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O voo e o Ensino de Física: recortes de uma pesquisa

Flying and Teaching Physics: excerpts from a research

Resumos

Este artigo traz um recorte de uma sequência didática aplicada e analisada no computo de uma pesquisa do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências de uma universidade do estado de Minas Gerais. A questão, que norteou nossa investigação, foi como a mediação professor-aluno possibilitou o engajamento de alguns estudantes de uma escola pública ao tema aerodinâmica, por meio da observação de objetos voadores. A partir da aplicação dessas atividades, verificamos que os estudantes apresentavam dificuldades em utilizar roteiros descritivos de aulas práticas de forma autônoma, mas que quando estes foram reestruturados com elementos gráficos visuais mais adequados, despertaram grande interesse e adesão às atividades propostas. Com as mediações, os estudantes produziram contextualizações a partir das próprias experiências vivenciais que, a partir dos nossos referenciais, indica a ocorrência de aprendizagem conceitual em Física.

Palavras-chave:
Ensino de Ciências; aerodinâmica; aulas práticas; escola pública; EDP


This manuscript presents a snippet from a didactic sequence applied an analyzed in the context of a research from the professional Master’s Degree in Science Teaching at an university in the state of Minas Gerais. The question, which drove and motivated our investigation, was how teacher-student mediation enabled the engagement of some students, from a public school, on the topic of aerodynamics, through the observation of flying objects. During the application of these activities, we found that students had difficulties with the use of descriptive scripts for practical classes by themselves, but when they were exposed to a more appropriate visual graphic elements, great interest and adherence to the proposed activities were aroused in them. With these mediations, the students produced contextualizations based on their own lived experiences which, based on our references, indicates the occurrence of a better conceptual learning in Physics.

Keywords:
Science teaching; aerodymanics; practical classes; public school; PDE


1. Introdução

Voar sempre foi um fascínio para o ser humano. Para que esta proeza fosse possível, a elaboração e a estruturação de objetos ou artefatos úteis, que possibilitassem conquistar o céu, foram realizadas. Um objeto voador, que vencesse a resistência do ar, era um desafio para que o voo de corpos com massa elevada fosse possível [1[1] M.F.A.Q. Melo, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 10 (2010).]. No entanto, a partir da observação das aves em voo, Dédalo, personagem da Mitologia Grega, construiu uma estrutura que permitiria a ele e seu filho, Ícaro, saírem da clausura imposta pelo rei Minos.

A construção de asas seria, segundo o plano infalível de Dédalo, a chave para a liberdade, mas algo foge ao controle de Dédalo. Seu filho não seguiu as recomendações de acompanhá-lo e acabou perdendo sua vida [2[2] T. Bulfinch, O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. (Agir, Rio de Janeiro, 2014).].

Segundo conta o mito, Dédalo utilizou a combinação de materiais como galhos, cera de abelha e penas das aves que sobrevoavam o labirinto, para a construção das asas. Este mito pode ser um possível indício da pré-história da aviação. Giucci [3[3] G. Giucci, Revista História, Ciências, Saúde 8, 1071 (2001).] discute que, a história cultural da aviação inclui um amplo espectro, que se estende desde os contos como os da mitologia à tecnologia atual, constituindo um capítulo dicotômico entre o antigo e o moderno.

A discussão, que compreende o capítulo dicotômico entre o antigo e o moderno, apresentado por Giucci [3[3] G. Giucci, Revista História, Ciências, Saúde 8, 1071 (2001).], estabelece uma conexão entre a mitologia e as tecnologias atuais, utilizando a pipa como um objeto inspirado nas asas das aves e que passou por ressignificações ao longo do tempo, possibilitando o desenvolvimento de outros aparatos, como balões, paraquedas, asa-delta, satélites, e tais aparatos acabaram estabelecendo relações que culminaram na história da aviação.

As civilizações humanas, em suas diversas etapas de constituição até o que conhecemos hoje, foram marcadas pela criação ou elaboração de objetos/instrumentos, que consistiu e ainda consiste em um processo constante de empreender esforços, experiências e/ou conhecimentos técnicos do idealizador para obter o seu produto.

