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A prática de injustiça epistêmica por atribuição de excesso de credibilidade a colaboradores premiados

The practice of epistemic injustice by attribution of credibility excess to awarded collaborators

Resumo

O presente trabalho examina a prática de injustiça epistêmica por atribuição de excesso de credibilidade a colaboradores premiados. A questão que se investiga é: as narrativas de delatores recebem confiança exagerada? Para caracterizar-se como um tipo de injustiça epistêmica, tal excesso de credibilidade deve se dar em razão de preconceitos identitários (contra os réus delatados) e em desacordo com o conjunto probatório do processo. A atribuição de excesso de credibilidade às versões dos colaboradores é uma implicação da automática redução do peso atribuído às versões dos réus delatados. Para abordar a questão, será discutido o valor probatório da colaboração premiada no processo penal; explicado o conceito de “injustiça epistêmica”, identificado por Miranda Fricker, e os desenvolvimentos mais recentes de Jennifer Lackey e José Medina; e, por fim, de forma a avaliar se houve injustiça epistêmica por excesso de credibilidade atribuído a colaboradores premiados, será examinada uma sentença proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro no âmbito da operação Lava Jato.

Palavras-chave
Colaboração premiada; Delação premiada; Injustiça epistêmica; Lava Jato

Abstract

The present work examines the practice of epistemic injustice by attributition of credibility excess to awarded collaborators. The question that is being investigated is: do the collaborators’ narratives receive exaggerated confidence? In order to be characterized as a type of epistemic injustice, such excess of credibility must be due to identity prejudices (against the accused defendants) and in disagreement with the evidences of the process. The attribution of credibility excess to the versions of the collaborators is an implication of the automatic reduction of the weight attributed to the versions of the accused defendants. To address the issue, the probative value of the awarded collaboration in criminal proceedings will be discussed; explained the concept of “epistemic injustice”, identified by Miranda Fricker, and more recent developments by Jennifer Lackey and José Medina; and, finally, in order to assess whether there was epistemic injustice due to credibility excess attributed to awarded collaborators, one sentence handed down by ex-judge Sergio Moro in the scope of the Lava Jato operation.

Keywords
Cooperation agreements; Plea bargaining; Epistemic Injustice; Lava Jato

INTRODUÇÃO

O instituto da delação premiada existe no Brasil desde a época colonial, quando era previsto nas Ordenações Filipinas. Contudo, apesar de a delação passar a ser prevista por diversas leis a partir da década de 1990, o mecanismo só foi expressamente regulado em 2013, pela Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), posteriormente reformada pela Lei Anticrime (Lei 13.964/2019). Com base nessa lei e no aumento da segurança jurídica que ela proporcionou ao instituto, as colaborações premiadas passaram a ser aplicadas em maior escala pelo Ministério Público. A operação Lava Jato foi impulsionada pelos acordos de colaboração premiada. As delações tiveram especial relevância na propositura de denúncias pelo MPF e nas condenações proferidas pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

A partir do conceito de injustiça epistêmica – cunhado por Miranda Fricker e posteriormente aperfeiçoado por Jennifer Lackey e José Medina –, este artigo busca responder à seguinte pergunta: foi atribuído valor demasiado às palavras dos delatores nas sentenças da operação Lava Jato, provocando um tipo de injustiça que se convencionou chamar de “injustiça testemunhal por excesso de credibilidade”? O artigo está estruturado em três seções. A primeira seção examina a colaboração premiada como prova no processo penal brasileiro. Com base na legislação, doutrina e precedentes do STF, o instituto é conceituado como meio de obtenção de prova e, no que concerne à sua valoração, entende-se que a narrativa do delator não serve para denunciar ou condenar se não estiver acompanhada de elementos que a corroborem. Esta seção discute ainda de que formas a corroboração pode ser feita e os critérios para a sua valoração.

A segunda seção é de caráter teórico-filosófico e aborda o conceito de injustiça epistêmica e a ideia de injustiça testemunhal por excesso de credibilidade. Fricker afirma que ocorre injustiça testemunhal quando, por preconceito e em contrariedade às evidências2 2 O termo “evidência” – utilizado em diversas áreas do conhecimento – equivale ao termo “elemento de prova” – segundo afirma Antonio Magalhães Gomes Filho (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005) – ou “meio de prova” na linguagem jurídica. As evidências ou meios de prova são dados ou informações que funcionam como razões em uma inferência destinada a determinar a ocorrência ou não de fatos relevantes para uma decisão judicial. Atenção: “meio de prova” (evidence) não é a mesma coisa que “prova” (proof). A prova é o resultado de uma inferência probatória; já o meio de prova constitui a sua premissa, a razão que sustenta a sua conclusão. Essa nota tem o objetivo de esclarecer o conceito de evidência que será aqui empregado, bem como rejeitar qualquer caracterização da ideia de evidência como um tipo de informação probatória inferior em termos epistêmicos (ou mesmo a ideia de que o termo não dever ser usado por se tratar de um anglicismo). O termo “evidência” é a tradução corrente de “evidence” em todas as áreas do conhecimento, exceto no direito. Em razão da economia da investigação científica, não vemos razão para que o direito empregue o termo com significado distinto. , o ouvinte confere um nível de credibilidade inferior à palavra de um falante3 3 FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007. . A partir de Fricker, Lackey sustenta que o excesso de credibilidade conferido a uma ou mais pessoas pode gerar injustiça testemunhal, pois afeta os demais membros da comunidade4 4 LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168. . Por outro lado, José Medina aponta que o excesso de credibilidade configura injustiça epistêmica quando envolve o tratamento injustificado de uma pessoa, que recebe, sem justificativa racional, mais credibilidade do que outros receberiam nas mesmas circunstâncias5 5 MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15–3. .

Por fim, a terceira seção é um estudo de caso. Faz-se a análise de uma decisão proferida pelo ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba Sergio Moro no âmbito da operação Lava Jato. Examina-se se — e como — o julgador cometeu injustiça epistêmica ao atribuir excesso de credibilidade a delatores da operação Lava Jato, conferindo déficit de credibilidade a outros réus. Para isso, foi selecionada uma sentença prolatada em um processo da Lava Jato, pioneira no uso massificado de acordos de colaboração premiada no país. Como critério de seleção da decisão, buscou-se um caso em que a fundamentação da condenação se baseou claramente na valoração excessiva das narrativas de colaboradores em relação às evidências de que estavam falando a verdade e à necessidade de não haver dúvida razoável sobre a materialidade e autoria dos delitos (in dubio pro reo). Ressalta-se que a intenção não é necessariamente vincular a colaboração premiada à prática de injustiça epistêmica, e sim apontar como esse é um risco que deve preocupar o emprego de tal meio de obtenção de provas.

1. A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO PROVA

1.1. Colaboração premiada como meio de obtenção de prova

O acordo de colaboração premiada não é prova, mas tanto meio de prova quanto meio de obtenção de prova. Os meios de prova dizem respeito a atividades desenvolvidas durante o processo, com respeito ao contraditório, que se destinam ao convencimento direto do juiz (por exemplo, depoimento de testemunha, documento ou perícia). Por sua vez, os meios de obtenção de prova são instrumentos, em geral extraprocessuais (por exemplo, busca e apreensão e interceptação telefônica), utilizados com o fim de obter elementos ou fontes de prova aptos a convencer o magistrado. Ou seja, apenas indiretamente, e dependendo dos seus resultados, os meios de obtenção de provas podem servir ao convencimento do julgador6 6 BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 130; e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 309. .

O entendimento de que a colaboração premiada é meio de obtenção de prova, estabelecido pelo STF no HC 127.483, foi consolidado no artigo 3º-A da Lei das Organizações Criminosas, inserido pela Lei Anticrime. Tal classificação se dá porque, por meio da delação premiada, é possível a identificação de outras fontes de prova, sendo que estas são, por si sós, meios de prova, independentemente da palavra do delator.

Assim, quando o delator acusa terceiros, estes são incriminados pelas fontes de prova indicadas, como testemunhas e documentos, e não pela palavra do colaborador – que é insuficiente para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais, recebimento de denúncia ou queixa-crime e sentença condenatória, conforme o parágrafo 16 do artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas7 7 BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016, p. 279-281. .

