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Segregação urbana e a dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho

Urban segregation and the socio-spatial dimension of sexual division of labor

Resumo

O objetivo central do artigo consiste em caracterizar e analisar a dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho e seus impactos no cotidiano das mulheres. A literatura acadêmica sobre divisão sexual do trabalho parece não dar a devida atenção à maneira como a segregação urbana impacta na realização dos trabalhos produtivo e reprodutivo pelas mulheres. Valendo-se de revisão bibliográfica e dados empíricos de estudos recentes, o argumento central é que este processo afeta sobretudo as mulheres, e, especialmente, as mulheres negras e periféricas. Busca-se demonstrar que essas mulheres, que via de regra vivem nas áreas periféricas das cidades em decorrência dos processos de segregação urbana, despendem um tempo muito maior do seu cotidiano para a realização de ambos os trabalhos, produtivo e reprodutivo, sobretudo em razão dos deslocamentos que necessitam realizar.

Palavras-chave:
Divisão sexual do trabalho; segregação urbana; interseccionalidade; direito à cidade; tempo

Abstract

Our prime goal in this article is to characterize and analyze the socio-spatial dimension of the sexual division of labor and its impacts on women’s daily lives. The academic literature on the sexual division of labor does not seem to give due attention to the way in which urban segregation impacts on women’s performance of productive and reproductive work. Combining a bibliographic review and empirical data from recent studies, the central argument is that this process affects women in particular, especially black and peripheral women. It seeks to demonstrate that these women, who as a rule live in the peripheral areas of cities as a result of urban segregation processes, spend much more time in their daily lives to perform both productive and reproductive work, especially because of the displacements they need to make.

Keywords:
Sexual divison of labor; urban segregation; intersectionality; right to the city; time

Introdução

A vida em áreas urbanas torna-se cada vez mais a realidade de grande parte da população, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, sendo a maioria vivendo em condições de precariedade extrema (Davis, 2006DAVIS, Mike. (2006), Planeta favela. 1ª edição, São Paulo, Boitempo.). Segundo a Oxfam, havia 15 milhões de pessoas em situação de pobreza no Brasil em 2017 (o que corresponde a 7,2% da população total do país), associado a um cenário de expressiva redução do volume de gastos sociais (Oxfam, 2018OXFAM. (2018), "País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras". Disponível em https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/pais-estagnado/, consultado em 20/5/2019.
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).

Essa situação foi agravada pela pandemia de Covid-19, que “chegou” ao Brasil em março de 2020. Estudos recentes demonstraram como a crise sanitária agravou a desigualdade de renda e aprofundou a pobreza no país (Brasil, 2021BRASIL, Cristina Indio do. (2021), FGV: mais pobres sofrem maior impacto na pandemia. Agência Brasil, 9 set. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-09/fgv-mais-pobres-sofrem-maior-impacto-na-pandemia, consultado em 03/12/2021.
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). Apenas na cidade de São Paulo, estimativas oficiais divulgadas em meados de 2021 indicam que cerca de 20 mil famílias passaram a viver em habitações precárias, e que 24 novas favelas haviam surgido na cidade desde o início da pandemia (Lara e Gomes, 2021LARA, Walace & GOMES, Paulo. (2021), “Pandemia empurrou cerca de 20 mil famílias para habitações precárias e cidade de SP ganhou 24 novas favelas, diz secretaria”. G1, 24 jun. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/06/24/pandemia-empurrou-cerca-de-55-mil-familias-para-habitacoes-precarias-e-cidade-de-sp-ganhou-150-novas-favelas-diz-secretaria.ghtml, consultado em 18/11/2021.
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).

Logo, a pandemia agravou o problema da segregação em nossas cidades, fenômeno que, segundo Villaça (2011)VILLAÇA, Flávio. (2011), “São Paulo: segregação urbana e desigualdade”. Estudos Avançados, 25, 71: 37-58., é peça-chave para o entendimento da dominação social. Seu argumento sugere que esta dominação estaria relacionada com o uso do tempo: ao passo que as classes mais abastadas acessam seus empregos, os serviços necessários no dia-a-dia e os espaços de lazer com relativa facilidade (uma vez que estão bem localizadas), os mais pobres o fazem com muito mais dificuldade e com um gasto muito maior de tempo, isso quando há a possibilidade de acesso. É necessário pontuar também a desigualdade de raça que perpassa o problema da segregação, visto que, a exemplo de São Paulo e de muitas outras grandes cidades brasileiras, a população negra é consideravelmente majoritária nas áreas mais pobres (Villaça, 2011VILLAÇA, Flávio. (2011), “São Paulo: segregação urbana e desigualdade”. Estudos Avançados, 25, 71: 37-58.; Lemos, 2017LEMOS, Guilherme Oliveira. (2017), “De Soweto à Ceilândia: siglas de segregação racial”. Paranoá, 18: 1-13.; Oliveira, 2020OLIVEIRA, Reinaldo José. (2020), “A segregação racial e o pensamento urbanístico no Brasil”. Políticas Públicas e Cidades, 9, 1: 26-39.).

Como elemento estrutural da cidade capitalista, a segregação urbana impacta em uma série de processos que condicionam fortemente o cotidiano. Nesse artigo, abordaremos especificamente a relação entre esta organização urbana e a divisão sexual do trabalho, fenômeno profundamente constitutivo das relações de poder em nossa sociedade e que impacta decisivamente na participação das mulheres na esfera pública (Araújo e Veiga, 2015ARAÚJO, Clara; VEIGA; Alline. (2015), “Domesticidade, trabalho e satisfação pessoal: horas no trabalho doméstico e bem-estar no Estado do Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Ciência Política, 18: 179-209.; Biroli, 2016BIROLI, Flávia. (2016), "Divisão sexual do trabalho e democracia". Dados, 59, 53: 719-754., 2018BIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.; Hirata, 2009HIRATA, Helena. (2009), “A precarização e a divisão internacional e sexual do trabalho”. Sociologias, 11, 21: 24-41, 2020HIRATA, Helena. (2020), “Comparando relações de cuidado: Brasil, França, Japão”. Estudos avançados, 34, 98: 25-40.).

O ponto de partida é a realidade de mulheres que realizam uma dupla jornada de trabalho – que, além do trabalho produtivo, em geral também são responsabilizadas inteiramente pelo trabalho reprodutivo. Segundo Delphy (2015, pDELPHY, Christine. (2015), "O inimigo principal: a economia política do patriarcado". Revista Brasileira de Ciência Política, 17: 99-119.. 102), enquanto o trabalho produtivo corresponde ao emprego formal e é realizado na esfera pública, remunerado e valorizado, o trabalho reprodutivo envolve tarefas domésticas e de cuidado, que são realizadas dentro, mas também fora do lar, e é majoritariamente não remunerado e desvalorizado.

No caso daquelas mulheres que pertencem à classe trabalhadora e são negras, a jornada de trabalho tende a ser ainda maior (Ipea, 2017Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
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). Sob a ótica urbana, há um elemento agravante: via de regra, a produção da infraestrutura das cidades não toma como ponto de partida a experiência feminina, o que impacta profundamente no cotidiano das mulheres (Buckingham, 2010, pBUCKINGHAM, Shelley. (2010), "Análise do direito à cidade sob a perspectiva de gênero", in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).. 60; Moreno, 2015, pMORENO, Renata. (2015), “Entre o capital e a vida: pistas para uma reflexão feminista sobre as cidades” in R. Moreno (org.), Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo, SOF.. 44).

A conjunção, portanto, entre o fenômeno da divisão sexual do trabalho e a organização da cidade capitalista, aponta para a possível existência de uma dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, que separa e hierarquiza a produção e a reprodução na cidade, tanto por gênero como também por raça. E, do mesmo modo que a divisão sexual do trabalho faz, essa configuração urbana também impacta as mulheres de maneira diferenciada.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo principal caracterizar e analisar a dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho e seus principais desdobramentos no cotidiano das mulheres, com o intuito de contribuir tanto com a literatura sobre a divisão sexual do trabalho como também para as pesquisas sobre direito à cidade. Como objetivo secundário, discutimos a relevância da dimensão espacial para uma compreensão mais substantiva acerca da reprodução de diferentes formas de desigualdades e da própria dominação social. O argumento central do texto é que a organização do espaço urbano nos moldes da cidade capitalista acentua as desigualdades relacionadas à divisão sexual do trabalho, afetando especialmente as mulheres, sobretudo, as mulheres negras e periféricas.

