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Os policiais das UPPs e a crise permanente da segurança pública no Rio de Janeiro

UPP officers and the permanent public safety crisis in Rio de Janeiro

Resumo

A política de segurança pública no Rio de Janeiro tende a ser representada pela alegoria do pêndulo, que se inclinaria predominantemente para a lógica do confronto, mas também, em curtos interregnos, para a lógica da aproximação. Embora as esporádicas tentativas de reversão da lógica repressiva produzam mudanças conjunturais significativas, verificamos, através de entrevistas com policiais das UPPs, que o ethos militarizado permanecia estruturando o discurso e orientando a prática cotidiana - produzindo uma condição de “crise permanente”. Procuramos, então, identificar quais fatores e percepções impactavam (negativamente) nos diversos graus de adesão e ressonância dos policiais aos princípios do “policiamento de proximidade”.

Palavras-Chave:
UPPs; Policiamento Comunitário; Segurança Pública; Polícia


Abstract

Public security policy in Rio de Janeiro tends to be represented by the pendulum allegory, which would predominantly lean towards the logic of confrontation, but also, in short intervals, to the logic of approximation. Although the sporadic attempts to reverse the repressive logic produce significant conjunctural changes, we verified, through interviews with UPP’s policemen, that the militarized ethos remained structuring the discourse and orienting daily practice - producing a condition of “permanent crisis”. We then sought to identify which factors and perceptions impacted (negatively) on the varying degrees of adherence and resonance of the police to the principles of “proximity policing”.

Keywords:
UPPs; Community Policing; Public Security; Police

Introdução

A percepção embutida no conceito de crise sugere momentos excepcionais de ruptura do equilíbrio societal ou político. Neste sentido, a ideia de crise permanente poderia evocar, à primeira vista, um paradoxo, não fosse a presença de um ator pivotal que a justificasse. Embora parte dos cidadãos cariocas possa perceber as favelas como o cerne da violência urbana, estamos nos referindo à conduta policial, decorrente do insuficiente grau de institucionalização da forma de prestação do serviço policial (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.), que oscilaria de forma pendular (Carneiro, 2010CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71.) entre a política do confronto e as tentativas, em curtos interregnos, de implementação de programas baseados na aproximação com moradores de favelas (Musumeci et al., 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.).

A violência policial representaria uma das extremidades do movimento pendular (Carneiro, 2010CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71.). Na tentativa de mover o pêndulo para o outro extremo, diversos programas foram implementados na capital fluminense, nas últimas décadas (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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; Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.). As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram uma dessas experiências, com efeitos visíveis na redução da letalidade policial (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.).

As UPPs primavam pela ocupação de territórios de favela, seguida da implementação de táticas de “policiamento de proximidade”, com vistas à redução do poder armado do tráfico, na cidade do Rio de Janeiro (Couto, 2016COUTO, Maria Isabel MacDowell. (2016), UPP e UPP Social: narrativas sobre integração na cidade. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). A proposta era construir um novo modelo de policiamento em favelas (Garau, 2019GARAU, Marilha Gabriela Reverendo. (2019), “O impacto da UPP nas relações da polícia militar com os moradores de uma favela ocupada”. Revista Brasileira de Sociologia do Direito, 6 (1): 126-150.), que fosse capaz de garantir a provisão de serviços públicos de segurança por meio da constante presença de policiais na área (Resende, 2019RESENDE, Leandro. (2019), Cadê o Amarildo? O desaparecimento do pedreiro e o caso das UPPs, São Paulo, Editora Baioneta.), o que impediria a ocorrência de tiroteios entre traficantes e entre estes e a polícia, na “tomada” do território (Leite et al., 2018LEITE, Márcia Pereira; ROCHA, Lia de Mattos; FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique Batista. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Era, em última instância, uma expectativa de “pacificação” da própria polícia (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.), o que garantiria o pêndulo no polo da aproximação com a comunidade.

No início, as UPPs foram vistas como a solução para a governança dividida, resultado do constante e violento conflito entre traficantes e policiais, pelo domínio do território (Arias, 2019ARIAS, Enrique Desmond. (2019), “Social Responses to Criminal Governance in Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Kingston, and Medellín”. Latin American Research Review, 54, 1: 165-180.). Após cinco anos sendo consideradas um “sucesso” (2008 a 2013), elas passaram a ser rotuladas como uma experiência em crise (Menezes; Corrêa, 2017MENEZES, Palloma & CORRÊA, Diogo. (2017), “From disarmament to rearmament: elements for a sociology of critique of the pacification police unit program”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 14, 3. DOI: 10.1590/1809-43412017v14n3p192.
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; Resende, 2019RESENDE, Leandro. (2019), Cadê o Amarildo? O desaparecimento do pedreiro e o caso das UPPs, São Paulo, Editora Baioneta.). Dentre as causas possíveis, podem ser apontadas as disputas internas na Polícia Militar ­­– PM, a oposição aos princípios de policiamento comunitários (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.) e, ao longo dos anos, as restrições fiscais que emergiram após os grandes eventos esportivos – a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016 (Rocha, 2019ROCHA, Lia. (2019), “Militarização e democracia no Rio de Janeiro: efeitos e legados da “pacificação” das favelas cariocas”. Revista Ensaios, 14, 80-98.). Embora o projeto não tenha sido oficialmente encerrado, foi progressivamente desmontado (Machado da Silva & Menezes, 2019MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio & MENEZES, Palloma. (2019), “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’”. Novos Estudos CEBRAP, 38: 529-551.), com o deslocamento dos policiais das UPPs para outras áreas. Com a redução progressiva do efetivo, os policiais não eram mais capazes de fazer rondas frequentes em todo território (Misse et al., 2020MISSE, Daniel Ganem; VARGAS, Joana Domingues & COUTO FILHO, Paulo. (2020), “UPP Estadual e UPP Federal: um estudo sobre duas formas de ocupação policial no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 14, 2:64-8.) e passaram a ficar estacionados dentro das sedes da UPPs (Miagusko, 2018MIAGUSKO, Edson. (2018), “A pacificação vista da Baixada Fluminense: violência, mercado político e militarização”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.).

Em 2016, as UPPs sofreram uma redução drástica no orçamento. O Rio de Janeiro decretara “estado de calamidade financeira” e, em seguida, efetuaram-se os cortes no orçamento da segurança pública (Ludmer, 2019LUDMER, Juliana de Castro Santos. (2019), “A gente só quer respeito”: As percepções dos moradores de favela situada na zona sul do Rio de Janeiro sobre” as polícias” e” os bandidos” no contexto do” fracasso” do Programa de Pacificação (UPP). Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais). Faculdade de Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói.). Começaram, também, “os atrasos nas folhas de pagamento do estado do Rio de Janeiro”, implicando em mudanças na forma de distribuição dos policiais, com a redução de 33% do efetivo, que passou a ser subordinado aos Batalhões, de modo a evitar o pagamento de gratificações (Ludmer, 2019LUDMER, Juliana de Castro Santos. (2019), “A gente só quer respeito”: As percepções dos moradores de favela situada na zona sul do Rio de Janeiro sobre” as polícias” e” os bandidos” no contexto do” fracasso” do Programa de Pacificação (UPP). Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais). Faculdade de Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói.: 70). Com a intervenção federal, decretada em 16 de fevereiro de 2018, doze UPPs foram extintas e outras sete absorvidas por Batalhões. 1 1 Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/intervencao-anuncia-fim-de-12-upps-mudancas-em-outras-sete-unidades-22631936. Acesso em 30/10/2020. Tais mudanças foram publicamente justificadas, uma vez que o projeto de “pacificação” já não estaria mais cumprindo um de seus principais objetivos: evitar confrontos e mortes violentas em favelas “pacificadas” (Misse et al., 2020MISSE, Daniel Ganem; VARGAS, Joana Domingues & COUTO FILHO, Paulo. (2020), “UPP Estadual e UPP Federal: um estudo sobre duas formas de ocupação policial no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 14, 2:64-8.). A UPP foi, então, relegada a segundo plano no debate público sobre segurança pública, assim como ocorreu, anteriormente, com as outras experiências de policiamento comunitário (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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).

Neste contexto, o objetivo do presente artigo é analisar a crise das UPPs sob a ótica dos policiais que atuavam no Projeto, em janeiro de 2016. Pretendemos identificar elementos que ajudem a entender a sua falência, tal como ocorreu com outras experiências de policiamento comunitário nomeadas de inovadoras. Partimos do pressuposto de que a atuação dos policiais na ponta foi um dos elementos definidores dos rumos que a UPP tomou, ao longo do tempo (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.), visto que o Projeto nasceu de um “processo de experimentação” (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.) e “foi se conformando a partir da experiência prática, sem estruturação prévia” (Cano; Borges & Ribeiro; 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.: 29).

Argumentamos como a busca de um novo modelo de policiamento, que pretendia distanciar-se do modelo tradicional da Polícia Militar, encontrou parte de seus limites nas percepções dos próprios policiais das UPPs acerca de seu papel institucional e das formas “corretas” de atuação. A partir disso, exploramos o grau de adesão ao chamado policiamento de proximidade, bem como as percepções sobre a crise do Projeto enquanto justificativas para o acionamento de estratégias militarizadas de ação (Leite; Farias, 2018LEITE, Márcia Pereira & FARIAS, Juliana. (2018), “Militarização e dispositivos governamentais para lidar com os inimigos do/no Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.).

O movimento pendular da política de segurança pública: entre o confronto e a aproximação

Os estudos sobre organizações policiais no Brasil são relativamente recentes, datando do final dos anos 1980, quando a violência policial começa a despertar maior interesse dos cientistas sociais (Muniz et al., 2018MUNIZ, Jacqueline; CARUSO, Haydée & FREITAS, Felipe. (2018), “Os estudos policiais nas ciências sociais: um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84: 148-187.). Nesse histórico, uma instituição se destaca como objeto preferencial de análise: a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Ao mesmo tempo em que figura nas posições mais elevadas do ranking de violência policial (FBSP, 2020FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020), Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2020, São Paulo, Fórum Brasileiro de Segurança Pública.), ela foi também a primeira a implementar programas de policiamento comunitário e de polícia de proximidade (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.), representando, portanto, uma Corporação emblemática para se pensar como as agendas da segurança pública entrelaçam a “política do confronto” e a “aproximação com a comunidade”.

