Nicholas. From protective to equal treatment: legal framing processes and transformation of the women’s movement in the 1960s. American Journal of Sociology, v. 111, n. 6, p. 1718-1761, 2006.; Ulsperger, 2010ULSPERGER, Jason S. Geezers, greed, grief, and grammar: frame transformation in the nursing home reform movement. Sociological Spectrum, v. 22, n. 4, p. 385-406, 2010.) e a emergência de “momentos críticos” (Fonseca, 2021FONSECA, Mariana. Pega a visão: quadros interpretativos dos coletivos de comunicação das periferias na pandemia de COVID-19. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2021.) podem provocar transformações nos frames da ação coletiva ao longo do tempo.

Com base nas contribuições dessa literatura, destacamos aqui dois elementos relacionados às transformações em táticas, performances e enquadramentos. Em primeiro lugar, argumentamos que tais transformações se articulam a mudanças nas configurações dos conflitos nos quais estão inseridas. Nesse ponto, apoiamo-nos nas contribuições da abordagem relacional da contentious politics, que toma as configurações dos confrontos políticos como eixos ontológicos fundamentais de suas análises (McAdam; Tilly; Tarrow, 2001McADAM, Doug; TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Dynamics of contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.; Tilly; Tarrow, 2015TILLY, Charles; TARROW, Sidney. Contentious politics. 2 ed. New York: Oxford University Press, 2015.). Dessa forma, as escolhas táticas e a política simbólica dos movimentos sociais devem ser entendidas como resultado de suas interações sustentadas com opositores, aliados e outros atores envolvidos em dado confronto (McAdam, 1983McADAM, Doug. Tactical innovation and the pace of insurgency. American Sociological Review, v. 48, n. 6, p. 735-754, 1983.; Tarrow, 2009TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009., 2013TARROW, Sidney. The language of contention: revolutions in words (1688-2012). Cambridge: Cambridge University Press, 2013.).

Apesar de concordarmos com a premissa geral de que as relações de conflito nas quais as táticas, performances e enquadramentos estão situados são elementos essenciais para compreendermos suas características, também sugerimos que atores coletivos não entram “vazios” em tais relações de conflito. Pelo contrário, como ressaltam estudos culturalistas, movimentos sociais constituem, ao longo do tempo, identidades coletivas (Melucci, 1995MELUCCI, Alberto. The process of collective identity. In: JOHNSTON, H.; KLANDERMANS, B. (orgs.) Social movements and culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995. p. 41-63.; Polletta; Jasper, 2001POLLETTA, Francesca; JASPER, James M. Collective identity and social movements. Annual Review of Sociology, v. 27, p. 283-305, 2001.) e “gostos por táticas” (Jasper, 1997JASPER, James M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in social movements. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1997.) próprios que conformam suas formas de ver e agir no mundo. Dessa maneira, táticas, performances e enquadramentos desenvolvidos num confronto político também podem variar quando novos personagens entram em cena, ainda que esses também sejam transformados pela entrada na relação contenciosa.

Em suma, com base nas contribuições da literatura já existente, buscamos explicar as variações nas táticas, performances e enquadramentos no confronto em torno do desastre no Rio Doce a partir de dois fatores. Primeiro, argumentamos que as próprias transformações na configuração desse conflito - como a construção de novos acordos extrajudiciais e a entrada de novos opositores no campo contencioso, como a Fundação Renova - articulam-se a mudanças simbólicas e táticas na mobilização em torno desse tema. Segundo, argumentamos que o fortalecimento de atores coletivos no decorrer do confronto, em especial, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), MAB (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS). 3 anos de lama, 3 anos de luta: a marcha que marcou os três anos de injustiça e descaso após o derramamento de rejeitos no Rio Doce. 2018. Disponível em: Disponível em: https://mab.org.br/2018/11/19/3-anos-lama-3-anos-luta-marcha-que-marcou-tr-s-anos-injusti-e-descaso-ap-s-derramamento-reje/ . Acesso em: 8 jun. 2022.
https://mab.org.br/2018/11/19/3-anos-lam...
torna algumas táticas, performances e enquadramentos mais salientes ao longo do tempo. A Figura 1 ilustra nosso argumento.

Figura 1.
Articulação e transformação de enquadramentos, performances e táticas

Métodos e desenho de pesquisa

Esse estudo teve como ponto de partida as técnicas e fontes tradicionalmente utilizadas no método da Análise de Eventos de Protestos (AEP) (Koopmans; Rucht, 2002KOOPMANS, Ruud; RUCHT, Dieter. Protest event analysis. In: KLANDERMANS, B.; STAGGENBORG, S. (eds.). Methods of social movements research. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2002. p. 231-259.). Através da técnica de raspagem guiada por palavras-chave6 6 O protocolo para busca de notícias na internet considerou 12 palavras-chave: manifestação rio Doce; caminhada rio Doce; marcha rio Doce; bloqueio rio Doce; manifestantes rio Doce; ato público rio Doce; manifesto rio Doce; cobrança rio Doce; denúncia rio Doce; audiência pública rio Doce; comissão rio Doce; exposição rio Doce. foram coletadas notícias de eventos de protestos relativos ao desastre no Rio Doce realizados no Espírito Santo e no exterior no período entre o dia 05 de novembro de 2015 e o mês de agosto de 2019.7 7 Os eventos de protesto realizados em Minas Gerais não foram incluídos na raspagem, cabendo a análise deste caso a estudos futuros. Nesta etapa, foram utilizadas quatro fontes jornalísticas: Folha de Vitória, Século Diário, G1 Portal de Notícias e Carta Capital, além do portal de notícias do MAB, utilizado como controle das informações jornalísticas. A raspagem filtrou 572 notícias. Contudo, somente 123 matérias continham descrições válidas para a definição de “evento de protesto” e, dentre essas, foram contabilizados 151 eventos classificáveis.

Para classificação das notícias utilizamos o “evento de protesto” como unidade de análise.8 8 O protocolo admitia a classificação de mais de um evento de protesto dentro de uma mesma notícia. Na definição adotada, um evento de protesto consiste em uma “ação pública coletiva sobre questões com preocupações explícitas [...] expressas como uma dimensão central, organizada por agentes não-estatal com o propósito explícito de crítica ou dissidência juntamente com demandas sociais e/ou políticas” (Fillieule; Jiménez, 2003FILLIEULE, Olivier; JIMÉNEZ, Manuel. Appendix A: the methodology of protest event analysis and the media politics of reporting environmental protest events. In: ROOTES, Christopher (ed.). Environmental protest in Western Europe. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 258-279., p. 273). Cabe destacar que essa é uma definição ampla do conceito, que permite abranger formas institucionais de ação, como audiências públicas, mesas de negociação, lobby e mobilizações da justiça contra as empresas. Assim, a definição permite ampliar a aplicação do método de AEP para além de seu uso tradicional, focado em formas de ação extrainstitucionais (atos, passeatas, bloqueios de vias públicas, entre outras).