As pipas e os papagaios, como são conhecidos em algumas cidades do Brasil, apresentados neste artigo nos ANEXOS III e V (material suplementar), se constituíram como um dos exemplos de um objeto antigo, que se assemelha a uma asa. No decorrer do tempo, desde a sua invenção, tal objeto/brinquedo assumiu variadas configurações, que estão relacionadas aos materiais disponíveis para a sua fabricação, bem como, aos conhecimentos e técnicas versadas em cada momento histórico [1[1] M.F.A.Q. Melo, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 10 (2010).].

As pipas constituíram brinquedos, que marcaram a infância de Santos Dumont no interior de Minas Gerais. Deste modo, um brinquedo, que diverte o brincante ao ser lançado ao ar, pode ter servido de inspiração para a concepção de um aeromodelo, na França, no início do século XX. Neste sentido, pipas de caixa ou pipas caixotes, como a que vemos na Figura 1, foram adaptadas e acopladas a um motor, movido a petróleo e assim se transformaram nas asas do avião denominado 14-bis, que consagrou o inventor no cenário da aviação no ano de 1906 [1[1] M.F.A.Q. Melo, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 10 (2010).].

Figura 1
Representação de uma pipa de caixa. Fonte: Elaboração de uma das autoras.

O entendimento sobre os princípios básicos da Aerodinâmica foi fator decisivo para que Santos Dumont projetasse a tal máquina voadora, que inspirou estudos posteriores e levou ao aprimoramento dos conhecimentos, culminando mais tarde, com as máquinas voadoras de alta performance. O avião foi, sem dúvida, um dos maiores inventos do século XX [3[3] G. Giucci, Revista História, Ciências, Saúde 8, 1071 (2001).].

Trazer estes aspectos históricos e uma discussão mais filosófica [4[4] N.W. Lima e L.A. Heidermann, Revista Brasileira de Ensino de Física 45, e20220330 (2023).] para o Ensino de Física tem contribuído para que os alunos entendam o entorno do qual fazem parte, além de os ajudar a contextualizar o conteúdo abordado. Sabemos das dificuldades e desafios (antigos e/ou permanentes) de se ensinar Física aos nossos alunos [5[5] M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e2020045 (2021).]. Aulas contextualizadas, atividades de caráter prático-experimentais [6[6] O.L. Battistel, S.M. Holz e I. Sauerwein, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210278 (2022).], desenvolvimento de práticas epistêmicas estimulam a mobilização de concepções e a relação de construções conceituais. A vivência dos alunos com práticas culturais que se aproximam daquelas de natureza científica viabilizam o processo de construção de significados, corroborando o autor supracitado, que nos diz: “Ensinar e aprender Física envolve conceitos e conceitualização, modelos e modelagem, atividades experimentais, competências científicas, situações que façam sentido, aprendizagem significativa, dialogicidade e criticidade, interesse” (p. 1).

Nesse sentido, o projeto de pesquisa foi desenvolvido, tendo a seguinte questão de pesquisa como norteadora: como uma sequência didática, centrada na Aerodinâmica, contribuiu para o aprendizado de Física de alunos dos anos finais do Fundamental II, a partir da perspectiva de uma professora de Ciências?

Tendo em vista o fascínio em voar e as novas diretrizes da BNCC [7[7] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular. Ciências Naturais para o Ensino Fundamental (2018).], este artigo aborda alguns dos aspectos trabalhados no desenvolvimento de uma dissertação de mestrado, em nível profissional, que tinha como objetivo principal desenvolver uma sequência didática, que possibilitasse aos profissionais do Ensino de Ciências e de Física diversificarem sua prática e fomentarem a aprendizagem de seus educandos, por meio de um conjunto de atividades, que compuseram a sequência didática, mobilizando a ação, a interação e a participação mais ativa dos estudantes na maior parte do tempo, por meio da confecção de instrumentos “voadores” e para que favorecesse o diálogo de conceitos ligados ao tema Aerodinâmica.

