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A justiça das transições: uma proposta de análise para Portugal, Espanha, Argentina e Brasil

The justice of transitions: a proposal for analyzing Portugal, Spain, Argentina and Brazil

Resumo:

Este estudo analisa diferentes trajetórias no que se refere ao julgamento de violações aos direitos humanos praticadas na vigência de regimes de exceção em quatro países: Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. O objetivo geral da pesquisa é identificar elementos que ajudem a entender por qual razão países que passaram por transições à democracia semelhantes estabeleceram estratégias jurídicas diferentes no que tange ao julgamento e à punição dos crimes cometidos pelos regimes autoritários. Trata-se de um estudo realizado com método qualitativo, baseado em pesquisa documental, bibliográfica e bases de dados, que realiza uma primeira comparação dos quatro casos. Com base nos estudos transitológicos, formulou-se a hipótese que guia a pesquisa. A hipótese sugere que países que passaram por transições por ruptura possuem maiores chances de punir os crimes cometidos por uma ditadura, enquanto países que passaram por transições negociadas possuem maiores dificuldades de fazê-lo. Os dados compilados e analisados no artigo demonstram que a hipótese é parcialmente correta, uma vez que o tipo de transição, isoladamente, não determina o padrão de judicialização dos crimes das ditaduras nos países selecionados para o estudo.

Palavras-chave:
ditaduras de segurança nacional; franquismo; salazarismo; políticas de memória; poder judiciário

Abstract:

This study analyzes different pathways through which Portugal, Spain, Argentina and Brazil with regard to the prosecution of human rights violations committed under exceptional regimes in four countries. The general objective of the research is to identify elements that help to understand why countries that have gone through similar transitions to democracy have established different legal strategies regarding the judgment and punishment of crimes committed by authoritarian regimes. This is a study carried out with a qualitative method, based on documental, bibliographic and database research, which performs a first comparison of the four cases. Based on the transitological studies, the hypothesis that guides the research was formulated. The hypothesis suggests that countries that have gone through transitions by rupture are more likely to punish crimes committed by a dictatorship, while countries that have gone through negotiated transitions have greater difficulties in doing so. The data compiled and analyzed in the article demonstrate that the hypothesis is partially correct, since the type of transition, in isolation, does not determine the pattern of judicialization of crimes committed by dictatorships in the countries selected for the study.

Keywords:
national securiy dictatorships; francoism; salazarism; politics of memory; judicial power

Introdução2 2 Este artigo foi produzido no âmbito do projeto “Memória, verdade e justiça em perspectiva comparada”, financiado pelo CNPq (processo nº 422260/2018-5). Uma versão preliminar do texto foi apresentada na AT Política, Direito e Judiciário no 11º Encontro da ABCP. Registro meu agradecimento aos comentários recebidos no evento, assim como às/aos pareceristas anônimos da RBCP.

Durante o Século XX, vários países viveram sob regimes ditatoriais bastante diversificados no que se refere à forma como os mesmos foram iniciados, mantidos e chegaram ao fim. O final de um regime autoritário constitui uma conjuntura política marcada por especificidades, sendo necessário lidar, no processo político que leva de um regime de exceção para outro tipo de regime (que poderá ser democrático ou não), com uma variedade de demandas a serem resolvidas em curto, médio e longo prazo.

Nesse sentido, alguns problemas que ganharam fôlego na esteira dos processos de transição convergiram para a definição de quais estratégias puderam ser desenvolvidas para a reconstituição da memória do período autoritário. Em linhas gerais, este estudo analisa diferentes trajetórias no que se refere à implementação de mecanismos de justiça de transição, sendo selecionados para análise quatro países: Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. Serão observadas, de modo específico, as principais estratégias utilizadas para viabilizar o julgamento e a punição dos crimes cometidos por agentes da repressão, de modo que o foco da análise recai na identificação do que caracteriza os padrões de judicialização nesses países.

A seleção dos casos se justifica, pois, apesar das diferenças entre as ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul e as ditaduras de inspiração nazifascistas europeias, há pontos de aproximação importantes. As ditaduras de Segurança Nacional brasileira (1964-1985) e argentina (1976-1983) e os regimes salazarista (1933-1974) e franquista (1936-1977) foram responsáveis por massivas violações aos direitos humanos3 3 O conceito de direitos humanos e sua gramática contemporânea remetem ao contexto internacional do pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando foram criadas as principais instâncias (como a Organização das Nações Unidas, em 1945) e mecanismos jurídicos (a Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948) que viabilizaram a construção de uma agenda internacional para o tema. As ditaduras de Salazar e Franco foram responsáveis por crimes cometidos ao longo de aproximadamente quatro décadas, que ocorreram em períodos anteriores à Segunda Guerra Mundial e ao estabelecimento do debate contemporâneo sobre direitos humanos. Neste estudo, utiliza-se o termo “direitos humanos” de modo abrangente, seja para fazer referência às violações cometidas pelos regimes autoritários do Sul da Europa, seja para fazer referência aos crimes cometidos pelas ditaduras no Cone Sul, posto que, ainda que envolvam temporalidades diferentes, as violações cometidas compõem um legado comum a todos os países selecionados para a análise comparada. (perseguição, prisão, tortura, morte, desaparecimento de opositores, entre outros crimes), sendo utilizados como justificativa para a violência, entre outros elementos, o combate ao comunismo e um apelo nacionalista.

Os países referidos, ademais, passam por regimes autoritários que, em maior ou menor grau, foram sustentados com o estabelecimento de uma coalizão civil-militar responsável pela implementação de modelos de modernização-autoritária que, por um lado, tentaram realizar avanços econômicos e, por outro, realizaram grande restrição de liberdades civis e políticas. Outro aspecto que aproxima os quatro casos se refere ao contexto no qual tais ditaduras chegam ao fim: todas foram finalizadas por processos de transição à democracia iniciados num contexto que, posteriormente denominado de 3ª onda de democratizações (HUNTINGTON, 1994HUNTINGTON, Samuel P. A terceira onda: a democratização no final do Século XX. São Paulo: Ática, 1994.), teria começado a partir da Revolução dos Cravos, movimento que, em 25 de abril de 1974, deu fim ao regime salazarista. Esses países, igualmente, lidaram, cada um do seu modo e a seu tempo, com demandas por memória, verdade e justiça na nova conjuntura, implementando medidas que, nas últimas duas décadas, passaram a ser debatidas e analisadas sob o marco teórico da justiça de transição.

Objetivamente, justiça de transição pode ser considerada como o conjunto de mecanismos que um país que tenha passado por um regime autoritário e/ou por um período de grandes violações de direitos humanos instrumentaliza, implementa, para fortalecer o novo regime democrático e reconstruir seu Estado Democrático de Direito (AMBOS, 2009AMBOS, Kai. El marco jurídico de la justicia de transición. In: AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel; ELSNER, Gisela (eds.). Justicia de transición: con informes de América Latina, Alemania, Italia y España. Montevideo: Fundación Konrad-Adenauer, 2009. p. 23-129.; QUINALHA, 2013QUINALHA, Renan Honório. Justiça de transição: contornos do conceito. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Editorial, 2013.). São mecanismos voltados à recomposição da memória do período e à reparação das vítimas, objetivos estes a serem atingidos mediante o reconhecimento das violações, o julgamento dos responsáveis pelos crimes do Estado e seus agentes, e o estabelecimento da verdade sobre o que foi feito em nome do Estado de exceção.

Tal reconstituição de um passado recente marcado pela violência trata-se de uma tarefa que envolve aquilo que Elizabeth Jelin (2017)JELIN, Elizabeth. La lucha por el pasado: cómo construimos la memoria social. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2017. denominou “lutas pelo passado”. Como são resolvidas, na arena judicial, as lutas pela atribuição de responsabilidades pelo que aconteceu durante as ditaduras? Este é o foco deste artigo: identificar como se deu (ou não) a realização da justiça para os crimes cometidos pela repressão. Quem será julgado pelas violações? Como serão julgados? Quando ocorrem tais julgamentos? O modo como se deu a transição impacta na forma como esses ocorrem, sendo estabelecidos diferentes padrões de judicialização?

A hipótese que guia este estudo sugere que o tipo de transição impacta no modo como os crimes serão julgados. De modo que, nos casos em que o final do regime autoritário se deu de forma mais abrupta, maiores serão as possibilidades de que tais violações sejam punidas. Tal hipótese reconhece o peso que o modelo transicional possui em cada contexto, sem, com isso, desconsiderar particularidades inerentes a cada um dos casos selecionados para a pesquisa. A hipótese, igualmente, não pretende estabelecer uma relação causal necessária para o fenômeno analisado. Ao contrário, a relação entre transições e formas como o Poder Judiciário lidou e lida com os crimes de regime autoritário não é linear e é mediada por outras variáveis que podem vir a ser incorporadas.

Fazemos uso de metodologia de análise qualitativa, com base em revisão bibliográfica e consulta de dados compilados por instituições públicas e/ou por organismos de direitos humanos e grupos de vítimas da repressão. A opção pelo uso de dados secundários para a pesquisa se deve, por um lado, à confiabilidade das fontes consultadas. Num primeiro momento, foram consultados e compilados, neste sentido, dados organizados por instituições públicas e/ou grupos de vítimas e de defesa dos direitos humanos como o Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), o Ministério Público Federal (MPF), a Anistia Internacional e a Asociación para la Recuperación de la Memoria Histórica (ARMH). Num segundo momento, os dados foram complementados com base em pesquisas anteriores, publicadas por especialistas no tema dos julgamentos dos crimes das ditaduras.