A delação premiada também é meio de prova. Tal papel pode ser verificado em dois momentos: 1) como a colaboração pressupõe a confissão, esta tem valor probante na formação da culpa do colaborador; 2) ao limitar o peso da palavra do delator, proibindo a decretação de medidas cautelares, o recebimento de denúncia ou a prolação de sentença apenas com base nela, o parágrafo 16 do artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas reconhece a força probante das declarações do colaborador. Afinal, o meio de prova é caracterizado pela força probante do seu conteúdo, pelo seu poder de formar o convencimento do juiz8 8 Idem, p. 282. .

Gustavo Badaró igualmente entende que a colaboração premiada é tanto um meio de prova (com relação às declarações do colaborador, diretamente valoráveis pelo julgador) quanto um meio de obtenção de prova (devido à necessidade de corroboração das afirmações acusatórias do delator)9 9 BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 136. . Da forma como vem sendo aplicada no Brasil, contudo, a colaboração premiada representa um novo modelo de Justiça Penal, aponta Badaró. Esse sistema “funciona a partir de funções não epistêmicas, e sem preocupação de legitimar o exercício do poder de punir estatal”. Tal modelo, a seu ver, representa um retorno a um sistema punitivo cujo principal objetivo não é a busca dialética de provas para a reconstrução histórica dos fatos, mas “uma imposição solipsística de uma ‘verdade’ escolhida” — pela polícia ou pelo Ministério Público, e que busca ser reforçada com as delações. “Trata-se de um modelo de punição rápida, que ignora a verdade, substituída por uma crença autorreferenciada na ‘evidência dos fatos’”10 10 Idem, pp. 136, 146. .

Como a colaboração premiada é expressamente prevista e regulamentada pela Lei das Organizações Criminosas, ela é uma prova típica. Portanto, não se confunde com outras provas pessoais, como a testemunhal. Ainda que tanto o delator quanto a testemunha tenham o compromisso de dizer a verdade, o descumprimento desse dever faz com que a testemunha responda pelo crime de falso testemunho (artigo 342 do Código Penal), enquanto o colaborador apenas descumpre o acordo11 11 BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016, p. 283. . No entanto, o delator que acusa falsamente pessoa que sabe ser inocente ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas pode responder pelo crime previsto no artigo 19 da Lei das Organizações Criminosas.

Além disso, o acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico processual, como definiu o STF no HC 127.483. Isso porque seu objeto é a cooperação do acusado para a investigação e para a ação penal, que é uma atividade de natureza processual. Mesmo que tal negócio jurídico tenha repercussão no Direito Penal material, com a previsão de sanções premiais se a colaboração for eficaz.

Em sentido mais amplo, a colaboração premiada é ato jurídico em sentido lato, pois a manifestação de vontade das partes é elemento essencial do seu suporte fático; negócio jurídico, uma vez que a vontade também age quanto à eficácia do instrumento, por meio da escolha, dentro dos limites legais, do seu conteúdo e dos indicadores de sucesso; negócio jurídico bilateral, já que celebrado pela manifestação de vontade de duas partes, e de natureza mista (material e processual), porque gera consequências de natureza processual e penal material; e é contrato, pois contrapõe interesses das partes12 12 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração Premiada (Lei nº 12.850/2013): Natureza Jurídica e Controle da Validade por Demanda Autônoma - um Diálogo com o Direito Processual Civil. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 62, p. 23-59, out./dez. 2016, p. 37. .

1.2. Juízo de corroboração

O parágrafo 16 do artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas estabeleceu, desde a promulgação da norma, que nenhuma sentença condenatória poderia ser proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador. A Lei Anticrime estendeu tal vedação à decretação de medidas cautelares reais ou pessoais e ao recebimento de denúncia ou queixa-crime.

O juízo de corroboração tem por objeto a admissibilidade, e não a valoração, das declarações do delator, afirma Stefan Espírito Santo Hartmann. Tal avaliação, que não deve ser exauriente, é feita pelo magistrado no momento da homologação do acordo de colaboração premiada, quando o julgador examina se as declarações do colaborador são confirmadas por elementos independentes13 13 HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 166-173. .

Se o delator não apresentar elementos corroborativos, suas declarações devem ser excluídas do processo, não podendo ser utilizadas pelas partes ou pelo juiz para sustentar suas conclusões. Nada impede, contudo, que o colaborador preste as mesmas informações em juízo. Nesse caso, suas declarações serão valoradas como qualquer interrogatório, sem a especificidades das afirmações feitas em delação premiada14 14 Idem, p. 166. .

Para Hartmann, a interpretação de que juízo de corroboração tem por objeto a admissibilidade, e não a valoração, das declarações do colaborador, tem duas vantagens principais, que valorizam a presunção de inocência e o standard da prova acima da dúvida razoável. A primeira é que isso permite que delações ineficazes ou inconsistentes sejam excluídas logo de início, evitando “aventuras jurídicas”, que geram prejuízos à honra e à imagem dos réus15 15 Ibidem, p. 167,168. . A segunda vantagem é a preservação da imparcialidade do juiz da causa. Afinal, a introdução no processo das afirmações do colaborador pode influenciar a convicção do juiz16 16 Ibidem. .

O entendimento de que o juízo de corroboração tem por objeto a admissibilidade, e não a valoração, das declarações do colaborador não é pacífico. Nefi Cordeiro afirma que a exigência de corroboração da palavra do delator é limitação legal da carga probatória mínima exigida para a formação de culpa na sentença. Logo, não é hipótese de prova inadmissível ao processo ou de sua invalidade17 17 CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020, p. 161. . Conforme Cordeiro, o tratamento da prova não corroborada é semelhante ao daquela colhida em inquérito policial ou da confissão. E a jurisprudência entende que não é possível condenar exclusivamente com base em provas do inquérito ou confissão. Mesmo assim, essas provas são válidas, apenas insuficientes para o juízo condenatório – e não provas inadmissíveis, que devem ser excluídas do processo18 18 Idem, p. 162. .

E a mera homologação de acordo de colaboração premiada já retira do juiz a imparcialidade para julgar o mérito do processo, avalia Antonio Eduardo Ramires Santoro. A razão disso é que, para validar o termo, o julgador deve reconhecer estar diante de uma organização criminosa – requisito para a celebração do compromisso. Assim, ao avaliar, na sentença, se houve ou não a prática do crime de pertencimento a organização criminosa (artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei das Organizações Criminosas), o magistrado estará previamente condicionado a preservar seu primeiro entendimento pela existência do grupo delituoso19 19 SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A incompatibilidade do princípio da imparcialidade da jurisdição com a colaboração premiada regulada pela Lei nº 12.850/2013. In: ESPIÑERA, Bruno; CALDEIRA, Felipe [orgs.]. Delação premiada: estudos em homenagem ao ministro Marco Aurélio de Mello, p. 445-485. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, p. 464-465. .

Da forma como está regulada, a colaboração premiada é incompatível com o princípio da imparcialidade da jurisdição, pois o juiz que atua nas três fases da delação (investigação, homologação do acordo e sentença) fica vinculado à tese acusatória, diz Santoro. Para adequar o instituto à garantia da imparcialidade, analisa, seria preciso (i) vedar a celebração de acordo de colaboração premiada com quem está preso preventivamente; (ii) proibir que o juiz que homologa o termo atue no processo e julgamento; e (iii) impedir que o julgador responsável pelo processamento e sentença tivesse acesso às declarações do delator não submetidas ao contraditório20 20 Ibidem, p. 467-468. .

Ao criar o juiz das garantias, a Lei Anticrime buscou mitigar o risco de quebra de imparcialidade. O juiz das garantias fica responsável pela fase investigatória, e o juiz da instrução, pelo andamento do processo e sentença. Entre as atribuições do juiz das garantias está decidir sobre a homologação de acordo de colaboração premiada. No entanto, o ministro do STF Luiz Fux suspendeu os dispositivos que tratam da implantação do juiz das garantias e suas atribuições - artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal21 21 Juiz das garantias fica suspenso até decisão em Plenário, decide Fux. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/fux-revoga-liminar-juiz-garantias-atereferendo-plenario. Acessado em: 04/01/2022. .

A colaboração premiada tem riscos epistêmicos: que o colaborador minta propositalmente; que incida em erros honestos; que as provas produzidas por meio da delação sejam supervalorizadas. Por isso, é importante estabelecer standards de admissibilidade probatória para os casos de delação premiada, impedindo que provas que não tenham confiabilidade sejam admitidas ao processo, afirma Antonio Vieira22 22 VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 72. .