Desde a redemocratização, a PMERJ procurou construir modelos alternativos ao programa de ação militarizado, herdado da ditadura (Carneiro, 2010CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71.). A inovação consistia na promessa do modelo comunitário, que seria capaz de reduzir os conflitos armados (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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) e, ainda, avançar no sentido da superação da metáfora da “cidade partida” (Ventura, 1994VENTURA, Zuenir. (1994), Cidade partida, Rio de Janeiro, Companhia das Letras.), que reforça a existência de sociabilidades diferenciadas em áreas de favela e asfalto (Leite; Farias, 2018LEITE, Márcia Pereira & FARIAS, Juliana. (2018), “Militarização e dispositivos governamentais para lidar com os inimigos do/no Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), em razão da disponibilidade desigual de serviços públicos, inclusive, do serviço de policiamento (Neri, 2010NERI, Marcelo Côrtes. (2010), Desigualdade e favelas cariocas: a cidade partida está se integrando?, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/21948, consultado em 11/02/2021.
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).

Nos anos 1980, para responder ao problema da criminalidade violenta que passava a se configurar como uma questão central na vida da população brasileira (Zaluar, 1999ZALUAR, Alba. (1999), Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. São Paulo em Perspectiva, 13, 3: 3-17.), a PMERJ inovou ao implantar o Centro Integrado de Policiamento Comunitário, na cidade do Rio de Janeiro (Hollanda, 2005HOLLANDA, Cristina Buarque. (2005), Polícia e direitos humanos: política de segurança pública no primeiro governo Brizola (Rio de Janeiro, 1983-1986), Rio de Janeiro, Revan.). Os resultados foram tão promissores, apesar da resistência institucional, que para alguns este Centro seria a “verdadeira” semente das UPPs (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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). Nos anos 1990, o pêndulo balança com força para o outro lado, com a instituição da gratificação faroeste, que “implicava em aumentos salariais para os policiais que matassem mais em serviço” (Couto, 2016COUTO, Maria Isabel MacDowell. (2016), UPP e UPP Social: narrativas sobre integração na cidade. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.: 69). Essa política selará a “construção social das favelas como o território da violência” (Leite, 2012LEITE, Márcia. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6, 2: 374-389.: 275), ou da favela como espaço no qual residem aqueles que possuem “uma sociabilidade avessa às normas e valores dominantes” (Couto, 2016COUTO, Maria Isabel MacDowell. (2016), UPP e UPP Social: narrativas sobre integração na cidade. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.: 276), e devem ser eliminados pela polícia (Misse 2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido””. Lua Nova, 79:15-38.).

Nos anos 2000, há nova tentativa de movimentação do pêndulo. O Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), que se orientava por princípios de polícia comunitária, foi implementado em algumas poucas favelas (Albernaz et al., 2007ALBERNAZ, Elizabete R.; CARUSO, Haydée & PATRÍCIO, Luciane. (2007), “Tensões e desafios de um policiamento comunitário em favelas do Rio de Janeiro”. São Paulo em Perspectiva, 21, 2: 39-52.), com a promessa de que poderia contribuir para a construção de uma nova polícia e um novo modus operandi policial (Carballo-Blanco, 2003CARBALLO-BLANCO, Antônio Carlos. (2003), “GPAE, uma experiência de Policiamento Comunitária: Sobre a experiência prática”. Comunicações do ISER, 22, 58: 101-110.). O fato de essa experiência ter sido restrita a algumas áreas e fortemente ancorada na figura de seu comandante fez com que seus efeitos fossem localizados, e não sustentados no tempo (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.), contribuindo para o seu esvaziamento, a partir de 2005 (Albernaz et al., 2007ALBERNAZ, Elizabete R.; CARUSO, Haydée & PATRÍCIO, Luciane. (2007), “Tensões e desafios de um policiamento comunitário em favelas do Rio de Janeiro”. São Paulo em Perspectiva, 21, 2: 39-52.).

Ao assumir o cargo de governador em 2007, Sérgio Cabral decidiu intensificar a tradicional política do confronto, através de várias megaoperações, dentre elas a realizada no Complexo do Alemão, resultando em 44 mortes e 19 feridos (Alvarenga Filho, 2016). A militarização das práticas de policiamento teria atingido o ápice, com a contabilização de 902 casos de autos de resistência, naquele ano (Misse et al., 2013MISSE, Michel; GRILLO, Carolina Christoph; TEIXEIRA, César Pinheiro & NÉRI, Natasha Elbas. (2013), Quando a polícia mata: homicídios por” autos de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011), Rio de Janeiro, Booklink.). Conjunturalmente, ainda em 2007, verificava-se a ressonância e difusão de práticas inovadoras de urbanização e policiamento, em Bogotá e Medellín, na Colômbia, que recebiam cada vez mais holofotes e foram visitadas pelo governador do Rio de Janeiro e pelo então secretário de segurança pública, José Mariano Beltrame (Moraes Ferreira & Brito, 2010).

O pêndulo iria começar a balançar, com a ocupação da favela Santa Marta por policiais militares, em novembro de 2008 (Carneiro, 2010CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71.), quando se começa a construir o piloto do que viriam a ser as Unidades de Polícia Pacificadora (Musumeci et al., 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.). A redução dos tiroteios, como decorrência da presença de policiais na área, fez com que esse experimento fosse replicado para as favelas do Batam e Cidade de Deus, em 2009 (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Sua expansão foi bastante acelerada nos anos subsequentes, alcançando 38 unidades, em 2014 (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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).

Como efeitos imediatos, tem-se a momentânea diminuição do número de tiroteios nas áreas “pacificadas” e a redução dos homicídios e roubos, não só no interior das favelas, como também em seu entorno (Serrano-Berthet, 2013SERRANO-BERTHET, Rodrigo (coord.). (2013), O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro: Uma análise da transformação do dia a dia das comunidades após o processo de pacificação das UPPs, Rio de Janeiro, FGV/Banco Mundial.). A garantia da liberdade de ir e vir melhorou significativamente o sentimento de segurança entre os moradores diretamente afetados pelas UPPs (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.) e ampliou-se para toda a população da cidade, incluindo moradores de localidades-alvo de sua futura implantação (Machado da Silva, 2010MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (2010), “As várias faces da UPP. Rio de Janeiro”. Ciência Hoje, 46, 276:34-39.). Até mesmo os segmentos mais abastados, que não precisavam e/ou nem queriam as UPPs nas localidades onde viviam, foram favoráveis e apoiaram sua expansão2 2 Índice de Percepção da Presença do Estado (Ippe) da Fundação Getulio Vargas (FGV), calculado em 2011. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/fgvopiniao/pesquisaspublicas#id_1>. Acesso em 24/05/2021. . Tudo contribuía para a enorme expectativa de que a chegada das UPPs resolveria problemas históricos das favelas (Miagusko, 2018MIAGUSKO, Edson. (2018), “A pacificação vista da Baixada Fluminense: violência, mercado político e militarização”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), sobretudo no que diz respeito ao cessar-fogo na disputa pelo comando dos territórios periféricos (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.).

Houve também redução momentânea da arbitrariedade e da violência policial nas áreas onde as UPPs estavam operando (Cano; Borges & Ribeiro; 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.; Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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), no que se refere ao “maior controle social, interno e externo, sobre a corrupção e o abuso de poder praticados por policiais nos territórios pacificados” (Musumeci et al., 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.:1). Estes fatores pareciam indicar que, de certo modo, a UPP poderia ajudar a “civilizar” os policiais, convertendo-se em uma “política de proteção da população contra a própria polícia” e contra “o alto grau de letalidade das incursões policiais” (Misse et al., 2013MISSE, Michel; GRILLO, Carolina Christoph; TEIXEIRA, César Pinheiro & NÉRI, Natasha Elbas. (2013), Quando a polícia mata: homicídios por” autos de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011), Rio de Janeiro, Booklink.: 682). Porém, a partir de 2013, começou a ganhar força a crítica às UPPs, com as denúncias cada vez mais frequentes de abusos e corrupção policial (Musumesci et al., 2013).

Um dos pontos centrais de crítica residia na demora da chegada de investimentos sociais às favelas com UPP, seguido do surgimento de novas inseguranças em “tempo de paz”, como o medo da gentrificação e do aumento de crimes não letais em áreas pretensamente “pacificadas” (Menezes, 2018MENEZES, Palloma. (2018), “Vivendo entre dois deuses: a fenomenologia do habitar em favelas pacificadas”, in M. P. LEITE et al. (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Outras críticas diziam respeito à “gramática da pacificação” (Leite et al., 2018LEITE, Márcia Pereira; ROCHA, Lia de Mattos; FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique Batista. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), que consiste no uso de estratégias militarizadas para a gestão do território. Por um lado, o policiamento de proximidade se via cada vez mais enredado na demanda por táticas de guerra (visíveis, inclusive, com a ocupação pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais - BOPE, antes da chegada da polícia). Por outro lado, as ações da UPP reforçavam a prática da “velha polícia” que se queria pacificar, com excesso de controle sobre a sociabilidade na favela e a multiplicação de relatos de violência e abuso policial (Leite; Farias, 2018LEITE, Márcia Pereira & FARIAS, Juliana. (2018), “Militarização e dispositivos governamentais para lidar com os inimigos do/no Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.).

A partir de 2013, o ethos militarizado se mostra com maior força nas incursões policiais. Trata-se de uma prática, como advertem Muniz & Mello (2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.: 46-47), marcada pelo “enfrentamento como modo intermitente de convívio, pelo confronto armado como meio de afirmação de uma autoridade policial destituída de seu governo, insegura no exercício de sua razão de ser e indigente diante da população”. Tal forma de agir, por parte da polícia, indica como são tradicionalmente gestadas e operacionalizadas as políticas de segurança: busca-se a aproximação na tentativa de retomar a legitimidade, mas quando essa estratégia não mais funciona, usa-se da força para impor a ordem que garante visibilidade. Fabrica-se, então, “uma guerra contra o crime como fim político” (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.: 46).

Essa trajetória semelhante de encerramento das ações de proximidade entre polícia e comunidade, em áreas de favela, aponta para a ausência de aprendizado institucional (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.), e para a força da “cultura da guerra” como legitimadora da prática policial (Leite et al., 2018LEITE, Márcia Pereira; ROCHA, Lia de Mattos; FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique Batista. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), especialmente quando a incapacidade de reduzir o crime é questionada. Para tornar esse argumento mais evidente, é necessário tomar os dados referentes ao período de 2007 a 2019, para ilustrar o efeito da mudança, mesmo que transitória, na prestação do serviço policial.