Se, por um lado, a literatura sobre direito à cidade e segregação urbana parece já ter avançado no debate sobre as desigualdades de gênero e raça (Fenster, 2010FENSTER, Tovi. (2010), “O direito à cidade e a vida cotidiana baseada no gênero”. in A. Sugranyes & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).; Buckingham, 2010BUCKINGHAM, Shelley. (2010), "Análise do direito à cidade sob a perspectiva de gênero", in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).; Falú, 2014FALÚ, Ana. (2014), “El derecho de las mujeres a la ciudad: espacios públicos sin discriminaciones y violências”. Revista vivenda y ciudad. 1: 10-28.; Moreno, 2015MORENO, Renata. (2015), “Entre o capital e a vida: pistas para uma reflexão feminista sobre as cidades” in R. Moreno (org.), Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo, SOF.; Helene, 2019HELENE, Diana. (2019), “Gênero e direito à cidade a partir da luta dos movimentos de moradia”. Cadernos Metrópole, 21, 46: 951-974.), por outro, ao que tudo indica, os estudos sobre a divisão sexual do trabalho ainda não tematizaram devidamente a relação deste fenômeno com a segregação. Uma busca pelo termo “divisão sexual do trabalho” na plataforma Scientific Electronic Library Online Brasil (SciELO-BR) identificou 29 artigos produzidos em âmbito nacional sobre o tema.1 1 Levantamento realizado em janeiro de 2021. A partir da leitura dos resumos e das palavras-chave desses textos, buscamos identificar trabalhos que fizessem alguma referência à relação entre a divisão sexual do trabalho e as desigualdades de gênero com a segregação urbana, sendo que apenas dois se encaixaram nesse critério (Romanelli e Bezerra, 1999ROMANELLI, Geraldo; BEZERRA, Neuzeli M. (1999), “Estratégias de sobrevivência em famílias de trabalhadores rurais”. Paidéia, 9, 16: 77-87.; Alves, 2013ALVES, Ana Elizabeth. (2013), “Divisão sexual do trabalho: a separação de produção do espaço reprodutivo da família”. Trabalho, educação, saúde, 11, 2: 271-289.).

No entanto, nenhum deles avança no sentido de aprofundar em nível teórico a conexão entre os dois fenômenos. Embora seja importante realizar uma pesquisa bibliográfica de escopo mais abrangente, este levantamento preliminar sugere a existência de uma lacuna nos estudos sobre a divisão sexual do trabalho, isto é, a ausência de um debate mais aprofundado sobre a relação deste fenômeno com a segregação urbana.2 2 Apesar do número de artigos no SciELO Br ser relativamente pequeno, registre-se que entre os 29 trabalhos estão presentes autoras que são referências centrais nesse debate, como Flávia Biroli, Helena Hirata, Clara Araújo, Neuma Aguiar e Ângela Araújo.

Considerando que as reflexões apresentadas evidenciam o forte entrelaçamento de questões de gênero, raça e classe, adotamos um olhar interseccional (Hooks, 1984HOOKS, Bell. (1984), Feminist theory: from margin to center. Boston, South End Press.; Davis, 1983DAVIS, Angela. (1983), Women, race, and class. New York, Vintage Books.; Crenshaw, 2002CRENSHAW, Kimberlé. (2002), "Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero". Estudos Feministas, 10: 177-188.; Bernardino-Costa, 2015BERNARDINO-COSTA, Joaze. (2015), "Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil". Revista Sociedade e Estado, 30, 1: 147-163.; Biroli e Miguel, 2015BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe. (2015), "Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades". Mediações, 20, 2: 27-55.) para a análise da dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, levando em conta as críticas feitas pelo feminismo negro à utilização da categoria “mulheres” de forma generalizante, como se a variável “gênero” fosse capaz de abarcar toda a complexidade das experiências femininas.

A metodologia utilizada baseou-se em dois pontos: primeiro, revisão bibliográfica sobre os temas e conceitos pertinentes (divisão sexual do trabalho, interseccionalidade, segregação urbana e direito à cidade), com a finalidade de ampliar nossa compreensão sobre o modo como estes se inter-relacionam; 2) análise de fontes secundárias para a coleta de dados sobre a desigualdade entre homens e mulheres, a disparidade entre população negra e população branca, e a diferença entre as jornadas de trabalho e de tempo de viagem que os respectivos grupos gastam em seus trajetos urbanos. Para este fim, utilizou-se especificamente relatórios e estudos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), bem como pesquisas acadêmicas relacionadas ao tema (Pero e Stefanelli, 2015PERO, Valéria; STEFANELLI, Victor. (2015), "A questão da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras". Revista de Economia Contemporânea, 19, 3: 366-402.; Vasconcellos, 2016VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. (2016), "Mobilidade cotidiana, segregação e exclusão" in Balbim, R.; Krause, C. & Linke, C. (org.), Cidade e Movimento: Mobilidades e Interações no Desenvolvimento Urbano. Brasília, Ipea.).

Além desta introdução e das considerações finais, o trabalho está dividido em três tópicos. O primeiro analisa a divisão sexual do trabalho e o acesso diferenciado ao “recurso” tempo livre para homens e mulheres, mas também entre mulheres, valendo-se do conceito de interseccionalidade. O segundo aponta para a relevância da dimensão espacial no conjunto das relações sociais, explicando o seu papel na reprodução da dominação social e como isso se manifesta através da segregação urbana. Traz, ainda, uma breve discussão sobre o conceito de direito à cidade, afirmando como este representa uma antítese ao fenômeno da segregação. O terceiro desenvolve, a partir de evidências empíricas trazidas por estudos recentes, o argumento central deste artigo: existe uma dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, fenômeno que penaliza de forma mais contundente as mulheres negras e periféricas, uma vez que, além da sobrecarga com o trabalho reprodutivo, elas são o grupo social que mais se desloca a pé pelo território para realizar o trabalho remunerado.

Por fim, apresentamos nossas considerações finais, retomando os pontos centrais do argumento e trazendo algumas reflexões sobre os desafios e as possibilidades para o enfrentamento das opressões estruturais aqui analisadas.

Divisão sexual do trabalho e uso do tempo

As teorias feministas buscam evidenciar a importância de considerar aquilo que se passa no privado, fenômenos geralmente encarados como “não políticos”, para a análise da democracia. Esse esforço parte da noção de que as esferas pública e privada estão intimamente conectadas: “Uma adquire significado a partir da outra, e o sentido de liberdade civil da vida pública é ressaltado quando é contraposto à sujeição natural que caracteriza o domínio privado” (Pateman, 1993, pPATEMAN, Carole. (1993), O contrato sexual. Marta Avancini. Rio de Janeiro, Terra e Paz.. 28).

Para uma compreensão fidedigna dos problemas de ordem política, concernentes ao público, é indispensável trazer à luz a face obliterada dessa dualidade, bem como os elos entre as duas esferas. Conforme Biroli (2018)BIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.:

Quando a dualidade entre público e privado não é problematizada (...) as relações de poder na esfera privada não são computadas na compreensão de como os indivíduos se tornaram quem são e dos limites desiguais para atuarem, individual ou coletivamente (...) A vida doméstica (...) é desconsiderada como fator que define as possibilidades na vida pública. (Biroli, 2018, pBIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.. 11)

A divisão sexual do trabalho é um importante lócus de produção do gênero, uma vez que se refere às atividades tipicamente atribuídas às mulheres e aos homens. Tais papéis são tidos como naturais e estabelecem as possibilidades de organização da vida, o que possibilita a reprodução das “dinâmicas que dão forma à dualidade feminino-masculino” (p. 44).

Nessa relação, especialmente dentro do contexto capitalista, os homens foram historicamente associados à esfera pública e produtiva, apropriando-se das funções mais socialmente valorizadas, enquanto as mulheres foram associadas à esfera doméstica e às atividades de reprodução (Hirata e Kergoat, 2007, pHIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. (2007), "Novas configurações da divisão sexual do trabalho". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 595-609.. 599). Essa cisão hierarquizada condiciona fortemente o acesso a recursos essenciais para uma participação mais incisiva na vida pública e na própria atividade política (Biroli, 2018, pBIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.. 12).