Segundo Vieira, o controle de admissibilidade das provas oriundas de delação premiada pode ser dar de duas maneiras. A primeira diz respeito às declarações do delator. Se elas não forem corroboradas, não devem ser admitidas no processo. A segunda trata da confiabilidade dos elementos de corroboração das declarações. Caso a confiabilidade de tais elementos não possa ser verificada (por quebra da cadeia de custódia, por exemplo), eles não podem adentrar o processo. Esse juízo de admissibilidade, conforme Vieira, deve ocorrer no início do processo23 23 Idem, p. 72-73. .

1.2.1 Formas de corroboração

As declarações do delator devem ser corroboradas por elementos de prova independentes (externos), que vinculem os delatados à prática dos delitos. Portanto, a palavra do colaborador não pode ser corroborada por anotações de sua agenda, por exemplo. Caso se admitisse a corroboração por elementos unilaterais, haveria somente uma probabilidade de que as afirmações fossem verdadeiras, o que é insuficiente para uma sentença condenatória24 24 HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 138-139. . A necessidade de corroboração por elementos externos também se deve ao interesse do delator na condenação dos delatados. Afinal, tal resultado ajuda sua colaboração a ser considerada eficaz pelo magistrado, com a consequente atribuição dos benefícios previstos no acordo25 25 CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020, p. 161. .

Esse entendimento foi consolidado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O colegiado decidiu que provas produzidas unilateralmente pelo delator, como anotações em suas próprias agendas e planilhas de contabilidade interna das empresas, não são suficientes para corroboração. Se o depoimento do delator precisa ser corroborado por fontes diversas de prova, documentos produzidos por ele mesmo não servem de instrumento de validação, disseram os ministros26 26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito 3.994/DF. Relator Ministro Edson Fachin, 2ª Turma, j. 18/12/2017, DJE 06/04/2018. .

Ademais, a corroboração por elementos externos deve se dar em relação a cada fato relevante ao processo, além de individualmente por delatado. Por exemplo, caso o colaborador incrimine três corréus em quatro fatos delituosos diferentes, é necessária a corroboração individual de cada fato e em relação a cada acusado27 27 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 294-295. .

As declarações do colaborador não podem ser corroboradas pelas declarações de outro colaborador, a chamada “corroboração cruzada”. Afinal, os depoimentos de delatores não são totalmente isentos e imparciais, pois eles têm interesse nas condenações e o consequente recebimento de prêmios28 28 HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 148. .

O STF proíbe a “corroboração cruzada”. No HC 127.483, a corte ressaltou que as declarações de outro delator, ainda que sejam harmônicas e convergentes com a do colaborador em questão, não são suficientes para fins de corroboração29 29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 127.483/PR. Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, j. 27/08/2015, DJE 04/02/2016. .

Os antecedentes criminais do delatado não podem servir como elemento de corroboração das acusações do delator, mesmo que tratem de fatos similares aos descritos pelo colaborador. Isso porque o exame de que elementos podem servir para corroborar afirmações do delator deve valer-se de conceitos e institutos jurídicos, não éticos ou morais. E os antecedentes do delatado não preenchem o requisito da vinculação direta aos fatos do quais ele é acusado30 30 HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 151-152. .

1.3. Valoração da colaboração premiada

Como anteriormente mencionado, nenhuma sentença condenatória pode ser proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador, conforme o parágrafo 16 do artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas. Na sentença, o magistrado só pode valorar os elementos de prova produzidos na fase processual, com observância do contraditório. Sendo assim, as declarações feitas pelo delator durante a investigação ou sem respeito ao contraditório não podem ser usadas como fundamento na sentença31 31 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 288. .

A vedação de que sentenças condenatórias sejam proferidas apenas com base na palavra do delator é justificada pelo risco epistêmico inerente às colaborações premiadas. Como testemunhos, os relatos do delator estão sujeitos a erros honestos, devido a falhas da memória. Em adição, os colaboradores podem ser induzidos ao erro mediante perguntas de delegados ou membros do MP que induzem a determinadas respostas. E, para conseguir celebrar o acordo, o investigado pode ir ajustando suas declarações de acordo com as expectativas das autoridades, que tendem a buscar a confirmação de suas teses acusatórias32 32 VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 62. .

Além de que há diversos motivos que podem levar o delator a acusar falsamente terceiros, como o desejo de responsabilizar inimigos pelo crime que cometeu, o intuito de servir os interesses do chefe da organização criminosa e o objetivo de reduzir a própria responsabilidade e, principalmente, de obter os benefícios legais33 33 LAUAND, Mariana de Souza Lima. O Valor Probatório da Colaboração Processual. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 137. . E há o perigo de o juiz ficar hipnotizado pela narrativa do delator, tendendo a considerar verdadeiras todas as suas afirmações, especialmente quando elas coincidem com as expectativas do julgador, diz Antonio Vieira34 34 VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 63. .

Por isso Vieira afirma ser importante estabelecer standards de admissibilidade probatória para os casos de delação premiada, como referido no item 1.2 acima. Nesses casos, a análise do juiz sobre as provas da colaboração deve ocorrer em duas fases: na primeira, o julgador examinará a admissibilidade no processo; na segunda, após superado o primeiro momento, avaliará a valoração da prova, a definição do peso que ela deve ter na formação do convencimento judicial35 35 Idem, p. 72. .

2. INJUSTIÇA EPISTÊMICA

2.1. O conceito de injustiça epistêmica

Um problema específico, que acomete as transações epistêmicas em geral e pode ser mais facilmente detectado no processo penal, é a injustiça epistêmica. O conceito de injustiça epistêmica foi estabelecido por Miranda Fricker no livro Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. Segundo a autora, o ouvinte (hearer) tem a obrigação de atribuir a um falante (speaker) um nível de credibilidade correspondente às evidências de que ele está falando a verdade. Assim, ocorre injustiça epistêmica quando alguém sofre prejuízo ou dano em sua capacidade como sujeito de conhecimento (knower) e transmissor de informações. Tal prática pode gerar afetar a identidade e a dignidade da pessoa.

Há dois tipos de injustiça epistêmica: a injustiça hermenêutica, que não será abordada no presente artigo, e a injustiça testemunhal, causado por preconceito na “economia da credibilidade”36 36 FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 1-2. . A injustiça epistêmica está ligada à identidade social das pessoas. Ou seja, relaciona-se a diferentes dimensões dos indivíduos, como raça, gênero, orientação sexual, religião, condições econômicas, preferências políticas etc. Assim, um falante sofre injustiça testemunhal quando um ouvinte, com base em preconceito devido à identidade social do falante, resiste a evidências de que este está falando a verdade, atribuindo-lhe menos credibilidade do que o devido37 37 FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 39, 46-47. .

Miranda Fricker, contudo, não considera haver injustiça testemunhal quando os falantes recebem excesso de credibilidade. Isso porque tal atribuição não lhes gera prejuízos como sujeitos de conhecimento38 38 Idem, p. 20-21. . A autora reconhece que pode haver injustiça testemunhal por excesso de credibilidade no longo prazo, com o acúmulo de episódios do tipo. Ela menciona o exemplo de uma pessoa que, devido a diversos preconceitos sociais a seu favor, cresce sendo constantemente valorizada epistemicamente pelos outros. Esse excesso de credibilidade, aponta Fricker, certamente lhe trará vantagens. No entanto, pode distorcer o “caráter epistêmico” da pessoa, afetando a sua capacidade como sujeito de conhecimento. Ou, seja tornando-o vítima de injustiça testemunhal. Porém, Miranda Fricker ressalta que a injustiça testemunhal, nesse caso, ocorre pelo acúmulo de episódios, e nenhum deles, analisado separadamente, configura tal espécie de injustiça epistêmica39 39 Ibidem, p. 21. .

2.2 Injustiça testemunhal por excesso de credibilidade

2.2.1 Injustiça testemunhal distributiva

Partindo do conceito de injustiça testemunhal, Jennifer Lackey questiona a conclusão de Miranda Fricker de que somente déficits de credibilidade conduzem a erros epistêmicos imediatos, por dois motivos. O primeiro consiste no excesso de credibilidade por conteúdo específico, fundamentado em estereótipos, que prejudica falantes imediatamente e por si sós. Segundo a autora, se alguém considera um homem negro especialistas em drogas ou armas porque ele é negro, ele terá sido prejudicado como sujeito de conhecimento tanto quanto se pensarem que ele é totalmente ignorante a respeito de Shakespeare40 40 Idibem, p. 152. . Já a segunda razão é sustentada na injustiça testemunhal por excesso de credibilidade do ouvinte. Afinal, o ouvinte, ao atribuir-se uma confiabilidade exagerada e ilegítima, deixa de acreditar honestamente no falante, desconsiderando-o como sujeito de conhecimento41 41 Ibidem, p. 15. .