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública3 3 “Estatísticas de segurança: série histórica mensal por área de Unidade de Polícia Pacificadora (01/2007 a 06/2020)”, disponível em: http://www.ispdados.rj.gov.br/estatistica.html (consulta realizada em 16/05/2021). , ocorreram 180 mortes por intervenção policial em 2007. Este número despencou em 2010, nas favelas com UPPs, e atingiu a cifra de 20 homicídios em 2013. A partir desta data, os números voltaram a crescer anualmente, atingindo o nível recorde de 205 homicídios em 2019 (Gráfico 1). É interessante observar que o ponto de inflexão no aumento do nível de letalidade policial, em 2013, foi acompanhado pelo decréscimo no número de apreensão de drogas (Gráfico 2). Concomitantemente, houve um aumento, embora com padrão errático, no número de armas apreendidas (Gráfico 3); isto é, de armas em circulação nas favelas e um aumento contínuo no número de roubos (Gráfico 4). Todos estes indicadores parecem identificar os sinais de crise do Projeto4 4 Como advertência, gostaríamos de ressaltar, novamente, que a inclusão destes dados, no artigo, tem o intuito apenas de colocar em evidência (o que já vinha sendo apontado por outros autores) que, a partir de 2013, há o aumento da percepção da presença de sinais de crise do Projeto de ocupação permanente das favelas. Sobre a complexidade na análise causal de dados sobre criminalidade na cidade do Rio de Janeiro, ver o excelente artigo de Pio; Brito & Gomes (2021). . No ano de início da pandemia, em 2020, todos os indicadores voltaram a cair, embora de forma atípica.

Gráfico 1
- Homicídios por intervenção policial (n)
Gráfico 2
- Apreensão de drogas (n)
Gráfico 3
- Armas apreendidas (n)
Gráfico 4
– Roubos (n)

Ao contrário das análises que tradicionalmente apontam para um intercâmbio entre confronto armado e aproximação com a comunidade, nossa hipótese é de que o pêndulo talvez não seja a melhor metáfora para descrever a política de segurança implementada pela PMERJ. Isso porque, não existe igual força entre a agenda do confronto e a da polícia de proximidade. A agenda do confronto permanece resiliente nas práticas policiais, mesmo quando o pêndulo se move em direção ao policiamento comunitário e às pautas de direitos humanos em razão da acumulação social da violência (Misse, 2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido””. Lua Nova, 79:15-38.). Esta resistência à desconstrução da “metáfora da guerra” não se restringe ao campo político ou às divisões internas dentro da cadeia de comando da PM. Como veremos nas próximas seções, os policiais que atuavam na ponta (nas UPPs) estavam tão imbuídos de uma gramática e prática militarizadas, que eram as imagens e repertórios de ação acionados, mesmo quando a “ordem do dia” foi a proximidade. Entendemos que uma das razões da existência da permanente crise da segurança pública no Rio de Janeiro é uma espécie de habitus5 5 No sentido que Bourdieu (1979) emprega a este termo, como regras que são memorizadas pelo indivíduo em seu próprio corpo e em sua consciência. Com o passar do tempo, transformam-se em um conhecimento adquirido valorizado pelas instituições, sendo que o grau de acumulação pode determinar a posição dentro da corporação. , que se constrói na prática policial implementada pelo policiamento de linha de frente, gerando um ethos policial militarizado.

Metodologia

Neste artigo, analisamos 20 entrevistas em profundidade, realizadas em janeiro de 2016, com policiais de linha de frente das UPPs, inauguradas em momentos distintos do tempo. A escolha dos policiais entrevistados foi feita através da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), que os convocava à sede da UPP, localizada no bairro de Bonsucesso. A intermediação e a autorização para as entrevistas foram avalizadas pelo então Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, após uma série de encontros nos quais apresentamos os resultados de pesquisas anteriores (Ribeiro e Vilarouca, 2020).

Seguindo a hierarquia militar, a CPP solicitava ao comando de cada UPP a indicação dos policiais, que compareciam à sede, durante horário de trabalho, para serem entrevistados. Tal estratégia gerou algum grau de desconforto entre os interlocutores, considerando que o local da conversa não era neutro. Embora todas as entrevistas tenham sido realizadas em uma sala desocupada e sem a presença de qualquer pessoa da PMERJ, este era o local de trabalho ou de comando de muitos dos entrevistados, que estando devidamente fardados, indicavam que responderiam às perguntas não como cidadãos, mas como policiais. Para quebrar o entendimento de que se tratava de uma atividade institucional, fazíamos, já no começo das entrevistas, todas as advertências necessárias sobre o caráter acadêmico da pesquisa e a garantia do anonimato, destacando que estávamos interessados nas opiniões pessoais e que as conversas não seriam compartilhadas com o Comando.

A seleção dos entrevistados pela CPP respondeu a três critérios por nós definidos: o policial ser da linha de frente; uma divisão igualitária da amostra de entrevistados por gênero6 6 Utilizamos este critério, com base na suposição de que encontraríamos proporcionalmente mais mulheres em funções não ostensivas e que, com isso, poderíamos controlar minimamente o grau de adesão ao policiamento comunitário, segundo a natureza das funções desempenhadas na ponta. Ao final, verificamos que 44% das mulheres da amostra estavam em funções “não ostensivas”, contra 36% dos homens. ; e o destacamento de dois representantes de favelas pré-selecionadas (Tabela 1). Ao final, foram entrevistados nove mulheres e onze homens, com idade média de 30 anos, sendo que o entrevistado mais novo contava na época com 25 anos e o mais velho com 36 anos, o que significa vivências diferenciadas em termos de trajetória pessoal e percepções distintas do significado do trabalho policial. Todos eram recém-ingressos na PMERJ, com três anos de serviço (em média). Alguns policiais atuaram desde o início nas UPPs, enquanto outros iniciaram a atividade profissional, embora curta, em Batalhões, antes de serem enviados para a linha de frente das atividades de pacificação.

Tabela 1
- UPPs dos policiais entrevistados, por número, área e data de inauguração

Nas entrevistas, os policiais relatavam, frequentemente, que passaram por várias funções dentro das UPPs: desde atividades classificadas como atividades de policiamento tradicional, tais como plantão na base, rádio operador e/ou grupos táticos de policiamento ostensivo ou visibilidade (quando os policiais permanecem estacionados em determinados pontos dentro da favela); até funções que classificamos como não ostensivas, por envolverem a interação de proximidade com pessoas da favela, tais como comunicação, relações públicas e mediação de conflitos.

Neste ponto, gostaríamos de advertir ao leitor que a metodologia de pesquisa qualitativa apresenta caráter exploratório e que seus resultados não possuem a capacidade de generalização estatística. Contudo, essa metodologia tem a virtude de gerar hipóteses substantivas e de identificar percepções de mundo e/ou comportamentos relevantes na análise dos fenômenos. Considerando a seleção dos entrevistados pelo Comando e o local da entrevista, poderíamos questionar o potencial viés produzido na análise, mas tal possibilidade foi contornada a partir de outras salvaguardas metodológicas.

Em primeiro lugar, vale ressaltar a seleção de favelas com diferentes datas de inauguração das UPPs, expressando níveis diferenciados de maturação da política pública, em distintas zonas da cidade e com graus de conflagração diferenciados (Tabela 1). Ao mesmo tempo, durante o processo de geração dos dados, verificamos que os entrevistados refletiam a heterogeneidade de funções exercidas dentro do Projeto das UPPs, inclusive com rotatividade em várias funções. Por fim, apesar do potencial viés de seleção por parte do Comando, constatamos a presença equilibrada de quatro tipos diferentes de policiais, como outro indicador da heterogeneidade da amostra. Encontramos tanto policiais com forte aderência ao Projeto, quanto outros totalmente avessos a ele.7 7 Na seção 5, apresentaremos a tipologia de classificação dos policiais, baseada nos conceitos de adesão e ressonância em relação ao Projeto das UPPs. Além disso, as falas confirmavam os resultados de outras pesquisas com esse mesmo segmento social (Musumeci et al., 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.; Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.) e apontavam outras dimensões que merecerem ser mais bem compreendidas, para o entendimento do legado dessa experiência (Rocha, 2019ROCHA, Lia. (2019), “Militarização e democracia no Rio de Janeiro: efeitos e legados da “pacificação” das favelas cariocas”. Revista Ensaios, 14, 80-98.).

Todos os depoimentos foram gravados com a autorização dos entrevistados e tiveram uma hora de duração (em média).8 8 Optamos por não detalhar a distribuição dos entrevistados em termos de sexo, idade, tempo de trabalho e função na UPP, de modo a garantir o anonimato de todos que aceitaram fazer parte da pesquisa. Neste sentido, referenciaremos os policiais entrevistados apenas pela menção à UPP onde estavam alocados. O roteiro abordava as razões para o ingresso na instituição; o que significava ser policial da UPP; como o entrevistado descrevia a atividade policial (e a relação com os moradores); a avaliação dos pontos positivos e negativos da UPP; e o grau de concordância com os princípios da política de proximidade.

Contaminação cruzada: socialização prévia e baixa institucionalização

A proposta da UPP consistia em desconstruir o padrão clássico de operação ancorado na metáfora da guerra (Leite, 2012LEITE, Márcia. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6, 2: 374-389.), através da implantação da polícia comunitária, categoria que significa o emprego de policiais de maneira permanente no território, com vistas a atuar em conjunto com os moradores da localidade, a fim de resolver os problemas que resultam em crimes (Skolnick & Bayley, 2002SKOLNICK, Jerome H. & BAYLEY, David H. (2002), Policiamento Comunitário: Questões e Práticas Através do Mundo. Tradução de Ana Luiza Amêndola Pinheiro, São Paulo, Edusp.). Trata-se de um modelo que visa à prevenção do delito, mas seu anúncio como metodologia de ação por parte do Projeto de “pacificação” foi criticado por especialistas, que afirmavam que a UPP não se conformava a um modelo desse tipo, por orientar-se para a repressão de crimes (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.).

A solução encontrada pelo comando da UPP foi renomear o modelo, que passou a ser denominado como “policiamento de proximidade” (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), que “utiliza as próprias redes de solidariedade locais para a construção compartilhada de um ambiente seguro” (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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: 75). A mudança da nomenclatura não passou despercebida pelos estudiosos do tema, que interpretavam a “oscilação entre definições como policiamento comunitário e de proximidade”, como evidência da indefinição das UPPs enquanto programa ou política (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.: 13). Para encerrar a discussão, houve a regulamentação do Projeto (Decreto nº 42.787, de 06 de janeiro de 2011) e a pacificação passou a ser constituída por “uma intervenção inicial eminentemente militar” feita pelo BOPE (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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: 76), seguida de um segundo momento, a partir do qual os policiais se aproximariam dos moradores com a proposta de resolver os problemas que desaguavam em crimes (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.).