No que se refere à estrutura, a exposição encontra-se dividida em três partes. Na primeira, parte-se dos estudos transitológicos para, ao identificar os tipos de transição ocorrida nos países selecionados para a análise, resgatar algumas das principais hipóteses que foram formuladas sobre os rumos dos processos de redemocratização e seu impacto na forma como um acerto de contas com o passado seria viabilizado. Na segunda parte, apresenta-se uma síntese das principais medidas implementadas para punir os responsáveis pela repressão. Na terceira, comparam-se os casos, buscando formular uma explicação para as semelhanças e diferenças existentes no tocante aos modos como o Poder Judiciário lidou com os crimes da ditadura em cada país.

No rastro das transições: hipóteses sobre os caminhos das lutas por justiça para os crimes das ditaduras

Enquanto no Brasil e na Espanha as transições foram o resultado de negociações altamente controladas e bastante determinadas pelos setores que estavam no poder, sendo por isto chamadas de transições negociadas ou pactadas (ARTURI, 2001ARTURI, Carlos S. O debate teórico sobre mudança de regime político: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, n. 17, p. 11-31, 2001.; MUNCK; LEFF, 1997MUNCK, Gerardo; LEFF, Carole. Modes of transition and democratization: South America and Eastern Europe in comparative perspective. Comparative Politics, v. 29, n. 3, p. 343-362, 1997.; O’DONNELL; SCHMITTER, 1988O’DONNELL, Guillermo; SCHMITTER, Philippe C. Transições do regime autoritário: primeiras conclusões. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais, 1988.), em Portugal e na Argentina estes processos foram abruptos, havendo pouca ou nenhuma capacidade de controle sobre a mudança de regime por parte das elites políticas que comandavam estes países, razão pela qual os mesmos foram classificados como processos de transição por ruptura (MUNCK; LEFF, 1997MUNCK, Gerardo; LEFF, Carole. Modes of transition and democratization: South America and Eastern Europe in comparative perspective. Comparative Politics, v. 29, n. 3, p. 343-362, 1997.; STEPAN, 1994STEPAN, Alfred. Caminos hacia la redemocratización. In: O’DONNELL, Guillermo; SCHMITTER, Philippe; WHITEHEAD, Laurence (orgs.). Transiciones desde un gobierno autoritário: perspectivas comparadas. Barcelona: Paidós, 1994.).

A transição portuguesa foi iniciada em 1974, por setores das Forças Armadas (capitães) que se insurgiram contra seus superiores, sobretudo por discordâncias com a gestão das colônias na África. Embora a Revolução dos Cravos seja considerada uma “transição por ruptura”, visto que em poucas horas dava-se fim, abruptamente, a mais de 40 anos de ditadura, tal movimento foi realizado de forma bastante pacífica. Não houve maior resistência por parte dos setores que estavam no poder, tampouco violência generalizada. Marcello Caetano, dirigente do regime que havia sucedido Salazar desde 1968, foi exilado. Os comandantes das instituições repressivas foram provisoriamente presos. A população aderiu, facilmente, à mobilização pelo fim do regime (PINTO, 2002PINTO, António Costa. El ajuste de cuentas con el pasado en una turbulenta transición a la democracia: el caso portugués. In: BARAHONA DE BRITO, Alexandra; AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma; GONZÁLEZ ENRÍQUEZ, Carmen (eds.). Las políticas hacia el pasado: juicios, depuraciones, perdón y olvido en las nuevas democracias. Madrid: Istmo, 2002. p. 103-134.; 2013PINTO, António Costa. O passado autoritário e as democracias da Europa do Sul: uma introdução. In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 17-45.; RAIMUNDO, 2013RAIMUNDO, Filipa. Partidos políticos e justiça de transição em Portugal: o caso da polícia política (1974-1976). In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 75-126.; 2015RAIMUNDO, Filipa. A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal. Revista Contemporânea, v. 5, n. 7, p. 1-32, 2015.).

Também por ruptura, a transição argentina foi diferente da portuguesa sob alguns aspectos. Sua maior diferença se refere à duração do processo. Iniciada em junho de 1982, após o fracasso na Guerra das Malvinas, a transição foi finalizada em dezembro de 1983, com a posse de Raúl Alfonsín na Presidência. Comparada ao caso português, não foi tão acelerada; mas observada à luz dos vizinhos do Cone Sul, foi a mais rápida da região. Se o detonador do fim da ditadura foi a derrota contra os ingleses, outros fatores contribuíram, conjuntamente, para sua derrocada. O fracasso econômico e o alcance da violência política, neste sentido, aceleraram tal processo (NOVARO; PALERMO, 2003NOVARO, Marcos; PALERMO, Vicente. La dictadura militar (1976-1983): del golpe de estado a la restauración democrática. Buenos Aires: Paidós, 2003.).

Entre o fim do conflito e a posse do novo presidente, as Forças Armadas no poder tiveram pouca capacidade de ingerência nos rumos da transição. Desgastadas, não controlaram as mobilizações que aceleraram seu fim e, ainda que tenham tentado garantir a impunidade dos setores envolvidos com a repressão, não puderam interferir no resultado eleitoral no qual foi eleito um candidato comprometido com a sua punição (ACUÑA, 2006ACUÑA, Carlos H. Transitional justice in Argentina and Chile: a never-ending story? In: ELSTER, Jon (ed.). Retribution and reparation in the transition to democracy. New York: Cambridge University Press, 2006. p. 206-238.; NOVARO; PALERMO, 2003NOVARO, Marcos; PALERMO, Vicente. La dictadura militar (1976-1983): del golpe de estado a la restauración democrática. Buenos Aires: Paidós, 2003.; ROJO, 1994ROJO, Raúl Enrique. Corrupção, consolidação democrática e exercício supletivo do poder político pelo Judiciário. Humanas, v. 17, n. 1-2, p. 147-171, 1994.).

Negociadas, as transições espanhola e brasileira se assemelham bastante. Ambas foram altamente controladas pelos setores que estavam no poder. Isto não significa, certamente, que o regime tenha conseguido determinar integralmente seus rumos. De todo modo, evidencia o caráter controlado da transição espanhola, entre outros fatores, o peso que Franco e as elites do franquismo que controlaram a transição após a sua morte, em 1975, tiveram sobre três aspectos: 1º) na definição da forma de governo, com o retorno da monarquia parlamentar; 2º) na ordem de sucessão dos Bourbon (o pai de Juan Carlos, que ascendeu ao trono, foi coagido a abdicar em favor do filho, visto que Franco não aceitava passar o poder para ele); 3º) sobre a impossibilidade de punir os crimes do franquismo, mediante a elaboração de um pacto de esquecimento4 4 O termo “pacto de esquecimento” costuma ser utilizado para denominar o acordo estabelecido entre opositores do franquismo e setores vinculados ao regime para garantir a continuidade da transição na Espanha, a partir do qual seria preciso deixar de lado, naquele momento e em nome da reconciliação nacional e da democratização, a discussão sobre as violações praticadas pela ditadura (AGUILAR; PAYNE, 2018, p. 27-28). consumado na Lei de Anistia (AGUILAR; PAYNE, 2018AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018.; JEREZ, 2011JEREZ, Ariel. Transición. In: ESCUDERO, Rafael (coord.). Diccionario de memoria histórica: conceptos contra el olvido. Madrid: Catarata, 2011. p. 51-57.).

A transição brasileira, por sua vez, começou a ser articulada pelo próprio regime autoritário a partir de 1974, sendo iniciada pelo ditador-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) com o auxílio de Golbery do Couto e Silva, figura central na difusão da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) (ARTURI, 2001ARTURI, Carlos S. O debate teórico sobre mudança de regime político: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, n. 17, p. 11-31, 2001.). Antecipando-se aos efeitos da crise advinda do esgotamento do “milagre econômico” e, mesmo não sendo consensual entre todos os segmentos do regime, a transição foi iniciada pelos próprios setores que estavam no poder desde 1964. Realizada de forma “gradual, lenta e segura”, foi altamente controlada, longa (quase 11 anos de duração), garantiu às elites do regime sua sobrevivência política no regime posterior, e, mais do que isto, a impunidade dos crimes da ditadura mediante a edição da Lei de Anistia (Lei nº 6.683/1979) (ARTURI, 2001ARTURI, Carlos S. O debate teórico sobre mudança de regime político: o caso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, n. 17, p. 11-31, 2001.; GUGLIANO; GALLO, 2013GUGLIANO, Alfredo Alejandro; GALLO, Carlos Artur. On the ruins of the democratic transition: human rights as an agenda item in abeyance for the brazilian demoracy. Bulletin of Latin American Research, v. 32, n. 3, p. 325-338, 2013.).5 5 Exemplifica a forma como as elites do regime se mantiveram na nova conjuntura política do país, entre outros fatores, a sua imediata adaptação e absorção no novo sistema partidário brasileiro. O fim da Aliança da Renovação Nacional (ARENA), partido de sustentação do regime autoritário no Congresso Nacional, fomentou a criação de um novo partido para agrupar seus filiados: o Partido Democrático Social (PDS), que posteriormente deu origem ao atual Progressistas (PP) e ao Democratas (DEM). O fato é que o novo partido não enfrentou dificuldades de aceitação por parte da população e, ainda que tenha se reorganizado e/ou alterado sua denominação nas décadas seguintes, antigos arenistas continuaram disputando eleições, ocupando cargos eletivos e convivendo em ambiente democrático apesar de sua origem associada ao regime autoritário.

Um aspecto incorporado às análises sobre a dinâmica e os modelos dos processos transicionais se refere aos legados do autoritarismo presentes nas novas democracias. Conforme o conceito de Leonardo Morlino (2013, p. 262)MORLINO, Leonardo. Legados autoritários, política do passado e qualidade da democracia na Europa do Sul. In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 261-294. em seu estudo sobre os países do Sul da Europa, legados autoritários: “abarcam todos os padrões comportamentais, regras, relações, situações sociais e políticas e também normas, procedimentos e instituições, tanto introduzidos como vigorosa e visivelmente fortalecidos pelo regime autoritário imediatamente anterior”.

