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Fracionamento químico e físico do carbono orgânico total em um solo de mata submetido a diferentes usos

Chemical and physical fractions of soil organic carbon in a forest soil currently under different uses

Resumos

A matéria orgânica é um importante indicador da qualidade do solo, pois está relacionada com diversas propriedades químicas, físicas e biológicas, sendo importante o conhecimento do teor de C orgânico total (COT), bem como de suas frações. Com base nisso, realizou-se esta pesquisa objetivando caracterizar e quantificar os estoques de COT e suas frações como indicadores da qualidade de um solo, submetido a diferentes usos: (1) Mata Atlântica, (2) Cacau (Theobroma cacao) e (3) Pastagem (Brachiaria decumbens), em uma microbacia no sul da Bahia. Para cada uso, coletaram-se amostras nas profundidades de 0-10 e 10-20 cm e procedeu-se à caracterização química e física do solo, à determinação do COT e ao seu fracionamento químico e físico. O teor de COT não diferiu entre os diferentes usos do solo nas duas profundidades estudadas. A percentagem de C humificado e nas frações de ácidos fúlvicos e humina foi maior na pastagem, na camada de 0-10 cm. Houve menor percentagem de C não-humificado nos sistemas cacau e pastagem, e maior relação C:N no sistema pastagem na camada de 10-20 cm. O sistema cacau promoveu aumento na quantidade de C orgânico na fração leve na camada de 10-20 cm. A substituição da mata pelo cultivo do cacau no sistema cabruca (sub-bosque) ou pela pastagem não alterou os teores de COT e de suas frações na área estudada.

uso do solo; sistema agroflorestal; frações da matéria orgânica


Organic matter may be considered an important soil quality indicator, as it is related with many soil chemical, physical, and biological characteristics. The study of total organic carbon (TOC) of the soil and its fractions is important. This study was conducted in a micro basin, with the purpose of: analyzing characteristics and quantify the stocks of total organic carbon (TOC) and its fractions as evidence of soil quality after different forms of use: (1) Atlantic Forest, (2) Cocoa (Theobroma cacao), and (3) Pasture (Brachiaria decumbens). Samples were collected for each use type (at 0-10 and 10-20 cm). The chemical and physical soil properties were characterized and the chemical and physical fractions of organic carbon determined. It was observed that the organic carbon levels did not differ in the two depths analyzed, even under different use types. The percentage of humified carbon in the fulvic acid and humin fractions was higher in the 0-10 cm layer under pasture and the percentage of non-humified carbon was lower under cocoa and pasture. There was a higher C:N ratio in the 10-20 cm layer of the soil under pasture. Cocoa acao increased the level of organic carbon in the light fraction in the 10-20 cm layer. The substitution of the native forest by cocoa and pasture resulted led to no significant changes in the COT concentration and organic matter fractions in the studied area.

soil use; agro forestry system; organic matter fractions


SEÇÃO II - QUÍMICA E MINERALOGIA DO SOLO

Fracionamento químico e físico do carbono orgânico total em um solo de mata submetido a diferentes usos1 1 Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Recebido para publicação em janeiro de 2007 e aprovado em março de 2008.

Chemical and physical fractions of soil organic carbon in a forest soil currently under different uses

Arlete Côrtes BarretoI; Maria Betania Galvão dos Santos FreireII; Paulo Gabriel Soledade NacifIII; Quintino Reis AraújoIV; Fernando José FreireII; Euzelina dos Santos Borges InácioV

IMestre em Ciência do Solo, Convenio ADAB/CNPMF. Cruz das Almas (BA). E-mail: arlete@cnpmf.embrapa.br

IIProfessor Adjunto, Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Rua Dom Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, CEP 52171-900 Recife (PE). E-mail: betania@depa.ufrpe.br; f.freire@depa.ufrpe.br

IIIProfessor Adjunto da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Campus Universitário, CEP 44380-000 Cruz das Almas (BA). E-mail: pgabriel@ufba.br