A literatura sobre o funcionamento das organizações policiais no Brasil destaca como a cultura institucional valoriza a tríade “tiro-porrada-bomba”, enquanto razão de ser da própria polícia (Muniz et al., 2018MUNIZ, Jacqueline; CARUSO, Haydée & FREITAS, Felipe. (2018), “Os estudos policiais nas ciências sociais: um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84: 148-187.). Trata-se, assim, de uma cultura que tende a rechaçar o policiamento comunitário ou de proximidade, por ser considerado como muito leniente com os criminosos (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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). Essa já era uma dimensão antevista como problemática no Projeto das UPPs e uma das razões apontadas para o fracasso de experiências, como o CIPOC - Centro Integrado de Policiamento Comunitário e o GPAE – Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.). A saída encontrada foi o uso de recrutas, parte deles do interior do estado do Rio de Janeiro, e que não estariam contaminados pela cultura tradicional da polícia (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.). Como eles atuariam apartados do restante da Corporação9 9 Fora dos Batalhões e Companhias, que são as divisões territoriais tradicionais da Polícia Militar. , e seriam treinados em modelos menos voltados ao enfrentamento enquanto metodologia de prática policial, a expectativa era de que o policiamento de proximidade encontraria menor resistência à sua institucionalização (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.).

A partir da primeira pergunta do nosso roteiro, sobre as razões para o ingresso na PM, pudemos detectar que quase dois terços dos policiais tinham alguém da família que atuava ou atuou na PMERJ. Tal socialização prévia pode ter contribuído, em alguns casos mais do que em outros, para reforçar a imagem pré-concebida de que ser policial significava fazer a “guerra para construir a paz” (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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). 10 10 Outro fator de socialização que pode, em tese, afetar as interpretações sobre o Projeto é o fato de o policial ter sido morador de comunidade. Dentre nossos entrevistados, eram três casos e todos eles tinham parentesco com policiais militares. Embora inconclusivo, mencione-se que dois deles preferiam as UPPs ao Batalhão, e apresentavam percepções positivas sobre o Projeto. Na proposta de construir “novos policiais”, os recrutas eram submetidos a múltiplos estímulos provenientes da socialização em distintas atividades, que incluíam desde o típico policiamento ostensivo, até a participação em funções de mediação de conflitos, de comunicação social, administrativas e em ações sociais. Não é de forma alguma trivial estimar o efeito destes diferentes estímulos em relação à lógica de proximidade.

Por sua vez, nas atividades tradicionais, a metáfora da guerra era constantemente acionada, contrariando o pressuposto do arrolamento de recrutas para evitar a contaminação com a cultura tradicional de violência e corrupção (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.). A título de exemplo, um dos entrevistados mencionou que iniciou sua trajetória no Batalhão de Choque, depois migrou para atuar em uma base da UPP, mas advertiu que quando necessário “apoiava” em outras favelas. Outro policial nos disse que atuava como mediador de conflitos, mas se requisitado pelo comando, “vai de tropa” (de choque).11 11 Nem sempre os policiais estão de acordo quanto ao modo de definir a nomenclatura dos grupamentos táticos, visto haver diferentes formas de atuação em cada favela, ditadas pelo comandante atuante no momento.

Neste sentido, gostaríamos de chamar a atenção para uma dimensão até então ignorada pelos estudos sobre o tema: o deslocamento dos policiais para atividades de apoio em outras favelas. Mesmo que temporários, tais desvios de função violavam os princípios constitutivos da lógica de proximidade, cuja permanência no território seria condição necessária para a construção de laços de solidariedade e de confiança com os moradores das favelas (Musumeci et al., 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.).

Essa combinação perversa de fatores referentes à socialização prévia (na família), às ações nos batalhões tradicionais e às trocas entre as UPPs para apoio fazia com que os policiais reinterpretassem a todo momento o significado do policiamento de proximidade. O que verificamos foi a presença de certa fluidez da atuação policial, a qual parece estar relacionada às expectativas do que é ser policial, às interações estabelecidas antes e depois do ingresso na Corporação, às diversas funções exercidas nas UPPs e aos diferentes espaços onde eles atuavam (nas UPPs, ou nas atividades de apoio). Tais fatores potencializavam a discricionariedade em uma política pouco institucionalizada e consolidada, sem mecanismos de controle externo atuantes, favorecendo a consolidação de um ethos policial cada vez mais militar (ao contrário da intencionalidade política publicamente declarada).

Duas dimensões analíticas da conduta policial: adesão e ressonância

Como era de se esperar de uma política com estímulos contraditórios, os policiais manifestaram graus de adesão e de percepção à legitimidade do Projeto muito distintos. Embora não unanimemente, a gratificação se apresentou para a maioria dos entrevistados como um elemento fundamental de adesão à pacificação,12 12 Gratificação de R$ 500,00 concedida a todos os policiais que trabalhavam na UPP, nos termos do art. 3º., § 5º do Decreto nº 42.787 de 06/01/2011, mas cujo pagamento foi interrompido logo após os Jogos Olímpicos. indicando se o entrevistado desejava permanecer na UPP, ou se, ao contrário, preferia ser deslocado para batalhões convencionais. A outra dimensão de análise, a ressonância, é mais ambígua e de difícil mensuração, mas consideramos que foi atravessada por percepções quanto à legitimidade, efetividade ou concordância com os valores do Projeto.13 13 Dentre os entrevistados, há um conjunto de difícil enquadramento nestas duas categorias analíticas (25% dos casos). Dadas as ambiguidades presentes nas falas e a metodologia de entrevistas semiestruturadas, parece-nos apropriado, futuramente, abordar estas duas dimensões sugeridas em nossa análise, através de um survey. Antes de prosseguirmos, um reparo metodológico deve ser feito. Obviamente, os casos que analisamos não são tipos puros. Como costuma acontecer com tipologias, os entrevistados apresentavam graus variados de tensões e ambiguidades em suas falas, algo já evidenciado em pesquisas que procuravam descortinar como os policiais se posicionavam diante do Projeto de “proximidade” (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.).

Em cerca de 20% dos casos, todos eles ocupando funções não ostensivas ou de mediação, os entrevistados demonstravam algum grau de adesão e de ressonância aos valores do Projeto. Elogiavam a relação de troca com os moradores e o trabalho social desenvolvido junto à comunidade, destacando tais aspectos como distintos do policiamento tradicional. Um entrevistado da Vila Kennedy, que considerava a UPP uma escola de cidadania, elogiou a importância da criação de vínculos de confiança mútua e ressaltou o papel de intermediação da UPP na provisão de serviços públicos (Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana, CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgotos, Rio Água e Rio Luz): “Eu acho que tudo é o trabalho do policial. Entendeu? É uma junção, por que o teu trabalho ali não é servir e proteger?”

Um entrevistado do Cantagalo definiu a proximidade como uma relação de “respeito recíproco”, que, no caso dos policiais, implicava em abordar os moradores com educação e, diante de situações delicadas, agir de forma gradativa e flexível. “[...] se o policial não souber chegar e ele não tiver uma relação boa com a comunidade, vai gerar ocorrência.” Ao mesmo tempo, como marca da ambiguidade presente no cotidiano policial em UPPs, um desses entrevistados referiu-se (indiretamente) à proximidade e às relações de reciprocidade, dizendo: “É o inimigo morar na sua casa...”.

Noutra tipologia, representada por cerca de um quarto dos entrevistados, era comum a manifestação da vontade de permanecer no Projeto apenas devido à gratificação adicional de 500 reais, vigente até o ano de 2016. Os policiais enquadrados neste grupo apresentavam baixo grau de ressonância em relação aos princípios de proximidade: percebiam os moradores como coniventes com o tráfico, como portadores de uma cultura própria que precisaria ser “civilizada”, e mostravam-se adeptos do uso dos métodos tradicionais de emprego da força policial. Trata-se do que Muniz & Mello (2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.: 53) denominaram de “narrativa tática-operacional das UPPs”, centrada em atribuições que se estenderiam “aquém e além do controle dos eventos criminais, incluindo a intervenção cotidiana em desordens, incivilidades e conflitos”. São atribuições muito além das enunciadas no Projeto, indicando certo autoritarismo civilizatório por parte dos policiais, que os distanciaria das ambições de “pacificação”. No caso mais extremo, outros 25% manifestavam nenhuma adesão e falta de ressonância em relação ao Projeto pacificador. A imensa maioria deles era oriunda de famílias de policiais.

Há outros dois elementos adicionais, que devem ser considerados nas contradições e ambiguidades inerentes às dificuldades de validação das dimensões aqui propostas. Por um lado, as reflexões dos entrevistados estavam carregadas de queixas constantes sobre as condições de trabalho. Em sentido mais óbvio, pesavam a precariedade dos equipamentos e dos alojamentos (alguns eram containers), bem como as mudanças nas escalas de serviço, o que incluía as atividades ostensivas de apoio em outras favelas e a obrigatoriedade de horas-extra em dias de folga. 14 14 RAS compulsório - Regime Adicional de Serviço.

Por outro lado, o fator que se chocava diretamente com a lógica da proximidade era relativo aos elevados riscos percebidos pelos policiais quanto à permanência em territórios de favelas (mencionados por 90% dos entrevistados). Nestes casos, podia-se partir do pressuposto mais incerto do “a gente não sabe quem é vagabundo”, até afirmações mais categóricas do tipo “todo mundo é suspeito, todos!” Os policiais se sentiam desprotegidos, vulneráveis, impotentes e com suas vidas em constante risco, razão pela qual o recurso à violência seria legítimo para se evitar um mal maior. Algumas citações ajudam a esclarecer este ponto.

[...] é mais tranquilo você entrar em uma área dominada pelo tráfico, entrar e sair, do que você permanecer. Permanecer não adianta, pode ser o cara mais bravo que for, está vulnerável. Na verdade, você está à mercê do bandido, não adianta, não existe o cara mais preparado que for, pode ser o Bope. (Policial da Vila Cruzeiro).

Mas, dentro da favela, a gente está na boca do lobo, não é? [...] A gente sai de casa para virar refém, a gente virou caça, é muito difícil, muito complicado! [...] Cara, você não tem noção do que é você ficar vinte e quatro horas, sendo alvo, mira [...] Não é só o cansaço físico do não dormir, do não descansar, e o cansaço mental? E o psicológico? (Policial da Barreira do Vasco)

Na favela, você não fica assim, você fica com o olho na nuca, o olho dentro do ouvido, o olho no nariz, entendeu? Você fica... todo mundo é suspeito, todos. (Policial do Lins)

Em suma, a gratificação policial foi um dos principais promotores da adesão policial às UPPs, mesmo para parte daqueles que se opunham aos valores do Projeto. Ao mesmo tempo, as péssimas condições de trabalho e as percepções sobre os riscos inerentes à permanência em territórios de favelas foram outros temas com tonalidades quase unânimes, que dificultaram a ressonância em relação aos valores do Projeto. A maior discrepância, para o que nos importa analiticamente, foi encontrada no grau de concordância com os valores do Projeto, tema da próxima seção.