2. A Física por Trás dos Voos

A Aerodinâmica é definida por Milne-Thomson [8[8] L.M. Milne-Thomson, Theoretical Aerodynamics (Courier Corporation, 1973).] como a Ciência que estuda o movimento do ar, assim como sua direção e sentido quando em contato com outros corpos/objetos de massa e de que maneira os corpos se movem neste. Em particular, a Aerodinâmica se preocupa com o movimento das aeronaves.

Este mesmo autor infere que o ar é um fluido assim como a água. Deste modo, podemos definir um fluido como uma substância, que se deforma continuamente sob a ação de uma tensão de cisalhamento, ou seja, uma força tangencial, não importando o quão pequeno seja o valor desta tensão [9[9] R.W. Fox, A.T. McDonald e P.J. Pritchard, Introdução à mecânica dos fluidos (LTC, Rio de Janeiro, 2011).].

Moriconi; Pereira [10[10] L. Moriconi e R.M. Pereira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200450 (2021).] afirmam que Euler foi um dos precursores da dinâmica de fluidos. Segundo estes mesmos autores, um fluido é um sistema que não é capaz de resistir a tensões de cisalhamento, por menores que sejam, deformando-se continuamente, de modo a escoar e sobre um dado elemento de massa podem agir forças perpendiculares à sua superfície, originando tensões normais, isto é, pressões; ou paralelas à sua superfície, produzindo as chamadas tensões de cisalhamento.

O escoamento de um fluido, em torno de uma superfície, é um fator determinante para promover uma reação aerodinâmica em um corpo e o perfil alar de um aerofólio (asa) é de fundamental importância para gerar a força de sustentação, responsável por suportar o peso do avião em um voo [11[11] E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018).], pois para que ele voe é preciso que alguma força consiga anular ou vencer o seu próprio peso. Da mesma maneira, é necessário a existência de uma força de tração, vencendo ou anulando a força de arrasto, que aparece devido ao movimento do avião.

Sendo assim, uma aeronave em voo está sob a ação de quatro forças: Peso, Sustentação, Tração (Motora) e Arrasto (Figura 2). Tais forças entram em equilíbrio perfeito quando o voo é reto, nivelado e de baixa aceleração [12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011).].

Figura 2
Forças físicas que atuam no avião em voo. Fonte: Elaboração por uma das autoras.

Peso é a força que a aceleração da gravidade promove sobre um corpo com uma determinada massa, representada matematicamente pela fórmula:

P = m g

Essa força atua sobre o avião e dirige-se para o centro da Terra [8[8] L.M. Milne-Thomson, Theoretical Aerodynamics (Courier Corporation, 1973)., 12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011)., 13[13] N. Studart e S.R. Dahmen, Revista Física na Escola 7, 36 (2006).].

Studart; Dahmen [13[13] N. Studart e S.R. Dahmen, Revista Física na Escola 7, 36 (2006).] definem a força de Sustentação como a componente da força aerodinâmica perpendicular à direção do movimento do voo. Ou ainda, podemos dizer que o vetor da força de Sustentação é representado no sentido contrário ao vetor da força Peso. Assim, podemos dizer que é a força vertical oposta ao efeito da força peso, que direciona o avião para cima. Quando a Força de Sustentação é menor que o peso, a aeronave perde altitude [8[8] L.M. Milne-Thomson, Theoretical Aerodynamics (Courier Corporation, 1973)., 11[11] E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018)., 12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011)., 14[14] D. Anderson e S. Eberhardt, Revista Física na Escola 7, 43 (2006).].

Materiais disponíveis em diversos sítios online, abordam dois princípios como arcabouços teóricos, que explicam a força de sustentação:

O primeiro princípio deles é o Princípio de Bernoulli, que aborda a relação entre diferentes velocidades no extradorso e intradorso da asa. Esta é uma das explicações utilizadas com mais frequência para justificar o voo de objetos mais pesados que o ar. Neste princípio, infere-se que a velocidade de um fluido e a pressão dinâmica são maiores no extradorso que tem o formato de maior área, já a pressão estática, representada por P1 na Figura 3, é menor. Isto significa que, quanto maior a velocidade menor será a pressão estática sobre o extradorso. Onde a velocidade e pressão dinâmica do ar são menores (intradorso) a pressão estática, representado por P2, é maior. Deste modo, essa diferença na pressão estática, maior no intradorso, seria a responsável pela geração da força de sustentação [11[11] E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018).] (p. 20-21). A resultante aerodinâmica (RA) é o resultado, ou seja, uma força que empurra o avião para cima e para trás. A resultante da aerodinâmica pode ser decomposta entre as forças de sustentação e de arrasto, perpendiculares entre si [11[11] E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018).] (p. 22).