Os estudos demonstram, ainda, que o ingresso das mulheres na esfera pública e o aumento da participação feminina no mercado de trabalho não foram acompanhados por uma divisão mais igualitária de tarefas com os homens no espaço doméstico (Hirata e Kergoat, 2007HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. (2007), "Novas configurações da divisão sexual do trabalho". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 595-609.; Sorj et al.; 2007SORJ, Bila; FONTES, Adriana; MACHADO, Danielle Carusi. (2007), "Políticas e práticas de conciliação entre família e trabalho no Brasil". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 573-594.). Federici (2019, p. 69) afirma que conseguir um trabalho fora de casa “significou para as mulheres possuir ainda menos tempo e energia para lutar contra ambos (o trabalho produtivo e o reprodutivo)”. Além do emprego formal, as mulheres seguiram trabalhando para cuidar da casa, dos filhos, do marido (quando este está presente), dos idosos e dos doentes da família, o que lhes custa algumas horas a mais de dedicação que não são remuneradas, resultando em uma dupla jornada de trabalho. Isso ocorre, segundo Pateman (1996, pPATEMAN, Carole. (1996), "Críticas feministas a la dicotomía público/privado" in Castells, C. (org.), Perspectivas feministas en teoría política. Barcelona, Paidós.. 71), porque a incorporação das mulheres na esfera pública se deu a partir de sua posição na esfera doméstica. No mesmo sentido, Federici argumenta:

Desde que ‘feminino’ se tornou sinônimo de ‘dona de casa’, nós carregamos para qualquer lugar essa identidade e as habilidades domésticas que adquirimos ao nascer. É por isso que as possibilidades de emprego para mulheres são tão frequentemente uma extensão do trabalho doméstico, e o nosso caminho ao assalariamento muitas vezes nos leva a mais trabalho doméstico. (Federici, 2019, pFEDERICI, Silvia. (2019), O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Coletivo Sycorax. São Paulo, Elefante.. 74)

Delphy (2015)DELPHY, Christine. (2015), "O inimigo principal: a economia política do patriarcado". Revista Brasileira de Ciência Política, 17: 99-119. pontua que ambos os trabalhos, produtivo e reprodutivo, são essenciais para a manutenção da sociedade (Delphy, 2015, pDELPHY, Christine. (2015), "O inimigo principal: a economia política do patriarcado". Revista Brasileira de Ciência Política, 17: 99-119.. 102). O trabalho produtivo, que é remunerado e reconhecido, envolve a criação de bens materiais e a prestação de serviços, ao passo que o trabalho reprodutivo ou de cuidado se ocupa da criação de seres humanos. Contudo, o trabalho reprodutivo, além de ser exercido em grande medida exclusivamente pelas mulheres, não é remunerado ou reconhecido como algo socialmente relevante, por mais que beneficie toda a sociedade.3 3 Delphy (2015) argumenta que o trabalho reprodutivo ou de cuidado é remunerado na hipótese de terceirização das tarefas, por exemplo, quando as refeições são realizadas em restaurantes ou contrata-se uma faxineira para limpar a casa.

Há que se considerar, todavia, que a desigualdade de gênero não afeta igualmente todas as mulheres, atingindo de forma muito mais intensa as mulheres periféricas, negras e de baixa renda, assumindo, portanto, um viés racializado (Biroli, 2018, pBIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.. 23; Rios e Sotero, 2019, pRIOS, Flavia; SOTERO, Edilza. (2019), “Apresentação: Gênero em perspectiva interseccional”. Plural, 26, 1: 1-10.. 2). Conforme bell hooks4 4 Uma explicação: “bell hooks” é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, que ela adotou em homenagem à sua bisavó. A autora o utilizava dessa forma, em letras minúsculas, com a alegação de que “o mais importante em meus livros é a substância e não quem sou eu” (Santana, 2009). (Hooks, 1984, pHOOKS, Bell. (1984), Feminist theory: from margin to center. Boston, South End Press.. 4), há muitas evidências de que a situação de classe e a identidade de raça assumem precedência sobre a experiência comum que as mulheres compartilham.

Daí a necessidade do olhar interseccional. Tal perspectiva implica em atentar-se para “as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação” (Crenshaw, 2002, pCRENSHAW, Kimberlé. (2002), "Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero". Estudos Feministas, 10: 177-188.. 177). Trata-se de reconhecer que opressões como a de classe, de gênero e de raça podem se entrecruzar a depender das marcas sociais carregadas pelo sujeito (ser pobre ou rico, ser atribuído ao gênero feminino ou masculino, ser preto ou branco, etc). Este entrecruzamento de opressões cria desigualdades que condicionam as experiências, possibilidades e acessos a determinados espaços e oportunidades, que serão mais ou menos restritas de acordo com a posição ocupada (Biroli e Miguel, 2015BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe. (2015), "Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades". Mediações, 20, 2: 27-55.).

O “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça” (Ipea, 2017Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
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), feito com base em séries históricas de 1995 a 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), ilustra através de seus resultados a dupla jornada das mulheres, apontando que “exercer atividade remunerada não afeta as responsabilidades assumidas pelas mulheres com as atividades domésticas, apesar de diminuir a quantidade de horas dedicadas a elas” (p. 4). Durante o período estudado, 1995 a 2015, a proporção de mulheres que declararam realizar atividades domésticas se manteve inalterada, em mais de 90%. Em 2015, contabilizando tanto o trabalho produtivo quanto os afazeres domésticos, a jornada semanal média para as mulheres superou em 7,5 horas a dos homens.

O tempo demandado em razão da dupla jornada de trabalho não só torna a vida das mulheres mais sobrecarregada, mas também impacta a possibilidade de dedicar-se a outras atividades que poderiam garantir ascensão profissional, qualificação acadêmica, engajamento político ou mesmo cuidado de si. Tais oportunidades propiciam uma brecha para a mobilidade social, assim, a falta de tempo para persegui-las pode limitar as chances de alcançar uma vida melhor em variados aspectos (Biroli, 2018BIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.).

O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho foi acompanhado, para algumas, do aumento de capitais econômicos, culturais e sociais. Para continuar alcançando posições mais bem remuneradas, são exigidas mais horas de dedicação pessoal. Por isso, essas mulheres passaram a “externalizar” o trabalho doméstico do qual seguem sendo incumbidas, recorrendo às mulheres em situações mais precárias que a sua própria (Hirata e Kergoat, 2007, pHIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. (2007), "Novas configurações da divisão sexual do trabalho". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 595-609.. 601). Nesse sentido, os efeitos da dupla jornada recaem de maneira desigual para as mulheres em razão de diferentes marcadores sociais.

Ainda segundo o estudo do Ipea, quanto maior a renda das mulheres, menos tempo é dedicado às atividades do lar. Isso se deve, sobretudo, à possibilidade de contratar uma empregada doméstica e ao maior acesso aos eletrodomésticos (Ipea, 2017, pInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
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. 4-5). As mulheres que não podem terceirizar o trabalho reprodutivo, aquelas que geralmente estão alocadas em trabalhos informais e/ou com jornadas flexibilizadas, frequentemente associados ao cuidado, dependem muito mais de políticas públicas e equipamentos coletivos que permitam socializar essas tarefas (Hirata e Kergoat, 2007HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. (2007), "Novas configurações da divisão sexual do trabalho". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 595-609.; Sorj et al.; 2007SORJ, Bila; FONTES, Adriana; MACHADO, Danielle Carusi. (2007), "Políticas e práticas de conciliação entre família e trabalho no Brasil". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 573-594.; Biroli, 2018BIROLI, Flávia (2018), Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo.).

Além de advertir que o impacto da dupla jornada é maior para as mulheres com menor poder aquisitivo, o estudo também atenta para o risco de maior vulnerabilidade social das famílias chefiadas por mulheres negras. De 1995 para 2015, os lares chefiados por mulheres, nos quais elas são majoritariamente responsáveis pelo sustento de toda a família, contando ou não com a presença do cônjuge, passaram de 23 para 40%. As mulheres negras representam 60% das chefes de família nos casos em que os lares são chefiados por mulheres. Sabendo que “a renda média das mulheres, especialmente a das mulheres negras, continua bastante inferior não só à dos homens, como à das brancas” (Ipea, 2017, pInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
http://www.Ipea.gov.br/portal/images/sto...
. 1), e que as famílias mais afetadas pela pobreza e pela extrema pobreza são as chefiadas por mulheres negras sem cônjuges, torna-se evidente qual é o grupo que permanece sendo empurrado para baixo na pirâmide social (Castro, 2018).

Com base nesse cenário, é possível deduzir que a divisão sexual do trabalho, acompanhada da reorganização do trabalho assalariado com o aumento da participação feminina, acentua as clivagens existentes entre as mulheres: “ao mesmo tempo em que aumenta o número de mulheres em profissões de nível superior, cresce o número de mulheres em situação precária” (Hirata e Kergoat, 2007, pHIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. (2007), "Novas configurações da divisão sexual do trabalho". Cadernos de Pesquisa, 37, 132: 595-609.. 603). Os impactos da responsabilização pelo trabalho doméstico são diferentes entre as mulheres a depender da sua classe e da sua cor, interferindo no acesso ao tempo livre e nas possibildiades de remuneração e ascensão profissional (Biroli, 2016, pBIROLI, Flávia. (2016), "Divisão sexual do trabalho e democracia". Dados, 59, 53: 719-754.. 740).