Entre os primeiros estudos a chamar a atenção para o tema específico dos legados do autoritarismo, encontra-se o do cientista político Alfred Stepan (1988)STEPAN, Alfred. As prerrogativas militares nos regimes pós-autoritários: Brasil, Argentina, Uruguai e Espanha. In: STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 521-562., que tratou de analisar as prerrogativas militares preservadas após a transição na Argentina, no Brasil, na Espanha e no Uruguai (o não julgamento dos envolvidos nas violações aos direitos humanos seria uma delas). Outras abordagens focaram, por exemplo, no impacto das ditaduras no campo jurídico. É o caso dos estudos de Anthony W. Pereira (2010)PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010., que fez uma pesquisa sobre as conexões entre os regimes autoritários e as instituições judiciais no Brasil, na Argentina e no Chile, buscando explicar as diferenças encontradas no tocante ao saldo da repressão, ao número de perseguidos que foram julgados por “crimes contra a Segurança Nacional” e, ainda, às mudanças implementadas (ou não) com o retorno à democracia.

Uma hipótese formulada por parte dos estudos transitológicos sugeria que quanto mais controlado o processo transicional por parte dos setores que estavam no poder durante o período de exceção, maiores seriam as dificuldades para que as novas democracias superassem legados que se mantiveram no novo cenário político (O’DONNELL; SCHMITTER, 1988O’DONNELL, Guillermo; SCHMITTER, Philippe C. Transições do regime autoritário: primeiras conclusões. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais, 1988.). Este estudo compartilha do pressuposto de que regimes autoritários deixam marcas, legados, que se mantêm mesmo com o final das ditaduras e a redemocratização. Esses legados podem ser institucionais, como é o caso das prerrogativas militares ou da legislação e de procedimentos jurídicos que não se alteraram desde a ditadura, podendo se manifestar, ainda, na cultura política dos cidadãos. A princípio, podem ser reforçados pelo tipo de transição ocorrida.

Conforme a análise de António Costa Pinto, a partir dos estudos transitológicos:

O tipo de transição democrática é o indicador mais operativo para uma explicação da forma da justiça de transição num processo de democratização, em particular nos seus aspectos punitivos. O controle das elites sobre a determinação do tempo de transição e a grande continuidade de elites políticas ao longo do processo de transição levam transições “por transação”, ou transições “contínuas”, a evitar, em geral, a punição ou o saneamento das elites autoritárias. [...] Em termos simples, só nos países onde a autoridade política se desmoronou e foi substituída por uma oposição se apresenta a possibilidade de punição (PINTO, 2013PINTO, António Costa. O passado autoritário e as democracias da Europa do Sul: uma introdução. In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 17-45., p. 24-25).

Considerando-se a hipótese formulada por parte dos estudos mencionados e, tomando-se o enquadramento dos casos nas tipologias descritas, a hipótese desta pesquisa sugere que países que passaram por transições por ruptura teriam maior probabilidade de punir agentes da repressão do que países que passaram por transições negociadas - ver Quadro 1. Nas próximas seções, será verificada a validade dessa hipótese com base nos dados obtidos sobre a (tentativa de) punição dos crimes cometidos durante as ditaduras nazifascistas do Sul da Europa e as ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul.

Quadro 1.
Tipos de transição e padrões de punição

Entre a impunidade e a justiça: caminhos e descaminhos rumo à realização das demandas por justiça em Portugal, Espanha, Argentina e Brasil

Portugal

No tocante às violações praticadas durante o regime autoritário português, estratégias jurídicas para o julgamento dos envolvidos começaram a ser formuladas e implementadas ainda nos primeiros momentos após a transição (PINTO, 2002PINTO, António Costa. El ajuste de cuentas con el pasado en una turbulenta transición a la democracia: el caso portugués. In: BARAHONA DE BRITO, Alexandra; AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma; GONZÁLEZ ENRÍQUEZ, Carmen (eds.). Las políticas hacia el pasado: juicios, depuraciones, perdón y olvido en las nuevas democracias. Madrid: Istmo, 2002. p. 103-134.; 2013PINTO, António Costa. O passado autoritário e as democracias da Europa do Sul: uma introdução. In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 17-45.; RAIMUNDO, 2013RAIMUNDO, Filipa. Partidos políticos e justiça de transição em Portugal: o caso da polícia política (1974-1976). In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 75-126.; 2015RAIMUNDO, Filipa. A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal. Revista Contemporânea, v. 5, n. 7, p. 1-32, 2015.). Uma das primeiras medidas do “movimento revolucionário”, neste sentido, foi tomada com vistas à punição dos envolvidos com a violência política praticada desde a década de 1930, prevendo-se a extinção da polícia política salazarista, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direção-Geral de Segurança (PIDE/DGS), mediante a criação de uma Comissão especial encarregada de extinguir o órgão e apurar as responsabilidades de seus integrantes e colaboradores (RAIMUNDO, 2013RAIMUNDO, Filipa. Partidos políticos e justiça de transição em Portugal: o caso da polícia política (1974-1976). In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 75-126.; 2015RAIMUNDO, Filipa. A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal. Revista Contemporânea, v. 5, n. 7, p. 1-32, 2015.; 2018RAIMUNDO, Filipa. Ditadura e democracia, legados da memória. Lisboa: FFMS, 2018.).

Para os julgamentos, após discussões sobre qual a melhor estratégia para sua realização, optou-se pelo envio dos processos para Tribunais Militares Territoriais (TMT). Tal decisão foi tomada em detrimento do uso da Justiça Comum e/ou de outros mecanismos instituídos pelo próprio Estado Novo (RAIMUNDO, 2018RAIMUNDO, Filipa. Ditadura e democracia, legados da memória. Lisboa: FFMS, 2018., p. 44-47). O uso de mecanismos extrajudiciais instituídos na vigência do regime anterior foi descartado pela contradição que teria sido julgar e punir os integrantes de um regime de exceção com regras estabelecidas pelo próprio regime de exceção combatido. A Justiça Comum, embora cogitada, foi evitada, uma vez que os processos não seriam instruídos a tempo da libertação das pessoas presas provisoriamente a partir de abril de 1974. O uso dos tribunais militares permitia a prisão provisória estendida por prazos maiores do que 18 meses.

Entre o final do ano de 1976 e 1982, os TMT de Lisboa, Porto, Coimbra e Tomar analisaram 2.667 processos envolvendo dirigentes, técnicos e colaboradores da PIDE/DGS. Desses, 68% resultaram em penas de um a seis meses de prisão, sendo delas descontado, contudo, o tempo de prisão preventiva, bem como, em alguns casos, concedido algum tipo de perdão parcial das penalidades atribuídas (RAIMUNDO, 2018RAIMUNDO, Filipa. Ditadura e democracia, legados da memória. Lisboa: FFMS, 2018., p. 49-50).

Em síntese, os julgamentos realizados em Portugal foram marcados por três características: 1ª) ocorreram fora do âmbito das instituições jurídicas civis tradicionais, ou seja, os casos foram apreciados em TMT, com base em uma “legalidade revolucionária”; 2ª) não são considerados, nesses julgamentos, os crimes cometidos pela polícia política em si, mas sim o pertencimento dos e das acusadas à hierarquia da PIDE / DGS; 3ª) não seriam julgados, em nenhum momento, os integrantes das elites políticas do Estado Novo, seja porque Salazar já havia falecido, em 1968, seja porque Marcello Caetano, que o sucedeu no comando do Conselho de Ministros, foi exilado pelos revolucionários, falecendo no Brasil, onde foi professor universitário até a sua morte, em 1980 (RAIMUNDO, 2013RAIMUNDO, Filipa. Partidos políticos e justiça de transição em Portugal: o caso da polícia política (1974-1976). In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 75-126.; 2015RAIMUNDO, Filipa. A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal. Revista Contemporânea, v. 5, n. 7, p. 1-32, 2015.; 2018RAIMUNDO, Filipa. Ditadura e democracia, legados da memória. Lisboa: FFMS, 2018.).

Algo que repercutiu negativamente, gerando uma “sensação de impunidade” em curto, médio e longo prazo, foram as penalidades atribuídas, muitas delas revertidas posteriormente, com a reintegração de antigos integrantes da PIDE/DGS ao funcionalismo público (RAIMUNDO, 2018RAIMUNDO, Filipa. Ditadura e democracia, legados da memória. Lisboa: FFMS, 2018., p. 51). Embora tenham sido excluídos dos julgamentos os integrantes da elite política do regime salazarista (em parte exilada após o 25 de abril), é interessante observar que a atribuição de responsabilidades foi realizada numa conjuntura na qual não havia grandes debates sobre o tema. O caso português é o marco da 3ª onda de democratizações, e muitas das medidas que hoje se analisa sob o prisma da justiça de transição não eram debatidas nem incentivadas por organismos internacionais. Algo que contribuiu, certamente, para a realização desses julgamentos, é que não houve, durante a transição portuguesa, a edição de uma anistia para os setores vinculados ao regime (RAIMUNDO, 2013RAIMUNDO, Filipa. Partidos políticos e justiça de transição em Portugal: o caso da polícia política (1974-1976). In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 75-126.; 2015RAIMUNDO, Filipa. A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal. Revista Contemporânea, v. 5, n. 7, p. 1-32, 2015.).