Figura 3
Representação das linhas de ar no perfil da asa. Fonte: Elaboração por uma das autoras.

É importante abordar essa explicação, uma vez que, na maioria dos materiais didáticos e nos textos de divulgação científica disponíveis na internet, essa é a principal abordagem apresentada. Anderson; Eberhardt [14[14] D. Anderson e S. Eberhardt, Revista Física na Escola 7, 43 (2006).] destacam que a explicação baseada no Princípio de Bernoulli é mais popular, no entanto, impede que se entendam vários fenômenos importantes como o voo invertido, a potência, o efeito-solo e a dependência da sustentação com o ângulo de ataque da asa.

Bistafa [15[15] S.R. Bistafa, Mecânica dos fluídos: noções e aplicações (Blucher, São Paulo, 2018).] (p. 310) complementa em sua obra, alguns aspectos falhos na Teoria de Bernoulli: a) há aerofólios simétricos que são capazes de gerar a Força de Sustentação; b) há aerofólios mais modernos, que possuem o intradorso maior que o extradorso e que geram um arrasto menor.

A viscosidade dos fluidos é a razão fundamental para proporcionar a sustentação. Fluidos mais viscosos escoam suavemente em camadas de fluido umas sobre as outras como lâminas [10[10] L. Moriconi e R.M. Pereira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200450 (2021).] como é mostrado na Figura 3.

A viscosidade do fluido, em velocidades elevadas, favorece a formação de um redemoinho de saída visto na Figura 4, que por sua vez, forma um escoamento circulatório visto na Figura 5. A terminologia da aerodinâmica refere-se aos redemoinhos ou correntes circulatórias de ar como vórtices. E um dos teoremas mais importantes dessa área da Física como apresenta Bistafa [15[15] S.R. Bistafa, Mecânica dos fluídos: noções e aplicações (Blucher, São Paulo, 2018).] (p. 304) é o Teorema dos vórtices ou Teorema de Thomson.

Figura 4
Representação do redemoinho (vórtice) de partida. Fonte: Elaboração por uma das autoras.
Figura 5
Representação das linhas de ar segundo o Teorema de Thomson. Fonte: Elaboração por uma das autoras.

O Teorema de Thomson ou dos vórtices informa que escoamento circulatório e que o escoamento uniforme no sentido horário em torno da asa (Figura 5) são os fatores primordiais, que causam o aumento da velocidade e redução da pressão, propostos pela equação de Bernoulli no extradorso e o inverso no intradorso [15[15] S.R. Bistafa, Mecânica dos fluídos: noções e aplicações (Blucher, São Paulo, 2018).] (p. 307) provocando turbulências [10[10] L. Moriconi e R.M. Pereira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200450 (2021).]. Para saber mais sobre turbulência em aeronaves, consulte o artigo intitulado A Física estatística da turbulência de Moriconi; Pereira [10[10] L. Moriconi e R.M. Pereira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200450 (2021).].

Ainda com relação a obra de Bistafa [15[15] S.R. Bistafa, Mecânica dos fluídos: noções e aplicações (Blucher, São Paulo, 2018).], a sustentação foi definida como a componente da resultante perpendicular à direção do escoamento. O coeficiente de sustentação CS é definido pela equação abaixo:

C S = S 1 2 ρ V 2 S r e f

Em que:

S: corresponde a área de sustentação.

Sref .: corresponde ao produto da área planiforme da corda da asa pela área frontal da envergadura.

ρ corresponde ao coeficiente de pressão do fluido.

V corresponde a velocidade.