Todos esses recursos impactam as chances de envolvimento com a atividade política, meio pelo qual se pode influenciar os processos decisórios de normas que incidem sobre suas vidas (Miguel, 2019, pMIGUEL, Luis Felipe. (2019), O colapso da democracia no Brasil: da Constituição do golpe de 2016. São Paulo, Fundação Rosa Luxemburgo, Expressão Popular.. 39). A quantidade de assentos da Câmara dos Deputados na legislatura 2019-2022 ocupados por pretos e pardos, mas especialmente por mulheres negras, diz muito sobre isso: elas são 13 de 513, o equivalente a 2,5%. Esse número cai para 2,36% quando se leva em conta também o Senado Federal (Assis et al.; 2018ASSIS, Carolina; FERRARI, Marília; LEÃO, Natalia. (2018), “Câmara dos Deputados terá menos homens brancos e mais mulheres brancas, negras e 1 indígena em 2019”. Gênero e Número, 8 out. Disponível em https://www.generonumero.media/reportagens/camara-dos-deputados-tera-mais-mulheres-brancas-negras-e-indigena-e-menos-homens-brancos-em-2019/, consultado em 05/7/2020.
https://www.generonumero.media/reportage...
). O tópico seguinte apresenta o debate sobre segregação e direito à cidade, formulação indispensável para nosso argumento.

Espaço e dominação: segregação urbana x direito à cidade

Embora pareça óbvio, vale recordar que as relações sociais não se dão fora do espaço social: antes, elas o constituem, e ao mesmo tempo são condicionadas por ele. A compreensão mais adequada deste fenômeno remete ao debate sobre a importância do espaço socialmente produzido para o quadro mais amplo das relações de poder, mas que nem sempre é devidamente valorizado em algumas áreas das Ciências Humanas.

Um dos autores pioneiros nesse debate, Lefebvre (2013)LEFEBVRE, Henri. (2013), Prefácio de “A produção do espaço”. Estudos Avançados, 27, 79:123-132. argumenta que o espaço deve ser concebido como produto, embora não o mesmo tipo que qualquer objeto trivial. Trata-se de um produto socialmente fabricado, fruto das relações sociais e econômicas que predominam em determinado momento da história. Concomitantemente, este produto não é estático, e, uma vez constituído, intervém na própria produção e impacta as relações sociais que se realizam em seu seio. Assim, Lefebvre caracteriza o espaço como “produto-produtor”, intervindo diretamente na própria produção e reprodução da sociedade (Lefebvre, 2013, pLEFEBVRE, Henri. (2013), Prefácio de “A produção do espaço”. Estudos Avançados, 27, 79:123-132.. 125).

Tal concepção oferece bases teóricas imprescindíveis para o debate mais aprofundado sobre segregação urbana, processo que “traduz” de maneira exemplar a forma como a organização do espaço opera no sentido de reproduzir as relações de dominação. Adotando a definição de Villaça, entendemos a segregação como um processo no qual “diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjunto de bairros da metrópole” (Villaça, 2001, pVILLAÇA, Flávio. (2001), Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/ FAPESP.. 142), isto é, a segregação pressupõe um processo de relativa homogeneização social de certas áreas do território, promovendo o afastamento entre as classes sociais na cidade. Villaça entende a segregação pela lógica da dominação social e da luta de classes, explicando os vínculos deste fenômeno com a totalidade das estruturas sociais, políticas e econômicas. Para o autor, o processo de dominação operado pela segregação

(...) se dá pela desigual distribuição das vantagens e desvantagens do espaço produzido; essas vantagens e desvantagens dizem respeito especialmente à manipulação, pela classe dominante, dos tempos gastos nos deslocamentos espaciais dos habitantes da cidade. (Villaça, 2011, pVILLAÇA, Flávio. (2011), “São Paulo: segregação urbana e desigualdade”. Estudos Avançados, 25, 71: 37-58.. 49)

Ou seja, este processo está intimamente relacionado ao fator tempo: ao passo em que as classes mais privilegiadas moram em localizações nas quais os serviços essenciais à vida urbana estão acessíveis com maior facilidade, com as classes mais pobres acontece justamente o contrário, ou seja, elas são obrigadas a se deslocarem muito mais pela cidade para acessarem tanto os postos de trabalho quanto os equipamentos coletivos (escolas, creches, hospitais, etc.), despendendo, portanto, uma maior quantidade de tempo. Com efeito, as classes dominantes comandam a produção do espaço pela via do mercado imobiliário e também através da ação do próprio Estado. E, dessa forma, os lugares escolhidos pela classe dominante como seus locais de moradia e/ou lazer tornam-se inviáveis de serem ocupados pelos mais pobres. Em outros termos, “a segregação é um processo dialético, em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros” (Villaça, 2001, pVILLAÇA, Flávio. (2001), Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/ FAPESP.. 147-8).

Nos termos de Jouffe, é possível afirmar que as classes mais privilegiadas possuem o benefício da proximidade, enquanto a ampla maioria da população vive segundo a lógica da acessibilidade:

Se a meta da acessibilidade é a capacidade de deslocar-se na escala metropolitana, o objetivo da proximidade consiste, sobretudo, na repartição dos serviços no espaço urbano, o mais perto possível dos habitantes. Assim a proximidade se preocupa pelas infraestruturas dos serviços necessários enquanto a acessibilidade garante a infraestrutura do transporte até os serviços necessários. (Jouffe, 2010, pJOUFFE, Yves. (2010), "Contra o direito à cidade acessível. Perversidade de uma reivindicação consensual" in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).. 45)

Vale frisar: a segregação urbana não implica em que os mais pobres não tenham acesso aos serviços, à infraestrutura urbana e aos empregos, mas que o fazem com um gasto considerável de seu tempo. Desse modo, a produção do espaço por parte das classes mais abastadas se recusa “a aproximar o emprego dos trabalhadores, porém lhes permite e impõe deslocar-se até seus trabalhos” (Jouffe, 2010, pJOUFFE, Yves. (2010), "Contra o direito à cidade acessível. Perversidade de uma reivindicação consensual" in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).. 44). Conforme o autor, a priorização do direito ao acesso em detrimento do direito a localizar-se próximo do centro possui um caráter antissubversivo: “concretamente a acessibilidade dispersa e esgota os cidadãos que a ela se submetem” (Jouffe, 2010, pJOUFFE, Yves. (2010), "Contra o direito à cidade acessível. Perversidade de uma reivindicação consensual" in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).. 46).

É bastante razoável presumir que as longas horas no transporte público durante o trajeto cotidiano casa/trabalho/casa (ou então, no caso daqueles que nem mesmo possuem recursos para pagar pelo transporte coletivo e precisam realizar esses trajetos a pé) impliquem de fato em um esgotamento físico e mental da população submetida a essas condições. Nas grandes cidades brasileiras, não é incomum os trabalhadores de baixa renda gastarem entre três e quatro horas diárias na viagem de ida e volta para o trabalho (Maricato, 2015, pMARICATO, Ermínia. (2015), Para entender a crise urbana. São Paulo, Expressão Popular.. 42). Somado ao tempo gasto no próprio local de trabalho (cerca de oito horas), o que resta do dia é basicamente destinado ao descanso. Tal discussão remete ao já clássico conceito de “espoliação urbana” cunhado por Lucio Kowarick, processo definido como

(...) o somatório de extorsões que se operam através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, apresentados como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência, e que agudizam ainda mais a dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho. (Kowarick, 1979, pKOWARICK, Lúcio. (1979), A espoliação urbana. São Paulo, Paz e Terra.. 62)

No caso das mulheres, o agravante é justamente a dupla jornada que a elas é imposta pela divisão sexual do trabalho, conforme já discutido anteriormente. Ora, é precisamente este “somatório de extorsões” que opera como (mais um) fator de dominação: a segregação urbana cria diversos obstáculos para que as classes populares encontrem tempo no seu cotidiano para se dedicar a outras atividades que não o trabalho e as tarefas gerais relacionadas à reprodução social. A própria possibilidade de criar vínculos associativos mais densos e se organizar politicamente fica bastante prejudicada. Com isso, não estamos afirmando que as classes populares sejam passivas ou que não se mobilizem, mas apenas lembrando que a falta de tempo é um fator a mais, dentre vários outros, que cria obstáculos para que os setores populares tenham condições mais apropriadas de se organizar coletivamente e lutar pelos seus direitos. Em suma, a segregação urbana produz efeitos bastante convenientes para os setores dominantes da sociedade.

Isto se evidencia quando estudamos a origem do modelo “moderno” de segregação. Cabe frisar que a segregação não é fruto apenas do processo de mercantilização e de valorização do solo. Paralelamente a isso, existe também uma lógica de controle político e social nas ações estatais que “empurram” os mais pobres para as periferias. Lefebvre (2001)LEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro. desenvolve este debate ao analisar o caso de Paris em meados do século XIX. Sob o comando nacional de Luis Bonaparte, a capital francesa foi palco de grandes intervenções urbanísticas promovidas pelo Barão George Haussmann, que redesenharam profundamente o tecido urbano parisiense ao demolir os cortiços de sua área central habitados pelos trabalhadores.