Além das informações sobre julgamentos realizados nessas instâncias “fora” das instituições judiciais tradicionais, não foram encontrados dados ou análises sobre o uso do Poder Judiciário com vistas ao enfrentamento dos crimes cometidos durante o Estado Novo. Em parte, acredita-se que isso se deve ao fato de que, uma vez que setores envolvidos com a repressão foram responsabilizados nos primeiros anos pós-transição, a busca por justiça no país perdeu fôlego tanto no que se refere à persecução penal do aparato repressivo estadonovista como no tocante à realização da justiça na esfera civil. Por outro lado, algo que pode ter contribuído para o fenômeno é a realização dos “saneamentos”, com base no Decreto-Lei nº 277/74 (REZOLA, 2019REZOLA, Maria Inácia. Punir ou perdoar? A difícil gestão do passado no Portugal democrático - o caso dos saneamentos. Estudos Ibero-Americanos, v. 45, n. 3, p. 24-38, 2019.).6 6 Conforme o estudo de Maria Inácia Rezola (2019, p. 27-28), os saneamentos, ou seja, a perda dos cargos públicos, foram a forma mais comum utilizada no ajuste de contas português com o seu passado autoritário. Não há dados precisos sobre o número de processos abertos, nem mesmo sobre o número de pessoas que perderam, de fato, o cargo por atos praticados durante o Estado Novo. De todo modo, a autora menciona que, apenas em 1974, foram abertos mais de 4 mil processos de saneamento. Embora os resultados não sejam precisamente identificados, é um número elevado de processos.

Espanha

A transição espanhola é comumente apresentada como um processo “exemplar”, conforme Paloma Aguilar e Leigh A. Payne (2018, p. 15-17)AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018.. Ainda segundo as autoras, a classificação atrelada ao processo transicional espanhol constitui uma interpretação que oculta boa parte das contradições e tensões inerentes ao contexto no qual o franquismo cedeu lugar à restauração da monarquia parlamentar, à coroação do Rei Juan Carlos, à eleição de um novo Governo e à promulgação da nova Constituição.

Nas palavras de Aguilar e Payne:

O mito da transição espanhola, enquanto uma alternância pacífica e exemplar da ditadura à democracia, colide frontalmente com as elevadas taxas de violência política e repressão estatal que encontramos durante esse período. Por outro lado, a ênfase na moderação e concessões mútuas desde o início da transição costuma deixar de lado as assimetrias de poder existentes no processo de negociação entre a força dos franquistas moderados e a debilidade da oposição democrática (2018, p. 17, tradução nossa).

Atualmente, pensar nas assimetrias que marcaram essa conjuntura é algo que se relaciona à forma como foi negociada a anistia (no contexto da transição), assim como à reflexão sobre como a Espanha democrática lidaria com suas demandas por justiça frente aos crimes cometidos em quase quatro décadas de ditadura. A lei que prevê a anistia espanhola (Ley nº 46, de 1977), assim como ocorreu no caso brasileiro, não correspondeu às expectativas de parcelas da oposição à ditadura. Foi votada num cenário político marcado pela morte do ditador e pelo enfraquecimento dos setores vinculados ao regime autoritário. Isso não significou, contudo, que os franquistas tenham sido vencidos pela oposição democrática na disputa sobre os termos da anistia (AGUILAR; PAYNE, 2018AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018.; JEREZ; SILVA, 2015JEREZ, Ariel; SILVA, Emilio. Introducción: cultura de derechos humanos y construcción de ciudadanía. In: JEREZ, Ariel; SILVA, Emilio (eds.). Políticas de memoria y construcción de ciudadanía. Madrid: Postmetropolis / ARMH, 2015. p. 1-16.; LÓPEZ, 2015LÓPEZ, Pedro. Crímenes del franquismo, derecho y justicia transicional. Derecho y Realidad, n. 25, p. 131-144, 2015.).

Como resultado de uma capacidade inexistente de determinar os rumos da transição e, inclusive, o conteúdo da lei que seria votada pelo Parlamento, parcelas da esquerda e da oposição ao franquismo viram ser aprovada uma anistia que estava aquém das suas expectativas em nome da continuidade do processo transicional (AGUILAR; PAYNE, 2018AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018., p. 25).

Considerando tais circunstâncias, ocorre que o uso do Judiciário espanhol com vistas ao enfrentamento do passado constituiu uma estratégia nada exitosa após a redemocratização. Houve, por certo, o início de ações buscando a realização do direito à memória e à verdade, mas, como comenta Aguilar (2013, p. 282)AGUILAR, Paloma. Jueces, represión y justicia transicional em España, Chile y Argentina. Revista Internacional de Sociología (RIS), v. 71, n. 2, p. 281-308, 2013., a única ação penal (o chamado “Caso Ruano”) que costuma ser identificada como positiva para as demandas das vítimas do franquismo não o foi efetivamente, tendo em vista que não ajudou a esclarecer os fatos apurados, nem resultou na condenação dos acusados. De modo que o não julgamento dos responsáveis pelas violações entre 1936 e 1977 é o que caracteriza a trajetória espanhola no tocante à justiça (AGUILAR; PAYNE, 2018AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018., p. 32-33).

Corrobora tal diagnóstico, ainda, o fato de que as elites dirigentes do regime nunca prestaram contas de seus atos. Franco faleceu em novembro de 1975, após uma longa doença. Nem os presidentes de governo da fase final do franquismo, entre 1973 e 1975, tampouco outros colaboradores que ocuparam altos cargos de comando durante a ditadura foram sequer responsabilizados pelos crimes cometidos.

Isso se sustenta, na prática, porque a interpretação hegemônica da anistia foi e continuou sendo mantida em todos os níveis da hierarquia judicial espanhola ao longo das décadas de 1980 e 1990. A partir dos anos 2000, algumas circunstâncias mudaram. A “geração dos netos” das vítimas do franquismo, passadas mais de duas décadas da morte de Franco e do fim da ditadura, começou a se articular, pública e politicamente, reivindicando o direito de localizar os restos mortais de seus familiares. Em 2000, com a criação da Asociación para la Recuperación de la Memoria Histórica (ARMH), grupo articulado por Emilio Silva, neto de um republicano morto pelos franquistas na década de 1930, intensifica-se a problematização sobre a impunidade dos crimes cometidos no período (ELSEMANN, 2015ELSEMANN, Nina. Discursos y políticas de memoria en España: una perspectiva transnacional. In: JEREZ, Ariel; SILVA, Emilio (eds.). Políticas de memoria y construcción de ciudadanía. Madrid: Postmetropolis / ARMH, 2015. p. 54-61.).

A despeito do aumento da visibilidade do tema, reforçado pelas exumações, entre outras ações encabeçadas por familiares de vítimas da ditadura e grupos de defesa dos direitos humanos, na arena judicial nada mudaria (AGUILAR, 2013AGUILAR, Paloma. Jueces, represión y justicia transicional em España, Chile y Argentina. Revista Internacional de Sociología (RIS), v. 71, n. 2, p. 281-308, 2013.; BARAHONA DE BRITO; SZNAJDER, 2013BARAHONA DE BRITO, Alexandra; SZNAJDER, Mario. A política do passado: América Latina e Europa do Sul. In: PINTO, António Costa; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 295-327.). Por outro lado, em dezembro de 2007, como resultado do aumento da pressão interna sobre o tema, durante o primeiro mandato de José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2008) é sancionada a “Ley de Memoria Histórica” (Ley nº 52 de 2007), prevendo medidas de reparação (sobretudo simbólica) para as vítimas da ditadura. No ano seguinte, um caso emblemático que representou uma possibilidade de mudança no tratamento jurídico do tema no país foi a causa acolhida pelo juiz Baltasar Garzón, em outubro de 2008, na Audiência Nacional (Tribunal Superior espanhol). A causa, iniciada por familiares de vítimas inspirados nas ações propostas pela ARMH nos anos anteriores, abrangia crimes como torturas, prisões ilegais e desaparecimentos cometidos pelo aparato franquista em Mallorca.

Os desdobramentos dessa causa foram inusitados: dos avanços sinalizados com a decisão inicial de Garzón, que acolheu a demanda, restaram somente retrocessos jurídicos, visto que a causa não teve andamentos, uma vez que foi questionada a competência da Audiência Nacional para julgá-la. Após uma série de polêmicas decorrentes da abertura do caso, o juiz Garzón foi processado (por grupos de extrema direita) e punido, sendo afastado do cargo em 2010, acusado de prevaricação. Em fevereiro de 2012, o Tribunal Supremo o absolveu do delito de prevaricação, mas referendou como equivocada a tese por ele defendida ao acolher a demanda das vítimas na região de Mallorca, na qual sustentou que era possível, a despeito da lei de anistia, a apuração dos fatos e responsabilidades, uma vez que se tratava de crimes imprescritíveis (AGUILAR, 2013AGUILAR, Paloma. Jueces, represión y justicia transicional em España, Chile y Argentina. Revista Internacional de Sociología (RIS), v. 71, n. 2, p. 281-308, 2013., p. 300-301).7 7 Sobre o julgamento de Baltasar Garzón, ver: JUIZ..., 2012.

Em 2018, um grupo de parlamentares vinculado ao partido político PODEMOS encabeçou um projeto com vistas à modificação da lei de anistia. O projeto não avançou, sendo derrotado no Parlamento espanhol com o apoio de parlamentares filiados ao PP e ao Ciudadanos, partidos de direita, e, inclusive, do PSOE, partido de centro-esquerda (ALBEROLA, 2018ALBEROLA, Miquel. PP, PSOE y Ciudadanos rechazan reformar la Ley de Amnistía de 1977. El País, Madri, 20 mar. 2018. Disponível em: Disponível em: https://elpais.com/politica/2018/03/20/actualidad/1521563315_083211.html . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://elpais.com/politica/2018/03/20/a...
). Também nos últimos anos, os espanhóis têm assistido às notícias em torno dos andamentos da chamada “Querella Argentina” e do caso de Ligia Ceballos, processos que tramitam no exterior, no Judiciário argentino e mexicano, respectivamente, tratando do roubo de bebês pelos franquistas. Apesar dos esforços da justiça argentina e mexicana na tentativa de investigar e punir crimes do franquismo, o Estado espanhol não tem colaborado com o andamento dos processos (AMNISTÍA INTERNACIONAL, 2022AMNISTÍA INTERNACIONAL. Víctimas de la Guerra Civil y el franquismo. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.es.amnesty.org/en-que-estamos/espana/franquismo/ . Acesso em: 01 jul. 2021.
https://www.es.amnesty.org/en-que-estamo...
).