O coeficiente de sustentação do avião no ar está relacionado ao ângulo de stol; este último, por sua vez, refere-se ao ângulo máximo de ataque que o aerofólio deve atingir para que a Força de Sustentação mantenha o avião em voo [11[11] E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018).] (p. 25).

O segundo princípio é a Terceira lei de Newton, ou Lei da Ação e Reação infere que para cada ação gerada existe uma reação, de mesma intensidade e direção, com sentido oposto; neste caso, é a força de sustentação. No perfil do intradorso da asa, o ar é defletido e como reação exerce uma força no sentido vertical sobre ela.

A Tração ou ainda Força Motora é a “força produzida pelo motor e é dirigida ao longo do eixo longitudinal do avião” [13[13] N. Studart e S.R. Dahmen, Revista Física na Escola 7, 36 (2006).] (p. 36). A combinação motor e hélice gera uma força propulsora, que tende a impulsionar o avião para frente. Isso ocorre porque a turbina direciona massas de ar em alta velocidade para trás, causando uma reação para frente, que movimenta o avião [12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011).].

O Arrasto, conforme a definição de Studart; Dahmen [13[13] N. Studart e S.R. Dahmen, Revista Física na Escola 7, 36 (2006).] é essencialmente uma força de atrito, a componente da força aerodinâmica paralela à direção de voo e Ribeiro [12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011).] complementa que essa força tende a retardar o movimento do aparato voador.

Visoni; Canalle [16[16] R.M. Visoni e J.B.G. Canalle, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 3605 (2009).] apontam que os primeiros ensaios de testagem de voo do 14-bis não foram promissores, porque Santos Dumont acoplou, em um primeiro momento, um balão de hidrogênio ao aeromodelo, que favoreceu a ascensão. Apesar de conseguir elevar a máquina timidamente, a presença do balão influenciava no desempenho do voo. O arrasto (ou resistência do ar) era maior, e tal fato o prejudicava, porque a velocidade necessária para promover o deslocamento não foi alcançada.

Trabalhando com as forças básicas da aerodinâmica, os autores afirmam que Santos Dumont resolveu de forma simples, porém muito eficiente, o problema de se colocar um objeto mais pesado que o ar para voar.

3. Percurso Metodológico

A pesquisa, realizada no ano de 2019, baseou-se nas premissas de uma pesquisa-ação. Uma abordagem qualitativa, que muitas vezes se confunde com os processos próprios que acontecem na sala de aula.

Em linhas gerais, Tripp [17[17] D. Tripp, Educação e Pesquisa 31, 443 (2005).] afirma que a pesquisa-ação é um processo tão natural, que ao se apresentar de maneiras tão diferentes, acaba por se desenvolver diferentemente em diversas aplicações. Ainda segundo este autor, atribui-se a Lewin [18[18] K. Lewin, Journal of Social Issues 2, 34 (1946).] a criação desta metodologia de estudo, por ter sido ele o primeiro autor a publicar um trabalho mencionando o termo pesquisa-ação.

A pesquisa-ação é um dos diversos processos de estudo entre métodos baseados na ação do pesquisador-pesquisado. Este termo refere-se a todo processo que siga um ciclo, no qual se aprimora o aprendizado pela busca sistemática entre o agir no campo da prática e estudar a respeito dela [17[17] D. Tripp, Educação e Pesquisa 31, 443 (2005).]. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no decorrer do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.

Embora não haja um consenso quanto à autoria desta metodologia, sua adoção pode evidenciar a importância da pesquisa no processo de formação docente, já que essa perspectiva requer que os próprios professores se tornem pesquisadores. Além disso, pode ter um papel importante na capacitação de professores pesquisadores, atuando em sala de aula junto aos alunos, ou ainda, no âmbito de projetos autônomos ou de extensão [19[19] M.J.M. Thiollent e M.M. Colette, Acta Scientiarum. Human and Social Sciences 36, 207 (2014).].