Qual a ressonância do policiamento de proximidade para os policiais de linha de frente?

Nesta seção, nosso foco consiste em mapear as percepções que conferiam baixa legitimidade ao processo de pacificação (isto é, baixa ressonância), como outra forma de identificar os possíveis sinais de crise do Projeto, oriundos das distorções em seu processo de implementação e expansão. Neste sentido, gostaríamos de ressaltar algumas evidências da crise permanente da segurança pública no Rio de Janeiro, a qual não se esgotaria com a alternância pendular entre “guerra contra o crime” e “aproximação com a comunidade” (Carneiro, 2010CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71.), porque a agenda do confronto permaneceria resiliente nas representações e práticas policiais.

A UPP acaba fazendo a segurança do tráfico na favela.

Duas eram as finalidades oficiais das UPPs: a ocupação permanente, sem previsão de término, e a retirada das armas (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.). A possibilidade de erradicar o tráfico não parecia ser algo presente no horizonte de expectativa e que encontrasse ressonância no discurso dos entrevistados:

A intenção maior da Polícia Pacificadora é retirar todo o armamento. Entorpecente, a gente sabe que é muito difícil acabar. A gente tem a noção de que não vai acabar. A gente sabe. A gente sabe que não consegue acabar com o tráfico de drogas, mas a arma, sim. Arma consegue. Chegou um período lá, que a gente... não vê arma. Poderia ter escondido, mas ostentar não. Hoje em dia, já tem essas ocorrências ou situações de denúncias também, de pessoas: ‘tem pessoas armada em tal lugar’. (Policial da Vila Kennedy)

Para alcance dos fins pretendidos pelas UPPs, os recrutas lançariam mão da ocupação permanente do território e do policiamento de proximidade (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.), cuja efetividade dependia, em última instância, do talento e da intuição de cada profissional (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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). Para tanto, os policiais deveriam acreditar em sua função de agentes comunitários, o que significa, se não vocação para trabalhar com pessoas, pelo menos o desejo de estar próximo a elas.

Um policial afirmou, por exemplo, que antes de começar a atuar na PM, imaginava que a presença na favela implicaria em algum tipo de serviço comunitário, que “não tinha nada a ver com o serviço de polícia”. Ao começar a atuar, realizando o patrulhamento de certas áreas, teria começado a perceber que esse modelo impedia que se realizasse o “trabalho de polícia”, de combate ao tráfico. Em suas palavras, “a gente é bloqueado, embarreirado, justamente por ser um trabalho de polícia de proximidade”.

A rejeição em relação ao policiamento de proximidade apareceu nas falas de vários outros entrevistados. Um policial que atuava no Pavão-Pavãozinho afirmou: “quando eu cheguei na UPP, eu falei: ‘Cara, eu não quero isso para minha vida, não. [...] Porque quando eu entrei para a Polícia, não queria ficar de ‘babá de ganso’ (traficante)”. Ou seja, uma parte dos entrevistados não reconhecia o trabalho realizado na UPP como o “verdadeiro trabalho de polícia”. Ao contrário, apontavam que a proximidade era uma atividade restrita ao “pessoal ligado a projetos sociais e de mediação de conflitos”, já que o trabalho normal da polícia é uma função negativa, “de dizer não para as coisas erradas”.

Muniz & Mello (2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65., p. 47) entendem que essa forma de perceber o trabalho policial está muito relacionada à incorporação das “ocupações policiais provisórias em favelas como demonstração da guerra contra o crime”, como uma forma de “policiamento ordinário, realizado por unidades especializadas e convencionais”. Essa metodologia de ação começa a se entranhar com maior intensidade na PMERJ, a partir dos anos 1990, quando a “política do confronto” ou a “cultura da guerra” contra o tráfico de drogas passam a ser vistas como o principal objetivo da ação policial em áreas de favela. Então, de certa maneira, o que os entrevistados que não aderiam à proximidade indicavam era a ressonância das ideias desse modelo de policiamento ordinário em suas mentes e práticas.

Com isso, os policiais que desejavam desenvolver um contato mais próximo aos moradores encontravam resistência não só por parte da população, mas também dos próprios colegas de Corporação. Como afirmou um policial que atuava no Complexo do Alemão, os colegas “criticam muito. Falam que a gente está ajudando vagabundo [...] O cara já entra com esse ranço e, para não ter contato com a comunidade, ele permanece com essa visão”. O termo “ranço”, utilizado pelo entrevistado para definir o preconceito dos PMs em relação à população da favela, também foi acionado por outro entrevistado para tratar da dificuldade dos moradores de se aproximar da polícia:

Na comunidade que eu trabalho, é meio complicado, por quê? Passou acho que 10 anos sem polícia [...] Infelizmente, a polícia, quando entrava, é a polícia que entrava para roubar, chegava lá e batia em todo mundo, pegava o dinheiro e ia embora. Aí, passou ano que... foi em 2011, se não me engano, que implantou a UPP aqui [...] Em 2010, era a mesma polícia que entrava, batia em todo mundo, pegava o dinheiro e ia embora. Em 2011, voltou a polícia de pacificação, só que era a mesma polícia! Como é que o morador que via o policial lá para roubar e tal, vai passar a confiar em você? Aí, o morador tem esse ranço de antigamente e não consegue tratar o policial bem. E também tem a situação dos policiais que acham que todo mundo que está na comunidade é bandido e também não tratam o morador bem. Então, fica essa rixa de polícia e morador e acaba que todo mundo não se trata bem. (Policial do Complexo do Alemão)

Por reconhecerem a existência dessa rixa entre policiais e moradores, alguns policiais da UPP apostavam que uma das tarefas do Projeto deveria ser melhorar a imagem da Corporação. Segundo um entrevistado da UPP de Manguinhos, o policiamento de proximidade é importante “para mostrar a boa imagem da polícia, o que a polícia tem de bom, o que a polícia pode ajudar”. Outro entrevistado, do Cerro Corá, reforçou a mesma ideia, apontando que o trabalho da UPP foi importante para a população ver que “a polícia não é aquela coisa: “Ah, só mata. Tiro, porrada e bomba! Que a polícia tem os seus benefícios também, [...] que a polícia não é um monstro”.

No entanto, mesmo aqueles que reconhecem que a proximidade pode ser boa para a imagem da polícia, destacam os limites e dificuldades de colocar em prática esse tipo de policiamento. Um policial, que atuava no Lins, explicou que:

[...] eles queriam aí o policial próximo da comunidade, tipo assim, próximo mesmo, de ir na casa, ver como que vão as coisas [...] Nada relacionado a arma, só mesmo no diálogo [...] Mas eu acho que ali não tem como fazer isso. Um policial do complexo do Alemão apontou que a Polícia de Proximidade seria a polícia aliada da comunidade, que é o que não ocorre hoje. A polícia está ali mais para reprimir a comunidade do que para estar dando suporte.

Um dos entrevistados destacou que, com a chegada da UPP, os traficantes não souberam lidar com a ofensiva policial. Mas, em momento posterior, “eles começaram a estudar a situação, começaram a aprender a trabalhar com a UPP dentro da comunidade.” Em contraste com as incursões iniciais, realizadas por batalhões especializados e que geravam expectativas de que pudessem implicar em ações recorrentes, os traficantes se acomodaram e se acostumaram com a proximidade com a polícia. A narrativa inclui a perda do respeito pelo Projeto e a ambição pela retomada do território. Para esses interlocutores, a presença da UPP na favela promoveria a segurança não dos moradores, mas dos envolvidos com o tráfico de drogas, uma vez que impediria as trocas de tiro com policiais e/ou com traficantes rivais. Neste caso, o resultado do processo de implantação das UPPs é interpretado de forma no mínimo curiosa: estender o direito à segurança pública para as favelas é equalizado pelos entrevistados à defesa dos interesses dos traficantes.

[...] seria um projeto para inibir o uso de armas, só. Entendeu? Porque o tráfico continua. Não parou, entendeu? Está até melhor, porque nós fazemos a segurança deles. Porque outras facções não vão entrar na favela, sabendo que tem uma UPP lá, entendeu? (Policial da Barreira do Vasco)

Para a UPP funcionar, é imperativo a “colaboração” dos moradores

Em seu nascedouro, a UPP foi veiculada como a “chegada da paz” e a “liberação” dos moradores de favela da violenta ação dos grupos armados (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.). A polícia leu essas notícias pela via do reconhecimento de seu trabalho, como “salvadora” da comunidade e, por isso, caberia aos moradores colaborar com ela, repassando-lhe as informações sobre os traficantes (Menezes, 2018MENEZES, Palloma. (2018), “Vivendo entre dois deuses: a fenomenologia do habitar em favelas pacificadas”, in M. P. LEITE et al. (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Somente assim a paz seria mantida.

Nesta direção, uma entrevistada afirmou que não há proximidade, se os moradores da favela “não recebem, não aceitam, se a comunidade não interage” e, adicionalmente, “se não há estrutura e nem estímulo”. Isto afetaria o humor de ambos os lados. Considera que a barreira não é criada só pelo medo dos traficantes: “tem gente mesmo que não gosta de ficar perto”. Um dos policiais, que já morou em favela, considera que a ideia de proximidade é “meio turbulenta”, porque ao mesmo tempo em que tentam entender o morador, sofrem resistência, e menciona que há policiais que abusam da autoridade para garantir a colaboração. Outra policial, quando indagada diretamente sobre o que entende por proximidade, expressava a ideia de socialização mútua, do contato que ajuda a melhorar a imagem da polícia e, ao mesmo tempo, permite a aproximação com os moradores. Isto implicaria, como contrapartida, que os moradores ajudassem no combate ao tráfico, elemento condicionante para que não sejam vistos como bandidos.

A ideia de que “nem todo mundo” é conivente com o tráfico é atravessada por elevado grau de ambiguidade, representada na visão de que os moradores querem a polícia, mas ao mesmo tempo são contra. Menezes (2018)MENEZES, Palloma. (2018), “Vivendo entre dois deuses: a fenomenologia do habitar em favelas pacificadas”, in M. P. LEITE et al. (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula. investigou o problema da interação entre a polícia e a comunidade, com ênfase na vigilância e na desconfiança constante. Ela afirma que a “pacificação” significou um maior controle dos moradores que passaram a viver entre o fogo-cruzado (embate bélico entre a polícia e os criminosos) e o campo minado (embate da vigilância constante dos moradores pelos policiais da UPP e pelos traficantes). Tanto a polícia vigia continuamente os moradores para ver quem sabe do tráfico, mas não o denuncia; como o tráfico vigia essa mesma população, para ver quem irá colaborar com a polícia e poderá ser chamado para o acerto de contas com a retirada das UPPs. Nas entrevistas com os policiais, tal dilema é poucas vezes enquadrado na rede de interações complexas, proveniente de um contexto de transição em que o Estado recupera nominalmente o território, enquanto o tráfico segue operando, mesmo que de forma mitigada. Os policiais cobram a cooperação dos moradores, mas se esquecem do passivo de atuações violentas, da descontinuidade dos projetos de policiamento comunitário anteriores (como CIPOC e GPAE) e de como a solução prometida para os problemas da violência não havia chegado de forma definitiva.