IVProfessor Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Rod. Ilhéus-Itabuna, km 16, CEP 45650-000 Ilhéus (BA). Pesquisador CEPLAC/CEPEC. E-mail: quintino@cepec.gov.br

VMestre em Ciência do Solo, UFRPE. E-mail: euzi–inácio@yahoo.com.br

RESUMO

A matéria orgânica é um importante indicador da qualidade do solo, pois está relacionada com diversas propriedades químicas, físicas e biológicas, sendo importante o conhecimento do teor de C orgânico total (COT), bem como de suas frações. Com base nisso, realizou-se esta pesquisa objetivando caracterizar e quantificar os estoques de COT e suas frações como indicadores da qualidade de um solo, submetido a diferentes usos: (1) Mata Atlântica, (2) Cacau (Theobroma cacao) e (3) Pastagem (Brachiaria decumbens), em uma microbacia no sul da Bahia. Para cada uso, coletaram-se amostras nas profundidades de 0–10 e 10–20 cm e procedeu-se à caracterização química e física do solo, à determinação do COT e ao seu fracionamento químico e físico. O teor de COT não diferiu entre os diferentes usos do solo nas duas profundidades estudadas. A percentagem de C humificado e nas frações de ácidos fúlvicos e humina foi maior na pastagem, na camada de 0–10 cm. Houve menor percentagem de C não-humificado nos sistemas cacau e pastagem, e maior relação C:N no sistema pastagem na camada de 10–20 cm. O sistema cacau promoveu aumento na quantidade de C orgânico na fração leve na camada de 10–20 cm. A substituição da mata pelo cultivo do cacau no sistema cabruca (sub-bosque) ou pela pastagem não alterou os teores de COT e de suas frações na área estudada.

Termos de indexação: uso do solo, sistema agroflorestal, frações da matéria orgânica.

SUMMARY

Organic matter may be considered an important soil quality indicator, as it is related with many soil chemical, physical, and biological characteristics. The study of total organic carbon (TOC) of the soil and its fractions is important. This study was conducted in a micro basin, with the purpose of: analyzing characteristics and quantify the stocks of total organic carbon (TOC) and its fractions as evidence of soil quality after different forms of use: (1) Atlantic Forest, (2) Cocoa (Theobroma cacao), and (3) Pasture (Brachiaria decumbens). Samples were collected for each use type (at 0–10 and 10–20 cm). The chemical and physical soil properties were characterized and the chemical and physical fractions of organic carbon determined. It was observed that the organic carbon levels did not differ in the two depths analyzed, even under different use types. The percentage of humified carbon in the fulvic acid and humin fractions was higher in the 0–10 cm layer under pasture and the percentage of non-humified carbon was lower under cocoa and pasture. There was a higher C:N ratio in the 10–20 cm layer of the soil under pasture. Cocoa acao increased the level of organic carbon in the light fraction in the 10–20 cm layer. The substitution of the native forest by cocoa and pasture resulted led to no significant changes in the COT concentration and organic matter fractions in the studied area.

Index terms: soil use, agro forestry system, organic matter fractions.

INTRODUÇÃO

A bacia hidrográfica do Rio Una constitui um sistema socioecológico de grande importância para o sul da Bahia, por ainda conservar as maiores áreas de fragmentos remanescentes da Mata Atlântica. Esta característica é peculiar à região, devido à grande expansão da cultura cacaueira durante décadas. Todavia, com o declínio da cultura, vários fragmentos encontram-se reduzidos pelo intenso uso agrícola a que o sistema está submetido, destacando-se as pastagens. Sendo assim, é necessário que se intensifiquem pesquisas no sentido de detectar o estádio de degradação em que o solo se encontra e, a partir de técnicas conservacionistas, preservar a qualidade do solo, viabilizando, concomitantemente, o desenvolvimento da agricultura local.