Contudo, esse artigo examina somente os eventos marcados pelo uso de táticas extrainstitucionais, enquadrando-se nas definições tradicionais de protesto como forma de ação disruptiva.9 9 Para uma análise dos múltiplos repertórios de ação coletiva utilizados nesse ciclo de protestos - institucionais, extrainstitucionais e multiescalares - vide Carlos (2022). Nosso recorte em formas de ação extrainstitucionais se justifica uma vez que estas foram predominantes frente às demais táticas, perfazendo 119 eventos. Ademais, o foco nas formas de ação extrainstitucionais é mais adequado para o exame das dinâmicas simbólicas e dramáticas das performances públicas, um dos temas centrais deste artigo.

Diante do banco de dados, estabelecemos dois recortes para a fase de análise. No primeiro destes recortes analíticos, focamo-nos nas táticas extrainstitucionais e desenvolvemos uma análise processual de suas transformações ao longo do ciclo de protesto, examinando a relação dessas mudanças com a dinâmica do confronto e com a trajetória dos atores. Para isso, usamos as tradicionais técnicas de análise associadas à AEP, com o estabelecimento de variáveis de interesse da pesquisa, a classificação dos eventos nessas variáveis e o uso de estatísticas descritivas em análises longitudinais. As táticas extrainstitucionais foram classificadas a partir das seguintes categorias: a) “manifestações públicas” (marchas, manifestações, concentrações, encontros); b) “performances artísticas ou simbólicas” (performances visuais, artísticas, corporais não artísticas, sonoras, religiosas) e; c) “performances de confrontação” (atos públicos, bloqueios, ocupações, depredações).10 10 Na categorização original do banco de dados, partimos da definição de Tilly (2008) de performances como unidades que compõem repertórios, o que chamamos aqui de táticas.

Em um segundo recorte, focamo-nos nos sentidos das performances e dos enquadramentos presentes nos eventos. Para viabilizar uma análise qualitativa desses elementos, selecionamos apenas eventos extrainstitucionais ocorridos nos meses de novembro, que marcam, no primeiro ano, o rompimento da barragem e, nos demais, as “descomemorações” do aniversário do desastre. Eventos comemorativos são essenciais para a construção simbólica dos movimentos sociais, uma vez que ajudam a produzir memória coletiva e narrativas acerca dos processos de mobilização coletiva (Armstrong; Crage, 2006ARMSTRONG, Elizabeth; CRAGE, Suzanna M. Movements and memory: the making of the Stonewall myth. American Sociological Review, v. 5, n. 71, p. 724-751, 2006.). Assim, a análise de eventos comemorativos e recorrentes na agenda dos movimentos lança luz sobre processos de disputa e de transformação simbólica das mobilizações (Ghaziani, 2008GHAZIANI, Amin. The dividends of dissent: how conflict and culture work in lesbian and gay marches on Washington. Chicago: University of Chicago Press, 2008.).

Aqui conduzimos uma análise compreensiva dos enquadramentos e das performances presentes nos eventos de interesse da pesquisa por meio de uma análise de conteúdo das notícias. Para a análise de enquadramentos, partimos das dimensões conceituais propostas por Benford e Snow (2000)BENFORD, Robert D.; SNOW, David A. Framing processes and social movements: an overview and assessment. Annual Review of Sociology, v. 26, p. 611-639, 2000. - diagnóstico, prognóstico e motivação - com foco nas duas primeiras. Ainda com base na proposta desses autores, a dimensão diagnóstica do enquadramento foi dividida em três subdimensões ou componentes: a) a identificação de um problema ou injustiça social a ser solucionada; b) a identificação das vítimas, ou seja, dos afetados pelo problema ou pela injustiça e; c) a atribuição de responsabilidade, ou seja, a identificação de culpados pelo problema ou de um alvo para ação. Já a dimensão prognóstica foi dividida em dois componentes: a) a proposição de soluções para os problemas identificados e; b) a proposição de estratégias de ação para o alcance dessas soluções.

Já no que se refere às performances, inspiramo-nos na tipologia proposta por Jasper (2016)JASPER, James M. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. a respeito dos “portadores físicos e figurativos de significado”. Nossa análise, contudo, é mais restrita em relação à proposta do autor em decorrência dos limites da fonte consultada.11 11 Nosso estudo não é capaz de analisar, por exemplo, as músicas cantadas pelos ativistas nos eventos de protesto ou ainda eventuais materiais gráficos distribuídos pelos ativistas ao longo dos atos. As performances foram assim analisadas a partir de três dimensões: a) a categoria ampla de “portadores físicos” refere-se a diversos elementos cênicos mobilizados pelos ativistas, como vestimentas, adereços, fantasias, entre outros; b) a categoria “cenário” se refere ao local onde as ações analisadas transcorrem; c) já a categoria “slogans” se refere às frases e palavras de ordem presentes em falas ou cartazes dos manifestantes.

Ao integrarmos a análise quantitativa das táticas e qualitativa das performances e dos frames, conseguimos investigar como mudanças táticas articulam-se a transformações na dinâmica simbólica da ação coletiva. Aqui argumentamos que determinadas táticas possibilitam determinadas performances e, assim, a comunicação de dados enquadramentos. Mudanças em táticas, performances e enquadramentos, assim, articulam-se umas às outras, conforme sugerido na seção teórica do artigo.

Por fim, são necessárias reflexões sobre os limites e vieses da nossa fonte. Fontes jornalísticas apresentam importantes vieses de seleção e de cobertura, os últimos com maiores implicações para análise de enquadramentos da ação coletiva e de performances a partir desse tipo de material. Estudos indicam que, em sua cobertura, a mídia corporativa tende a reproduzir o chamado “paradigma do protesto”. Em tal paradigma, protestos são descritos de forma a deslegitimar a ação dos movimentos sociais. Ademais, nesse paradigma, as reportagens partem de um “enquadramento episódico” das manifestações que falha em contextualizá-las em um cenário mais amplo de conflito, esvaziando-as de sentido (McLeod, 2007McLEOD, Douglas M. News coverage and social protest: how the media’s protest paradigm exacerbates social conflict. Journal of Dispute Resolution, n. 1, p. 185-194, 2007.; McLeod; Hertog, 1992McLEOD, Douglas M.; HERTOG, James K. The manufacture of ‘public opinion’ by reporters: informal cues for public perceptions of protest groups. Discourse & Society, v. 3, n. 3, p. 259-275, 1992.; Silva; Fernandes; Pereira, 2022SILVA, Camila F.; FERNANDES, Eduardo G.; PEREIRA, Matheus M. Fontes jornalísticas em métodos de estudos de protestos. In: SZWAKO, J.; DOWBOR, M.; PEREIRA, M. M. (orgs.). Métodos em movimento. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2022. p. 25-51.). Assim, é necessário reconhecer que as análises aqui apresentadas estão baseadas em descrições jornalísticas que podem omitir ou enviesar a descrição dos diagnósticos e dos prognósticos dos ativistas, bem como das características das performances realizadas.

Contudo, ressaltamos que o uso de veículos de orientações ideológicas diversas em nossa amostra (como Século Diário) e a inclusão de veículos dos próprios atores mobilizados (como o site do MAB) deve atenuar os efeitos de tais vieses em nossas análises. Tais formas de controle são utilizadas uma vez que há indícios na literatura de que a orientação ideológica dos veículos é um importante determinante de sua cobertura (Silva; Fernandes; Pereira, 2022SILVA, Camila F.; FERNANDES, Eduardo G.; PEREIRA, Matheus M. Fontes jornalísticas em métodos de estudos de protestos. In: SZWAKO, J.; DOWBOR, M.; PEREIRA, M. M. (orgs.). Métodos em movimento. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2022. p. 25-51.).