Em síntese, as tentativas de judicializar os crimes do franquismo seguem bloqueadas devido à vigência da lei de anistia desde a década de 1970. Embora a Espanha tenha aderido paulatinamente a normativas internacionais de proteção aos direitos humanos e, a partir dos anos 2000, tenha crescido a mobilização em torno do resgate da memória da repressão, em âmbito interno são inexistentes os resultados no tocante à justiça para as vítimas.

Argentina

Em setembro de 1983, com a promulgação de uma lei prevendo sua autoanistia (a “Ley de Pacificación Nacional”, Ley nº 22.924), as Forças Armadas argentinas tentaram lançar as bases jurídicas que garantiriam sua impunidade na nova democracia. Era necessário, como garantia de que a mesma não seria questionada pós-transição, que Ítalo Luder, candidato pelo Partido Justicialista, declaradamente favorável à manutenção da norma, vencesse as eleições presidenciais (ROJO, 1994ROJO, Raúl Enrique. Corrupção, consolidação democrática e exercício supletivo do poder político pelo Judiciário. Humanas, v. 17, n. 1-2, p. 147-171, 1994., p. 157). A vitória de Raúl Alfonsín nas eleições de 1983 foi um resultado imprevisto e que contrariou os interesses dos setores que haviam ocupado o poder a partir de 1976, já que o candidato assumiu o compromisso de levar a julgamento os responsáveis pelas violações aos direitos humanos e garantiu que as demandas de vítimas da repressão começassem a ser atendidas logo após a sua posse. Nesse sentido, ainda em dezembro de 1983, poucos dias após assumir o cargo, Alfonsín criou a Comissão Nacional sobre a Desaparição de Pessoas (CONADEP), que seria responsável pela elaboração do relatório “Nunca Más”, e editou os Decretos nº 157 e 158, que anulavam a lei de autoanistia e ordenavam a abertura de processos contra as cúpulas das organizações guerrilheiras, agentes da repressão e integrantes das Juntas Militares que governaram o país.

O “Juicio a las Juntas” (“Julgamento das Juntas”), ocorrido entre abril e dezembro de 1985,8 8 Mais informações sobre o “Juicio a las Juntas”, com detalhes sobre como o mesmo foi realizado, os dilemas técnicos enfrentados para a sua viabilização, entre outras questões, podem ser encontrados em: Lvovich; Bisquert, 2008; Malamud Goti, 2000; Rojo, 2019. foi um marco na judicialização dos crimes da ditadura argentina. Embora criticado por organizações de direitos humanos e outros setores, sobretudo porque as penas atribuídas aos antigos ditadores variaram (enquanto alguns, como Jorge Rafael Videla e Emilio Eduardo Massera foram condenados à reclusão perpétua, outros, como Leopoldo Fortunato Galtieri, foram absolvidos), o julgamento é considerado um marco também em âmbito internacional, servindo de exemplo para outros países que, na época, passavam por transições.

A obtenção de conquistas e avanços significativos no início da nova democracia, no entanto, não impediu recuos. Assim, passada uma primeira fase marcada pela tentativa de realização da “Verdade e da Justiça”, a partir do final de 1986, vive-se um período de retrocessos - “Fase da Impunidade”. Primeiro, quando, durante o Governo Alfonsín (1983-1989), são promulgadas as Leis de “Punto Final” (Ley nº 23.492, de 1986) e “Obediencia Debida” (Ley nº 23.521, de 1987). Posteriormente, mediante a concessão de indultos aos envolvidos com a repressão por parte do presidente Carlos Saúl Menem (1989-1999), do Partido Justicialista.9 9 Reproduzo a categorização de fases da luta por Memória, Verdade e Justiça que foi elaborada pelo Centro de Estudios Legales y Sociales - CELS para apresentar uma síntese da trajetória percorrida por grupos de vítimas da repressão e por organizações de direitos humanos na Argentina (ver: CELS, 2010, p. 62-65).

Fruto de um cenário político conturbado, marcado pela crescente mobilização10 10 Entre abril de 1987 e dezembro de 1990, setores das Forças Armadas argentinas que estavam principalmente insatisfeitos com a punição pelos crimes cometidos durante a ditadura civil-militar, dentre outras questões relacionadas à Defesa Nacional, saíram às ruas. Conhecidos popularmente como “caras pintadas”, esses setores garantiram (ainda que temporariamente) sua impunidade pelas violações praticadas entre 1976 e 1983. de setores das Forças Armadas preocupados com o aumento da busca pela Justiça após a condenação dos integrantes das Juntas, as leis de “Punto Final” e “Obediencia Debida” foram a solução jurídica encontrada pelo Governo Alfonsín para impedir que a instabilidade aumentasse e garantir a consolidação democrática (ACUÑA, 2006ACUÑA, Carlos H. Transitional justice in Argentina and Chile: a never-ending story? In: ELSTER, Jon (ed.). Retribution and reparation in the transition to democracy. New York: Cambridge University Press, 2006. p. 206-238., p. 211-213; MALAMUD GOTI, 2000MALAMUD GOTI, Jaime E. Terror y justicia en la Argentina. Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 2000., p. 38-45; NORRIS, 1992NORRIS, Robert E. Leyes de impunidad y los derechos humanos en las Américas: una respuesta legal. Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos, v. 8, n. 15, p. 47-121, 1992., p. 77-83; QUIROGA, 1996QUIROGA, Hugo. La verdad de la justicia y la verdad de la política: los derechos humanos en la dictadura y en la democracia. In: QUIROGA, Hugo; TCACH, César (comps.). A veinte años del golpe: con memoria democrática. Rosario: Homo Sapiens Ediciones, 1996. p. 67-86., p. 77-81). Contendo anseios golpistas que ameaçavam a estabilidade do novo governo, essas leis fixaram um prazo de 60 dias para a propositura de novas ações sobre as violações praticadas pela ditadura e para declarar a inocência presumida daqueles que atuavam sob as ordens de um comando superior.

Apesar das limitações decorrentes da “imposição de impunidade” (NORRIS, 1992NORRIS, Robert E. Leyes de impunidad y los derechos humanos en las Américas: una respuesta legal. Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos, v. 8, n. 15, p. 47-121, 1992., p. 77) obtida com a edição de Leis e indultos por parte dos Governos ameaçados por segmentos golpistas, a busca de outras formas de recompor a verdade fez com que se desenvolvesse a chamada “Fase da busca alternativa pela verdade”. Nessa fase, inúmeros processos judiciais que não buscavam a persecução penal dos envolvidos nas violações, mas tratavam, entre outros, do caso das crianças subtraídas pela ditadura, foram movidos no Judiciário argentino.

Se durante os mandatos do presidente Menem predominou a impossibilidade de processar e punir os responsáveis pelas violações, a partir de março de 2001, com a sentença proferida pelo Juiz Gabriel Cavallo em uma causa sobre a apropriação de Claudia Victoria Poblete (iniciada no ano 2000 pelo CELS), ganha fôlego uma nova fase na luta por justiça. Isso porque, a partir da decisão de Cavallo, na qual as “leis de impunidade” foram consideradas inconstitucionais, uma nova série de ações foi iniciada (CELS, 2010CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. La fuerza de la verdad, el tiempo de la justicia. In: CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. Derechos humanos en Argentina: informe 2010. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2010. p. 61-108., p. 63-64; RAUSCHENBERG, 2014RAUSCHENBERG, Nicholas Dieter Berdaguer. Memória e justificação no processo de justiça transicional argentino: da reconstrução democrática às “megacausas” (1983-2013). História Unisinos, v. 18, n. 3, p. 572-588, 2014., p. 582).

Tal incremento na realização da justiça, convém mencionar, não surge isoladamente. A decisão de Cavallo ocorre numa conjuntura duplamente favorável. Em âmbito interno, é um contexto marcado pela chegada de Néstor Kirchner à Presidência, em maio de 2003, iniciando um ciclo de governos abertamente sensíveis e favoráveis às demandas por memória, verdade e justiça (CALADO, 2014CALADO, Rui. Políticas de memória na Argentina (1983-2010). Transição política, justiça e democracia. História - Revista da FLUP, v. IV, n. 4, p. 51-64, 2014.). Em âmbito internacional, é uma conjuntura marcada por decisões de tribunais estrangeiros (França e Itália, por exemplo), condenando agentes da repressão argentina e solicitando suas extradições (CELS, 2010CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. La fuerza de la verdad, el tiempo de la justicia. In: CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. Derechos humanos en Argentina: informe 2010. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2010. p. 61-108., p. 64).