Lackey destaca que há um fenômeno mais amplo, a injustiça testemunhal distributiva (distributive testimonial injustice), que aborda não apenas o julgamento de um único falante, mas do ouvinte e de todos os outros membros da conversa ou da comunidade. Segundo a autora, ocorre injustiça testemunhal distributiva quando a credibilidade é indevidamente distribuída entre integrantes de um contexto conversacional ou comunidade devido a preconceitos42 42 Ibidem, p. 15. .

A autora distingue dois tipos de injustiça testemunhal distributiva. O primeiro se dá por excesso de credibilidade atribuído por pares (peer-excess testimonial injustice). Isso acontece tanto se um sujeito julga apropriadamente, com base em evidências, um falante, mas ilegitimamente considera os outros participantes do grupo melhores do que ele. Tal falha epistêmica inicial gera outras, pois, em caso de desentendimento, aquele falante terá sua palavra desvalorizada em relação a outro, receberá menos oportunidades profissionais etc43 43 Ibidem, p. 15. .

A segunda espécie é a injustiça testemunhal por excesso de expertise (expert excess). Tal falha epistêmica se dá quando especialistas recebem um excesso injustificado de credibilidade devido ao fato de serem especialistas em certas áreas. É claro que os testemunhos de especialistas devem ter peso, afirma Lackey. O problema, avalia a autora, surge quando tais testemunhos ofuscam todas as outras evidências44 44 Ibidem, p. 15. .

Miranda Fricker rejeita a concepção distributiva da injustiça testemunhal. Ela nem considera o fenômeno com relação ao ouvinte receber excesso de credibilidade. Quanto ao falante que obtém mais crédito do que o devido, Fricker sustenta que não há injustiça epistêmica, pois credibilidade não é um bem finito, que deve ser igualitariamente distribuído. Na visão da autora, o ouvinte tem a obrigação de corresponder o nível de credibilidade que atribui ao falante as evidências de que ele está falando a verdade45 45 FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 19-20. .

Jennifer Lackey rebate os argumentos de Fricker contra a concepção distributiva da injustiça testemunhal. Com relação ao excesso de credibilidade que o ouvinte se aplica, ela aponta que simplesmente basear a avaliação do falante às evidências não é suficiente, como citado na página anterior. No que diz respeito à distribuição de credibilidade, Lackey destaca a importância de analisá-la não apenas quanto a pessoas específicas, mas em comparação à estrutura social a que pertencem. A autora torna a afirmar que o fato de certas pessoas ou grupos receberem mais crédito do que o devido frequentemente gera injustiças adicionais. Portanto, se pessoas do sexo masculino têm mais poder epistêmico que as do feminino pelo excesso de credibilidade que lhes é atribuído, em uma discussão entre um homem e uma mulher, os argumentos daquele serão sistematicamente mais acreditados do que os desta. Logo, as mulheres acabarão não recebendo a credibilidade que lhes é devida46 46 LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168, p. 158. .

De acordo com Lackey, avaliações de credibilidade devem ser construídas de forma relacional. Ou seja, só é possível examinar se a análise da credibilidade de uma pessoa é epistemicamente ou moralmente justa quando ela é comparada às avaliações de outros integrantes do grupo ou comunidade47 47 Idem, p. 16. .

2.2.2 Efeitos da injustiça testemunhal na comunidade

José Medina também discorda da visão de Miranda Fricker de que uma análise individual de credibilidade não afeta as demais atribuições de confiabilidade a outros falantes. Na opinião do autor, é preciso conceber a credibilidade como interativa e envolvendo comparações e contrastes implícitos48 48 MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15-35, p. 19. . A credibilidade de uma pessoa, assim, não é isolada dos demais e de suas afiliações sociais.

Conforme Medina, julgamentos de credibilidade não afetam apenas os recipientes diretos, mas também outros envolvidos em tal interação e demais pessoas indiretamente ligadas a essa relação. Consequentemente, a atribuição excessiva de credibilidade a um falante gera efeitos para toda a dinâmica e seus participantes, além de constituir injustiça epistêmica49 49 Idem, p. 1. .

Segundo Medina, as injustiças epistêmicas causadas por déficit e excesso de credibilidade estão intimamente interrelacionadas. Como exemplo, o autor cita que estudos indicam que estudantes em universidades norte-americanas, nos primeiros dias de aula, tendem a conferir mais autoridade e credibilidade a professores homens, brancos, que têm o inglês como língua nativa e que parecem heterossexuais. O excesso de credibilidade aos docentes que se encaixam nesses padrões está ligado ao déficit de credibilidade que recebem os professores que não fazem parte desses grupos50 50 Ibidem, p. 2. .

José Medina também afirma que o imaginário social prevalecente pode gerar excessos e déficits de credibilidade. Com base no imaginário social, o falante pode se expressar a partir de uma posição superior e, consequente, ser ouvido com “preguiça epistêmica” (epistemic laziness) por pessoas que não sentem necessidade de considerar alternativas àquele modo de pensar enraizado na sociedade. Por outro lado, o falante, avaliado com base em estereótipos, pode ter seus argumentos pouco respeitados pelos ouvintes51 51 Ibidem, p. 2. , ainda que as evidências os sustentem.

3. ANÁLISE DA CREDIBILIDADE ATRIBUÍDA JUDICIALMENTE A DEPOIMENTOS DE COLABORADORES E INJUSTIÇA EPISTÊMICA POR EXCESSO DE CREDIBILIDADE

3.1. Análise da valoração dos depoimentos de colaboradores

O presente capítulo visa analisar a possível ocorrência de injustiça epistêmica em depoimentos de colaboradores premiados. A hipótese da qual se parte é a de que os relatos dos delatores obtiveram credibilidade excessiva, em desacordo com as evidências de que seus relatos são verdadeiros.

Para isso, foi selecionada uma sentença do ex-juiz Sergio Moro, ex-titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, no âmbito da operação Lava Jato – pioneira no uso massificado de colaborações premiadas no país. Foi escolhida uma decisão em que esteve mais claro como a fundamentação da condenação se baseou na valoração excessiva das narrativas de colaboradores. É importante ressaltar que a intenção não é necessariamente vincular a delação premiada à prática de injustiça epistêmica, e sim apontar como esse é um risco inerente a tal meio de obtenção de provas.

A decisão foi analisada para verificar se as narrativas dos delatores receberam uma credibilidade exagerada em relação às evidências de que estavam falando a verdade, pois corroboravam as teses da acusação. E se, com isso, os relatos dos demais réus e testemunhas tiveram déficit de credibilidade.

Dessa maneira, buscou-se examinar se houve injustiça epistêmica por excesso de credibilidade, com base no conceito de injustiça testemunhal distributiva, cunhado por Jennifer Lackey, e no impacto de tal abundância de confiabilidade em relação aos demais integrantes da comunidade, como argumentado por José Medina, ambos partindo das ideias de Miranda Fricker.

A injustiça epistêmica está ligada à identidade social das pessoas, conforme Fricker. Medina diz que o imaginário social pode gerar excessos e déficits de credibilidade. Assim, partiu-se da hipótese de que colaboradores podem receber excesso de credibilidade, em desacordo às evidências de que suas declarações são verídicas, em virtude de seu status junto à sociedade e ao sistema de Justiça. Delatores são sujeitos que assumem a prática de crimes, algo que se costuma esconder ou negar. Tal confissão pode passar a noção de que colaboradores estão comprometidos com a verdade, fazendo com que juízes atribuam peso excessivo às suas declarações, em dissonância com elementos que indiquem que são verdadeiras. Por outro lado, delatados podem receber a pecha de “criminosos”, “corruptos” e, por preconceito relativo a essa identidade social, terem suas versões avaliadas com resistência, recebendo menos credibilidade do que o devido.