Táticas, confronto político e atores

Nesta seção, buscamos descrever as transformações nas táticas extrainstitucionais utilizadas ao longo do ciclo de protestos desencadeado no Espírito Santo em torno do desastre no Rio Doce no período entre 2015 e 2019. Além de descrever processualmente tais mudanças, buscamos explicar tais transformações a partir da análise de dois aspectos: a) a temporalidade dos protestos na dinâmica do confronto político e; b) as transformações nas táticas em função dos atores a elas vinculados.

A dinâmica do confronto político

No desastre do Rio Doce, a evolução das mobilizações ao longo do tempo caracterizou um “ciclo de protestos”, com o desenvolvimento contínuo de eventos e picos de mobilização no período de 2015 a 2019, conforme evidenciou Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228.. Neste artigo, corroboramos esta assertiva, pois as evidências apontam que o fenômeno em análise respeita uma série de características desse conceito, como a dinâmica de ascensão e queda da intensidade do conflito, a integração de atores tradicionalmente menos mobilizados, a transformação de repertórios e enquadramentos, a associação a campanhas de movimentos sociais, dentre outras.

Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228. considerou em sua análise anterior dos eventos de protestos associados a esse ciclo as táticas institucionais, extrainstitucionais e multiescalares12 12 Assim categorizados: Institucionais (performance judicial, lobby, audiência pública, mesa de negociação); Extrainstitucionais (Ação de difusão como proselitismo e arregimentação; Manifestação pública; Performance artística ou simbólica; Performance de confrontação); Multiescalares (ação interescalar de nacionalização e internacionalização da causa). Para mais informações, vide Carlos (2022). e verificou que os dois maiores picos de mobilização ocorreram no aniversário de três anos do desastre (novembro de 2018) e no episódio de rompimento da barragem (novembro e dezembro de 2015), seguido por picos menores nos primeiro e segundo aniversários do desastre (2016 e 2017). Essa constatação se sustenta mesmo quando consideradas apenas as táticas extrainstitucionais (manifestações públicas, performances artísticas ou simbólicas e performances confrontacionais), analisadas neste artigo (vide Gráfico 1). Observamos na distribuição das táticas no período que, além do colapso da barragem e dos aniversários de “descomemoração” do desastre, os episódios de assinatura dos TACs em março de 2016 e julho de 2018 também concentraram muitos eventos de protestos.

Gráfico 1.
Onda de protestos ao longo do tempo (2015 a 2019)

Buscamos argumentar nesta subseção que as transformações nas táticas extrainstitucionais utilizadas na onda de protestos relacionada ao desastre do Rio Doce se articulam à dinâmica do confronto político ao longo do tempo. Nesse processo, episódios-chave impulsionaram a ação coletiva e influenciaram sua forma. Destacamos três episódios: o colapso da barragem (2015), a assinatura do TTAC (2016) e do novo acordo TAC Governança (2018).

No primeiro episódio, táticas extrainstitucionais foram preponderantes, tendo sido registrado o primeiro pico de mobilização do ciclo com 19 protestos entre novembro e dezembro de 2015. As “performances artísticas ou simbólicas” foram as mais numerosas nesse momento, com destaque para as visuais, as sonoras e as corporais, mobilizadas desde o dia do rompimento da barragem em Minas Gerais até a chegada da lama em Regência (ES), na foz do Rio Doce. Ao mesmo tempo, diversas “manifestações públicas” foram realizadas, tais como caminhadas, marchas, concentrações e encontros. Foram utilizadas, em menor número, as “performances de confrontação”, como o bloqueio da linha férrea Vitória-Minas pelos indígenas Krenak e a depredação da sede da Vale em Vitória.

As táticas extrainstitucionais foram acionadas pelos atores para gerar visibilidade pública às suas demandas por ações imediatas de reparação e suporte às populações afetadas. A escolha dessas táticas disruptivas não foi por acaso, pois o apelo simbólico, moral e social por elas proporcionado foi eficaz ao propósito de dar visibilidade pública ao problema. Como resultado desse processo, diversas Ações Civis Públicas (ACP) foram impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e Estaduais de MG e ES e pelo MP do Trabalho, dentre as quais a ACP da União e Estado de MG e ES contra a Samarco, Vale e BHP Billiton, que estipulou em 20 bilhões o custo da reparação, e a ACP do MPF que estimou esse valor em 155 bilhões.

Três meses depois do colapso, em março de 2016, foi assinado o TTAC, um acordo de reparação e compensação dos danos, firmado entre União, governos estaduais e mineradoras, malgrado sem a participação dos atingidos e da sociedade civil e não homologado pelo MPF. O chamado “acordão” inaugurou o segundo episódio marcante da dinâmica do confronto político. Houve diversos protestos da sociedade civil em reação contrária ao TTAC, que convergiram para um pico de mobilizações no primeiro ano de aniversário do desastre, somando 32 eventos de caráter extrainstitucional.

No bojo do sistema de governança híbrido, a criação da FR e sua entrada no confronto político a colocou como alvo dos protestos, remetendo à exclusão da participação dos atingidos e à ausência de imparcialidade nos diagnósticos e prognósticos em face da injustiça ambiental e social. Não por acaso, a reivindicação por participação dos atingidos na definição do conteúdo dos danos, das ações de reparação e compensação e do perfil de cadastro das pessoas atingidas, opostamente ao estabelecido pelo TTAC e FR, foi o clamor de muitos dos protestos.

Nesse primeiro novembro de “descomemoração” em 2016, os clamores foram comunicados, sobretudo, por meio de “performances de confrontação” como o bloqueio de vias e ocupação de prédios, seguidas de perto por “manifestações públicas”, como as marchas, concentrações e encontros. Esses eventos condensaram a construção coletiva da identidade de “atingido” e de suas reivindicações, publicizando suas vozes e formas de expressão. Os múltiplos impactos do desastre sobre os territórios e as populações, a inviabilização das atividades econômicas e de subsistência e a desestruturação de seus modos de vida e de organização social foram tematizados nestes eventos de protestos, cuja estratégia de ação por fora do sistema de governança impulsionou a pressão sobre as autoridades para a resolução do problema.

O aniversário do desastre tornou-se por si só um episódio de oportunidade para abertura de negociações com as autoridades em vista de seu significado simbólico e caráter político. Mas também uma oportunidade de mobilização das pessoas atingidas e de suas redes na sociedade civil, nos órgãos de justiça e nas universidades. Ainda que no segundo ano de aniversário do desastre, em 2017, tenham ocorrido protestos, foi na terceira “descomemoração”, em 2018, que ocorreu um novo impulso para as mobilizações, com 21 protestos no ano e, surpreendentemente, metade deles em novembro.

Marcando o terceiro episódio da dinâmica do confronto político, nesse ano e aniversário, as “manifestações públicas” foram preponderantes, seguidas de “performances artísticas ou simbólicas” e depois de “performances de confrontação”. O crescimento das mobilizações em 2018 se relaciona ao terceiro episódio da dinâmica do confronto, a aprovação do novo acordo TAC-Governança, assinado pelas mineradoras, governo federal e estaduais, instituições de justiça e órgãos ambientais.