Em decorrência das explosivas jornadas de junho de 1848 em Paris, a classe dominante se vê ameaçada pelo avanço das lutas sociais e pela maior participação popular na esfera pública (Hirschman, 1983HIRSCHMAN, Albert. (1983), De consumidor a cidadão: atividade privada e participação na vida pública. São Paulo, Brasiliense.). Haussmann é a resposta do sistema. A remodelação do centro e a expulsão dos trabalhadores para os subúrbios tem como objetivo fundamental pacificar a cidade e (re)estabelecer a ordem. No lugar dos becos e vielas, abrem-se largas avenidas e boulevards que dificultam a formação das barricadas e facilitam o trabalho da repressão. A “obra” de Haussmann se torna modelo para a cidade que emerge com a sociedade industrial, que passa a ser replicado mundo afora (Engels, 2015ENGELS, Friedrich. ([1872] 2015), Sobre a questão da moradia. 1ª edição, São Paulo, Boitempo.), inclusive no Brasil do século XX. As classes dominantes entendem, a partir de então, que a separação territorial das classes sociais na cidade é a maneira mais apropriada para (tentar) conter os conflitos sociais decorrentes da industrialização.

Analisando a segregação na cidade de São Paulo, Kowarick e Ant desenvolvem argumento nessa direção:

No frequente empenho por parte dos grupos dominantes de sanar a cidade dos seus males não se pode deixar de apontar os conflitos operários que eclodiram nos primórdios da industrialização, encarados enquanto ‘virulento’ fator que ‘contamina’ a ‘paz urbana’. (...) O movimento operário na Primeira República (1889-1930) atinge seu ápice durante a greve geral de 1917. (...) convém mencionar que a luta dos trabalhadores naquele ano não se deu em torno de sindicatos, centrando-se em torno das ligas de bairro. (...) assim, estas zonas populares que circundam as fábricas, onde predominam moradias da classe pobre, passam a ser encaradas como focos de desordem, ‘epidemias anarquistas’ (...). Sem lhe dar um valor primordial no intento de periferizar os trabalhadores, não se pode desprezar este fator político enquanto causa da desconcentração da moradia operária ocorrida mais tarde (...). (Kowarick e Ant, 1994, pKOWARICK, Lúcio; ANT, Clara. (1994), “Cem anos de promiscuidade: o cortiço na cidade de São Paulo”, in L. Kowarick (org.), As lutas sociais e a cidade. São Paulo, Paz e Terra.. 79, grifos no original)

Em suma, podemos entender a segregação como produto da ação conjugada do Estado e do capital que visa ao mesmo tempo a maximização de lucros particulares e o controle social das classes trabalhadoras (Davis, 2006DAVIS, Mike. (2006), Planeta favela. 1ª edição, São Paulo, Boitempo.; Lefebvre, 2001LEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro.). A relevância de tal processo para o nosso argumento é evidente: a dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho está diretamente relacionada ao fenômeno da segregação urbana. Organizada sob a lógica da separação das classes no território, a cidade inevitavelmente impõe essa condição às mulheres socioeconomicamente mais vulneráveis.

Mas é importante ressaltar que a forma hegemônica de produção da cidade não se dá sem lutas e resistências. Tal embate é travado tanto do ponto de vista teórico-analítico, como também prático. Sob a perspectiva teórica, boa parte da literatura sobre as desigualdades urbanas no mundo contemporâneo vem mobilizando o conceito de direito à cidade, formulado inicialmente pelo próprio Lefebvre no final da década de 1960, para realizar o contraponto necessário à lógica hegemônica de produção da cidade e do urbano. No terreno das lutas concretas, a ideia de direito à cidade vem desempenhando importância similar: conforme destacado por Tavolari (2020, pTAVOLARI, Bianca. (2020), “The Right to the City: conceptual transformations and urban struggles”. Revista Direito e Práxis, 11, 1: 470-492.. 482), o referido termo transcendeu em muito o debate acadêmico e tornou-se um denominador comum de grande capacidade aglutinadora nas lutas pela cidade.

Nesse sentido, uma vez que o próprio termo “direito à cidade” se popularizou, configurou-se uma disputa em torno de seus sentidos e significados (Souza, 2010SOUZA, Marcelo Lopes de. (2010), “Which right to which city? In defense of political-strategic clarity”. Interface, 2: 315-333.; Harvey, 2014HARVEY, David. (2014), Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.), abrindo um debate amplo e complexo que não tem condições de ser travado aqui.5 5 Para mais detalhes, ver Harvey (2014), Souza (2010), Colosso (2019) e Tavolari (2020). De toda forma, como ponto de partida para uma compreensão alinhada aos propósitos de nossa discussão, a leitura-síntese proposta por Colosso é bastante útil: “De saída, o direito à cidade deve negar frontalmente a segregação, fonte da dissociação psicossocial e da instauração da cotidianidade empobrecida” (Colosso, 2019, pCOLOSSO, Paolo. (2019), Disputas pelo direito à cidade: mais novos personagens. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo.. 247).

De fato, a negação da segregação urbana se constitui no elemento básico para uma compreensão adequada do direito à cidade conforme elaborado por Lefebvre (2001)LEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro.. Nas palavras deste autor, tal direito “se afirma como um apelo, como uma exigência” (Lefebvre, 2001, pLEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro.. 117), uma demanda das pessoas comuns pela possibilidade de usufruir plenamente da cidade e de utilizá-la na perspectiva do valor de uso, para seu bem-estar e prazer. Em explícita contraposição ao modelo segregacionista de cidade, o direito à cidade para Lefebvre é o direito

(...) à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais etc. (...). A proclamação e a realização da vida urbana como reino do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio do econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria). (Lefebvre, 2001, pLEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro.. 139)

Tal formulação aborda diretamente a questão do uso do tempo pelas pessoas. Ao sugerir que o direito à cidade implica na possiblidade de uma outra relação com o espaço socialmente produzido, Lefebvre indica justamente a possibilidade de um emprego do tempo em uma perspectiva radicalmente distinta daquela que é possível na cidade capitalista.

Com efeito, seja enquanto conceito, ideia ou projeto político, o “direito à cidade” nos permite não apenas realizar uma crítica ao modelo de cidade existente, mas também imaginar outras realidades possíveis. É por isso que, nas palavras de Harvey, o direito à cidade se refere ao direito inalienável de criarmos uma cidade em maior conformidade com nossos desejos, paixões e interesses, reivindicando “algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas (...)” (Harvey, 2014, pHARVEY, David. (2014), Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.. 30).

Em síntese, independente da linha conceitual adotada, o entendimento fundamental do conceito passa necessariamente pela contraposição a toda e qualquer política de caráter segregacionista, uma vez que a ideia de direito à cidade se constitui precisamente na antítese da segregação. Direito à cidade, de um lado, e segregação urbana, de outro, carregam sentidos contraditórios e mesmo antagônicos, pois, enquanto o direito à cidade pressupõe um modelo de organização espacial que viabilize o encontro entre os diferentes grupos e classes sociais (Lefebvre, 2001, pLEFEBVRE, Henri. ([1968] 2001), O direito à cidade. São Paulo, Centauro.. 22), a segregação busca justamente o contrário, isto é, a separação das classes no território.

Explicitar esta contraposição é fundamental para compreender que, se é verdade que o espaço exerce um papel fundamental na dominação social, a construção de uma sociedade assentada em bases mais democráticas precisa necessariamente levar em conta a dimensão espacial da realidade. Na sequência, será discutido o argumento central deste artigo.

A dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho

O avanço na temática proposta exige a articulação teórica entre o debate sobre a divisão sexual do trabalho e a organização espacial das cidades. O desafio não é apenas verificar como as desigualdades sociais se inscrevem no espaço, mas também compreender de que modo a configuração espacial dominante torna o cenário mais complexo.

Uma abordagem possível para estabelecer esta conexão vem da perspectiva das “Geografias feministas” que despontaram na década de 1970. Silva e Ornat (2010, pSILVA, Joseli Maria; ORNAT, Marcio Jose. (2010), “Espaço urbano, poder e gênero: uma análise da vivência travesti”. Revista de Psicologia da UNESP, 9, 1: 83-95.. 84-85) explicam que as expoentes desta corrente teciam críticas à organização sexista do espaço, obliterada pelo discurso moderno do espaço neutro, a qual atua ativamente como um elemento de ordenamento das relações de gênero. Esta leitura converge com a análise de Segato (2014SEGATO, Rita Laura. (2014), “Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres”. Revista Sociedade e Estado, 29, 2: 341-371.; 2018SEGATO, Rita Laura. (2018), “Manifiesto en cuatro temas”. Critical Times, 1, 1: 212-225.), que destaca o papel central do patriarcado em nossa formação social e os desdobramentos desse processo em todas as esferas da vida e da organização política, econômica e social. Conforme destacado por Femenías (2008, pFEMENÍAS, María Luisa. (2008), “Violencia contra las mujeres: urdimbres que marcan la trama”. in E. A. Sánchez & M. L. Femenías (org.), Articulaciones sobre la violencia contra las mujeres. La Plata: Univ. Nacional de La Plata.. 19), este sistema de dominação acaba por reproduzir, ao fim e ao cabo, a noção de que o espaço público é o lugar natural dos homens, e o espaço privado/doméstico, o lugar natural das mulheres, tornando a cidade um lugar hostil para estas.