Ressalta-se que o que se considera excesso de credibilidade no contexto judicial é diferente dos demais contextos de trocas comunicacionais, devido ao compromisso institucional com o princípio constitucional da presunção de inocência. Isso significa que a credibilidade atribuída a um testemunho (o relato de um delator, por exemplo) na vida ordinária poderia não estar devidamente justificada em um ambiente judicial. Em um tribunal, para que o testemunho de um colaborador seja válido e suficiente para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais, para o recebimento de denúncia ou queixa-crime ou para a prolação da sentença condenatória, é preciso que esteja corroborado por outras provas independentes e que essas provas, tomadas individualmente e em conjunto, tenham qualidade suficiente para superar um standard mais alto, de forma a superar o in dubio pro reo.

3.1.1. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000/PR52 52 BRASIL. Justiça Federal da 4ª Região – Seção Judiciária do Paraná. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, j. 17/05/2016, DJE 18/05/2016.

Data da sentença: 17/05/2016.

Réus: Roberto Marques; Renato de Souza Duque; Pedro José Barusco Filho (colaborador); Olavo Hourneaux de Moura Filho; Milton Pascowitch (colaborador); Luiz Eduardo de Oliveira e Silva; Julio Gerin de Almeida Camargo (colaborador); Julio Cesar dos Santos; José Antunes Sobrinho; Jose Adolfo Pascowitch (colaborador); João Vaccari Neto; Gerson de Mello Almada; Cristiano Kok; Camila Ramos de Oliveira e Silva; Jose Dirceu de Oliveira e Silva; Fernando Antonio Guimaraes Hourneaux de Moura (colaborador).

Réu alvo de injustiça epistêmica: João Vaccari Neto.

Colaboradores ouvidos como testemunha: Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Ricardo Ribeiro Pessoa, Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef.

Denúncia: O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia pela prática dos crimes de corrupção (artigos 317 e 333 do Código Penal), lavagem de dinheiro (artigo 1º, caput, inciso V, da Lei 9.613/1998), pertencimento a organização criminosa (artigo 2º da Lei 12.850/2013) e fraude processual (artigo 347 do Código Penal) contra os acusados.

De acordo com a denúncia, a Engevix Engenharia, juntamente com outras grandes empreiteiras, formou um cartel, por meio do qual fraudou sistematicamente licitações da Petrobras para a contratação de grandes obras a partir de 2005. Segundo o MPF, as empresas combinavam qual delas iria vencer cada certame. Então manipulavam os preços oferecidos para vencer a disputa pelo maior preço possível admitido pela estatal. As empreiteiras usavam percentuais dos valores dos contratos para o pagamento de vantagens indevidas a dirigentes da Petrobras para evitar a interferência deles no cartel, conforme o MPF.

A presente ação penal teve por objeto os pagamentos de propina efetuados pela Engevix à Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobrás e os mecanismos de lavagem de dinheiro subsequentemente utilizados. A empreiteira foi acusada de oferecer o pagamento de propina à Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras nas seguintes obras e contratos: a) dois contratos para construção dos módulos 1, 2 e 3 da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas (UTGC); b) contrato do Consórcio Skanska-Engevix URE para a execução de obras e implementação das unidades de recuperação de enxofre III e de tratamento de gás residual na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC); c) contrato do Consórcio Integradora URC/Engevix/Niplan/NM para a execução de obras de adequação da URC da Refinaria Presidente Bernardes (RPBC); d) contrato do Consórcio Skanska/Engevix para a execução das obras de implementação do on-site da unidade de propeno da UN-Repar, na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar); e e) contrato do Consórcio Integração (Engevix e Queiroz Galvão) para a execução das obras de implementação das tubovias e interligações do off-site da carteira de diesel da Refinaria Landulpho Alves (RLAM). De acordo com o MPF, em todos os casos a oferta foi aceita, e as propinas, pagas, exceto em relação ao primeiro contrato de Cacimbas.

O MPF alegou que 50% das propinas acertadas pela Engevix com a Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobras era destinada ao Partido dos Trabalhadores. Os valores eram recolhidos pelo ex-tesoureiro da legenda João Vaccari Neto, segundo a acusação, por solicitação do diretor da estatal Renato de Souza Duque, que recebia apoio do PT para permanecer no cargo. Parte das propinas era destinada ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e a Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, por serem responsáveis pela indicação e manutenção de Renato Duque no posto, disse a Procuradoria da República. A denúncia apontou que as propinas foram repassadas aos agentes da Petrobras, ao PT e a José Dirceu e Fernando Moura entre 2005 e 2014.

Metade dos valores ficava com os agentes da Petrobras e metade com o PT. Desta metade, parte era destinada a agentes políticos específicos, como José Dirceu e Fernando Moura, na narrativa do MPF. Dirceu recebeu R$ 11.884.205,50 da Engevix por meio de contratos simulados entre a JD Assessoria e Consultoria, controlada por ele, e a Jamp Engenheiros Associados, empresa de Milton Pascowitch, auxiliado por José Adolfo Pascowitch, de acordo com a denúncia. Já Fernando Moura, com auxílio de seu irmão, Olavo Moura, ganhou de R$ 5 milhões, por meio de doações feitas por Milton Pascowitch e José Adolfo Pascowitch, já que Moura seria um dos responsáveis pela indicação de Renato Duque à diretoria da Petrobras. Além disso, o MPF acusou José Dirceu de ter usado parte do dinheiro para compra de uma aeronave (negócio cancelado após publicação na imprensa) e um imóvel e reforma de casas.

Defesa de João Vaccari Neto: A defesa de João Vaccari Neto argumentou, no mérito, que ele só assumiu o cargo de secretário de finanças do PT em 2010; portanto, não pode ser apontado como representante do partido em supostos acertos de propina havidos antes de tal ano. Ademais, sustentou que Vaccari Neto não participou de negociação de esquemas de propinas na Petrobras. Também alegou que mesmo colaboradores premiados o isentaram de responsabilidades nos esquemas criminosos. E declarou que que as provas contra o ex-tesoureiro da agremiação decorriam das declarações dos colaboradores, sem provas de corroboração. Por isso, pediu a absolvição dele.

Fundamentação: Na sentença, o ex-juiz Sergio Moro citou que diversos colaboradores, ouvidos como réus ou testemunhas, apontaram João Vaccari Neto como o representante do PT nos acertos de propinas. O julgador elencou as narrativas dos delatores.

Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dirigente da empresa Setal Óleo e Gás, declarou, como testemunha, que pagou parte da propina combinada com a Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras por meio de doações eleitorais ao PT, por solicitação de Renato Duque e João Vaccari Neto.

Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, disse, como testemunha, que foi informado de que João Vaccari Neto era o responsável pelo recolhimento da propina devida à Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras.

O doleiro Alberto Youssef, ouvido como testemunha, declarou o mesmo que Paulo Roberto Costa. Também afirmou que pontualmente repassou, a pedido dele, parte da propina acertada com a Diretoria de Abastecimento da estatal para o PT, entregando os valores para João Vaccari Neto.

O corréu Pedro José Barusco Filho, ex-gerente de Serviços da Petrobras, contou que participou de reuniões com Renato Duque, João Vaccari Neto, Milton Pascowitch e José Dirceu. Segundo Barusco, João Vaccari Neto era o responsável por administrar a parte da propina acertada com o PT.

O empresário Ricardo Ribeiro Pessoa, dirigente da UTC Engenharia, igualmente declarou em juízo, como testemunha, que os acertos de vantagens indevidas com a Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras eram destinados a João Vaccari Neto. Pessoa destacou que Vaccari Neto exercia essa função mesmo antes de assumir formalmente o cargo de tesoureiro do PT. O empresário ainda narrou que pagou cerca de R$ 840 mil a José Dirceu quando este já estava preso e que obteve, posteriormente, autorização de Vaccari Neto para abater esse valor dos acertos de propina que tinha com o partido.

O corréu Júlio Gerin de Almeida Camargo afirmou que sabia que João Vaccari Neto era o responsável pelo recolhimento dos valores de propina acertadas pelo PT com a Diretoria de Engenharia e Serviços da petrolífera.

O corréu Milton Pascowitch contou que, a partir de 2009, o acerto de propina com o PT passou a ser feito com João Vaccari Neto, e não com o grupo político de José Dirceu. Este, porém, continuou recebendo parte dos valores de vantagens indevidas, declarou Pascowitch. O delator também relatou que solicitou autorização a João Vaccari Neto para repassar quantias de propinas a José Dirceu a pedido do ex-ministro.