No TAC-Gov foi incorporada a participação dos atingidos na governança por meio de um arranjo participativo que incluiu assentos no CIF e nas suas câmaras técnicas, no conselho consultivo da Renova e em quatro novas instâncias de participação criadas (comissões locais, câmaras regionais, fórum de observadores e assessoria técnica). Além disso, o novo acordo previu a revisão do Cadastro de Impactados no que concerne aos danos e afetações, bem como a repactuação dos programas de reparação e compensação em execução pela FR. De acordo com estudo de Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228., as consequências dos protestos nas decisões das autoridades, imputando obrigação às corporações, promoveram o reconhecimento de segmentos profissionais como afetados e de territórios como o litoral norte capixaba e a incorporação da participação dos atingidos na governança do processo reparatório.

A análise processual da temporalidade da onda de protestos e de sua relação com as dinâmicas do confronto, além de ressaltar a sua intensificação nos anos de 2016 e 2018, auxilia a compreensão do sentido contextual e contingente das táticas acionadas nos episódios do confronto político aqui analisado, ajudando a explicar suas transformações ao longo do tempo. Em suma, no rompimento da barragem, os atores utilizaram majoritariamente as táticas aqui reunidas sob a categoria “performances artísticas ou simbólicas”, seguidas pelas “manifestações públicas”, que os auxiliaram a denunciar o colapso da barragem. As “performances confrontacionais” foram mais utilizadas no episódio do acordo de reparação e compensação (TTAC), seguidas de perto pelas “manifestações públicas”, em articulação com a denúncia da exclusão da sociedade civil desse acordo. As “performances confrontacionais” foram preponderantes no propósito de pressionar as autoridades e corporações para abrir as negociações em torno de um arco de reparação e compensação. Por seu turno, no episódio do novo acordo TAC-Gov as “manifestações públicas” foram predominantes, rememorando nas marchas o percurso da lama, seguidas pelas “performances artísticas ou simbólicas”, que deram continuidade à denúncia de exclusão e demandaram a efetiva incorporação dos atores na governança do desastre, prevista pelo novo acordo. Assim, as evidências indicam uma relação entre a frequência e a modalidade dos protestos e a dinâmica do confronto político.

Relação entre performances, táticas e atores ao longo do tempo

As táticas se modificam ao longo do tempo em articulação à dinâmica do confronto político, conforme vimos. Mas qual o papel dos atores na escolha das táticas? Atores coletivos apenas reagem aos incentivos contextuais de forma independente de sua trajetória de mobilização, suas identidades e “gostos por táticas”? Em outras palavras, como táticas e atores se relacionam no desastre do Rio Doce?

Na onda de protestos do período de 2015 a 2019, eventos extrainstitucionais foram promovidos por diversos atores da sociedade civil, como movimentos sociais, organizações civis, organizações religiosas e sindicatos trabalhistas, além de ativistas independentes. Considerando essa classificação de atores, o estudo de Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228. demonstrou que as organizações civis promoveram o maior número de ações extrainstitucionais no período analisado, categoria que agrega as associações de moradores, associações e colônias de pescadores, associações culturais, associação de surfistas, além da Frente Capixaba de Lutas. A seguir, os movimentos sociais foram os maiores promotores de eventos de caráter extrainstitucional, especialmente o MAB e, em menor proporção, o Fórum Capixaba de Defesa do Rio Doce (FCDRD), liderado por organizações do movimento estadual de direitos humanos.13 13 Os estudos apontam o MAB e o FCDRD como importantes players no desastre do Rio Doce, na medida em que eles “agiram como incubadoras para o movimento social contencioso influenciando sua formação organizacional e identitária” (Carlos, 2020, p. 686). Neste processo, o MAB influenciou a criação de uma estrutura de mobilização antes inexistente nos municípios capixabas afetados, por meio da estratégia de “territorialização de novas formas organizacionais” a exemplo da criação de comissões de atingidos e fóruns locais (Carlos, 2020, p. 682).

O terceiro segmento que mais mobilizou formas de ação extrainstitucionais foi o de ativistas independentes, como artistas, atletas, profissionais autônomos e moradores das regiões afetadas. A seguir, foram as organizações religiosas as quartas maiores promotoras de eventos extrainstitucionais, sobretudo os segmentos da Igreja Católica, como Diocese de Colatina, Cáritas e Comissão Pastoral de Pesca (CPP), além do Grito dos Excluídos da Arquidiocese de Vitória. Por fim, os sindicatos trabalhistas e as federações profissionais também foram protagonistas de tais protestos, a exemplo do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do ES (SindPemes) e do Sindicato dos Metalúrgicos do ES (SindiMetal), da Federação das Colônias e Associações dos Pescadores e Aquicultores do ES (Fecopes) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), dentre outros.

Quando analisadas as táticas por eles utilizadas, observa-se que cada um desses tipos de atores deu preferência a táticas distintas ao longo desse ciclo de protestos (Gráfico 2). As organizações civis foram as mais diversificadas, dada a pluralidade de grupos que as compõe. As táticas aqui reunidas sob a categoria de “performances artísticas ou simbólicas” foram predominantes nesse segmento, sobretudo, as sonoras, artísticas, corporais e visuais. A seguir, as “performances de confrontação” foram as mais frequentes nesse grupo, especialmente os bloqueios de vias públicas, em geral, protagonizados por associações de pescadores e de moradores. As “manifestações públicas” também foram utilizadas neste segmento, como as marchas nas cidades ao longo do Rio Doce e as manifestações em área pública.

Os movimentos sociais como o MAB possuem como tática de excelência as “manifestações públicas”, ou seja, são preponderantes no conjunto das táticas extrainstitucionais, sobretudo as marchas ao longo do percurso da lama, seguidas pelos encontros, concentrações e outras manifestações. Comparativamente aos repertórios de outros atores, as “manifestações públicas” tem um peso maior na composição das táticas do MAB e dos demais movimentos mobilizados no ciclo. O MAB também promoveu “performances de confrontação”, como o bloqueio da linha férrea da Vale e a ocupação de prédios públicos e privados. Ambas as táticas concentraram-se nos episódios de acordo de reparação e compensação de 2016 e 2018 e na “descomemoração” dos aniversários.

Ausentes no repertório do MAB, as “performances artísticas ou simbólicas” são as táticas mais importantes para os ativistas independentes, combinadas às chamadas “performances de confrontação”, como a depredação da portaria do prédio da Vale. Os ativistas independentes acionaram preferencialmente as táticas visuais, artísticas e corporais, como o uso de símbolos fúnebres e a dramatização da tragédia com os corpos sujos de lama, em 2015 e 2016, nos episódios de ruptura da barragem e durante as primeiras negociações de reparação.