Segundo Marchiori Júnior & Melo (2000), o uso do solo na agricultura, depois de retirada a vegetação natural, tem freqüentemente mostrado alterações nas propriedades biológicas, químicas e físicas, dependentes das condições do solo, do clima, do tipo de cultura e das práticas culturais adotadas.

A matéria orgânica dos solos pode ser alterada com maior ou menor intensidade, dependendo do sistema agrícola instalado, sendo um dos atributos mais sensíveis a transformações desencadeadas pelo manejo. A composição e as propriedades dessa matéria orgânica variam de acordo com o material orgânico original, com as condições de decomposição, com a biossíntese e com o tempo considerado, evidenciando o efeito do tipo de cobertura vegetal sobre o teor e a distribuição dos componentes orgânicos em solos tropicais (Longo & Espíndola, 2000). O efeito do preparo do solo na distribuição da matéria orgânica deve-se aos diferentes graus de revolvimento do solo (Bayer & Bertol, 1999).

Grande parte da matéria orgânica do solo consiste em uma série de compostos ácidos não-humificados e macromoléculas humificadas. O primeiro grupo é representado pelos compostos orgânicos, incluindo carboidratos, gorduras, ceras e proteínas, e constituem de 10 a 15 % da matéria orgânica dos solos minerais; o segundo grupo, e principal, é representado pelas substâncias húmicas, que constituem de 85 a 90 % (Pinheiro et al., 2004b), o que explica o fato de parte considerável da pesquisa com matéria orgânica estar voltada para o estudo das frações húmicas do solo, fácil e rapidamente degradadas pelos microrganismos do solo.

As substâncias húmicas compreendem os ácidos húmicos e os ácidos fúlvicos (porção solúvel em meio alcalino, de maior reatividade e maior polaridade.) e as huminas. Os ácidos fúlvicos são compostos de maior solubilidade por apresentar maior polaridade e menor tamanho molecular; são os principais responsáveis por mecanismos de transporte de cátions no solo. Os ácidos húmicos são os compostos mais estudados e apresentam pouca solubilidade na acidez normalmente encontrada em solos tropicais, responsáveis pela maior parte da CTC de origem orgânica em camadas superficiais. A humina, apesar de apresentar baixa reatividade, é responsável pela agregação das partículas e, na maioria dos solos tropicais, representa boa parte do C humificado do solo (Benites et al., 2003).

Para Pinheiro et al. (2004a), as variações da fração leve são resultantes da mudança na quantidade e qualidade dos resíduos vegetais acumulados no solo, da relação entre a entrada por superfície e subsuperfície desses resíduos e, principalmente, das diferentes formas de manejo adotadas.

Assim, esta pesquisa teve como objetivo caracterizar e quantificar os estoques de C orgânico total (COT) e suas frações como indicadores da qualidade de um solo sob Mata Atlântica, sistema agroflorestal (Theobroma cacao) e pasto (Brachiaria decumbens) em uma microbacia no sul da Bahia.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido em uma microbacia do Rio Una ou Aliança, no município de Una, região sul da Bahia, tendo como coordenadas geográficas: 15 º 14 ' - 15 º 19 ' sul e 39 º 00 ' - 39 º 09 ' oeste. A área apresenta altitudes que variam entre 30 e 70 m. O clima da região é do tipo quente e úmido, relevo montanhoso e forte ondulado a ondulado. A precipitação pluvial média anual é de 1.900 a 2.000 mm. O solo é classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo, conforme o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (CEPLAC, 1976). A área em estudo tem 300 ha e pertence ao assentamento de Reforma Agrária ASCOAE, com 20 famílias de pequenos produtores, assentados em abril de 2002. Foram utilizados um fragmento de Mata Atlântica nativa, protegido por lei, e dois sistemas de uso do solo predominantes no assentamento. Um é o sistema cabruca, caracterizado pelo cultivo de cacau (Theobroma cacao) sob Mata Atlântica submetida a raleamento no sistema agroflorestal com bate-folha (consiste no acúmulo da folhagem e materiais provenientes da poda, formando uma espessa manta orgânica). O outro sistema é pastagem (Brachiaria decumbens), gramínea instalada em solo de mata, após o uso com a cultura do cacau em sistema bate-folha há apenas três anos.