Voltando à sentença de Cavallo, após sua confirmação em segunda instância, em novembro de 2001, um novo recurso foi interposto pela defesa de Julio Simón, um dos agentes da repressão condenados por participação na apropriação de Claudia Victoria Poblete e na desaparição dos seus pais. Assim, em 2002, aquele que ficaria conhecido como o “Caso Simón” (“Fallo Simón”) chega à Corte Suprema de Justicia de la Nación (CSJN) argentina, vindo a ser julgado em 14 de junho de 2005.11 11 Para uma análise do julgamento do “Caso Simón” e sua repercussão no Judiciário argentino, ver: GALLO, 2019. No julgamento desse recurso, a CSJN, pela maioria dos votos, declarou a nulidade das leis de impunidade e adotou posição contrária à prescrição das violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura. Em linhas gerais, um dos argumentos da decisão da maioria da Corte reconheceu que, embora o objetivo das leis editadas em 1986 e 1987 fosse garantir a estabilidade política do país, isso não significava, conforme voto do Ministro Enrique S. Petracchi (CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE LA NACIÓN, p. 14CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE LA NACIÓN. Inteiro teor do Acórdão do “Caso Simón”. Decisão emitida em 14 de junho de 2005. Disponível em: Disponível em: http://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/fallos/consulta.html . Acesso em: 01 jul. 2021.
http://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta...
), que mudanças na conjuntura impediriam uma reconsideração sobre a sua vigência. Não reconhecer a inconstitucionalidade de leis que impediam elucidar e julgar esses crimes seria, portanto, equivocado, uma vez que a Argentina assumiu deveres e compromissos internacionais visando à proteção dos direitos humanos (CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE LA NACIÓN, p. 23-24CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE LA NACIÓN. Inteiro teor do Acórdão do “Caso Simón”. Decisão emitida em 14 de junho de 2005. Disponível em: Disponível em: http://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/fallos/consulta.html . Acesso em: 01 jul. 2021.
http://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta...
).

O julgamento do “Caso Simón” viabilizou um incremento a partir de 2005, servindo essa decisão como precedente para derrubar outras barreiras jurídicas12 12 Após o “Caso Simón”, a CSJN emitiu outras decisões que, conjuntamente, foram ampliando as possibilidades jurídicas de persecução penal das pessoas que participaram de violações aos direitos humanos. Entre outras, merecem destaque as decisões emitidas em 2007 e 2010, respectivamente no julgamento dos casos “Mazzeo” e “Videla”, nos quais a CSJN revogou indultos concedidos na década de 1980 a antigos ditadores e agentes da repressão. e possibilitando a proposição de muitos processos. Se num primeiro momento predominaram ações individuais, com o passar dos anos organizações de direitos humanos começaram a propor as “megacausas”, causas coletivas que abrangem, num mesmo julgamento, um conjunto amplo de violações, réus e vítimas, para que sejam obtidas sentenças mais abrangentes (CELS, 2015CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. Justicia: nada más, pero nada menos: debates, consensos y disputas en torno a los juicios por crímenes de lesa humanidad en la Argentina. In: CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. Derechos humanos en Argentina: informe 2015. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2015. p. 87-108., p. 98).

Conforme estatísticas do CELS, entre 2006 e 2017, 864 pessoas foram responsabilizadas por crimes da ditadura argentina e 109 absolvidas em 201 sentenças proferidas com vistas à realização das demandas por justiça no país. Os crimes julgados são variados, havendo maior concentração de acusações, contudo, nas modalidades que estão diretamente relacionadas aos casos de morte e desaparecimento de militantes políticos: privação ilegítima de liberdade (1.028 casos), tortura (799 casos) e homicídio (488 casos). Outra modalidade de crime que possui um número expressivo, 162 casos, é a de apropriação de menores, que se refere aos casos de crianças que foram levadas com os pais para a prisão e/ou nasceram em cativeiro nos centros clandestinos que existiam em todo o país, sendo posteriormente adotadas ilegalmente e tendo suas identidades adulteradas.

Outro dado que chama a atenção é o número de acusados nessa nova fase de julgamentos: 3.123 pessoas. Somando-se aos integrantes das Forças Armadas outras categorias de acusados tais como policiais federais, provinciais e agentes penitenciários, verifica-se que mais de 80% dos arrolados como réus nos processos estiveram vinculados às forças de segurança argentinas durante a ditadura. Isso não significa que a colaboração de segmentos civis seja inexpressiva. Ampliando o âmbito das responsabilidades apuradas para além dos integrantes das Forças Armadas, nos últimos anos passaram a ser processados e condenados outros setores da sociedade que colaboraram com a ditadura (366 civis), como é o caso de jornalistas, funcionários públicos, advogados, empresários e sacerdotes envolvidos nos crimes cometidos no “combate à subversão” realizado com base na Doutrina de Segurança Nacional.

Ao longo do ano de 2020 e, ainda, durante o primeiro semestre de 2021, em plena pandemia de COVID-19, a Argentina segue realizando o julgamento dos crimes da ditadura.

Brasil

A busca pelo Judiciário por parte de familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil já ocorria durante a ditadura. Até meados da década de 1990, contudo, os esforços realizados em âmbito jurídico (na esfera civil e penal) foram pouco exitosos à causa. Prevaleceu, além de dificuldades de acesso aos arquivos da repressão (que limitava e limita a produção de provas) e da morosidade no julgamento dos casos envolvendo os crimes praticados pelos agentes da repressão, a barreira interpretativa da Lei da Anistia (ALMEIDA TELES, 2010ALMEIDA TELES, Janaína de. Os familiares de mortos e desaparecidos políticos e a luta por “verdade e justiça” no Brasil. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 253-298., p. 272-281).

A Lei da Anistia, como mencionado, consolidou-se como a principal barreira na luta por memória, verdade e justiça no caso brasileiro. Em abril de 2010, passadas mais de três décadas desde a sua aprovação, uma discussão sobre o seu alcance foi produzida pela instância máxima do Judiciário nacional. Nesta ocasião, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153 (apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB em 2008), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, pela maioria dos votos, que a interpretação da lei que garantia a anistia recíproca, embora controvertida e questionada, deveria ser mantida.

Em linhas gerais, o argumento utilizado para indeferir o pedido apresentado pelo Conselho Federal da OAB esteve concentrado na ideia de que o contexto da transição justificava a necessidade de concessões recíprocas tanto por parte do regime autoritário como por parte de seus opositores. É algo que sugere que a impunidade dos agentes da repressão pode ser entendida como o “preço da transição”, bem como uma interpretação segundo a qual a reciprocidade da anistia estaria presumidamente garantida, a despeito da imprecisão do texto da lei (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2010SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inteiro teor do Acórdão da ADPF nº 153. Decisão emitida nos dias 28 e 29 de abril de 2010. Disponível em:Disponível em:https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960 . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
).

Além de contrariar normativa internacional de proteção aos direitos humanos e de estar no sentido oposto do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (segundo o qual autoanistias são inválidas), do julgamento do STF (e de sua manutenção) decorre a seguinte situação: no âmbito internacional, há decisões que condenam o Brasil e que mencionam que autoanistias não têm validade, conforme referido pela CIDH quando julgou o caso envolvendo os desaparecidos da Guerrilha do Araguaia e o Caso Herzog (ver: BERNARDI, 2019BERNARDI, Bruno Boti. O Brasil condenado: a lei de anistia no sistema interamericano de direitos humanos. In: GALLO, Carlos Artur (org.). Anistia: 40 anos, uma luta, múltiplos significados. Rio de Janeiro: Gramma, 2019. p. 215-250.); no âmbito interno, junto à instância máxima do Judiciário, encontra-se um posicionamento conflitante.

O fato é que a interpretação da anistia, reforçada pelo STF em 2010, repercute desde a transição na forma como o Judiciário lida com os processos envolvendo os crimes da ditadura. Seja na esfera civil, seja em âmbito penal.

No que se relaciona à esfera civil, conforme Criméia Schmidt de Almeida (ALMEIDA et al., 2009ALMEIDA, Criméia Schmidt de et al. (org.). Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985). 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009., p. 45-46) e Janaína de Almeida Teles (2010, p. 272-281)ALMEIDA TELES, Janaína de. Os familiares de mortos e desaparecidos políticos e a luta por “verdade e justiça” no Brasil. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 253-298., uma série de ações foram propostas por familiares das vítimas visando à responsabilização do Estado brasileiro pela morte ou desaparecimento de opositores. Esses processos resultaram no reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos crimes cometidos por agentes da repressão ou, em alguns casos, no estabelecimento de uma indenização pecuniária aos familiares. São resultados parcialmente positivos no que se refere à memória das vítimas, mas não foram capazes de gerar avanços no que diz respeito ao direito à verdade e à justiça, pois: 1) as reais circunstâncias das violações praticadas pelo aparato repressivo não foram esclarecidas; 2) salvo exceções, não foram identificados os agentes que praticaram os atos delituosos; 3) com base na interpretação da anistia recíproca, não foi possível atribuir responsabilidade individual a nenhum agente envolvido nas violações praticadas.

Ainda na esfera civil, uma ação que gerou resultados paradigmáticos foi proposta em fevereiro de 1982 por familiares de 22 guerrilheiros desaparecidos na região do Araguaia, solicitando que o Estado brasileiro localizasse e trasladasse os corpos dos militantes, entre outros pedidos. Em andamento até a atualidade na fase de execução da sentença, a ação possibilitou ganhos importantes à causa em 2003, quando a Juíza Solange Salgado, da 1ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, reconheceu a legitimidade da demanda e condenou o Estado brasileiro a localizar os corpos de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) desaparecidos na primeira metade da década de 1970 e a apresentar os documentos requeridos (ALMEIDA et al., 2009ALMEIDA, Criméia Schmidt de et al. (org.). Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985). 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009., p. 38-43; ALMEIDA TELES, 2010ALMEIDA TELES, Janaína de. Os familiares de mortos e desaparecidos políticos e a luta por “verdade e justiça” no Brasil. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 253-298., p. 284-294).13 13 Não é possível, aqui, aprofundar a análise e o debate sobre esta ação específica. A partir dela, uma série de desdobramentos em âmbito interno e internacional vão se sobrepondo. Entre avanços e recuos, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) em 2009 e, entre recursos protelatórios ao cumprimento da sentença, avanços parciais foram obtidos no que se refere à localização dos corpos das vítimas da ditadura na região da Guerrilha do Araguaia (ver, sobre esta ação: Almeida et al., 2009; Almeida Teles, 2010; Brasil, 2010).