Por seu turno, as organizações religiosas usaram preferencialmente as “manifestações públicas”, como as marchas ao longo do rio, bem como as “performances artísticas ou simbólicas” orientadas, em geral, por práticas e símbolos religiosos como missas e a bênção do rio. Dos segmentos examinados, o religioso é o único a não usar “performances confrontacionais”. Diferentemente, os bloqueios de vias e ocupações de prédios públicos ou privados são as táticas mais importantes no repertório dos sindicatos e federações de trabalhadores, as quais são combinadas às “manifestações públicas”. Ao contrário da tradicional tática de greve, os sindicatos usaram táticas disruptivas no conflito em prol da reparação, diante do fechamento das negociações pela Fundação Renova e ameaça de interrupção do Cadastro de Impactados, impedindo o reconhecimento de trabalhadores da pesca como os camaroeiros do SindPemes.

Gráfico 2.
Uso de táticas de ação extrainstitucional por ator (2015 a 2019)

A análise de eventos de protestos sugere, assim, um “gosto por táticas” dos atores (Jasper, 1997JASPER, James M. The art of moral protest: culture, biography, and creativity in social movements. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1997.). Tal gosto por táticas se relaciona ao significado atribuído à ação, bem como ao “repertório de estratégias” dos atores (Rossi, 2017ROSSI, Federico M. The poor’s struggle for political incorporation: the Piquetero movement in Argentina. New York: Cambridge University Press, 2017.), destacando-se o papel da tradição e histórico de lutas sociais de cada ator. Uma vez que determinados tipos de atores tiveram uma atuação mais intensa em dados momentos do ciclo, a variação do uso de táticas ao longo do tempo pode ser explicada em parte pelo fortalecimento desses grupos de ativistas na onda de protestos.

Conforme indica o Gráfico 3, com o fortalecimento da atuação do MAB nesse confronto político em 2016 e 2018 - revelado pelas variações na categoria movimentos sociais - também são observadas mudanças nas táticas predominantes no ciclo. As manifestações públicas passaram a ser as táticas majoritárias no confronto político, em especial, as marchas, uma vez que elas se constituíram como tática por excelência do MAB. Dessa forma, com sua difusão para o ES após o rompimento da barragem (Araújo, 2021ARAÚJO, Alex Fonseca. Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) no Espírito Santo: identidade coletiva e redes sociais no contexto do desastre no Rio Doce. 2021. 120f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2021.), o MAB trouxe consigo um repertório de estratégias preexistente e historicamente experimentado.14 14 De acordo com Oliveira (2016, p. 74): “Historicamente, os atingidos vinculados ao MAB adotam diversas formas de ação política como protestos, marchas, jornadas de lutas e moções de apoio, assim como realizam atividades de formação política, campanhas e busca de amparo jurídico para atingidos”. Tal repertório guarda significados que são, por um lado, tributários de sua trajetória de luta e, por outro, socialmente ressignificados na interação com os atingidos e na dinâmica do confronto político, como demonstra a adaptação dessa tática na performance que reproduz anualmente o trajeto da lama no Rio Doce. Com a entrada em cena do MAB, as “manifestações públicas” tornaram-se recorrentes ao longo do ciclo, quase inexistentes no episódio do colapso da barragem. O MAB se torna o ator coletivo mais ativo nos protestos a partir de 2016, conflagrando sua tática preferencial.

Gráfico 3.
Atores e táticas extrainstitucionais ao longo do tempo (2015 a 2018)

Esta correspondência entre atores e gosto por táticas também nos ajuda a compreender a ampliação do uso das “performances de confrontação” a partir do fortalecimento do MAB (Gráfico 3). Ao passo que a proporcionalidade entre as organizações civis, as táticas de “manifestações públicas” e de “performances artísticas ou simbólicas” também assume relevo. Por seu turno, vinculado aos ativistas independentes, ressalta-se o pico de “performances artísticas ou simbólicas” em 2015 e 2018 - colapso da barragem e assinatura do novo acordo de reparação -, dois momentos flagrantes da dinâmica do confronto.

Em última instância, nossa argumentação relaciona o fortalecimento e a entrada de novos atores no confronto político, em particular o MAB, às mudanças nas táticas predominantes no ciclo de protestos, inovando nas manifestações públicas e nas performances confrontacionais. Tais mudanças táticas se articulam às transformações no significado da ação por meio da identidade de “atingido”, das linguagens de reconhecimento e de crime e das formas de dramatização pública destes significados. A próxima seção busca analisar como essas mudanças simbólicas ocorreram de forma articulada às transformações táticas.

Performances e enquadramentos contenciosos

Na seção anterior, identificamos as mudanças nas táticas predominantes ao longo do ciclo de protestos aqui analisado, associando-as às dinâmicas do confronto político e ao fortalecimento do MAB nesse ciclo. Nessa seção, destacamos que tais mudanças se articulam a transformações nas dinâmicas simbólicas da ação coletiva, como nas demandas e nas identidades dos ativistas, uma vez que as táticas foram mobilizadas pelos ativistas para dramatizar e expressar significados. Analisamos em profundidade essa dimensão simbólica da ação coletiva, investigando como as táticas descritas na seção anterior foram dramatizadas em performances públicas e como essas performances comunicaram frames da ação coletiva ao longo do ciclo.

Para isso, focamo-nos nas performances e enquadramentos presentes em eventos de protesto dos meses de novembro de 2015 a 2018. No primeiro desses anos, os protestos foram uma reação imediata ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG) e, nos demais, consistiram em “descomemorações” do aniversário do desastre. Buscamos aqui atingir dois objetivos: a) identificar como performances e enquadramentos se conectam e; b) analisar transformações em tais performances e enquadramentos ao longo do tempo.

Reagindo ao Rompimento (2015): uma empresa coberta de sangue e lama

Nos dias que se seguiram ao rompimento da barragem de Mariana (MG) no dia 5 de novembro, diversos atos públicos relacionados ao desastre foram organizados. Os protestos foram protagonizados por atores diversos - como a Frente Capixaba de Lutas (que reunia diversas organizações sindicais e de movimentos sociais), moradores e trabalhadores de cidades atingidas e até mesmo grupos de surfistas - tendo como foco central a denúncia dos impactos do rompimento e a responsabilização das empresas mineradoras. Os atos ocorreram concomitantemente ao percurso dos rejeitos de minério em direção à foz do Rio Doce, no Espírito Santo.

No dia 13 de novembro de 2015, por exemplo, um protesto foi organizado pela Frente Capixaba de Lutas em frente à sede da Vale no município de Serra (ES). Cobertos de lama, os manifestantes enfatizavam a responsabilidade da empresa no rompimento da barragem, exigindo ações da mineradora para mitigar os efeitos do desastre. Esses efeitos eram simbolizados por um grande boneco fantasiado que representava a morte. A roupa preta trazia em sua estampa o logotipo e o nome da empresa Samarco/Vale e, ao seu lado, ativistas cobertos de lama carregavam um caixão.

Os portadores físicos de significado presentes nesse ato público foram recorrentes em outras performances de contestação relacionadas ao rompimento da barragem de Mariana (MG) ao longo desse mês. Em diversos atos, ativistas foram às ruas cobertos de lama, lançaram lama sobre edificações ou simularam rios de lama utilizando adereços diversos. A lama foi comumente acompanhada por referências à morte nas performances realizadas ao longo desse mês, como em fantasias e máscaras representando a figura da morte, cruzes manchadas de sangue, enterros simbólicos ou ainda cartazes com a expressão R.I.P.15 15 A sigla em inglês se refere à expressão “rest in peace” ou “descanse em paz”. ou com a palavra “luto”.