As primeiras aplicações do presente projeto iniciaram-se no âmbito de um PIBID, com a proposta de trabalho interdisciplinar na área das Ciências da Natureza. A Sequência Didática (SD) inicial proposta está mostrada no Apêndice 1 (material suplementar). Apesar de a SD ter sido aplicada ao Ensino Fundamental, pensamos que ela poderia ser ampliada para o Ensino Médio, bem como ao Ensino Superior, na formação inicial e/ou continuada de professores, uma vez que aborda temas de interesse em ambos os níveis de ensino e trabalha com metodologias pertinentes à formação de professores.

A aceitação, engajamento e participação efetiva dos estudantes da escola, onde a SD foi desenvolvida, foram de grande importância na decisão de trazer este conjunto de atividades para uma reestruturação mais elaborada no projeto de mestrado, uma vez que esta proposta se mostrou promissora para que o tema abordado fosse apresentado de forma a mobilizar os estudantes, como produto educacional no mestrado. A ideia da SD emergiu como uma tentativa de ofertar a professores de Ciências um material para incrementar a prática, seja em aulas regulares ou em atividades realizadas no contraturno.

À SD inicial, incorporamos dois momentos, que julgamos, contribuíram para que esta ficasse mais linhada ao que elencamos sobre o fascínio do homem ao conteúdo propriamente dito da Biologia, incorporando algo sobre o voo das aves, uma vez que o objetivo da Sequência era que ela tivesse um caráter interdisciplinar. Trouxemos estas incorporações, além do aprimoramento dos objetivos, no Apêndice 2 (material suplementar).

4. Caracterização dos Alunos e da Escola onde a SD foi Aplicada

A escola, onde a pesquisa foi realizada, no ano de 2019, está localizada na sede de uma cidade do interior do estado de Minas Gerais. Ela está situada a aproximadamente 3 km de distância do chamado centro histórico. A escolha da unidade de ensino se deu, principalmente, pelo fato de que nesta instituição, uma das pesquisadoras iniciou sua carreira como professora da Educação Básica contratada em caráter provisório de substituição, além do interesse dos alunos em aprender mais e a possibilidade de relacionar o tema do nosso experimento ao cotidiano de cada um deles.

A referida escola funciona em dois turnos: manhã e tarde; ofertando Ensino Fundamental I no período vespertino e Ensino Fundamental II no período matutino. A comunidade, a qual a escola pertence, está nas proximidades de um dos parques da cidade, localidade de grande importância histórica.

Quanto ao Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (IDEB) – números que são obtidos por meio das médias alcançadas pelos estudantes, a partir da aplicação de testes e questionários em Língua Portuguesa e Matemática e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – contíguos às taxas de aprovação, reprovação e evasão escolar averiguadas no censo escolar, as escolas de dependência administrativa, ligadas ao referido município, obtiveram como média geral 4,4 pontos no ano de 2019, pontuação que não alcançou a meta projetada pelo MEC de 5,2 pontos, para os anos finais do Fundamental. Para este mesmo nível de ensino, a escola, onde a SD foi aplicada, também obteve média abaixo da meta estabelecida.

No que se refere aos espaços físicos de aprendizagem, a instituição participante é bem estruturada e organizada. Além das salas de aula tradicionais, há uma sala estruturada para o funcionamento do laboratório de Ciências, o que não se observava em muitas escolas situadas na sede e distritos.

A comunidade circunvizinha à instituição de ensino, em que as atividades foram realizadas, apresenta uma população economicamente ativa, que em sua maioria trabalha em estabelecimentos comerciais no centro da cidade ou desempenha outras atividades econômicas ligadas à mineração. Segundo dados do Indicador de Nível Socioeconômico (INSE), divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no ano de 2020, os estudantes desta instituição de ensino apresentam nível econômico intermediário, pertencendo ao grupo 3, em uma classificação da escala que varia do grupo 1 ao 6 [20[20] INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da Educação Básica 2019: notas estatísticas (2020).].

O trabalho foi desenvolvido com os alunos matriculados e frequentes, cuja faixa etária era dos 14 aos 16 anos das duas turmas de 9º do Ensino Fundamental II. Não houve processo de seleção para a participação. Os alunos, que demonstraram interesse em participar voluntariamente das atividades propostas na SD e que não participavam de outras atividades extracurriculares no contraturno, foram acolhidos sob a condição de que seus pais concordassem e assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Nossa preocupação era não prejudicar a permanência destes nas atividades, das quais já participavam desde o início do ano letivo.