Exemplo disso são os padrões de ocupação da terra que separam as áreas residenciais dos espaços de produção e serviços, reforçando a separação entre público e privado. Há também o sistema de transportes que não é planejado para atender às mulheres, seja por não levar em conta sua segurança, ou as atividades de cuidado pelas quais são responsabilizadas (Buckingham, 2010BUCKINGHAM, Shelley. (2010), "Análise do direito à cidade sob a perspectiva de gênero", in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC).; Helene, 2019HELENE, Diana. (2019), “Gênero e direito à cidade a partir da luta dos movimentos de moradia”. Cadernos Metrópole, 21, 46: 951-974.). Destarte, pode-se concluir que as cidades estariam desenhadas para valorizar a produção e menosprezar a reprodução, inscrevendo de alguma forma a divisão sexual do trabalho no espaço socialmente produzido.

O conceito de interseccionalidade também é relevante para a análise do espaço urbano. Moreno (2015, pMORENO, Renata. (2015), “Entre o capital e a vida: pistas para uma reflexão feminista sobre as cidades” in R. Moreno (org.), Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo, SOF.. 44) mobiliza o referido conceito para explicar que a experiência de vivência da cidade, deslocamentos, encontros e lazer é diversa quando se trata de homens e mulheres, mas também entre as mulheres, levando em conta sua classe e raça. As mulheres que chefiam suas famílias precisam necessariamente manter seu emprego, além de realizar o trabalho reprodutivo, o qual envolve também deslocamentos pela cidade.

Tanto para Moreno (2015)MORENO, Renata. (2015), “Entre o capital e a vida: pistas para uma reflexão feminista sobre as cidades” in R. Moreno (org.), Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo, SOF. quanto para Buckingham (2010), aBUCKINGHAM, Shelley. (2010), "Análise do direito à cidade sob a perspectiva de gênero", in A. Sugranyes, & C. Mathivet (org.), Cidades para todos: Propostas e experiências pelo direito à cidade. Santiago, Habitat International Coalition (HIC). proximidade entre moradia, trabalho e equipamentos públicos seria de suma importância para facilitar o cotidiano dessas mulheres, sobretudo daquelas que não podem pagar por serviços privados ou contratar alguém que realize o trabalho de cuidado no seu lugar. Este arranjo permitiria chegar à escola, ao hospital ou à creche com muito mais facilidade, sem perder dias no trabalho. Assim, haveria maior possibilidade de avanço na superação da rígida oposição entre público e privado, além de mais tempo disponível para a realização de outras atividades.

Entretanto, a realidade está distante desse cenário. A infraestrutura e os equipamentos públicos “estão disponíveis para as pessoas de acordo com sua renda, e também a sua raça” (Moreno, 2015, pMORENO, Renata. (2015), “Entre o capital e a vida: pistas para uma reflexão feminista sobre as cidades” in R. Moreno (org.), Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo, SOF.. 63). A autora exemplifica seu argumento com um levantamento de dados a partir do Censo 2010 do IBGE em São Paulo, que revelou que a concentração das mulheres negras está justamente em bairros mais afastados do centro e com uma série de indicadores de ausência de equipamentos públicos. Logo, “a falta de planejamento e urbanização das áreas onde as mulheres negras residem as afasta de exercerem o direito à cidade e usufruírem do espaço urbano” (Ifanger et al., 2021, pIFANGER, Fernanda Carolina; MINEIRO, Paolo Fernanda Silva & MASTRODI, Josué. (2021), “Espaço urbano, violência e mulheres negras – Parte II”, Revista Brasileira de Sociologia do Direito, 8, 3: 214-236.. 221).

Isto significa que a segregação urbana também se expressa, para utilizar a expressão de Lélia Gonzalez, em uma “divisão racial do espaço”, herança que persiste desde os tempos de escravidão:

Desde a época colonial aos dias de hoje, percebe-se uma evidente separação quanto ao espaço físico ocupado por dominadores e dominados. O lugar natural do grupo branco dominante são moradias saudáveis, situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes formas de policiamento que vão desde os feitores, capitães de mato, capangas, etc, até à polícia formalmente constituída. Desde a casa grande e do sobrado até aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, invasões, alagados e conjuntos ‘habitacionais’ (...) dos dias de hoje, o critério tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço (...) No caso do grupo dominado o que se constata são famílias inteiras amontoadas em cubículos cujas condições de higiene e saúde são as mais precárias. (Gonzalez, 1984, pGONZALEZ, Lélia. (1984), "Racismo e sexismo na cultura brasileira" em Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 223-244.. 232)

Este argumento é reforçado pelo trabalho de Pereira, quando a autora afirma que a constituição de nossa segregação urbana se dá “através da conexão do passado escravocrata com as desigualdades que ainda hoje estruturam nossos territórios” (Pereira, 2015, pPEREIRA, Gabriela Leandro. (2015), Corpo, discurso e território: a cidade em disputa nas dobras da narrativa de Carolina Maria de Jesus. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador.. 231). Logo, as desigualdades urbanas no Brasil não devem ser analisadas apenas pela questão da renda, tendo em vista que o componente racial é estruturante desse processo (Oliveira, 2020OLIVEIRA, Reinaldo José. (2020), “A segregação racial e o pensamento urbanístico no Brasil”. Políticas Públicas e Cidades, 9, 1: 26-39.).

O tempo que os diferentes grupos sociais gastam com o deslocamento entre a residência e o local de trabalho é um dos principais indicadores dessa realidade. Quando considerada apenas a variável “gênero”, é possível verificar que a situação tem se tornado mais difícil para as mulheres, uma vez que elas têm despendido mais tempo com viagens para essa finalidade ao longo das últimas décadas. Analisando a diferença do tempo de deslocamento casa/trabalho entre 1992 e 2013 em várias metrópoles brasileiras por meio de dados do IBGE, Pero e Stefanelli (2015, pPERO, Valéria; STEFANELLI, Victor. (2015), "A questão da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras". Revista de Economia Contemporânea, 19, 3: 366-402.. 390, 391) concluíram que, apesar de os homens gastarem mais tempo nesse trajeto, a diferença entre os gêneros tem se tornado cada vez menor – em 1992, os homens gastavam em média 4,5 minutos a mais do que mulheres no trajeto casa-trabalho, ao passo em que no ano de 2013 essa diferença caiu para 1,4 minutos. Esse resultado, segundo os autores, é “mais devido ao aumento no tempo de viagem feminino do que por uma redução no tempo dos homens” (Pero e Stefanelli, 2015, pPERO, Valéria; STEFANELLI, Victor. (2015), "A questão da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras". Revista de Economia Contemporânea, 19, 3: 366-402.. 391).

Com o passar dos anos o quadro tornou-se mais desvantajoso para as mulheres, pois além do tempo gasto com o deslocamento para o trabalho produtivo, tem-se também o deslocamento realizado por conta do trabalho reprodutivo. Frequentemente, elas precisam recorrer à caminhada, forma de locomoção que nunca ocupou posição relevante nas políticas de mobilidade no Brasil (Vasconcellos, 2016, pVASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. (2016), "Mobilidade cotidiana, segregação e exclusão" in Balbim, R.; Krause, C. & Linke, C. (org.), Cidade e Movimento: Mobilidades e Interações no Desenvolvimento Urbano. Brasília, Ipea.. 74).

Dados mais detalhados apresentados pelo Ipea (2017)Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
http://www.Ipea.gov.br/portal/images/sto...
abrangendo o período de 1995 a 2015 confirmam que as mulheres em geral passaram a gastar mais tempo nos deslocamentos urbanos para a realização do trajeto casa-trabalho. Mas os números também evidenciam a dimensão racial dessa desigualdade, conforme demonstrado na Tabela 1 (a seguir).

Tabela 1
Distribuição percentual da população feminina (16 Anos ou Mais), por tempo de deslocamento entre residência e local de trabalho (segundo Cor/Raça), no Brasil

Confirmando as conclusões de Pero e Stefanelli (2015)PERO, Valéria; STEFANELLI, Victor. (2015), "A questão da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras". Revista de Economia Contemporânea, 19, 3: 366-402., ao longo das duas décadas analisadas, as mulheres passaram a gastar mais tempo para se deslocar ao trabalho. Considerando a população feminina total (de 16 anos ou mais), 6,5% desse grupo gastava mais de uma hora para chegar ao trabalho em 1995; dez anos depois, esse percentual saltou para 8,5; já em 2015, 10,2% da população feminina nacional gastava mais de uma hora nesse trajeto. Considerando a população feminina branca, também é possível verificar um aumento.