Em cada sistema foram utilizadas três áreas amostrais, perfazendo um total de nove, todas em posição de meia encosta, procurando obedecer à mesma posição no relevo. Cada área foi dividida em três subáreas. Nas subáreas, foram coletadas 20 amostras simples nas profundidades de 0–10 e 10–20 cm por caminhamento em zigue-zague. As amostras simples foram reunidas formando uma amostra composta por subárea e por profundidade, sendo estas utilizadas como repetições. O tamanho de cada área amostral sofreu variação dependendo do uso do solo, oscilando entre 1,5 e 3,0 ha.

Após secagem das amostras de solo, estas foram destorroadas e passadas em peneira de 2 mm para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA), sendo submetidas às análises de composição granulométrica, densidade do solo, densidade das partículas, umidade na capacidade de campo e no ponto de murcha permanente, e porosidade total, conforme Embrapa (1997). Foram, também, realizadas as seguintes análises químicas de caracterização do solo: pH em água e teores de Ca, Mg, Na, K e Al trocáveis, seguindo os métodos descritos por Embrapa (1997), resultados estes já publicados (Barreto et al., 2006). A determinação de N total foi realizada segundo Tedesco et al. (1982), por digestão sulfúrica e destilação Kjeldhal (Quadro 1).


Procedeu-se à determinação do C orgânico total (COT) por meio de digestão sulfúrica com aquecimento externo de acordo com Embrapa (1997). O fracionamento químico das substâncias húmicas foi executado com base na solubilidade em meio ácido e alcalino, utilizando-se NaOH 0,1 mol L-1 na relação solo:extrator de 0,2:10 p/v, separando-se as frações ácidos fúlvicos (AF), ácidos húmicos (AH) e humina (H), conforme método de Stevenson (1994), com posterior determinação do C orgânico em cada fração de acordo com Embrapa (1997). A percentagem de C humificado foi obtida a partir da soma de C das três frações e o C não-humificado, por diferença entre COT e C humificado. Por fim, calculou-se a relação AH:AF e C:N.

Realizou-se, também, a separação da fração leve da matéria orgânica, com densidade menor que 1 kg dm-3, utilizando-se o método descrito por Fraga (2002). Pesaram-se 50 g de TFSA triturada em almofariz e passada em peneira de 0,5 mm. Em seguida, este material foi colocado em peneira de 0,053 mm e lavado com água até saída das frações silte e argila. No material retido na peneira, separou-se por flotação a fração leve, realizando-se, em seguida, a determinação de COT desta fração pelo método de Tiessen & Moir (1993).

Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, utilizando-se delineamento inteiramente casualizado, considerando-se isoladamente as camadas de 0–10 e 10–20 cm. Posteriormente, aplicou-se o teste de Tukey para a comparação das médias dos diferentes sistemas de uso do solo, a 5 %.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados indicaram que o teor de COT do solo não foi alterado quando a mata foi submetida a raleamento para cultivo do cacau ou cultivado com pastagem nas profundidades de 0–10 e 10–20 cm. Já na fração humina, foi observada diferença significativa nos teores de COT na profundidade de 0–10 cm, onde o solo sob o sistema cacau apresentou teores iguais aos da mata e menores que os do solo sob pastagem (Quadro 2). Provavelmente, as gramíneas, por serem plantas C4, contribuem para elevar e manter os aportes de C no solo e seu sistema radicular também aporte grande quantidade de C, indicando maior estabilização do C pelo aumento na fração humina. No solo sob pastagem, o teor de C orgânico na fração humina supera o cultivado com cacau na profundidade de 0–10 cm, mas, quando comparado com o sistema mata, não diferem estatisticamente. Esses resultados diferem daqueles de Marchiori Jr. & Melo (2000) em relação à fração humina, cujos valores de C orgânico no solo e na fração humina, no tratamento com mata natural, nas profundidades de 0–10 e 10–20 cm, foram maiores.