Com base nos relatos de delatores, Moro concluiu que João Vaccari Neto era o representante do PT nos acertos de propinas, e assumiu essa função antes mesmo de ter sido nomeado oficialmente Secretário de Finanças do partido. “Considerando que o grupo político de José Dirceu de Oliveira e Silva recebeu esses valores até 2013, os repasses a ele, pelo menos havidos entre 2009 a 2013, tinham que contar com o assentimento de João Vaccari Neto. Como esses repasses referem-se indistintamente aos acertos de propina havidos nos cinco contratos da Engevix pela Petrobras, [João Vaccari Neto] deve responder pelos cinco crimes de corrupção passiva, já que também responsável pelo direcionamento de parte da propina para o grupo político de José Dirceu de Oliveira e Silva”, declarou o juiz.

Contudo, ele disse que o ex-tesoureiro deveria ser absolvido da acusação de lavagem de dinheiro, pois não havia prova de que ele participara dos esquemas de ocultação e dissimulação dos valores de corrupção.

Sergio Moro declarou que, na ação penal, “foi produzida extensa prova documental de corroboração”. “Em especial, destaque-se a prova documental de repasses milionários da Engevix Engenharia para a empresa Jamp Engenheiros Associados, dirigida por Milton Pascowitch, e de repasses milionários desta para José Dirceu de Oliveira e Silva”. “Importante ainda não olvidar, como prova de corroboração, que todos os acusados colaboradores, além das revelações de seus depoimentos, comprometeram-se com indenizações milionárias aos cofres públicos, o que só se tornou viável em decorrência da disponibilidade previamente adquirida pelo recebimento dessas propinas”, alegou MoroMORO, Sergio Fernando. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. In: Revista do Conselho da Justiça Federal, jul./set. 2004..

Com relação a Vaccari Neto, entretanto, Moro não citou elementos específicos de corroboração das acusações dos delatores. Mencionou apenas que o ex-tesoureiro do PT já havia sido condenado na Ação Penal 5012331-04.2015.4.04.7000. Nesse caso, segundo o ex-julgador, ficou provado que parte da propina acertada com a Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras foi direcionada por Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dirigente da empresa Setal Óleo e Gás, em doações eleitorais registradas ao PT por solicitação de Renato Duque e de João Vaccari Neto.

Condenação: Sergio Moro absolveu João Vaccari Neto da imputação de lavagem de dinheiro por falta de prova suficiente para condenação (artigo 386, VII, do Código de Processo Penal).

Porém, Moro condenou João Vaccari Neto pelo crime de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal), a título de participação, pelo direcionamento ao grupo político de José Dirceu, de parte da vantagem indevida destinada à Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobras e que foi acertada com Renato Duque em decorrência de seu cargo como diretor da estatal (artigo 317 do Código Penal).

O ex-juiz concluiu que o ex-tesoureiro do PT cometeu cinco crimes de corrupção, relacionados aos cinco contratos com a Petrobras obtidos irregularmente pela Engevix. Entre os cinco delitos, Moro reconheceu a continuidade delitiva e unificou as penas com a majoração de metade, fixando-as em nove anos de reclusão e 150 dias-multa.

Acórdão do TRF-4: Em apelação julgada em 26 de setembro de 201753 53 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação 5045241-84.2015.4.04.7000/PR. Redator para acórdão Desembargador Leandro Paulsen, 8ª Turma, j. 26/09/2017, DJE 10/10/2017. , a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, absolveu João Vaccari Neto com base no artigo 386, V, do CPP – “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal” –, por entender que a condenação se baseou exclusivamente em depoimentos de delatores, em violação ao artigo 4º, parágrafo 16º, da Lei das Organizações Criminosas, que estabelece que nenhuma sentença condenatória pode ser proferida com base na narrativa de colaborador se ela não for corroborada. Prevaleceu o voto divergente do revisor, desembargador federal Leandro Paulsen. O magistrado apontou fragilidades nos depoimentos dos colaboradores com relação a João Vaccari Neto.

Augusto Ribeiro Mendonça Neto disse ter feito doação de dinheiro ilícito ao PT por ordem de Renato Duque. Contudo, disse Leandro Paulsen no voto, ao ser sucessivamente indagado por Moro acerca da existência de tratativas ilícitas com João Vaccari Neto, o delator “respondeu peremptoriamente em sentido negativo, uma vez que o ex-tesoureiro recebeu os valores de forma oficial e sem qualquer menção à origem ilícita dos recursos”. Além disso, destacou o desembargador, tal doação ao PT diz respeito a fatos já julgados na Ação Penal 5012331-04.2015.4.04.7000, na qual Vaccari Neto foi absolvido pelo TRF-4. Assim, a doação não pode ser tomada em consideração como se fosse objeto da presente ação, declarou o magistrado, concluindo que tal prova não prejudica o réu.

Paulo Roberto Costa contou que era “voz corrente” na Petrobras o fato de Vaccari Neto ser o responsável pela arrecadação de propina em nome do PT. Entretanto, o ex-diretor da estatal afirmou ter visto Vaccari Neto pessoalmente apenas uma vez em um restaurante e contou que nunca discutiu nenhum assunto envolvendo pagamentos ilícitos com ele. “Além de se tratar de prova fundada em ‘ouvi dizer’, não há qualquer elemento material de corroboração”, ressaltou Paulsen.

Alberto Youssef “afirmou peremptoriamente nunca ter tratado de qualquer assunto ilícito com João Vaccari Neto”, destacou o desembargador. O doleiro narrou que só intermediou pagamentos ilícitos ao PT uma vez, em quantias supostamente repassadas pela empresa Toshiba. Conforme Youssef, tais valores foram entregues a uma mulher que supostamente seria cunhada de Vaccari Neto – mas ela sequer foi ouvida pelas autoridades ao longo da presente ação penal, disse o magistrado. “Veja-se, ainda, que os fatos não dizem respeito àqueles tratados nos autos, os quais estão exclusivamente relacionados a contratos entre Engevix e Petrobras, bem como a inexistência de provas materiais de corroboração do alegado no bojo deste processo”.

Pedro Barusco citou que o ex-tesoureiro do PT tinha relação pessoal com Milton Pascowitch e era do seu conhecimento indireto que ajustes ilícitos eram travados entre os dois. No entanto, afirmou Paulsen, “sempre que questionado acerca de fatos específicos, o agente colaborador [Barusco] foi incapaz de declinar qualquer elemento concreto, uma vez que, segundo ele, nunca presenciou pessoalmente os supostos ajustes entabulados entre Milton Pascowitch e João Vaccari”. Segundo o desembargador federal, houve insuficiência na coleta de provas, porque o depoimento de Barusco não foi objeto de diligências complementares capazes de apresentar provas materiais de corroboração. Na visão do magistrado, não foram apresentados registros concretos das reuniões entre Pascowitch e Vaccari Neto, como as datas em que elas ocorreram, com eventuais trocas de mensagens telemáticas ou telefônicas entre as partes. “Novamente não há prova material que corrobore o depoimento e, ainda pior, este sequer aborda qualquer fato concreto que esteja sob apreciação nos autos, ou seja, vantagens indevidas especificamente pagas em virtude dos cinco contratos entabulados entre Engevix e Petrobras”.

Milton Pascowitch disse ter feito o pagamento de vantagens indevidas a João Vaccari Neto. Todavia, especificou que a origem de tais propinas estava nos contratos de cascos replicantes da Engevix com a Petrobras, que não são objeto da presente ação penal. “Saliente-se que o magistrado de primeiro grau indagou expressamente a Milton Pascowitch se os pagamentos diziam respeito ao tema tratado nos autos e a resposta foi negativa. Ainda que essa dissociação entre os fatos contidos no depoimento e o objeto da demanda pudesse ser superada, mais uma vez nenhuma prova material de corroboração ao depoimento foi encartada aos autos”, afirmou o magistrado.

Ricardo Ribeiro Pessoa mencionou que João Vaccari Neto recebia valores ilícitos em nome do PT. Toda a sua fala, entretanto, diz respeito a ajustes ilegais feitos pela UTC, relacionados a fatos alheios aos tratados nos autos, opinou Paulsen. Ele lembrou que Pessoa contou ter destinado quantias a Luiz Eduardo, irmão de José Dirceu, que teriam sido “descontados da conta-corrente de propina” gerida por Vaccari Neto em nome do PT. Mas Pessoa apontou que a propina se referia especificamente ao contrato celebrado pela UTC com a Petrobras para o Comperj – que não era alvo da ação penal. Ainda assim, todas essas afirmações não foram corroboradas por outras provas, declarou Paulsen.