A mobilização desses elementos nas performances públicas dos ativistas fortalecia a comunicação do componente de identificação do problema do diagnóstico por eles construído. Em primeiro lugar, chamava atenção tanto para os impactos diretos causados pelo desastre - as mortes de trabalhadores e de moradores do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana - quanto para os impactos ambientais, sociais e econômicos de longa duração causados àqueles que, de alguma forma, viviam “no rastro da lama”. Assim, já nesse primeiro momento, ativistas realizavam uma operação que seria essencial para suas lutas nos anos seguintes: a ampliação do componente de identificação das vítimas do diagnóstico. Em novembro de 2015, uma primeira ampliação já era realizada a partir da ideia de que as vítimas do desastre não se restringiam àqueles que imediatamente perderam a vida no episódio, mas também englobavam aqueles que foram afetados posteriormente pelos rejeitos de minério.

Outra característica importante das performances dos manifestantes nesse mês foi o cenário mais recorrentemente utilizado para os atos: as sedes da mineradora Vale. A escolha desse cenário auxiliou ativistas a comunicar o outro elemento central de seus diagnósticos: o componente de responsabilidade do diagnóstico, atribuindo-se responsabilidade, em especial, à Samarco/Vale.16 16 Embora seja mencionada pelas reportagens consultadas, a mineradora BHP Billiton foi raramente mencionada nas performances dos ativistas nesse mês. Assim, desde os dias imediatamente posteriores ao rompimento, ativistas buscavam se afastar da ideia de que o evento foi um acidente imprevisível ou inevitável. Pelo contrário, argumentavam que o rompimento da barragem havia sido causado pela negligência das mineradoras e por sua busca pelo aumento dos lucros.

O componente de responsabilidade do diagnóstico dos ativistas foi reforçado por slogans recorrentes nas performances realizadas nesse mês, como cartazes com a frase “não foi acidente” que se somavam a outros que expressavam pedidos de socorro, como no uso da expressão “SOS”. As referências à responsabilidade das empresas e os pedidos de socorro fortaleciam ainda a comunicação do componente de proposição de soluções do prognóstico apresentado naquele mês. Além da punição das empresas, manifestantes defendiam naquele momento que, diante dos diversos danos causados pelo rompimento da barragem, as mineradoras responsáveis deveriam realizar ações reparatórias o mais rapidamente possível. As empresas deveriam arcar com os custos de ações que buscassem mitigar os efeitos ambientais, sociais e econômicos do rompimento por meio de investimentos para recuperar o Rio Doce e de indenizações aos atingidos.

Em suma, ao longo de novembro de 2015, as performances dos ativistas foram marcadas pelo uso recorrente da lama e do sangue como portadores físicos de significados, da recorrência das sedes das mineradoras responsáveis como cenário para mobilização e dos slogans que rejeitavam a ideia de acidente e expressavam pedidos de socorro. Essas performances ajudaram ativistas a comunicar seu diagnóstico que apontava os impactos do rompimento não apenas sobre os trabalhadores e moradores imediatamente afetados, mas também sobre as comunidades situadas à margem do Rio Doce, atribuindo responsabilidade às mineradoras Samarco/Vale. Também auxiliaram a comunicação do prognóstico, que já naquele momento defendia que as empresas fossem punidas e obrigadas a arcar com custos de ações de reparação e mitigação dos danos (Figura 2).

Figura 2.
Relações entre performances (azul) e enquadramentos (vermelho) nos protestos de novembro de 2015

“Descomemorando” o rompimento (2016-2018): somos todos atingidos

Meses após o rompimento da barragem, em março de 2016, foi assinado o TTAC entre Samarco, Vale, BHP Billiton, governos federal e dos estados de MG e do ES para regulamentar o processo de reparação dos danos causados pelo desastre. A partir da assinatura do termo, foi criada a FR, que se responsabilizaria pelo processo reparatório a partir de ações de recuperação socioambiental e socioeconômica e de indenização aos atingidos. A partir de então, conflitos em torno da atuação da FR tornaram-se centrais nos processos de mobilização dos atingidos, que passaram a contar com o protagonismo cada vez maior do MAB. Manifestantes aliaram as denúncias em relação à atuação da FR a eventos de rememoração da traumática chegada da lama aos municípios situados às margens do Rio Doce em 2015.

Em novembro de 2018, por exemplo, uma marcha foi realizada percorrendo, ao longo de dez dias, onze municípios situados da nascente à foz do Rio Doce nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, intitulada “Lama no Rio Doce: 3 anos de injustiça”. Dois anos antes, em novembro de 2016, protesto semelhante já havia sido realizado no mesmo trajeto no âmbito da “descomemoração” do primeiro aniversário do desastre. Em 2018, a marcha foi antecedida pelo “Encontro de Mulheres e Crianças Atingidas do Rio Doce”, que tematizava a negligência da FR em relação à indenização das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem, assim como os danos de longo prazo causados pela poluição do rio na saúde das crianças afetadas.

Esse breve relato indica que as performances realizadas nos aniversários do rompimento da barragem de Mariana (MG) guardaram semelhanças com aquelas feitas em 2015, mas também apresentaram algumas inovações. Em relação aos seus portadores físicos de significado, cabe ressaltar que a “lama” continuou a ser mobilizada como um elemento simbólico fundamental nas performances dos ativistas, como na nomeação da marcha realizada em 2018, mas também novamente com o uso da lama no corpo dos ativistas e na representação da lama por adereços simbólicos. No entanto, referências à morte se tornaram menos frequentes.

Tal inflexão relaciona-se a mudanças pontuais no componente de identificação do problema do diagnóstico dos ativistas nas “descomemorações”. Nesse período, ativistas buscaram enfatizar que os efeitos dos rejeitos de minério sobre o rio não haviam cessado, mas continuavam atingindo a população de diversas maneiras, causando doenças e impedindo as atividades dos pescadores. Dessa forma, a “lama” mudou de significado nos atos realizados nos anos seguintes ao rompimento, deixando de simbolizar uma manifestação visível do desastre, tal qual em 2015, e passando a se tornar ao mesmo tempo um recurso para o resgate da memória do desastre e um lembrete de que, apesar de pouco visível, “a lama ainda está no rio” tanto fisicamente quanto em seus impactos para a população.

Duas outras inflexões nas performances ocorreram nesses anos. A primeira e mais significativa foi a mudança do cenário mais comumente acionado pelos ativistas: das sedes das mineradoras aos diversos municípios situados em todo o trajeto do Rio Doce, da sua nascente à sua foz, rememorando o trajeto dos rejeitos de minério de 2015. Uma segunda inflexão foi o surgimento de novos slogans de protesto. Além da consolidação da ideia de “crime” em contraposição à noção de “acidente” já presente nos atos de 2015, mensagens que reforçavam a necessidade de “luta” se tornaram mais frequentes, em particular, em atos protagonizados pelo MAB.