Mas é o grupo de mulheres negras o mais impactado. Em todos os anos (1995, 2005 e 2015), os percentuais de mulheres negras que gastam mais de uma hora para se deslocar ao trabalho sempre foi maior, tanto em relação à população feminina total, como também em relação às mulheres brancas. Considerando apenas o ano de 2015, dado mais recente, vemos que 11,3% da população feminina negra de 16 anos ou mais gastou mais de uma hora para realizar o deslocamento, enquanto esse número equivale a 10,2% para a população feminina total e 9,2% para a população feminina branca.

Do mesmo modo, o percentual de mulheres negras que gasta até 30 minutos para chegar ao trabalho sempre foi menor em relação aos outros dois grupos. Ou seja: em termos percentuais, a maioria das mulheres negras reside mais longe do trabalho. Ademais, os dados mostram que, entre 1995 e 2015, o percentual de mulheres negras que residiam em locais mais próximos ao seu local de trabalho (e que gastavam até 30 minutos para tal deslocamento) diminuiu. Em 1995, eram 69,4% de mulheres negras nessa condição; em 1995, 67,7%; em 2015, esse número caiu para 64,8%.

Em suma, os resultados são relevadores do quadro da desigualdade urbana e da divisão racial do espaço apontada por Gonzalez (1984)GONZALEZ, Lélia. (1984), "Racismo e sexismo na cultura brasileira" em Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 223-244.. Se é verdade que a situação se agravou para todas as mulheres, também é verdade que as mulheres negras sentiram mais o peso do fator “tempo de deslocamento” ao longo das últimas décadas.

Já o estudo “Como anda Brasília” (2020), realizado pela Codeplan (2020)Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). (2020), Como anda Brasília: um recorte a partir dos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios. Brasília, Codeplan. (DF), comparou os meios de transporte mais utilizados por mulheres e homens para se deslocar ao trabalho na capital do país, considerando também a variável “raça”. Para a população negra, o deslocamento é realizado principalmente pelo ônibus: 66,1% deste grupo se utiliza deste meio de transporte para se deslocar ao trabalho no Distrito Federal, enquanto no grupo da população não negra esse percentual cai pela metade (33,9%) (Codeplan, 2020, pCompanhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). (2020), Como anda Brasília: um recorte a partir dos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios. Brasília, Codeplan.. 12). A desigualdade fica ainda mais evidente quando levamos em conta a divisão por gênero e raça, conforme Tabela 2, a seguir.

Tabela 2
Modo de deslocamento para o trabalho no Distrito Federal, 6 6 Vale lembrar que, conforme consta no próprio texto do estudo analisado, uma mesma pessoa pode utilizar mais de um meio de transporte para se deslocar ao trabalho (Codeplan, 2020, p. 13). por gênero e raça (em %)

Logo, as mulheres negras são as que menos se utilizam do automóvel particular para realizar o deslocamento diário ao trabalho (16,5%), e ao mesmo tempo, as que mais realizam esse trajeto a pé (35,5%), superando por larga margem a quantidade de mulheres não negras submetidas à mesma condição (19,6%). Por outro lado, os homens não negros são os que menos percorrem o trajeto em direção ao trabalho a pé (14,1%). Considerando apenas a população negra, o percentual de homens negros que utiliza o automóvel para o deslocamento ao trabalho é praticamente o dobro em relação à taxa de mulheres negras nesta categoria – 33,1%.

Cabe lembrar que a mobilidade a pé é uma forma de deslocamento utilizada mesmo pelas famílias de renda mais alta (Vasconcellos, 2016, pVASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. (2016), "Mobilidade cotidiana, segregação e exclusão" in Balbim, R.; Krause, C. & Linke, C. (org.), Cidade e Movimento: Mobilidades e Interações no Desenvolvimento Urbano. Brasília, Ipea.. 62), mas, nesses casos, ela é em geral realizada em trajetos mais curtos e é feita por opção, não por restrições econômicas (Codeplan, 2020, pCompanhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). (2020), Como anda Brasília: um recorte a partir dos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios. Brasília, Codeplan.. 11). Já os grupos de baixa renda caminham por trajetos mais longos para chegar ao trabalho, e em geral o fazem justamente porque não dispõem de recursos suficientes para acessar outros meios de transporte (Vasconcellos, 2016VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. (2016), "Mobilidade cotidiana, segregação e exclusão" in Balbim, R.; Krause, C. & Linke, C. (org.), Cidade e Movimento: Mobilidades e Interações no Desenvolvimento Urbano. Brasília, Ipea.).

Tomando o conjunto de dados apresentados nas Tabelas 1 e 2, bem como aqueles apresentados no primeiro tópico sobre a maior precariedade das mulheres negras (Ipea, 2017Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017), "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1995 - 2015". Brasília, Ipea. Disponível em http://www.Ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf , consultado em 20/5/2019.
http://www.Ipea.gov.br/portal/images/sto...
), podemos afirmar que as mulheres negras e periféricas são, de fato, as mais penalizadas pela dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, uma vez que, além da sobrecarga com os encargos do cuidado no cotidiano, o que impõe a necessidade de locomoção para acessar determinados serviços, são elas as que gastam mais tempo no deslocamento diário para o trabalho, bem como as que mais necessitam se deslocar a pé para essa finalidade.

Cabe reforçar que andar a pé pode ser uma atividade bastante complicada para as mulheres, seja pela falta de infraestrutura (iluminação, calçadas adequadas para andar com as crianças e transportar carrinho de bebê, etc.), de segurança, e/ou pelo próprio tempo de deslocamento. A falta de um transporte acessível e eficiente, que atenda às demandas do cuidado para além de entregar diariamente a mão-de-obra ao mercado, associado ao fato de que as mulheres mais pobres vivem (via de regra) mais afastadas das áreas centrais da cidade, agrava esse quadro e limita consideravelmente a acessibilidade dessas mulheres à cidade.

Exigir uma cidade que atenda, por meio do fortalecimento da proximidade e da própria acessibilidade, à necessidade da reprodução e das pessoas que dela se encarregam não significa aceitar e naturalizar a divisão sexual do trabalho, mas sim de reconhecer o valor do trabalho reprodutivo para todas as pessoas e facilitar sua realização por parte de quem quer que seja, possibilitando a construção de “relações mais justas e igualitárias dentro e fora da esfera doméstica” (Biroli, 2013, pBIROLI, Flávia. (2013), Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições feministas para a crítica democrática. Vinhedo, Editora Horizonte.. 169-170). Dessa forma, na melhor das hipóteses, haveria um avanço no sentido de atenuar a hierarquização entre esfera pública e privada, o que contribuiria para a redução das desigualdades de gênero e raça.

Considerações finais

Nosso objetivo principal neste artigo foi discutir a existência de uma dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, tendo em vista que a dupla jornada feminina se estende para além da casa, desdobrando-se em deslocamentos pela cidade que podem ser bastante onerosos, não apenas financeiramente, mas também por conta do tempo gasto. A partir de uma análise interseccional, argumentou-se que as mulheres negras e periféricas são o grupo social mais penalizado por esta dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho.

No primeiro tópico, discutiu-se de que forma a responsabilização quase integral das mulheres pelo trabalho reprodutivo, somada à necessidade de contribuir com a renda familiar, implica mais horas de trabalho, e portanto, menos disponibilidade de tempo para realizar outras atividades. Também explicamos que o peso desse arranjo é maior para as mulheres de baixa renda e negras, que não podem exteriorizar o trabalho doméstico e que frequentemente atuam em empregos ligados a atividades de cuidado, com baixa remuneração, limitando suas chances de mobilidade social.

O segundo tópico analisou o papel do espaço socialmente produzido nas relações de dominação. Enfatizando o processo de segregação urbana, explicamos como a organização espacial da cidade contribui para amplificar as desigualdades existentes, reduzindo o tempo de deslocamento para os mais ricos e aumentando para os mais pobres. Trouxemos o conceito de direito à cidade e explicitamos seu antagonismo ao modelo urbano segregacionista.

O terceiro tópico foi onde desenvolvemos nosso argumento a respeito da existência de uma dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho, valendo-se tanto das contribuições teóricas anteriores como também de estudos empíricos recentes.

Com isso, seguem as nossas considerações mais relevantes sobre a discussão apresentada.

Primeiro: nosso enfoque procura destacar a relevância da dimensão espacial em um sentido mais amplo. O espaço socialmente produzido não é apenas reflexo das relações sociais, mas também um condicionante das mesmas. Por isso, torna-se necessário entender a sua importância para a construção de uma sociedade mais igualitária. Muitas das desigualdades existentes poderiam ser consideravelmente atenuadas por meio de políticas voltadas para a redução das desigualdades socioespaciais, ou seja, capazes de minimizar os efeitos da segregação urbana, e, na melhor das hipóteses, combater a própria segregação.