Possivelmente, as camadas amostradas (0–10 e 10–20 cm) tenham sido muito espessas para apresentar diferença significativa, já que Pinheiro et al. (2004b) afirmaram que, dependendo do tipo de uso do solo, o teor de C pode ser maior nos primeiros cinco centímetros ou mais uniforme em profundidade. O uso da cultura do cacau proporcionou valores de COT e C na fração humina semelhantes aos valores do sistema da mata, possivelmente pela manutenção da folhagem sobre o solo no sistema bate-folha.

Nesse sentido, pode-se cogitar a possibilidade da pastagem estudada apontar os primeiros indícios de um princípio degradativo do solo se não receber um manejo adequado, quando comparado ao solo preservado com mata nativa, já que o tempo de seu estabelecimento é curto (três anos). A redução no aporte de C na camada superior pode ser favorecida pela diminuição da adição de resíduos vegetais, condições que favorecem o aumento da atividade microbiana pelas perdas devido à erosão.

O maior percentual de C orgânico foi encontrado na fração humina (Quadro 3) em todos os sistemas estudados na camada de 0–10 cm, o que concorda com Benites et al. (2003), sendo detectada diferença significativa para os usos de cacau e pastagem. Apesar de concordar com Marchiori Jr. & Melo (2000), em relação à predominância do C na fração humina, vale salientar valor máximo de 33,18 % contra 74,00 % encontrado por esses autores; 50,00 a 78,00 % relatado por Souza & Melo (2003); e 50,00 a 60,00 % observados por Leite et al. (2003).


Os valores de C orgânico no solo encontrados por Souza & Melo (2003) em diferentes sistemas de manejo não apresentaram diferenças significativas entre si, com decréscimo nas camadas inferiores, corroborando os resultados desta pesquisa (Quadro 3). Corazza et al. (1999) destacam que, após um período de 12 anos, solo de áreas manejadas sob reflorestamento de eucalipto, pastagem cultivada e plantio direto apresentou balanço de C maior do que o observado na área sob vegetação típica do Cerrado.

Segundo Leite et al. (2003), após 16 anos de cultivo agrícola, diferentes estratégias de manejo resultaram em redução nos teores de C orgânico total em relação à Mata Atlântica, indicando a susceptibilidade da oxidação do C do solo sob vegetação natural quando esse é submetido à agricultura. Neste estudo, provavelmente, o curto tempo de implantação da pastagem não tenha sido suficiente para ocasionar diminuição significativa nos teores de C orgânico.

Marchiori Jr. & Melo (2000), indicam que três anos de cultivo de milho foram suficientes para iniciar uma redução nos teores de C orgânico no solo; o contrário aconteceu com a cultura do café. Os autores destacam que as maiores reduções nos teores de C orgânico no solo em decorrência do uso ocorreram na camada de 0–10 cm, e as menores, na profundidade de 10–20 cm. Quanto à cultura do cacau, era esperado que o teor de COT fosse próximo ao da mata, uma vez que apresenta manejo semelhante ao da mata nativa, com o sistema bate-folha, que conserva uma espessa serapilheira sobre o solo. Leite et al. (2003) salientam que os estoques de C são determinados pelo balanço das entradas, como o aporte de resíduos vegetais e a aplicação de compostos orgânicos, e as saídas, por meio da decomposição da matéria orgânica do solo.