Essas duas inflexões nas performances parecem se relacionar a mudanças nos enquadramentos difundidos pelos ativistas nos anos seguintes ao desastre. Em primeiro lugar, o componente de responsabilidade do prognóstico ganhou um novo protagonista, a FR, deslocando a centralidade das sedes da empresa Samarco/Vale como cenário.17 17 De acordo com Goveia, Malini e Aiolfi (2022), a Fundação Renova buscou mitigar a imagem negativa da Samarco e da Vale frente à opinião pública a partir de seus canais de comunicação nas redes digitais. Ou seja, uma estratégia discursiva de ocultação do conflito com os atingidos e de “tentativa de distanciamento do nome das empresas envolvidas do desastre” (Goveia; Malini; Aiolfi, 2022, p. 126). Já no que tange ao componente de identificação do problema do diagnóstico, além da persistência dos impactos causados pelo desastre, a principal questão apontada pelos ativistas em relação à atuação da FR se referia à falta de diálogo com os atingidos que resultou em sua exclusão da governança do processo reparatório.

Frente à exclusão da participação dos atingidos na governança desse processo, o componente de proposição de estratégias do prognóstico de seus enquadramentos destacava a necessidade de luta na arena extrainstitucional como principal estratégia para garantir o reconhecimento das populações alijadas do processo. Dessa forma, os novos slogans identificados nesse período reafirmavam a necessidade da ação coletiva. Ainda, o componente de proposição de soluções do prognóstico veiculado pelo movimento passou a articular a cobrança de punição aos responsáveis pelo desastre à demanda de ampliação da participação dos grupos atingidos na governança do processo reparatório.

Esse quadro de limitada participação favoreceu uma definição unilateral pela Fundação Renova a respeito de quais grupos sociais e populações poderiam ser consideradas atingidas pelo rompimento da barragem e, portanto, teriam direito às indenizações. Assim, os ativistas realizaram novas ampliações no componente de identificação das vítimas do diagnóstico e, assim, disputas em torno da identidade de atingido fortaleceram-se. Se, em 2015, os protestos já tematizaram essa expansão ao enfatizar que as vítimas do evento não se restringiam aos trabalhadores e moradores de Mariana (MG), incluindo as comunidades situadas à margem do Rio Doce, novas expansões foram realizadas nos anos seguintes.

Primeiramente foi tematizado o reconhecimento de comunidades situadas nas cidades litorâneas do estado do Espírito Santo, o que ocorreria já nos anos iniciais. Nos anos seguintes, os atos chamaram atenção para a especificidade de determinados grupos sociais que haviam sido inicialmente excluídos ou negligenciados no processo de reparação. Na marcha de 2018, por exemplo, ativistas comemoravam a inclusão dos camaroeiros nos processos de reparação ao mesmo tempo em que tematizavam os vieses de gênero presentes na atuação da Renova. Denunciavam que, ao ignorar a particularidade das atividades das mulheres nas comunidades atingidas pelo rompimento - que, em muitos casos, tinham maiores dificuldades para apresentar comprovações formais de sua renda e de suas atividades profissionais -, a fundação as excluía do processo reparatório. Assim, ativistas indicaram que as demandas por acesso à indenização realizadas por homens tinham, em média, maior sucesso do que aquelas apresentadas por mulheres à FR, reforçando as desigualdades de gênero.

Diante desses enquadramentos emergentes, a escolha pelos diversos territórios atingidos pelo rompimento da barragem não parece casual. Pelo contrário, a realização de marchas que conectam os diversos municípios atingidos ajudou os ativistas a transmitir a mensagem de solidariedade entre os diversos territórios e grupos sociais em suas lutas por reconhecimento e reparação. Os protestos enfatizaram a diversidade dos atingidos - tanto do ponto de vista de seu pertencimento territorial, quanto de outros fatores como sua atividade profissional e gênero - diante de um diagnóstico de negligência da Renova em relação a diversas populações e grupos sociais.

Em suma, ao longo dos meses de novembro de 2016 a 2018, performances dos ativistas foram marcadas pelo uso recorrente da lama como portador de significado, da escolha dos municípios situados às margens do Rio Doce como cenário para os atos, bem como pelo uso de slogans que reforçavam a responsabilidade das mineradoras no desastre e motivavam a mobilização contestatória. Além de reforçar a memória da chegada da lama aos municípios atingidos, essas performances auxiliavam a comunicação de um diagnóstico duplo e fortemente baseado na categoria de “atingidos”, que apontava ao mesmo tempo para os impactos duradouros do desastre sobre diversos territórios e grupos sociais e para a exclusão de alguns desses grupos de atingidos da governança do processo de reparação e, assim, do acesso às medidas compensatórias, indicando a FR como principal responsável por essa exclusão. As performances realizadas nesses anos também auxiliaram a comunicação do prognóstico dos ativistas que defendia, além da punição das mineradoras responsáveis pela barragem, a participação e o reconhecimento dos atingidos excluídos do processo de reparação, enfatizando a organização e a mobilização coletiva como chave para a conquista dessas demandas (Figura 3).

Figura 3.
Relações entre performances (azul) e enquadramentos (vermelho) nos protestos de novembro de 2016 a 2018

Conclusões

O artigo analisou as táticas, performances e enquadramentos das ações extrainstitucionais desencadeadas ao longo do ciclo de protestos capixaba relativo ao rompimento da barragem do Fundão em Mariana (MG), no período 2015 a 2019. Realizamos essa análise em dois momentos. No primeiro, focamo-nos nas táticas, na descrição de suas mudanças ao longo do tempo e em fatores que contribuíram para essas transformações.

Nessa etapa, o exame da temporalidade dos protestos e de suas relações com o desenrolar do confronto político permitiu associar a intensificação dos protestos com episódios-chave do conflito, como o colapso da barragem, em 2015, a assinatura do acordo de reparação, em 2016, e do novo acordo, em 2018. Ademais, identificamos que a diferenciação na escolha das táticas também esteve associada ao fortalecimento de dados atores no confronto. Assume destaque o fortalecimento do MAB no confronto político a partir de 2016, tornando preponderante o uso de sua tática por excelência, as “manifestações públicas”, em especial as marchas, seguidas pelos bloqueios da linha férrea da Vale. Isoladamente, o MAB é o ator mais ativo em número de protestos no período.

Em um segundo momento, buscamos identificar como essas táticas foram dramatizadas em performances que auxiliaram ativistas a comunicar seus enquadramentos. Nossa análise buscou analisar mudanças nas performances e enquadramentos ao longo do tempo bem como a articulação entre esses elementos. Em suma, ainda que sejam notáveis as continuidades nos protestos, ocorreram inovações nas performances e nos frames utilizados nos eventos, em especial, quando comparadas às mobilizações do rompimento e às “descomemorações” do desastre. A recorrência da lama como portador de significado foi combinada, a partir de 2016, à escolha dos municípios situados às margens do Rio Doce como cenário e aos slogans de responsabilização das empresas e de artifícios motivacionais para as contestações. O diagnóstico presente nos protestos comunicava centralmente a categoria de “atingidos”, por um lado, remetendo aos impactos duradouros do desastre e, por outro, a exclusão das pessoas afetadas da participação no sistema de governança. Nota-se uma ampliação gradual da categoria de atingidos, integrando novos territórios e segmentos sociais. Pari passu as empresas mineradoras, a FR torna-se o principal alvo dos protestos. Não por acaso, o prognóstico dos atores expressava a punição das empresas, o reconhecimento e a participação dos atingidos, além da estratégia de mobilização popular na garantia de direitos.