Outros exemplos, contudo, salientam a ambiguidade com que as instituições judiciais abordam casos envolvendo a repressão. Enquanto numa ação promovida pela família Teles, em 2005, foi obtida uma sentença declaratória reconhecendo o envolvimento de Carlos Alberto Brilhante Ustra, agente da repressão, em atos praticados contra essa família, no primeiro semestre de 2015, um juiz da Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou os pedidos formulados pelo Clube Militar no sentido de declarar nula a anistia concedida pela Comissão da Anistia a Carlos Lamarca (um dos principais opositores da ditadura, morto em 1971). Embora ambas ações referidas envolvam sobretudo a realização do direito à memória e à verdade por vias alternativas, é patente, nos dois casos, o impacto que a manutenção da interpretação da anistia recíproca gera.

Em âmbito penal, como mencionado, também não houve avanços entre a década de 1970 e os anos 2000. Via de regra, a justiça considerou os crimes da repressão anistiados e/ou prescritos, bloqueando a sua investigação. Até recentemente, nenhum agente da repressão brasileiro havia sido investigado e condenado. Na última década, uma série de novas ações com vistas à responsabilização penal dessas violações foram iniciadas por um grupo de Procuradores do Ministério Público Federal (MPF), apresentando-se como algo capaz de gerar novos resultados para as vítimas, seus familiares e organismos de direitos humanos.

Conforme dados do Ministério Público Federal (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Crimes da ditadura militar. Brasília: MPF, 2017., p. 25) foram propostas, entre os anos de 2012 e 2016, 27 ações penais acusando 47 agentes da repressão envolvidos em 43 tipos de crimes. Até 2016, 11 tipos de crime foram arrolados nas ações. Mais de 75% destas práticas delituosas abrangem atos direta e indiretamente relacionados às vítimas fatais da repressão política: homicídios qualificados (11 casos), falsidade ideológica (9 casos), sequestro qualificado (7 casos) e ocultação de cadáver (6 casos). No que diz respeito à origem das pessoas arroladas como réus nos processos, entre as 47 pessoas denunciadas, 21 fizeram parte do Exército brasileiro, de modo que as Forças Armadas representam quase 50% dos acusados pelos crimes da ditadura. Além das Forças Armadas, integrantes de outras forças de segurança como a Polícia Militar (7 pessoas) e a Polícia Civil (9 pessoas) também foram identificados como responsáveis por violações. Embora pessoas vinculadas diretamente aos militares e demais forças de segurança encabecem a lista de processados, sendo aproximadamente 75% dos imputados, há também a presença de civis na lista, tais como um caso de uma pessoa identificada como “cachorro” (infiltrado em grupos de opositores políticos da ditadura) e 8 casos de pessoas vinculadas ao Instituto Médico Legal (IML), em sua maioria acusados de cometerem falsidade ideológica nos laudos que atestavam a morte de perseguidos políticos (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Crimes da ditadura militar. Brasília: MPF, 2017., p. 27).

No tocante ao andamento dessas ações penais propostas desde 2012, há, entre os posicionamentos emitidos, uma predominância (82%) de decisões contrárias ao andamento das ações penais e ao processamento e punição dos crimes da ditadura: 27 de 33 decisões (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Crimes da ditadura militar. Brasília: MPF, 2017., p. 28). Até 2021, em nenhuma das ações havia sido analisado o mérito das demandas, de modo que todas decisões parciais foram baseadas no argumento de que a interpretação da Lei da Anistia justificava o encerramento das causas e a impossibilidade de perseguir os culpados. Em junho de 2021, pela primeira vez, um agente da repressão foi condenado na esfera penal por crimes cometidos durante a ditadura.14 14 Sobre o julgamento, ver VENDRUSCOLO, 2021. Ainda que tal decisão configure um avanço, trata-se de uma condenação em primeira instância, passível de recurso. O réu, com idade avançada, vai recorrer em liberdade e seu recurso pode levar anos até ser julgado e gerar sentença definitiva.

Justiça(s) de transição ou justiça(s) das transições? Uma explicação para as diferentes trajetórias

A partir da coleta e organização de dados para este estudo, foi possível traçar um panorama no qual se verifica:

  1. em Portugal: um padrão de judicialização médio, fora do Poder Judiciário nos primeiros anos que se seguiram à Revolução do Cravos, sendo excluídos da responsabilização penal antigos dirigentes do regime. Os julgamentos foram concentrados nos agentes da PIDE/DGS, foram realizados em um tribunal militar especial, e não investigaram, de fato, os crimes cometidos, mas o pertencimento dos acusados à polícia política do regime;

  2. na Espanha: não houve responsabilização penal de nenhum envolvido (inclusive as cúpulas do regime) com os crimes do franquismo e qualquer tentativa de investigação e/ou punição é barrada, até hoje, pela anistia;

  3. na Argentina: uma trajetória de judicialização marcada por avanços e recuos entre as décadas de 1980 e 1990, mas com um alto grau de persecução penal dos responsáveis pela repressão, tendo sido julgados e condenados desde antigos dirigentes do regime autoritário a repressores e colaboradores (inclusive civis e empresariais) da ditadura;

  4. no Brasil: uma grande dificuldade de judicializar demandas das vítimas desde o final da ditadura, sendo os resultados das ações penais iniciadas recentemente limitados pela interpretação emitida pelo STF no julgamento da ADPF nº 153. Existem ganhos residuais e bastante limitados em ações civis movidas por vítimas da ditadura, e, até a atualidade, não houve nenhuma condenação penal (definitiva) por crimes cometidos pela/durante a ditadura.

Para uma melhor sistematização e comparação dos dados é possível observar os resultados das lutas por justiça no Quadro 2. No que se relaciona ao julgamento/punição dos antigos dirigentes do regime autoritário, observa-se que apenas a Argentina efetivou tal feito. Lá, como foi descrito na seção anterior, todos integrantes das Juntas Militares foram julgados. Em Portugal e na Espanha, respectivamente, Salazar e Franco já haviam falecido antes da transição. No caso português, Marcello Caetano, sucessor de Salazar, foi exilado logo após o 25 de abril, falecendo no Brasil. Na Espanha, os presidentes de governo da etapa final do franquismo (1973-1975) nunca foram levados à Justiça. No Brasil, todos os ditadores faleceram sem prestar contas de seus atos.

Quadro 2
Padrões de judicialização/punição dos crimes das ditaduras

No tocante à punição de outros setores da repressão, Portugal e Argentina a realizaram, ainda que a forma e o momento se diferenciem. Enquanto, no caso argentino, a investigação e julgamento dos crimes foi processada na justiça comum, ocorrendo desde os primeiros anos da nova democracia, e, novamente, a partir dos anos 2000, a atribuição de responsabilidades do aparato repressivo português foi concentrada, restrita, realizada em tribunais militares e interrompida poucos anos após o fim do regime. A comparação entre Espanha e Brasil é facilitada: até 2021, nenhum dos países havia julgado e/ou condenado penalmente os agentes da repressão. A situação no Brasil mudou recentemente, embora o fato de haver uma condenação não permita, ainda, especular sobre os desdobramentos da decisão emitida.

Os dados apresentados confirmam a hipótese de que o tipo de transição determinou um padrão de judicialização dos crimes das ditaduras? A probabilidade e a capacidade de serem punidos os crimes cometidos pelo aparato repressivo nos países analisados foram observadas em curto, médio e longo prazo. Assim, se o pressuposto de análise sugeria que países cuja transição se deu por ruptura teriam alta capacidade/probabilidade de punir tais delitos em oposição à baixa capacidade/probabilidade de países cuja transição foi negociada, os dados analisados não permitem que o mesmo seja sustentado.

O Quadro 3, no sentido mencionado, complementa o Quadro 1, apresentado na primeira parte deste estudo:

Quadro 3.
Tipos de transição e padrões de punição: resultados

Conforme o Quadro 3, apenas a Argentina confirmou a previsão apresentada. Portugal, embora tenha realizado julgamentos, apurou e atribuiu responsabilidades de forma concentrada, tendo a judicialização dos crimes da repressão perdido força em médio e longo prazo. Espanha e Brasil, por sua vez, confirmaram o pressuposto da pesquisa num sentido diferente do previsto, tendo potencializado o prognóstico negativo mencionado na primeira seção. Os dados sobre as tentativas de judicialização dos crimes do franquismo e da ditadura brasileira permitiram verificar que, se a capacidade/probabilidade de judicializar o tema e punir os responsáveis era baixa pouco tempo após o fim das transições, em médio e longo prazo, as perspectivas de punição tornam-se quase nulas. Seja considerando-se o tempo transcorrido desde o início do novo regime, seja porque a maioria dos envolvidos já faleceu (sobretudo na Espanha, onde boa parte das violações ocorreu há mais de 80 anos).

Chama a atenção na comparação, ainda, a contradição entre a justiça em âmbito interno e as instâncias internacionais. Portugal e Argentina, com contradições, avanços e recuos, fizeram um acerto de contas com o passado através do uso de instâncias nacionais. No Brasil e na Espanha parte dos avanços existentes se deu ou se dá através do Judiciário de outros países, como ocorre na “Querella Argentina” sobre as crianças roubadas pelos franquistas, ou através do julgamento em instâncias internacionais, como ocorreu nos casos em que o Estado brasileiro foi condenado no âmbito da CIDH.

Considerações finais

Este trabalho observou diferentes trajetórias no que se refere às possibilidades de punição dos responsáveis pelos crimes cometidos durante as ditaduras salazarista, franquista, brasileira e argentina. O panorama apresentado indica que, embora seja possível confirmar que países que passaram por transições por ruptura tenham obtido mais avanços, sendo encontrada uma maior capacidade de processar os envolvidos com a repressão, há diferenças no momento e no modo como se enfrentaram (ou não) essas demandas no caso português no argentino. Nos países que passaram por transições negociadas, foi identificada uma capacidade de realizar os julgamentos muito baixa, sendo a justiça espanhola e brasileira pouco colaborativas com a investigação de tais delitos, inviabilizando, em longo prazo, a responsabilização penal dos agentes da repressão.