Proporcionalmente, a fração humina predominou em relação às demais frações de C humificado (Quadro 3), porém a área de pastejo apresentou valores superiores dessa fração, apesar desses percentuais serem considerados baixos. Canelas et al. (2001) destacam que as frações humificadas representam 43 e 45 % do C orgânico em Latossolo e Argissolo, respectivamente. Neste estudo, foram encontrados valores máximos de 67,69 e 69,73 % para as camadas de 0–10 cm (Quadro 3) e 10–20 cm (Quadro 4), respectivamente, em solo sob pastagem. Apenas na primeira camada (0–10 cm) foram encontradas diferenças significativas entre os usos.


Araújo et al. (2004) observaram que os ácidos fúlvico e húmico decresceram, em profundidade, de maneira semelhante, não corroborando os resultados encontrados para os ácidos fúlvicos neste estudo (Quadros 3 e 4), que aumentaram com a profundidade, e confirmando o comportamento dos ácidos húmicos, que diminuíram, exceto no solo sob Mata Atlântica. Este aumento foi maior no sentido mata-cacau-pastagem, podendo ser justificado pelo sistema cacau e principalmente o sistema em pastagem não apresentarem muitas raízes de vários tipos, espessas e profundas, promovendo abertura de galerias, o que ocorre na mata, além das diferenças entre a pastagem e a vegetação de mata. Araújo et al. (2004), comparando pupunha com pastagem, relataram que havia possibilidade dos ácidos se movimentarem no solo em profundidade.

Para Marchiori Jr. & Melo (2000), os teores de C orgânico das frações de ácidos fúlvicos e húmicos não foram alterados significativamente pelos usos agrícolas do solo. No entanto, ao analisarem a percentagem de C orgânico do solo na forma de ácidos fúlvicos e ácidos húmicos, observaram um aumento de teor com os usos agrícolas do solo em relação à mata natural, principalmente na profundidade de 0–10 cm. Esses resultados confirmam os encontrados nesta pesquisa em relação aos ácidos fúlvicos na primeira profundidade.

O solo sob pastagem, quando comparado aos demais, foi o que apresentou os maiores valores de ácidos fúlvicos livres. Nesse solo, a intensa adição de C orgânico por meio da renovação do sistema radicular das gramíneas favorece a decomposição constante da matéria orgânica, propiciando a da fração facilmente biodegradável, como observaram Fontana et al. (2001).

Leite et al. (2003), pesquisando área de Mata Atlântica e área agricultável com milho, com ou sem adubação orgânica, verificaram que a fração de ácidos fúlvicos foi menor nos sistemas de produção quando comparada à da floresta. No entanto, na camada mais profunda (10–20 cm), a área que recebeu adubação apresentou estoque de ácidos fúlvicos semelhante à área com mata. Porém, neste trabalho foram encontradas proporções de ácidos fúlvicos e humina na pastagem superiores às do sistema mata na primeira camada (Quadro 3), não diferindo na segunda camada para os três usos do solo (Quadro 4). Isso pode ser devido ao sistema pastagem propiciar grande aporte de C orgânico no solo, pois este apresentou maior percentagem de C orgânico na forma humificada. Leite et al. (2003) salientam, ainda, que os sistemas de produção que receberam adubação orgânica apresentaram os maiores estoques de C e, portanto, as menores perdas.

Em relação aos ácidos húmicos, não houve diferença entre os usos do solo em ambas as profundidades, porém ocorreu tendência de aumento na segunda profundidade do solo com mata em relação ao solo com pastagem. Provavelmente, o solo com vegetação nativa tenha apresentado tendência a possuir maior quantidade da fração mais recalcitrante, ou houve conversão rápida de ácidos fúlvicos em ácidos húmicos nesse sistema, concordando com Souza & Melo (2003) em relação à primeira profundidade para os três usos do solo, e na Mata Atlântica para a segunda profundidade. Porém, isso justificaria uma conversão em pequena escala, já que ambos os sistemas e profundidades apresentaram maior percentagem de ácidos fúlvicos em relação aos ácidos húmicos.