Os alunos sempre apresentaram interesse em participar e um perfil questionador.

5. Alguns Resultados e suas Análises

A partir deste perfil mencionado, vamos apresentar alguns dados decorrentes da aplicação das atividades propostas apresentadas no quadro. O fato de as atividades serem caracterizadas como “mão na massa” favoreceu a participação dos alunos, mesmo daqueles que não tinham uma participação mais efetiva nas aulas teóricas. O fato de as atividades terem sido desta natureza fez com que optássemos em deixar, como material suplementar, os anexos que utilizamos na realização da SD. A ideia foi que se algum colega optar por utilizá-la, ele possa ter recursos e acesso ao que utilizamos na nossa SD.

Elegemos alguns encontros para apresentar neste artigo, em que houve um maior engajamento por parte dos alunos, nos quais o processo de aprendizagem da Física foi evidenciado.

Destes encontros, elencamos inicialmente a seguir, alguns dos diálogos entre a professora e alunos, no momento em que se discutiu a fluidez do ar a partir da confecção de um paraquedas de brinquedo, que correspondia ao terceiro momento apresentado no Quadro S2 e cujo roteiro foi disponibilizado no ANEXO II (material suplementar).

Trecho 1: quando questionados pela professora sobre o que aconteceria ao arremessar os paraquedas:

Vários falam ao mesmo tempo: Os paraquedas vão abrir depois de serem arremessados e a velocidade de queda vai depender do peso dos brinquedos amarrados.

Alunos A3, A1 e A2: O brinquedo que eu trouxe é muito pesado!

Trecho 2: quando questionados no pátio sobre a razão de alguns paraquedas terem sidos levados pelo vento:

Aluna A3:não tinha peso suficiente para cair e o vento estava muito rápido.

No trecho 2, podemos perceber que a aluna A3 consegue estabelecer uma relação entre a aceleração e a força de resistência do ar.

Conforme foi apresentado no referencial teórico [8[8] L.M. Milne-Thomson, Theoretical Aerodynamics (Courier Corporation, 1973)., 12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011)., 13[13] N. Studart e S.R. Dahmen, Revista Física na Escola 7, 36 (2006).] definem que a Força Peso é aquela ocasionada pela aceleração da gravidade sobre um corpo com uma determinada massa, representada matematicamente pela fórmula: P = mg. Essa força atua sobre todos os corpos presentes na superfície da Terra e dirige-se para o seu o centro.

A estudante percebeu que o fato do objeto que ela trouxe ser menos massivo, consequentemente possui uma força peso menor, fez com que o seu paraquedas não caísse devido à força de resistência do ar e ao vento forte naquele momento da soltura.

Trecho 3:

Alunos A1 e A2:O nosso caiu rápido, porque os brinquedos amarrados eram grandes e pesados.

Aluna A3:O meu é um ursinho de pelúcia, preciso de uma sacola grande.

No trecho 3, percebemos que a aluna, de forma implícita, consegue inferir a respeito da influência da superfície que oferecia uma resistência maior ao se referir ao tamanho da sacola para que a queda de seu brinquedo tivesse uma velocidade menor. Uma vez que a área da sacola, usada na confecção do paraquedas, era maior e relativamente compatível com a massa do objeto usado como contrapeso, a resistência oferecida pelo ar era maior e consequentemente a descida do paraquedas tinha baixa aceleração e velocidade.

Trecho 4: quando questionados se o brinquedo fosse jogado para o alto sem o paraquedas, o que aconteceria:

Vários falam ao mesmo tempo: O brinquedo cairia mais rápido.

Trecho 5:

O aluno A5 aponta: O meu, o do A6, o do A7 e o da A8, o vento levou, porque a sacola que usamos era grande e amarramos pedrinha de brita para fazer o peso, que é muito pequena.