Ignorando todo este passado de tensões e guerras (Leite, 2012LEITE, Márcia. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6, 2: 374-389.), os policiais entrevistados acionavam a palavra “conivência”, para denotar a ambivalência dos moradores, como se a tomada de posição e a denúncia fossem de livre recurso, como se não houvesse temor sobre o futuro e mesmo sobre os custos ao escolher um dos lados. A possibilidade de retaliação, que estava desde o princípio associada à possível descontinuidade das UPPs, gerou obstáculos para a construção de relações de confiança, lastro fundamental para a consolidação da lógica de proximidade.

Numa das áreas mais conflagradas no complexo do Alemão, o policial considera que o medo e a ameaça levaram os moradores a aceitar a presença do tráfico, fazendo com que a percepção de normalidade inclua a visibilidade de armamento ostensivo. Faz a ressalva de que a maioria dos moradores é do “bem”, e isto tem grande recorrência nas entrevistas, como uma espécie de valoração moral acerca dos moradores e da referida aceitação da “anormalidade”, geralmente acompanhada do uso de uma palavra carregada, como “conivência”. O entrevistado relata, ainda, que alguns moradores entregam bilhetes avisando onde se posicionam traficantes armados, enquanto outros entregam a posição dos policiais. Lembra que essas atitudes dos moradores em relação ao tráfico serviam como parte da referência dos policiais sobre a validade ou não da proximidade, mesmo em um contexto de interação complexa.

A policial de uma favela da zona norte reconheceu este mesmo problema, descrito nos seguintes termos: se o morador interage com o policial, automaticamente estaria “virando a cara para o bandido”. A sentença proferida por outro dos entrevistados “o asfalto ele te abraça, a comunidade te empurra” ajuda a pôr em tela as dificuldades na construção das relações de proximidade. Ele assevera que proximidade não é trabalho de polícia, mas quando instado em um segundo momento a defini-la, afirma que é “fazer uma abordagem com firmeza, respeito e educação” (provável efeito do treinamento). Por isso, ele faz o adendo de que o morador “tem que ficar feliz em ser abordado, entender que o policial é amigo dele”.

Os próprios policiais veem, que mesmo os moradores que afirmavam gostar do Projeto das UPPs, tinham uma enorme dificuldade em dar uma colaboração mais efetiva. Essa omissão era encarada, por muitos, como desestímulo para as atividades de aproximação. Como resumiu um policial do Lins: “é desanimador! [...] Acho que eles nunca vão aceitar, nunca a comunidade vai querer ser amiga da polícia”. Essa crença de que a população jamais vai colaborar com a polícia reforça a percepção de que só a metáfora da guerra (Leite, 2012LEITE, Márcia. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6, 2: 374-389.), com incursões violentas e abordagens pouco respeitosas (Leite; Farias, 2018LEITE, Márcia Pereira & FARIAS, Juliana. (2018), “Militarização e dispositivos governamentais para lidar com os inimigos do/no Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.), poderia combater o tráfico de drogas e fazer com que tanto os traficantes, quanto os moradores respeitassem minimamente o Projeto e, por conseguinte, os policiais que o representavam.

Não basta só se aproximar, é preciso agir com rigor quando necessário.

Uma das promessas da UPP era de que ela promoveria uma profunda reestruturação da própria PMERJ, por treinar os recrutas em novas estratégias de policiamento (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.), por supervisioná-los continuamente para evitar violências (Cano; Borges & Ribeiro, 2012CANO, Ignácio; BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo. (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ.), e por punir desvios de forma a construir novos padrões de abordagem (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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) um problema histórico das Polícias Militares Brasileiras (Muniz et al., 2018MUNIZ, Jacqueline; CARUSO, Haydée & FREITAS, Felipe. (2018), “Os estudos policiais nas ciências sociais: um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84: 148-187.). A abordagem policial passaria a seguir os parâmetros internacionais, de maneira a não constranger os moradores da favela, como sói ocorrer cotidianamente (Misse et al., 2020MISSE, Daniel Ganem; VARGAS, Joana Domingues & COUTO FILHO, Paulo. (2020), “UPP Estadual e UPP Federal: um estudo sobre duas formas de ocupação policial no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 14, 2:64-8.).

Desde as primeiras avaliações da prática das UPPs, foi constatado que as abordagens eram problemáticas, porque usavam de força desmedida (Musumeci et al, 2013MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28.), e quando os indivíduos se recusavam, os policiais prontamente lançavam mão da figura do desacato (Muniz & Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.). Tal recurso, “além de reiterar os desgastes e aprofundar as consequências do atrito, pode ser uma fonte de abusos e excessos por parte dos policiais das UPP” (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51., p. 38). A continuidade de uma visão distorcida por parte dos policiais, de que a abordagem serve para impor a força ou “mostrar quem manda”, contribuiu para o acirramento e para a retomada das memórias relacionadas ao passado de conflitos entre polícia e moradores de favela (Rodrigues & Siqueira, 2012RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. (2012), “Unidades de polícia pacificadora: debates e reflexões”. Comunicações do ISER, 31, 67: 9-51.). Este diagnóstico inicial encontra respaldo nos dados coletados. Para os policiais, a reação dos moradores às abordagens é interpretada como restrição ao trabalho. Segundo um policial de Manguinhos:

Eles [abordados] são bem arredios, sabe? E qualquer coisa que você fale, eles já logo retrucam, eles têm razão, eles conhecem os direitos. Conheço meus direitos, não sei o que [...] Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Quer te ensinar a fazer seu trabalho. Quer falar o que você pode e você não pode fazer. Então, é bem difícil esse acesso.

A proibição do uso de fuzis para a realização das abordagens levou o policial do Batan a se posicionar de maneira enfática, dizendo que “no Batalhão, você é policial; na UPP, você não é policial. [...] no Batalhão, você é respeitado, você é polícia de verdade [...]”. Na mesma toada, outro policial, que tem parente militar, reclama que durante as abordagens “não pode fazer nada... nem falar alto”, e aponta como indicador de desrespeito o fato de que os moradores a eles se refiram como os UPPs: “Lá vem o UPP!”. Para aumentar o contraste, comenta que, no Batalhão, você não manda abaixar o som, você “dá porrada na mala, ainda mais quando vê que é favelado”. Exemplifica que uma policial feminina “corretamente” teria dado dois tiros em um aparelho de som. “Tá respondendo, mas é o certo”, reforçando a representação da polícia tradicional, como a que seria mais efetiva, porque “mete medo em bandido”.

No caso da Rocinha, a morte de Amarildo fez com que as relações entre os policiais e os moradores se deteriorassem mais rapidamente. Desde 2013, eles reagiam à presença policial com cartazes perguntando “Cadê o Amarildo”, ou com provocações verbais do tipo: “Vai me botar no saco?”. Segundo o policial que atua na Rocinha, os moradores estariam mais desconfiados, e passaram a receber a polícia com sacos de água, urina ou ovos. No Lins, um dos policiais reclamava que os moradores não entendiam a abordagem como trabalho da polícia, que ele explicava, relacionando a abordagem não a uma atividade rotineira, mas à ideia de suspeição:

[...] fazer uma abordagem de uma pessoa suspeita: 'Ah, mas eu sou um morador'. Eu falo: 'Senhor, mas é meu trabalho', existe uma coisa que me faz ter essa suspeita. Então, a pessoa não entende: 'Ah, porque eu sou preto', 'ah, porque eu estou com cabelo loiro' [...]. ‘Não, você é um suspeito. Na minha percepção, você é suspeito’; mas a pessoa não entende dessa maneira.

Para esse entrevistado, “qualquer pessoal normal no asfalto” aceitaria a abordagem policial. Na tentativa de ilustrar a situação de anormalidade da favela, relata um evento singular. Uma adolescente teria se urinado, quando, em uma das vielas, deparou-se com os policiais: “Imagina a cena... Você está distraída e do nada um cara gigantesco, todo equipado, joelheira, tudo, fuzil, rádio [...] e a pessoa não está esperando aquilo”.

Mesmo os policiais que defendiam que a polícia deveria se aproximar dos moradores, acreditavam que, em alguma medida, abordagens violentas eram necessárias e constitutivas do trabalho policial, inclusive nas UPPs. Para serem respeitados, fazendo o trabalho social e mediando conflitos, eles precisavam acionar ações repressivas, “agindo com rigor, quando necessário”. A capitã Priscilla Azevedo, por exemplo, que se tornou símbolo da nova cara da polícia pós-UPP, era considerada doce e delicada com crianças, idosos e “pessoas de bem”, fazendo um trabalho de aproximação e prevenção (Menezes, 2018MENEZES, Palloma. (2018), “Vivendo entre dois deuses: a fenomenologia do habitar em favelas pacificadas”, in M. P. LEITE et al. (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Ao mesmo tempo, mostrava seu “ethos guerreiro” (Cecchetto, 2004CECCHETTO, Fátima. (2004), Violência, cultura e poder, Rio de Janeiro, Editora FGV, 245p.; Zaluar, 2004ZALUAR, Alba. (2004). "Apresentação violência, cultura e poder". In: Cecchetto, Fátima. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: Editora FGV.) e agia com firmeza com “quem merecia”.

Para parte de nossos entrevistados, a abordagem violenta e truculenta, “utilizada quando necessário”, era indispensável para o sucesso do Projeto. Para nós, essa forma de ação pode ser vista como indício de como os policiais veem e interpretam os sujeitos com os quais eles interagem. Muitos enxergam os moradores de favelas como pessoas que não foram suficientemente civilizadas, razão pela qual se submetem ao tráfico de drogas. Neste sentido, parte deles compartilhava uma visão bastante negativa dos moradores de favelas - uma construção do outro ilustrada em contraste com a “normalidade” do asfalto, onde imperaria a lei, o respeito e o apreço à polícia.

A estratégia militarizada de civilização, como pedagogia da paz.