Em suma, a partir da integração destas análises, argumentamos no artigo que táticas, performances e enquadramentos estão articulados e se modificam em decorrência da própria dinâmica do confronto político, respondendo a episódios marcantes que transformam as demandas dos ativistas. Contudo, as formas de ação não são simples respostas estratégicas dos atores diante de mudanças contextuais, mas também dependem das identidades e gostos dos atores que as mobilizam. No caso em análise, o fortalecimento do MAB no ciclo, em um só tempo: a) produziu transformações nos repertórios, ampliando o uso de “manifestações públicas” e de “performances confrontacionais”; b) gerou mudanças nos enquadramentos, dando centralidade à identidade de atingido, à linguagem de reconhecimento e de crime; c) e modificou as performances públicas que dramatizam esses significados, tornando-se central a demonstração de solidariedade e memória em marchas ao longo do Rio Doce.

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  • 3
    De acordo com Tarrow (2009, p. 182)TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009., ciclos de protesto são “uma fase de conflito acentuado que atravessa o sistema social: com uma rápida difusão dos setores mais mobilizados para outros menos mobilizados; com uma rápida inovação nas formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos da ação coletiva, novos ou transformados; com a combinação de participação organizada e não organizada; e com sequências e fluxos intensificados de informação e de interação entre participantes e autoridades”.
  • 4
    De acordo com Della Porta (2013)DELLA PORTA, Donatella. Protest cycles and waves. In: SNOW, David A. et al. (orgs.). The Wiley-Blackwell encyclopedia of social and political movements. Oxford: Blackwell Publishing, 2013., ciclos de protestos também podem ser chamados de “ondas de protesto”, ainda que este último conceito tenha sido definido de forma mais ampla a partir da alternância entre fases intensas e brandas de conflito. A partir dessa definição, neste artigo, utilizamos de forma alternada os termos “ciclo” e “onda” de protestos.
  • 5
    O conceito de “performances” é polissêmico e se refere a ao menos duas tradições teóricas, que o concebem de maneiras distintas (Pereira; Silva, 2020PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Camila F. Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 615-645, 2020.). A primeira delas está relacionada à formulação tillyana do conceito, que toma as performances como unidades básicas dos repertórios (Alonso, 2012ALONSO, Angela. Repertório, segundo Charles Tilly: história de um conceito. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 21-41, 2012.; Tilly, 2008TILLY, Charles. Contentious performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.). Nessa abordagem, o conceito de performances se aproxima da ideia de táticas (Pereira; Silva, 2020PEREIRA, Matheus M.; SILVA, Camila F. Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 615-645, 2020.). Um segundo sentido dado pela literatura ao conceito de performances está mais fortemente vinculado à tradição culturalista descrita no texto. Ao longo do artigo, o termo “táticas” se aproxima da primeira dessas tradições e o termo “performances” da segunda.
  • 6
    O protocolo para busca de notícias na internet considerou 12 palavras-chave: manifestação rio Doce; caminhada rio Doce; marcha rio Doce; bloqueio rio Doce; manifestantes rio Doce; ato público rio Doce; manifesto rio Doce; cobrança rio Doce; denúncia rio Doce; audiência pública rio Doce; comissão rio Doce; exposição rio Doce.
  • 7
    Os eventos de protesto realizados em Minas Gerais não foram incluídos na raspagem, cabendo a análise deste caso a estudos futuros.
  • 8
    O protocolo admitia a classificação de mais de um evento de protesto dentro de uma mesma notícia.
  • 9
    Para uma análise dos múltiplos repertórios de ação coletiva utilizados nesse ciclo de protestos - institucionais, extrainstitucionais e multiescalares - vide Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228..
  • 10
    Na categorização original do banco de dados, partimos da definição de Tilly (2008)TILLY, Charles. Contentious performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. de performances como unidades que compõem repertórios, o que chamamos aqui de táticas.
  • 11
    Nosso estudo não é capaz de analisar, por exemplo, as músicas cantadas pelos ativistas nos eventos de protesto ou ainda eventuais materiais gráficos distribuídos pelos ativistas ao longo dos atos.
  • 12
    Assim categorizados: Institucionais (performance judicial, lobby, audiência pública, mesa de negociação); Extrainstitucionais (Ação de difusão como proselitismo e arregimentação; Manifestação pública; Performance artística ou simbólica; Performance de confrontação); Multiescalares (ação interescalar de nacionalização e internacionalização da causa). Para mais informações, vide Carlos (2022)CARLOS, Euzeneia. Protestos, inovação e consequências políticas no desastre do Rio Doce: reconhecimento e participação. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 211-228..
  • 13
    Os estudos apontam o MAB e o FCDRD como importantes players no desastre do Rio Doce, na medida em que eles “agiram como incubadoras para o movimento social contencioso influenciando sua formação organizacional e identitária” (Carlos, 2020CARLOS, Euzeneia. Social mobilizations in the disaster of the Doce river. Integrated Environmental Assessment and Management (IEAM), Special Series “SETAC Fundão Meeting”, v. 16, n. 5, p. 681-690, 2020., p. 686). Neste processo, o MAB influenciou a criação de uma estrutura de mobilização antes inexistente nos municípios capixabas afetados, por meio da estratégia de “territorialização de novas formas organizacionais” a exemplo da criação de comissões de atingidos e fóruns locais (Carlos, 2020CARLOS, Euzeneia. Social mobilizations in the disaster of the Doce river. Integrated Environmental Assessment and Management (IEAM), Special Series “SETAC Fundão Meeting”, v. 16, n. 5, p. 681-690, 2020., p. 682).
  • 14
    De acordo com Oliveira (2016, p. 74)OLIVEIRA, Gerson de L. A mudança de escala na mobilização dos atingidos por barragens. 2016. 170f. Tese. (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.: “Historicamente, os atingidos vinculados ao MAB adotam diversas formas de ação política como protestos, marchas, jornadas de lutas e moções de apoio, assim como realizam atividades de formação política, campanhas e busca de amparo jurídico para atingidos”.
  • 15
    A sigla em inglês se refere à expressão “rest in peace” ou “descanse em paz”.
  • 16
    Embora seja mencionada pelas reportagens consultadas, a mineradora BHP Billiton foi raramente mencionada nas performances dos ativistas nesse mês.
  • 17
    De acordo com Goveia, Malini e Aiolfi (2022)GOVEIA, Fábio; MALINI, Fábio; AIOLFI, Ricardo. A retórica da reparação: rastros digitais da estratégia discursiva da Fundação Renova. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 125-150., a Fundação Renova buscou mitigar a imagem negativa da Samarco e da Vale frente à opinião pública a partir de seus canais de comunicação nas redes digitais. Ou seja, uma estratégia discursiva de ocultação do conflito com os atingidos e de “tentativa de distanciamento do nome das empresas envolvidas do desastre” (Goveia; Malini; Aiolfi, 2022GOVEIA, Fábio; MALINI, Fábio; AIOLFI, Ricardo. A retórica da reparação: rastros digitais da estratégia discursiva da Fundação Renova. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E. (orgs.). Desastre e desgovernança no Rio Doce: atingidos, instituições e ação coletiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2022. p. 125-150., p. 126).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    14 Dez 2023
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