Os dados analisados não permitem, portanto, sustentar a hipótese de que o tipo de transição determina o modo como serão julgados os crimes cometidos por um regime autoritário. Isso não significa que o modo como se deu o fim de uma ditadura não tenha impacto nos caminhos percorridos na luta por justiça. Outras variáveis necessitam, no entanto, ser agregadas, visando à elaboração de um diagnóstico mais preciso sobre os motivos pelos quais, enquanto alguns países acertaram decididamente as contas com seu passado, outros inviabilizam a judicialização dos crimes da ditadura, mantendo a impunidade de agentes da repressão em plena democracia.

Comparado ao estágio no qual se encontra atualmente a realização do direito à justiça no contexto espanhol e brasileiro, o caso argentino constitui-se como um modelo. Não se deve desconsiderar, contudo, as circunstâncias conjunturais que tornam possível realizar ou não os julgamentos. A despeito dos importantes avanços obtidos no país sobretudo a partir de 2005, a Argentina não está isenta às tentativas de bloqueio do uso do Judiciário com vistas à persecução penal dos agentes da repressão.

A justiça advinda “das transições”, como visto, é plural, contraditória, não linear. Os avanços obtidos num momento podem ser revertidos, a depender de uma série de fatores intrinsecamente relacionados ao estabelecimento de uma nova democracia. Os retrocessos não podem ser interpretados, no entanto, como intransponíveis. Assim como não devem ser interpretadas como intransponíveis as barreiras que bloqueiam a realização da justiça em contextos como o espanhol e o brasileiro. Democracia e justiça não são, via de regra, pensados como condição um para o outro. Os casos aqui analisados, neste sentido, demonstram que a punição dos crimes da ditadura não é condição para que a democracia exista. Democracias convivem, o tempo todo, com a injustiça e com a impunidade. O perigo maior não é a falta da justiça que mantém crimes impunes, mas sim a impunidade que fragiliza a democracia.

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  • 2
    Este artigo foi produzido no âmbito do projeto “Memória, verdade e justiça em perspectiva comparada”, financiado pelo CNPq (processo nº 422260/2018-5). Uma versão preliminar do texto foi apresentada na AT Política, Direito e Judiciário no 11º Encontro da ABCP. Registro meu agradecimento aos comentários recebidos no evento, assim como às/aos pareceristas anônimos da RBCP.
  • 3
    O conceito de direitos humanos e sua gramática contemporânea remetem ao contexto internacional do pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando foram criadas as principais instâncias (como a Organização das Nações Unidas, em 1945) e mecanismos jurídicos (a Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948) que viabilizaram a construção de uma agenda internacional para o tema. As ditaduras de Salazar e Franco foram responsáveis por crimes cometidos ao longo de aproximadamente quatro décadas, que ocorreram em períodos anteriores à Segunda Guerra Mundial e ao estabelecimento do debate contemporâneo sobre direitos humanos. Neste estudo, utiliza-se o termo “direitos humanos” de modo abrangente, seja para fazer referência às violações cometidas pelos regimes autoritários do Sul da Europa, seja para fazer referência aos crimes cometidos pelas ditaduras no Cone Sul, posto que, ainda que envolvam temporalidades diferentes, as violações cometidas compõem um legado comum a todos os países selecionados para a análise comparada.
  • 4
    O termo “pacto de esquecimento” costuma ser utilizado para denominar o acordo estabelecido entre opositores do franquismo e setores vinculados ao regime para garantir a continuidade da transição na Espanha, a partir do qual seria preciso deixar de lado, naquele momento e em nome da reconciliação nacional e da democratização, a discussão sobre as violações praticadas pela ditadura (AGUILAR; PAYNE, 2018AGUILAR, Paloma; PAYNE, Leigh A. El resurgir del pasado en España: fosas de víctimas y confesiones de verdugos. Madrid: Taurus, 2018., p. 27-28).
  • 5
    Exemplifica a forma como as elites do regime se mantiveram na nova conjuntura política do país, entre outros fatores, a sua imediata adaptação e absorção no novo sistema partidário brasileiro. O fim da Aliança da Renovação Nacional (ARENA), partido de sustentação do regime autoritário no Congresso Nacional, fomentou a criação de um novo partido para agrupar seus filiados: o Partido Democrático Social (PDS), que posteriormente deu origem ao atual Progressistas (PP) e ao Democratas (DEM). O fato é que o novo partido não enfrentou dificuldades de aceitação por parte da população e, ainda que tenha se reorganizado e/ou alterado sua denominação nas décadas seguintes, antigos arenistas continuaram disputando eleições, ocupando cargos eletivos e convivendo em ambiente democrático apesar de sua origem associada ao regime autoritário.
  • 6
    Conforme o estudo de Maria Inácia Rezola (2019, p. 27-28)REZOLA, Maria Inácia. Punir ou perdoar? A difícil gestão do passado no Portugal democrático - o caso dos saneamentos. Estudos Ibero-Americanos, v. 45, n. 3, p. 24-38, 2019., os saneamentos, ou seja, a perda dos cargos públicos, foram a forma mais comum utilizada no ajuste de contas português com o seu passado autoritário. Não há dados precisos sobre o número de processos abertos, nem mesmo sobre o número de pessoas que perderam, de fato, o cargo por atos praticados durante o Estado Novo. De todo modo, a autora menciona que, apenas em 1974, foram abertos mais de 4 mil processos de saneamento. Embora os resultados não sejam precisamente identificados, é um número elevado de processos.
  • 7
    Sobre o julgamento de Baltasar Garzón, ver: JUIZ..., 2012JUIZ Baltazar Garzón diz que vítimas de Franco merecem justiça. O Globo, Rio de Janeiro, 31 jan. 2012. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/juiz-baltazar-garzon-diz-que-vitimas-de-franco-merecem-justica-3808880 . Acesso em: 01 jul. 2021.
    https://oglobo.globo.com/mundo/juiz-balt...
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  • 8
    Mais informações sobre o “Juicio a las Juntas”, com detalhes sobre como o mesmo foi realizado, os dilemas técnicos enfrentados para a sua viabilização, entre outras questões, podem ser encontrados em: Lvovich; Bisquert, 2008LVOVICH, Daniel; BISQUERT, Jaquelina. La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática. Los Polvorines: Universidad Nacional de General Sarmiento; Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2008.; Malamud Goti, 2000MALAMUD GOTI, Jaime E. Terror y justicia en la Argentina. Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 2000.; Rojo, 2019.
  • 9
    Reproduzo a categorização de fases da luta por Memória, Verdade e Justiça que foi elaborada pelo Centro de Estudios Legales y Sociales - CELS para apresentar uma síntese da trajetória percorrida por grupos de vítimas da repressão e por organizações de direitos humanos na Argentina (ver: CELS, 2010CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. La fuerza de la verdad, el tiempo de la justicia. In: CELS - Centro de Estudios Legales y Sociales. Derechos humanos en Argentina: informe 2010. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2010. p. 61-108., p. 62-65).
  • 10
    Entre abril de 1987 e dezembro de 1990, setores das Forças Armadas argentinas que estavam principalmente insatisfeitos com a punição pelos crimes cometidos durante a ditadura civil-militar, dentre outras questões relacionadas à Defesa Nacional, saíram às ruas. Conhecidos popularmente como “caras pintadas”, esses setores garantiram (ainda que temporariamente) sua impunidade pelas violações praticadas entre 1976 e 1983.
  • 11
    Para uma análise do julgamento do “Caso Simón” e sua repercussão no Judiciário argentino, ver: GALLO, 2019GALLO, Carlos Artur. O passado no banco dos réus: uma análise das decisões das cortes supremas argentina e brasileira sobre as leis de impunidade. Política & Sociedade, v. 18, n. 41, p. 360-395, 2019..
  • 12
    Após o “Caso Simón”, a CSJN emitiu outras decisões que, conjuntamente, foram ampliando as possibilidades jurídicas de persecução penal das pessoas que participaram de violações aos direitos humanos. Entre outras, merecem destaque as decisões emitidas em 2007 e 2010, respectivamente no julgamento dos casos “Mazzeo” e “Videla”, nos quais a CSJN revogou indultos concedidos na década de 1980 a antigos ditadores e agentes da repressão.
  • 13
    Não é possível, aqui, aprofundar a análise e o debate sobre esta ação específica. A partir dela, uma série de desdobramentos em âmbito interno e internacional vão se sobrepondo. Entre avanços e recuos, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) em 2009 e, entre recursos protelatórios ao cumprimento da sentença, avanços parciais foram obtidos no que se refere à localização dos corpos das vítimas da ditadura na região da Guerrilha do Araguaia (ver, sobre esta ação: Almeida et al., 2009ALMEIDA, Criméia Schmidt de et al. (org.). Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985). 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.; Almeida Teles, 2010ALMEIDA TELES, Janaína de. Os familiares de mortos e desaparecidos políticos e a luta por “verdade e justiça” no Brasil. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 253-298.; Brasil, 2010BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Habeas corpus: que se apresente o corpo: a busca dos desaparecidos políticos no Brasil. Brasília: Secretaria dos Direitos Humanos, 2010.).
  • 14
    Sobre o julgamento, ver VENDRUSCOLO, 2021VENDRUSCOLO, Stephanie. Pela primeira vez, Justiça condena penalmente repressor da ditadura brasileira e abre precedente histórico. El País, 21 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-06-21/pela-primeira-vez-justica-federal-condena-penalmente-repressor-da-ditadura-brasileira-e-abre-precedente-historico.html . Acesso em: 01 jul. 2021.
    https://brasil.elpais.com/brasil/2021-06...
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Aceito
    24 Dez 2021
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