Algumas análises recentes sobre as UPPs creditam sua descontinuidade à normalização que seria engendrada no processo de pacificação, resumindo assim a questão: “a polícia militar deseja impor um conjunto de normas e modos de conduta, arbitrados pelos policiais, nos espaços ocupados pelo novo modelo de policiamento” (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.: 93). Nesta estrutura, a pacificação seria uma tentativa de criação de “novos favelados”, por meio da polícia como agente socializador (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.). Entre os entrevistados, impera uma visão pedagógica, ou até mesmo civilizatória, da qual os policiais se auto-atribuem, dada a percepção da existência de um peculiar ethos favelado.

Um policial da Vila Kennedy afirmou que antes de entrar na UPP, imaginava que as favelas eram lugares onde talvez não houvesse lei. Em consonância com essa visão, afirmara que “temos que ensinar muitas coisas para eles”, ou “vêm com esta cultura que eles não sabem nem o que eles estão fazendo”. O relato a seguir evidencia, de forma exemplar, o grau de estranhamento com a vida na favela.

Parece que todo mundo vive ali do início. Ninguém sai para trabalhar, é uma coisa muito estranha ali. Você não vê as pessoas saindo para trabalhar, são poucas crianças que vão para a escola. [...] Ninguém trabalha, ninguém estuda, ninguém faz nada. [...] As pessoas vivem em situação de calamidade mesmo, ali dentro. Tem áreas ali dentro que são bem precárias, são muito precárias. E as pessoas vivem ali como se fosse o suficiente, fosse o bastante. É muito assim. É uma cultura, assim, muito estranha. Eu acho isso muito estranho. (Policial de Manguinhos)

Como implicação da existência deste ethos favelado, a única ação pública efetiva seria direcionada às crianças, pois são as únicas que poderiam mudar sua visão em relação à polícia. Obviamente, o passo seguinte, quase automático, dado por nossos entrevistados foi o contraste da favela com a “sociedade normal”, oposta à cultura dos favelados marcada pela ausência de regras. Como desfecho, o policial de Manguinhos afirmou que a UPP está lá só para “tirar o que está ruim, mas não coloca coisa boa”. E acrescenta:

Sei lá, é questão cultural deles. Eles se intitulam ali uma outra espécie, sabe? Eles são da favela, eles são cria [...]. Então, ali é um outro mundo, é o mundo deles. A gente não tem que estar ali para enfiar regra neles.

O ponto a se ressaltar aqui é o caráter dúbio da contraposição entre o ethos favelado e a “sociedade normal”. Na tentativa de criar uma nova civilidade na favela, “o papel da nova polícia é vigiar, educar, revistar e gerir o cotidiano” (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.: 108). Para tanto, os policiais impõem uma série de regras, que passam ao largo do que seria a função da polícia em um Estado Democrático de Direito. Neste contexto, caberia à polícia “conjugar adequadamente coação legítima com prevenção” (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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: 64), com uma regulação mínima da vida em comunidade, por meio do uso da força; mas os entrevistados se esquecem que “quanto mais legítima for a polícia, menos necessário seria o uso da força física” (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Robson. (2014), “Os Dilemas da Pacificação: Notícias de Guerra e Paz em uma “Cidade Maravilhosa””. Disponível em https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-p5.pdf, consultado em 11/02/2021.
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: 69).

6.5 - A política de aproximação tem que ter confronto?

Como destacado anteriormente, a estrutura normativa enxuta das UPPs contribuía para o excesso de flexibilidade decisória, posto que permitia “que os comandantes das unidades atuassem de acordo com suas interpretações sobre policiamento de proximidade” (Carvalho, 2018CARVALHO, Monique Batista. (2018), “‘Bem-aventurados os pacificadores’: práticas de militarização e disciplinarização dos corpos no programa de pacificação de favelas do Rio de Janeiro”, in M. P. Leite; L. M. Rocha; J. Farias & M. B. Carvalho (org.), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção, Rio de Janeiro, Mórula.: 95). Os entrevistados reforçaram esse entendimento ao destacar que a forma como a UPP se realiza enquanto prática depende da discricionariedade do comandante, que direciona as ações policiais para a geração de maior ou menor ocorrência de confrontos e tiroteios. “O ritmo é do comando” é a frase que melhor descreve esse processo.

Se o ritmo do comando pode atrapalhar o trabalho, também pode estimular a tropa. Vale notar que, no caso das UPPs, esse estímulo nem sempre era planejado, no sentido de gerar um incremento na lógica de aproximação. Pelo contrário: muitas vezes, as gratificações oferecidas estimulavam as ações de policiamento tradicional voltadas basicamente à apreensão de drogas e armas, conforme nos descreve um dos entrevistados:

Porque já é tenso o trabalho, já é em um lugar horrível, hostil, chega um comando que só cobra, só cobra, só quer prender [...] polícia é para não sei o quê, e trabalhar dia sim, outro também (risos). Então vai desmotivando. Lógico que a gente sabe o que a gente tem que fazer, e aquilo que a gente faz não é nada além do nosso trabalho, mas, às vezes, você ganhar uma gratificação por aquilo que você fez, te motiva. Se você fizer uma apreensão de tanto, você tem uma folga, se você apreender não sei quantas motos, não sei o quê, você consegue uma meritória. Vai folgar, quer dizer, aquela coisa toda [...] Então, quer dizer, te motiva. Não é questão de premiação, é questão de motivação. (Policial de Manguinhos)

Outros destacaram que seus respectivos comandos tentavam evitar o enfrentamento por meio da não incursão em áreas consideradas mais críticas. Os motivos apontados para tanto eram diversos, incluindo desde a inferioridade numérica e a pior qualidade do armamento, até a percepção de sopesar as variáveis de eficiência e risco. “[...] Se quiser entrar, entra, mas há risco de mortes, não é uma coisa que vale a pena fazer toda hora”, nos explica um dos policiais. Em outro caso, o entrevistado reconhece que “a polícia de aproximação não tem que ter confronto”, porque ao final o morador “acaba pagando”.

Para evitar o confronto, os policiais de linha de frente não deveriam entrar em determinados lugares e, sim, “dar a volta”, para evitar tiroteios, implicando que há áreas em que não se consegue entrar. Segundo um dos entrevistados, era desse modo que estava funcionando a UPP. Em outro caso, que nos fornece evidências indiretas da tentativa de pacificação da própria polícia (provavelmente resultado do processo de treinamento), um dos policiais menciona que sabe quem é o traficante, mas que sem mandado executa revistas várias vezes, desabafando por fim: “eu não posso forjar... entendeu minha situação?”.

Mesmo quando a polícia evita confrontos, modificando a forma de movimentação na comunidade, é possível a ocorrência de tiroteios devido a encontros fortuitos. Exatamente por isso, os entrevistados reforçam a importância do ethos policial militarizado, que garantiria a efetividade de suas ações nestas situações: “[...] entra no beco e dá de cara com fuzil, dá aquele azar, eles não estão saindo para confrontar o policial não... se encontram, e aí acontece”; ou como expresso por outro entrevistado: “eles não são de atacar, só quando bate de frente”. Mas, mesmo este último vaticina, evocando o treinamento, que “a gente é ensinado lá que é pra atirar em último caso, né?”.

Parte das narrativas indica que as estratégias de evitação, adotadas por alguns comandantes, eram vistas com rechaço, como uma amostra de que eles não sabem ser policiais e não sabem comandar a tropa. Sob este ponto de vista, o formato e as concepções de polícia de proximidade enfraqueceriam a autoridade policial. O entrevistado da Vila Cruzeiro justifica que “quando entrou UPP, pensavam que era a polícia tradicional... chutar a porta, porrada, tapa na cara, vai levar ou matar; entenderam que não é assim, que não ia atirar a esmo, então dá para confrontar. [...] sem flagrante, não pode fazer nada, não pode bater... porque a mídia...”. Interessante notar que ele prossegue afirmando que só a estratégia do confronto explícito poderia salvar a UPP, porque esta seria a única forma de recuperar a legitimidade da polícia.

Em razão dos fracassos acumulados, vários policiais reforçaram a percepção de que a UPP deveria acabar, porque não se mostrava capaz de cumprir seus objetivos e ainda colocava, de forma desproporcional, a vida dos policiais em risco.

Eu acho que teria que acabar mesmo, porque eu acho que não tem solução, não tem jeito, na minha opinião! A guerra, a guerra deles, a gente não tem como lutar, em relação aos bandidos mesmo, porque, em numeração, em relação ao número mesmo de policiais... não tem com lutar contra em relação a armamento, eles têm armamento muito mais potente do que o nosso. O nosso fuzil... Tem muito fuzil que, às vezes, o pessoal está lá no meio da troca de tiro, falha, porque é velho já, já está... Já tinha que encostar o armamento, mas botam na mão do policial, entendeu? [...] A gente arrisca para caramba a nossa vida, e para eu estar passando por isso que a gente está passando, não é? E ele falou: “Pô, a gente não foi formado para ser guerrilheiro, a gente é formado para ser policiamento ostensivo, para manter a ordem, preservação da ordem, manutenção, não é? E eu não vou ficar arriscando a minha vida, que é uma só, subindo morro e disputando com a bandidagem quem está com armamento potente. É Glock, é rajada, é não sei o quê, e a gente... está entendendo? (Policial do Lins)

A fala acima evidencia como, ao invés de se mostrar como uma inovação real, a UPP sofreu um desgaste progressivo na aposta no policiamento de proximidade, como uma metodologia distinta de ação policial (Muniz; Mello, 2015MUNIZ, Jacqueline De Oliveira & MELLO, Kátia Sento Sé. (2015), Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 15, 1: 44-65.), o que serviu, ao final, como um reforço para o discurso de que o problema da violência urbana no Rio de Janeiro “não tem solução”. Neste espectro, só resta à polícia usar da força e da violência para resgatar a legitimidade perdida. O pêndulo se inclina – como de certa forma sempre esteve – para a ideia de que a única saída é o confronto, e de que a aproximação como forma de prevenção não se apresenta como uma solução viável. O aumento da letalidade policial, desde 2013, como indica o Gráfico 1, mostra a força da “velha polícia”, que sempre fez parte das práticas da política de segurança pública implementada no Rio de Janeiro.

Considerações finais: A UPP como uma velha novidade?

Iniciamos o artigo contextualizando a crise permanente da segurança pública no Rio de Janeiro. Para Carneiro (2010)CARNEIRO, Leandro Piquet. (2010), “Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4, 7: 48-71., a agenda desta área seria marcada por um movimento pendular dominado pela lógica do confronto, com breves interregnos de implementação de práticas de policiamento comunitário. Nossa hipótese é um pouco diversa.