Para os sistemas cacau e pastagem, os ácidos húmicos sofreram redução na segunda profundidade (Quadro 4). Isso parece indicar que a fração de ácidos húmicos é menos móvel no solo, concentrando-se nas camadas superiores. Com efeito, trata-se de uma fração insolúvel em meio ácido, característica freqüente em regiões de solos tropicais e subtropicais, como destacam Souza & Melo (2003).

De forma similar à fração de ácidos fúlvicos, a fração de humina também apresentou grande estoque de C orgânico no sentido pastagem-cacau-mata, demonstrando diferença significativa apenas na primeira profundidade, o que não condiz com os resultados encontrados por Leite et al. (2003) e Longo & Espíndola (2000). Para Leite et al. (2003), o fato de a fração humina apresentar maior percentagem de C orgânico, pode ser justificado pelas frações de ácidos fúlvicos e de ácidos húmicos apresentarem menor estabilidade, sofrerem processos de movimentação no perfil, polimerização, ou mineralização, diminuindo sua composição percentual no solo.

Longo & Espíndola (2000) afirmam que a maior permanência da humina no solo deve-se à sua insolubilidade e resistência à biodegradação, ocasionada pela formação de complexos metálicos estáveis ou complexos argilo-húmicos. Segundo Canellas et al. (2001), a maior parte do C orgânico total no solo de uma topossequência com declividade de 5 %, é composto basicamente pelas huminas, por ser a fração que se encontra intimamente associada à fração mineral do solo.

Outra hipótese que explicaria este comportamento seria a migração de ácidos fúlvicos para camadas mais profundas do solo, afirmam Souza & Melo (2003), confirmando, assim, o que ocorreu nos sistemas mata, cacau e pastagem neste estudo (Quadro 4). Acrescentam ainda que o C orgânico dos ácidos fúlvicos aumentou no sentido das camadas mais profundas, enquanto o C dos ácidos húmicos reduziu no mesmo sentido. Isso corrobora os resultados deste trabalho, exceto no solo preservado com Mata Atlântica.

A presença de maiores valores de C na fração ácidos húmicos parece indicar um estádio mais avançado de mineralização da matéria orgânica, justificável pela maior relação C:N nos ácidos fúlvicos e menor nos ácidos húmicos, mostrando maior incorporação de N nas frações mais estáveis das substâncias húmicas do solo (Souza & Melo, 2003), esclarecendo, assim, que o uso do solo com pastagem na camada de 10–20 cm apresenta uma lenta mineralização, seguida de cacau e mata (Quadro 4).

Fatores como o revolvimento do solo, maior quantidade de resíduos facilmente decomponíveis na superfície e maior quantidade de raízes até a profundidade de 10 cm parecem ter exercido efeitos supressivos nos teores de C da forma humificada mais estável. O maior valor de C na forma de humina implica, em última instância, maior retenção de umidade, melhor estruturação do solo e maior retenção de cátions, características de extrema importância quando se trata de estudo e desenvolvimento de sistemas sustentáveis de produção agrícola (Souza & Melo, 2003).

Quanto à relação AH:AF, não se detectou diferença significativa entre os sistemas de uso nas duas profundidades estudadas (Quadro 4). Fontana et al. (2001) encontraram valores da relação AH:AF superiores a 1, indicando que, nessas áreas, há predomínio de ácidos húmicos em relação aos ácidos fúlvicos, apresentando um material orgânico mais estável e os solos sob pastagens com maiores valores AH:AF. Leite et al. (2003) encontraram maior proporção AH:AF no solo sob Floresta Atlântica quando comparado com solo sob sistemas de produção. Segundo Canellas et al. (2001), valor da relação AH:AF próximo a 1 confere maior equilíbrio entre as frações humificadas reativas.