Isso requer, claro, implementar políticas capazes de fazer frente aos poderosos interesses econômicos responsáveis por moldar as cidades segundo a lógica do mercado (Maricato, 2014MARICATO, Ermínia. (2014), O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis, Vozes.), o que não é tarefa nem um pouco simples. De qualquer forma, o que queremos enfatizar é que a luta pela construção de uma sociedade mais democrática e menos desigual precisa necessariamente levar em conta a dimensão espacial da realidade. Não é possível produzir uma sociedade mais democrática sem modificar substancialmente a lógica capitalista de organização do espaço.

Segundo: considerando que as mulheres negras e periféricas são as mais diretamente afetadas por esse modelo de organização espacial, os interesses, demandas e necessidades desse grupo precisam ser centralmente levados em conta para a produção de cidades mais justas. E para que isso aconteça, há um pressuposto básico: uma cidade mais justa e acolhedora para as mulheres negras e periféricas precisa ser pensada, justamente, pelas mulheres negras e periféricas (Fontoura, 2021FONTOURA, Maria Conceição Lopes. (2021), “Uma cidade justa, humana e solidária para as mulheres negras”. in L. Sito & M. Felix (org.), E se as cidades fossem pensadas por mulheres?. Porto Alegre, Zouk.). Este, obviamente, é um debate complexo. Sem a intenção de insinuar que apenas os próprios grupos sociais são capazes de pensar e implementar políticas vantajosas para si próprios, sabemos que uma distribuição menos assimétrica do poder político é condição necessária para avançar no combate às desigualdades e na distribuição de bens públicos em favor dos estratos sociais mais vulneráveis.

Ou seja, as mulheres negras e periféricas precisam estar inseridas em espaços de poder (no âmbito local, especialmente, mas não apenas) capazes de definir as políticas urbanas e seu conteúdo. Elas precisam ocupar postos de relevância no sistema político (executivo, legislativo, burocracia), como também ter inserção nos espaços institucionais de participação social existentes.

A necessidade em incluir as mulheres de forma mais efetiva nos espaços institucionais de poder político é respaldada por diversos acordos internacionais (dos quais o Brasil participou da formulação), com destaque para a Conferência de Pequim, em 1995, e a Agenda 2030/Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) vinte anos depois, em 2015 (Fontoura, 2021, pFONTOURA, Maria Conceição Lopes. (2021), “Uma cidade justa, humana e solidária para as mulheres negras”. in L. Sito & M. Felix (org.), E se as cidades fossem pensadas por mulheres?. Porto Alegre, Zouk.. 49).

Todavia, como mencionado ao final do tópico 1, sabemos que estamos muito distantes desse cenário tendo em vista a gigantesca desproporção na representação política dos diferentes segmentos sociais nos espaços da política institucional. A desigualdade na representação é corolário direto das assimetrias sociais em nível mais amplo. Os grupos menos privilegiados são os que estão menos representados junto ao sistema político; portanto, têm menor capacidade para vocalizar suas demandas; logo, o resultado é um círculo vicioso no qual a desigualdade estrutural não é afetada, retroalimentando a sub-representação desses grupos junto às instituições (Gurza Lavalle, 2016Gurza LAVALLE, Adrian. (2016), “Participação, (des)igualdade política e democracia”, in L. F. Miguel (org.), Desigualdades e democracia: o debate da teoria política. São Paulo, Editora Unesp.).

Modificar esse quadro não é simples. A condição mais básica é um intenso ativismo social capaz de pressionar as instituições a se movimentarem na direção do atendimento às demandas das mulheres negras e periféricas. Ao mesmo tempo, para essas mulheres acessarem mais diretamente as instâncias de poder, é necessário que elas tenham mais espaço nos partidos políticos, que continuam sendo o principal elo da sociedade civil com o Estado.

Sabemos, claro, que a questão não é simples devido à “lógica patriarcal e racista das estruturas partidárias” (Rios e Machado, 2020RIOS, Flavia; MACHADO, Carlos. (2020), “Qual o efeito Marielle para a política brasileira?”. Nexo Jornal, 13 mar. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/Qual-o-efeito-Marielle-para-a-pol%C3%ADtica-brasileira, consultado em 30/03/2021.
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/202...
, s/p.), mas esse é um terreno que precisa ser disputado se quisermos reverter o quadro de profunda assimetria na representação política da sociedade brasileira.

Em última instância, a maior presença de mulheres negras e periféricas nos partidos políticos e nos espaços de poder contribuiria, na melhor das hipóteses, para a produção de políticas urbanas mais inclinadas às demandas de milhões de trabalhadoras que, no seu cotidiano, sofrem o peso das opressões estruturais de forma brutal. Nossa aposta é que o caminho mais eficaz para a produção de cidades mais justas e democráticas, capazes de atenuar os perversos efeitos da dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho e avançar na promoção do direito à cidade, é o fortalecimento político e institucional do ativismo negro, feminino e periférico.

Por fim, cabe reforçar que este artigo pretendeu contribuir para o avanço de uma agenda de pesquisa preocupada em investigar mais a fundo a relação entre a divisão sexual do trabalho e a segregação urbana. Tal temática se torna ainda mais relevante em razão do agravamento das condições de vida nas cidades brasileiras, resultante da combinação entre a crise socioeconômica decorrente da pandemia e o avanço das políticas de neoliberalização da sociedade no Brasil (Andrade et al., 2021ANDRADE, Daniel; CÔRTES, Mariana & ALMEIDA, Silvio. (2021), “Neoliberalismo autoritário no Brasil”. Caderno CRH, 34: 1-25.).

O fortalecimento desta agenda interessa tanto aos estudos sobre direito à cidade e segregação urbana, como também às análises dedicadas ao debate sobre desigualdades de gênero e raça. O entrecruzamento destes dois campos de pesquisa tem grande potencial para fortalecer um diálogo interdisciplinar, capaz de produzir avanços em termos teóricos, como também contribuir diretamente para a produção de informações relevantes para subsidiar a formulação de políticas de combate às desigualdades e à exclusão socioespacial, prestando especial atenção às mulheres negras.

AGRADECIMENTOS

Este texto é produto da pesquisa “Leituras contemporâneas sobre o direito à cidade: democracia, espaço público e conflitos urbanos”, coordenada por Thiago Aparecido Trindade e desenvolvida conjuntamente entre o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê) e o Programa de Educação Tutorial em Ciência Política da UnB. Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Ministério da Educação (MEC) pelos respectivos apoios financeiros que viabilizaram o desenvolvimento do trabalho. Agradecemos também aos pareceristas anônimos da RBCS.

  • 1
    Levantamento realizado em janeiro de 2021.
  • 2
    Apesar do número de artigos no SciELO Br ser relativamente pequeno, registre-se que entre os 29 trabalhos estão presentes autoras que são referências centrais nesse debate, como Flávia Biroli, Helena Hirata, Clara Araújo, Neuma Aguiar e Ângela Araújo.
  • 3
    Delphy (2015)DELPHY, Christine. (2015), "O inimigo principal: a economia política do patriarcado". Revista Brasileira de Ciência Política, 17: 99-119. argumenta que o trabalho reprodutivo ou de cuidado é remunerado na hipótese de terceirização das tarefas, por exemplo, quando as refeições são realizadas em restaurantes ou contrata-se uma faxineira para limpar a casa.
  • 4
    Uma explicação: “bell hooks” é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, que ela adotou em homenagem à sua bisavó. A autora o utilizava dessa forma, em letras minúsculas, com a alegação de que “o mais importante em meus livros é a substância e não quem sou eu” (Santana, 2009SANTANA, Andreia. (2009), “bell hooks: uma grande mulher em letras minúsculas”. Disponível em https://mardehistorias.wordpress.com/2009/03/07/bell-hooks-uma-grande-mulher-em-letras-minusculas/, consultado em 06/09/2022.
    https://mardehistorias.wordpress.com/200...
    ).
  • 5
    Para mais detalhes, ver Harvey (2014)HARVEY, David. (2014), Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes., Souza (2010)SOUZA, Marcelo Lopes de. (2010), “Which right to which city? In defense of political-strategic clarity”. Interface, 2: 315-333., Colosso (2019)COLOSSO, Paolo. (2019), Disputas pelo direito à cidade: mais novos personagens. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo. e Tavolari (2020)TAVOLARI, Bianca. (2020), “The Right to the City: conceptual transformations and urban struggles”. Revista Direito e Práxis, 11, 1: 470-492..
  • 6
    Vale lembrar que, conforme consta no próprio texto do estudo analisado, uma mesma pessoa pode utilizar mais de um meio de transporte para se deslocar ao trabalho (Codeplan, 2020, pCompanhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). (2020), Como anda Brasília: um recorte a partir dos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios. Brasília, Codeplan.. 13).
  • DOI: 10.1590/3711003/2022

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2021
  • Aceito
    13 Abr 2022
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