Argumentamos que a metáfora da guerra (Leite, 2012LEITE, Márcia. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6, 2: 374-389.) está na estrutura da própria Polícia Militar, orientando a escolha dessa profissão por aqueles sujeitos que se identificam com a tríade “tiro, porrada e bomba”. Depois, já como policiais formados, tais sujeitos terão enorme resistência em praticar um serviço que vise algo distinto de abordagens, prisões e trocas de tiros com “bandidos”. Talvez, isso ajude a entender por que as experiências de policiamento comunitário são sempre limitadas – no tempo, no espaço e, como procuramos indicar, na adesão e ressonância que essas inovações têm entre os policiais (no caso, os que trabalhavam nas UPPs).

A proposta deste artigo foi, portanto, entender a permanente crise da segurança pública no Rio de Janeiro, tendo como ponto de análise as representações sociais dos policiais de linha de frente que atuavam nas UPPs, em janeiro de 2016. As entrevistas realizadas apontam para a existência de um ethos policial militarizado, que antecede a entrada do policial na PMERJ, posto que vem de uma representação familiar sobre o que é ser policial. Uma vez na Corporação, a constante troca de funções e o compartilhamento das ações de proximidade com ações de repressão em outros batalhões fazem com que a disposição para a guerra seja reforçada, existindo pouco espaço para construção de outro ethos, especialmente baseado na ideia de proximidade. Embora alguns PMs se digam vocacionados para o trabalho de prevenção e tentem, de fato, aproximar-se dos moradores, encontram uma série de dificuldades dentro da própria Corporação, uma vez que a aproximação não é considerada como o verdadeiro trabalho de polícia, por boa parte da tropa.

Essa forma de entender a função policial e o que deveria ser a atuação nas áreas de favela resultam da maneira como se dá a acumulação social da violência na cidade do Rio de Janeiro (Misse, 2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido””. Lua Nova, 79:15-38.). Partindo da perspectiva de que nos territórios de favela existiria uma cultura avessa às normas do restante da sociedade, em razão da presença do tráfico instância máxima de governabilidade nessas áreas , cabe ao policial disputar a área, acabar com o tráfico e civilizar os pobres. Ocorre que essas representações contribuem para reforçar a ideia de que a retomada do controle territorial do tráfico só pode ser superada pela guerra. Tal visão autorizaria os policiais a decidir livremente sobre o legal e o ilegal, a partir do uso da coação como forma de obtenção da colaboração e, também, da abordagem violenta para garantir o respeito.

Neste ponto, o uso de recrutas como indivíduos que não estariam contaminados com as práticas violentas tradicionalmente empregadas pela PMERJ também não teria como se efetivar. Se fosse possível resumir, diríamos que os policiais demonstram seu estranhamento – e por tal parâmetro, julgam em parte a proximidade –, através das palavras ou categorias, como “conivência” e “resistência” às abordagens, “crias da favela”, mentalidade e cultura (próprios dos moradores) e “sociedade normal”. Outros reconhecem a presença do tráfico como inibidor da lógica de proximidade. Qualquer que seja a forma de entendimento do contexto, a resposta parece ser a mesma: recorrer à imagem tradicional da polícia (na qual vários deles foram socializados pela convivência com parentes policiais), ou ao saber transmitido pela passagem por outras instâncias da Corporação para, desta maneira, garantir o respeito e impor a vontade do policial sob a dinâmica criminal existente na favela.

Os discursos apresentados neste estudo informam que talvez o legado das UPPs tenha contribuído para o reforço da lógica da guerra, vista pelos profissionais que trabalhavam no Projeto como mais eficiente contra o domínio do tráfico nas áreas de favela. O confronto com os traficantes seria a saída mais viável, uma vez que a aproximação não se mostrou eficiente para lidar com o problema da violência urbana no Rio de Janeiro, sendo substituída pelas ações tradicionais. Esse entendimento vem sendo compartilhado dentro da polícia, como indicam os surveys com os policiais, coordenados por Musumeci et al. (2013)MUSUMECI, Leonarda; MOURÃO, Bárbara Musumeci; LEMBRUGER, Julita & RAMOS, Silva. (2013), “Ser policial de UPP: aproximações e resistências”. Boletim segurança e cidadania, 14, 1-28., e também fora dela, através de pesquisas de opinião que indicam a adesão à frase “bandido bom é bandido morto” (FBSP, 2020FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020), Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2020, São Paulo, Fórum Brasileiro de Segurança Pública.) por boa parte da população brasileira.15 15 Aqui, fazemos referência à pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que constatou que 57% dos brasileiros entrevistados concordam com a frase “bandido bom é bandido morto”. Aparentemente, dentro da Polícia Militar, este entendimento se fortalece a partir do fracasso das experiências de aproximação comunitárias testadas pontualmente em alguns momentos, desde a redemocratização.

Em resumo, buscamos identificar e explorar, neste artigo, a existência de um ethos militarizado, através das representações e práticas dos policiais de UPPs, que agiam no sentido de minar a legitimidade do Projeto. Tal ethos consistiria na percepção de que (1) levar a segurança pública às favelas contribui para a proteção ao tráfico, dado que não seria possível erradicar a venda de drogas; (2) o fato de os moradores não colaborarem suficientemente com a polícia serve como indício de que são coniventes – o que ajuda a retroalimentar a desconfiança mútua; (3) o formato de policiamento de proximidade e a resistência dos moradores às abordagens atuam como restrições ao “trabalho de polícia”; (4) a favela é um espaço marcado pela ausência de regras, que deve acionar a tutela da polícia e o desenvolvimento de ações direcionadas apenas às crianças, as únicas com possibilidade de serem educadas segundo padrões de normalidade do asfalto e de respeito à polícia; e, por fim, (5) a necessidade de manutenção da repressão armada como forma de impor respeito, ao contrário das ações de proximidade que enfraqueceriam a legitimidade e a autoridade policial.

Considerando os resultados das UPPs nos cinco primeiros anos de sua existência, a pergunta que permanece em aberto, e deveria ensejar novas pesquisas, é: por que o projeto das UPPs não foi capaz de se institucionalizar como algo efetivamente diferente em termos de modelo de policiamento? Por que assistimos ao seu fim melancólico, de forma semelhante ao que ocorreu com o CIPOC e o GPAE? Será que a PMERJ nada aprendeu, em trinta anos de experiências fracassadas de aproximação com a comunidade?

Agradecimentos

Agradecemos ao financiamento da Rede de Pesquisa e Conhecimento Aplicado da Fundação Getulio Vargas (RPCAP/FGV), que viabilizou o desenvolvimento da pesquisa “Dimensionamento dos impactos sociais das UPPs em favelas cariocas” e, também, aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos.

  • 1
  • 2
    Índice de Percepção da Presença do Estado (Ippe) da Fundação Getulio Vargas (FGV), calculado em 2011. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/fgvopiniao/pesquisaspublicas#id_1>. Acesso em 24/05/2021.
  • 3
    “Estatísticas de segurança: série histórica mensal por área de Unidade de Polícia Pacificadora (01/2007 a 06/2020)”, disponível em: http://www.ispdados.rj.gov.br/estatistica.html (consulta realizada em 16/05/2021).
  • 4
    Como advertência, gostaríamos de ressaltar, novamente, que a inclusão destes dados, no artigo, tem o intuito apenas de colocar em evidência (o que já vinha sendo apontado por outros autores) que, a partir de 2013, há o aumento da percepção da presença de sinais de crise do Projeto de ocupação permanente das favelas. Sobre a complexidade na análise causal de dados sobre criminalidade na cidade do Rio de Janeiro, ver o excelente artigo de Pio; Brito & Gomes (2021)PIO, João; BRITO, Ana & GOMES, Alexandre. (2021), “Criminalidade na cidade do Rio de Janeiro (RJ). As influências das políticas públicas e as relações a curto e longo prazos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 36, 106: 1-19..
  • 5
    No sentido que Bourdieu (1979)BOURDIEU, Pierre. (1979), “Symbolic power”. Critique of anthropology, 4, 13-14: 77-85. emprega a este termo, como regras que são memorizadas pelo indivíduo em seu próprio corpo e em sua consciência. Com o passar do tempo, transformam-se em um conhecimento adquirido valorizado pelas instituições, sendo que o grau de acumulação pode determinar a posição dentro da corporação.
  • 6
    Utilizamos este critério, com base na suposição de que encontraríamos proporcionalmente mais mulheres em funções não ostensivas e que, com isso, poderíamos controlar minimamente o grau de adesão ao policiamento comunitário, segundo a natureza das funções desempenhadas na ponta. Ao final, verificamos que 44% das mulheres da amostra estavam em funções “não ostensivas”, contra 36% dos homens.
  • 7
    Na seção 5, apresentaremos a tipologia de classificação dos policiais, baseada nos conceitos de adesão e ressonância em relação ao Projeto das UPPs.
  • 8
    Optamos por não detalhar a distribuição dos entrevistados em termos de sexo, idade, tempo de trabalho e função na UPP, de modo a garantir o anonimato de todos que aceitaram fazer parte da pesquisa. Neste sentido, referenciaremos os policiais entrevistados apenas pela menção à UPP onde estavam alocados.
  • 9
    Fora dos Batalhões e Companhias, que são as divisões territoriais tradicionais da Polícia Militar.
  • 10
    Outro fator de socialização que pode, em tese, afetar as interpretações sobre o Projeto é o fato de o policial ter sido morador de comunidade. Dentre nossos entrevistados, eram três casos e todos eles tinham parentesco com policiais militares. Embora inconclusivo, mencione-se que dois deles preferiam as UPPs ao Batalhão, e apresentavam percepções positivas sobre o Projeto.
  • 11
    Nem sempre os policiais estão de acordo quanto ao modo de definir a nomenclatura dos grupamentos táticos, visto haver diferentes formas de atuação em cada favela, ditadas pelo comandante atuante no momento.
  • 12
    Gratificação de R$ 500,00 concedida a todos os policiais que trabalhavam na UPP, nos termos do art. 3º., § 5º do Decreto nº 42.787 de 06/01/2011, mas cujo pagamento foi interrompido logo após os Jogos Olímpicos.
  • 13
    Dentre os entrevistados, há um conjunto de difícil enquadramento nestas duas categorias analíticas (25% dos casos). Dadas as ambiguidades presentes nas falas e a metodologia de entrevistas semiestruturadas, parece-nos apropriado, futuramente, abordar estas duas dimensões sugeridas em nossa análise, através de um survey.
  • 14
    RAS compulsório - Regime Adicional de Serviço.
  • 15
    Aqui, fazemos referência à pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que constatou que 57% dos brasileiros entrevistados concordam com a frase “bandido bom é bandido morto”.
  • DOI: 10.1590/3710804/2022

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2021
  • Aceito
    14 Jul 2021
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