Por fim, Júlio Gerin de Almeida Camargo declarou ter tomado conhecimento por terceiros de que repasses ilícitos feitos em benefício do PT tinham Vaccari Neto como interlocutor. Porém, quando questionado sobre sua experiência pessoal sobre o caso, Camargo “foi categórico” ao afirmar sempre tratou de pagamentos ilegais com Renato Duque e Pedro Barusco e “jamais teve qualquer tipo de relação espúria com João Vaccari Neto, o qual apenas se limitou a solicitar doações oficiais de campanha sem especificar relacionamento com eventuais vantagens ilícitas geradas no seio de obras da Petrobras”, mencionou Paulsen.

De acordo com o desembargador, “nenhum depoimento apresentado pelos agentes colaboradores sequer diz respeito aos fatos sub judice, assim como inexiste prova material de corroboração a dar apoio às declarações”. Paulsen ainda ressaltou que, em ações penais, julga-se fatos potencialmente típicos e sua autoria. Assim, apontou, não é possível a aplicação do Direito Penal do Autor, “no qual a condenação é lastreada exclusivamente nas características pessoais do agente, independentemente da existência de prova atinente aos fatos que lhe são atribuídos”.

Injustiça epistêmica: No caso, Sergio Moro atribuiu excesso de credibilidade aos relatos dos colaboradores Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Pedro Barusco, Ricardo Pessoa, Júlio Gerin de Almeida Camargo e Milton Pascowitch.

Com base apenas nas narrativas dos delatores, Moro concluiu que João Vaccari Neto cometeu corrupção passiva ao solicitar, da Engevix, propina para o PT em troca de contratos com a Petrobras. Dessa forma, o ex-juiz desrespeitou o artigo 4º, parágrafo 16, da Lei das Organizações Criminosas, que proíbe sentença condenatória baseada somente na palavra do delator, sem corroboração por elementos externos e independentes.

Ao atribuir excesso de credibilidade às versões dos delatores, Sergio Moro cometeu injustiça epistêmica. Isso porque as narrativas dos colaboradores receberam uma credibilidade exagerada em relação às evidências de que estavam falando a verdade e à necessidade de não haver dúvida razoável sobre a materialidade e autoria dos delitos em relação a Vaccari Neto (in dubio pro reo).

Com isso, os relatos de Vaccari Neto tiveram déficit de credibilidade, e ele sofreu uma injustiça epistêmica, que levou à sua condenação em primeira instância. A absolvição dele, pelo TRF-4, por falta de provas de corroboração das acusações de delatores demonstra que as versões dos colaboradores recebem um injustificável excesso de credibilidade, prejudicando o ex-tesoureiro do PT.

CONCLUSÃO

A regulamentação da colaboração premiada pela Lei 12.850/2013 mudou o cenário das investigações de organizações criminosas. Impulsionada pelas delações, o braço paranaense da Lava Jato, de 2014 a 2021, gerou condenações a 174 pessoas54 54 Lava Jato de Curitiba é dissolvida após 7 anos; apuração da força-tarefa segue até outubro. Folha de S.Paulo, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/apos-sete-anos-lava-jato-de-curitiba-e-dissolvida-apuracao-da-forca-tarefa-segue-ate-outubro.shtml. Acessado em: 05/01/2022. .

As colaborações premiadas trazem riscos epistemológicos, como apontado no capítulo 1. Dessa maneira, é preciso que as versões apresentadas pelos delatores sejam corroboradas por elementos de prova externos e aptos a gerar certeza razoável sobre a culpabilidade dos delatados, de forma que seja possível afastar o in dubio pro reo.

A pesquisa empírica feita neste trabalho e exposta no capítulo 3 demonstra, respondendo à pergunta feita na introdução, que os depoimentos de delatores receberam, do ex-juiz Sergio Moro, credibilidade exagerada em relação às evidências de que estavam falando a verdade a ponto de dissipar dúvidas razoáveis sobre a culpabilidade dos delatados. Portanto, constata-se que houve injustiça epistêmica por excesso de credibilidade atribuído às narrativas dos colaboradores, o que, por sua vez, rebaixou a confiança alocada às defesas dos réus. Verifica-se, assim, que há risco de os depoimentos de delatores serem usados para fundamentar condenações sem que haja confiabilidade nas versões a ponto de justificar tais atos.

Com o passar dos anos, o STF foi impondo limites à colaboração premiada55 55 Algumas decisões nesse sentido reforçaram que nenhuma condenação poderia ser proferida apenas com base nas informações do colaborador, vedaram a “corroboração cruzada” (Habeas Corpus 127.483/PR), declararam que provas produzidas unilateralmente pelo delator são insuficientes para corroboração (Inquérito 3.994/DF), estabeleceram que os acordos não podem prever condições e benefícios não previstos em lei (Petição 7.265/DF) e determinaram que réus delatados têm o direito de falar por último nos processos em que também há réus delatores (Habeas Corpus 166.373/PR). . Muitas das balizas fixadas pelo Supremo foram incorporadas à Lei das Organizações Criminosas pela Lei Anticrime. Com isso, foram reduzidos os riscos epistêmicos da colaboração premiada, bem como prestigiados o direito de defesa e a presunção de inocência.

Ainda assim, é de se esperar que surjam outras grandes operações impulsionadas por colaborações premiadas. Das próximas vezes, porém, espera-se que o uso das delações seja menos vulgarizado e que policiais, integrantes do Ministério Público e magistrados não caiam no canto da sereia dos delatores e respeitem integralmente os direitos dos investigados, acusados e réus.