Campos et al. (1999) revelaram que os solos cultivados com gramíneas apresentam cobertura morta bastante eficiente pelo aporte de grandes quantidades de C, mostrando assim a superioridade da gramínea em relação às leguminosas, que apresentam menor relação C:N. Talvez isso explique o sistema com pastagem apresentar maior relação C:N de 10–20 cm (Quadro 4) em relação ao solo sob mata e cacau, principalmente no que tange à mata, já que neste sistema, provavelmente, as leguminosas prevaleçam em relação às gramíneas.

Ao se comparar o peso da fração leve entre os usos nas duas profundidades, não foram detectadas diferenças, porém foi observada uma tendência de decréscimo no sentido pasto-mata-cacau para 0–10 e 10–20 cm (Figura 1a). Analisando o peso da fração, leve com densidade menor do que 1,80 g cm-3. Pinheiro et al. (2004a) mostraram que solos com cobertura vegetal de gramíneas apresentam grande quantidade de massa na fração leve, principalmente quando comparados com sistemas sem adição de material orgânico e submetidos de forma mais intensa aos processos erosivos. Porém, detectou-se que, quando comparada a sistemas com grande adição de resíduos vegetais, a pastagem apresenta a mesma quantidade de fração leve, isso considerando a fração com densidade menor que 1 kg dm-3. Relatam os autores que as variações do conteúdo da fração leve são resultantes das mudanças na quantidade e qualidade dos resíduos vegetais adicionados ao solo, da relação entre a entrada por superfície e subsuperfície destes resíduos e, principalmente, das diferentes formas de manejo adotadas.



Os teores de C orgânico da fração leve, com densidade menor que 1 kg dm-3, também não foram significativamente diferentes entre o solo preservado com mata nativa e os demais sistemas de uso do solo na camada de 0–10 cm. Na segunda camada (10–20 cm), no solo cultivado com cacau, foi observado maior teor de C na fração leve quando comparado com o da mata e com o da pastagem (Figura 1b). Fraga (2002) encontrou valores médios de C na fração leve equivalentes a 0,47 mg g-1 de solo em Caatinga (0–15 cm). Nesta pesquisa, foram encontrados valor menor em pastagem (1,20 mg g-1) e maior no cultivo com cacau (3,55 mg g-1), quando comparados com solo sob Mata Atlântica (1,82 mg g-1).

Leite et al. (2003) destacam que o carbono da fração leve foi maior em sistemas de produção com adubação orgânica do que nos sistemas apenas com adubação mineral ou sem adubação. Os maiores estoques de C da fração leve nos sistemas com adubação orgânica provavelmente são decorrentes das maiores produtividades das culturas neste sistema, o que causa aumento no retorno de substratos para o solo, por meio da parte aérea, raízes e exsudatos, em relação aos sistemas sem a adubação orgânica.

Provavelmente, o maior teor de C na fração leve (10–20 cm) no cultivo com cacau seja proveniente do sistema radicular da cultura e do sistema bate-folha, inferindo sobre a qualidade da matéria orgânica leve desse solo.

CONCLUSÃO

O teor de C orgânico total não diferiu entre os diferentes usos do solo nas profundidades de 0–10 e 10–20 cm, porém, a implantação da pastagem promoveu aumento de C orgânico na fração humina e C humificado na camada de 0–10 cm do solo. O cultivo de cacau proporcionou aumento no teor de C na fração leve de 10–20 cm de profundidade. A substituição da mata pelo cultivo do cacau em sub-bosque ou pela pastagem não alterou os teores de C orgânico total e de suas frações na área estudada.

LITERATURA CITADA

  • ARAÚJO, E.A.; LANI, J.L.; AMARAL, E.F. & GUERRA, A. Uso da terra e propriedades físicas e químicas de Argissolo Amarelo distrófico na Amazônia Ocidental. R. Bras. Ci. Solo, 28:307-315, 2004.
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    Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Recebido para publicação em janeiro de 2007 e aprovado em março de 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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