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    O termo “evidência” – utilizado em diversas áreas do conhecimento – equivale ao termo “elemento de prova” – segundo afirma Antonio Magalhães Gomes Filho (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005.) – ou “meio de prova” na linguagem jurídica. As evidências ou meios de prova são dados ou informações que funcionam como razões em uma inferência destinada a determinar a ocorrência ou não de fatos relevantes para uma decisão judicial. Atenção: “meio de prova” (evidence) não é a mesma coisa que “prova” (proof). A prova é o resultado de uma inferência probatória; já o meio de prova constitui a sua premissa, a razão que sustenta a sua conclusão. Essa nota tem o objetivo de esclarecer o conceito de evidência que será aqui empregado, bem como rejeitar qualquer caracterização da ideia de evidência como um tipo de informação probatória inferior em termos epistêmicos (ou mesmo a ideia de que o termo não dever ser usado por se tratar de um anglicismo). O termo “evidência” é a tradução corrente de “evidence” em todas as áreas do conhecimento, exceto no direito. Em razão da economia da investigação científica, não vemos razão para que o direito empregue o termo com significado distinto.
  • 3
    FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01098.x
    https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010...
    .
  • 4
    LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168. https://doi.org/10.1007/978-3-319-95993-1_10
    https://doi.org/10.1007/978-3-319-95993-...
    .
  • 5
    MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15–3MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15–35. https://doi.org/10.1080/02691728.2010.534568
    https://doi.org/10.1080/02691728.2010.53...
    .
  • 6
    BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 130BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.; e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 309GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos sobre o processo penal brasileiro), In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (orgs.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, pp. 303-318. São Paulo: DPJ Editora, 2005..
  • 7
    BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016, p. 279-281BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016. https://doi.org/10.22293/2179-1376.v7i13.415
    https://doi.org/10.22293/2179-1376.v7i13...
    .
  • 8
    Idem, p. 282.
  • 9
    BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 136BADARÓ, Gustavo. A colaboração premiada: Meio de prova, meio de obtenção de prova ou um novo modelo de justiça penal não epistêmica, In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (coords.). Colaboração premiada, pp. 127-149. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017..
  • 10
    Idem, pp. 136, 146.
  • 11
    BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016, p. 283BECHARA, Fábio R.; SMANIO, Gianpaolo P. Colaboração premiada segundo a teoria geral da prova nacional e estrangeira. Caderno de Relações Internacionais, v. 7, n. 13, ago./dez. 2016. https://doi.org/10.22293/2179-1376.v7i13.415
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  • 12
    DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração Premiada (Lei nº 12.850/2013): Natureza Jurídica e Controle da Validade por Demanda Autônoma - um Diálogo com o Direito Processual Civil. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 62, p. 23-59, out./dez. 2016, p. 37DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração premiada (Lei nº 12.850/2013): natureza jurídica e controle da validade por demanda autônoma - um diálogo com o Direito Processual Civil. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 62, p. 23-59, out./dez. 2016..
  • 13
    HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 166-173HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021..
  • 14
    Idem, p. 166.
  • 15
    Ibidem, p. 167,168.
  • 16
    Ibidem.
  • 17
    CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020, p. 161CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020..
  • 18
    Idem, p. 162.
  • 19
    SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A incompatibilidade do princípio da imparcialidade da jurisdição com a colaboração premiada regulada pela Lei nº 12.850/2013. In: ESPIÑERA, Bruno; CALDEIRA, Felipe [orgs.]. Delação premiada: estudos em homenagem ao ministro Marco Aurélio de Mello, p. 445-485. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, p. 464-465SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. A incompatibilidade do princípio da imparcialidade da jurisdição com a colaboração premiada regulada pela Lei nº 12.850/2013. In: ESPIÑERA, Bruno; CALDEIRA, Felipe [orgs.]. Delação premiada: estudos em homenagem ao ministro Marco Aurélio de Mello, p. 445-485. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016..
  • 20
    Ibidem, p. 467-468.
  • 21
    Juiz das garantias fica suspenso até decisão em Plenário, decide Fux. Consultor Jurídico, 2020Juiz das garantias fica suspenso até decisão em Plenário, decide Fux. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/fux-revoga-liminar-juiz-garantias-atereferendo-plenario. Acessado em: 04/01/2022.
    https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/fu...
    . Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/fux-revoga-liminar-juiz-garantias-atereferendo-plenario. Acessado em: 04/01/2022.
  • 22
    VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 72VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020..
  • 23
    Idem, p. 72-73.
  • 24
    HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 138-139HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021..
  • 25
    CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020, p. 161CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020..
  • 26
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito 3.994/DF. Relator Ministro Edson Fachin, 2ª Turma, j. 18/12/2017, DJE 06/04/2018BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação 5045241-84.2015.4.04.7000/PR. Redator para acórdão Desembargador Leandro Paulsen, 8ª Turma, j. 26/09/2017, DJE 10/10/2017..
  • 27
    VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 294-295VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020..
  • 28
    HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 148HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021..
  • 29
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 127.483/PR. Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, j. 27/08/2015, DJE 04/02/2016BRASIL. Justiça Federal da 4ª Região – Seção Judiciária do Paraná. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, j. 17/05/2016, DJE 18/05/2016..
  • 30
    HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021, p. 151-152HARTMANN, Stefan Espírito Santo. Corroboração das declarações do corréu na colaboração premiada. Curitiba: Juruá, 2021..
  • 31
    VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 288VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal – 3ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020..
  • 32
    VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 62VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020..
  • 33
    LAUAND, Mariana de Souza Lima. O Valor Probatório da Colaboração Processual. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 137.
  • 34
    VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020, p. 63VIEIRA, Antonio. Riesgos y controles epistémicos en la delación premiada: apontaciones a partir de la experiencia en Brasil. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁSQUEZ, Carmen [eds.]. Del Derecho al razonamiento probatorio, p. 45-75. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2020..
  • 35
    Idem, p. 72.
  • 36
    FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 1-2.FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01098.x
    https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010...
  • 37
    FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 39, 46-47FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01098.x
    https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010...
    .
  • 38
    Idem, p. 20-21.
  • 39
    Ibidem, p. 21.
  • 40
    Idibem, p. 152.
  • 41
    Ibidem, p. 15.
  • 42
    Ibidem, p. 15.
  • 43
    Ibidem, p. 15.
  • 44
    Ibidem, p. 15.
  • 45
    FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007, p. 19-20FRICKER, Miranda. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01098.x
    https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010...
    .
  • 46
    LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168, p. 158LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, K. (eds) Believing in Accordance with the Evidence. Synthese Library (Studies in Epistemology, Logic, Methodology, and Philosophy of Science), vol. 398. Springer, Cham, 2018, pp. 145-168. https://doi.org/10.1007/978-3-319-95993-1_10
    https://doi.org/10.1007/978-3-319-95993-...
    .
  • 47
    Idem, p. 16.
  • 48
    MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15-35, p. 19MEDINA, José. The relevance of credibility excess in a proportional view of epistemic injustice: Differential epistemic authority and the social imaginary. Social Epistemology, 25, 2011, pp. 15–35. https://doi.org/10.1080/02691728.2010.534568
    https://doi.org/10.1080/02691728.2010.53...
    .
  • 49
    Idem, p. 1.
  • 50
    Ibidem, p. 2.
  • 51
    Ibidem, p. 2.
  • 52
    BRASIL. Justiça Federal da 4ª Região – Seção Judiciária do Paraná. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, j. 17/05/2016, DJE 18/05/2016BRASIL. Justiça Federal da 4ª Região – Seção Judiciária do Paraná. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, j. 17/05/2016, DJE 18/05/2016..
  • 53
    BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação 5045241-84.2015.4.04.7000/PR. Redator para acórdão Desembargador Leandro Paulsen, 8ª Turma, j. 26/09/2017, DJE 10/10/2017.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito 3.994/DF. Relator Ministro Edson Fachin, 2ª Turma, j. 18/12/2017, DJE 06/04/2018.
  • 54
    Lava Jato de Curitiba é dissolvida após 7 anos; apuração da força-tarefa segue até outubro. Folha de S.Paulo, 2021Lava Jato de Curitiba é dissolvida após 7 anos; apuração da força-tarefa segue até outubro. Folha de S.Paulo, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/apos-sete-anos-lava-jato-de-curitiba-e-dissolvida-apuracao-da-forca-tarefa-segue-ate-outubro.shtml. Acessado em: 05/01/2022.
    https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021...
    . Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/apos-sete-anos-lava-jato-de-curitiba-e-dissolvida-apuracao-da-forca-tarefa-segue-ate-outubro.shtml. Acessado em: 05/01/2022.
  • 55
    Algumas decisões nesse sentido reforçaram que nenhuma condenação poderia ser proferida apenas com base nas informações do colaborador, vedaram a “corroboração cruzada” (Habeas Corpus 127.483/PRBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 127.483/PR. Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, j. 27/08/2015, DJE 04/02/2016.), declararam que provas produzidas unilateralmente pelo delator são insuficientes para corroboração (Inquérito 3.994/DF), estabeleceram que os acordos não podem prever condições e benefícios não previstos em lei (Petição 7.265/DF) e determinaram que réus delatados têm o direito de falar por último nos processos em que também há réus delatores (Habeas Corpus 166.373/PR).
  • Declaration of originality: the author assures that the text here published has not been previously published in any other resource and that future republication will only take place with the express indication of the reference of this original publication; he also attests that there is no third party plagiarism or self-plagiarism.

How to cite (ABNT Brazil):

  • OLIVEIRA, Sérgio Rodas Borges Gomes de. A prática de injustiça epistêmica por atribuição de excesso de credibilidade a colaboradores premiados. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 9, n. 1, p. 205-236, jan./abr. 2023. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v9i1.782

Referências

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  • BRASIL. Justiça Federal da 4ª Região – Seção Judiciária do Paraná. Ação Penal 5045241-84.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, j. 17/05/2016, DJE 18/05/2016.
  • BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 127.483/PR. Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, j. 27/08/2015, DJE 04/02/2016.
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  • BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação 5045241-84.2015.4.04.7000/PR. Redator para acórdão Desembargador Leandro Paulsen, 8ª Turma, j. 26/09/2017, DJE 10/10/2017.
  • CORDEIRO, Nefi. Colaboração premiada: atualizada pela lei anticrime. Belo Horizonte: Letramento; Casa do Direito, 2020.
  • DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração premiada (Lei nº 12.850/2013): natureza jurídica e controle da validade por demanda autônoma - um diálogo com o Direito Processual Civil. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 62, p. 23-59, out./dez. 2016.
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  • Editor-in-chief: 1 (VGV)

  • Associated-editor: 2 (JM, AP)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2022
  • Revisado
    30 Dez 2022
  • Revisado
    09 Jan 2023
  • Revisado
    15 Jan 2023
  • Revisado
    17 Jan 2023
  • Revisado
    11 Fev 2023
  • Corrigido
    24 Fev 2023
  • Aceito
    13 Mar 2023
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