Nos trechos 4 e 5, novamente podemos inferir que os alunos conseguiram estabelecer uma relação entre a área do material, que oferecia resistência ao ar, influenciava no trajeto realizado pelo objeto. O conceito de vetores também pôde ser introduzido nesta etapa, já que as discussões tomaram este desdobramento.

Para avaliar este momento da pesquisa, solicitamos aos alunos que representassem em uma folha, um esquema ou uma explicação para a trajetória e a velocidade da queda do brinquedo confeccionado. Na Figura 6, observamos a definição de fluido dada por uma das alunas, após a abordagem deste conceito e uma explicação sobre a velocidade da queda.

Figura 6
Descrição sobre a fluidez do ar e as forças envolvidas no movimento do paraquedas. Acervo da pesquisa.

Cabe destacar que, ao apresentar o conceito de fluido, um dos alunos interveio, contextualizando com um objeto que fazia parte do seu cotidiano:

Trecho 6:

A9: eu uso fluído de freio na bicicleta, professora! É o mesmo conceito que usa para o ar e para a água?

Trecho 7:

Professora: Quando esse fluido de freio é colocado num recipiente, ele assume a forma do vasilhame?

A9:Acho que sim! – estabelecendo a relação proposta por ele.

Professora: Esse fluido é a graxa utilizada na corrente da bicicleta?

A9: é um óleo que aumenta a força nos freios, quando o guidão da bicicleta é acionado.

Consideramos esta proposição muita valiosa, porque percebemos que de forma não direcionada, o aluno consegue associar o conceito apresentado pelo Princípio de Pascal a um fluído que faz parte do seu cotidiano, uma vez que a bicicleta é o meio de transporte utilizado por estes meninos para chegar à escola.

Para demonstrar a influência da área e do formato de um objeto na resistência do ar, comparamos o comportamento de queda de uma folha de papel A4 inteira e uma folha de papel amassada, soltando-as simultaneamente. Ao perguntar o que aconteceu, questionamos se a massa das folhas era a mesma e o que justificaria a rapidez na queda da folha amassada e a lentidão na queda da folha inteira.

Diante deste engajamento, incluímos a experiência com a folha de papel A4 íntegra e outra amassada e dialogamos com o porquê de a folha amassada atingir o solo mais rapidamente.

Vários falam ao mesmo tempo: A folha amassada era mais pesada.

Após esta intervenção, amassamos a mesma folha solta na íntegra, conforme descrito anteriormente, e soltamos novamente.

Repetindo o questionamento:

Professora: E agora? A folha que não estava amassada virou uma bolinha, mas era a mesma folha? Por que a velocidade de queda dela é maior?

Eles então conseguiram fazer uma associação com o formato e a resistência no fluido (ar).

Consideramos o momento apresentado na quarta linha do Quadro S2 também significativo, no que se refere à aprendizagem dos alunos, uma vez que, estes, além da participação efetiva e engajamento, conseguem fazer inferências a partir de seus conhecimentos prévios para as questões que foram propostas pela professora.

Além do paraquedas, propusemos a confecção de 12 modelos de aviões de papel, no entanto, selecionamos apenas 4 modelos (ANEXO I – (material suplementar)) em decorrência do tempo gasto e pelas dificuldades de os estudantes executarem as dobraduras sozinhos. A depender do contexto, os alunos podem necessitar de uma descrição detalhada e não se apoiarem apenas na observação das imagens para confeccionarem os modelos.

Após a confecção, todos se direcionaram para o pátio com seus aeromodelos e os arremessos foram filmados.

Ao retornarem para a sala de aula, estabeleceu-se um diálogo, que foi direcionado da seguinte maneira:

Professora: Quais aviões percorreram maiores distâncias e tiveram melhor desempenho de voo?

Os alunos apontaram para os quatro modelos, cujos passo-a-passo das dobraduras dos aviões foram apresentados no ANEXO I: Glider e Glider 2, Locked e Silk (material suplementar).

Professora: E como vocês explicariam este bom desempenho? Por que isso aconteceu?

A5 e A2: O bico mais afinado e as asas maiores também.

A partir destas respostas, solicitamos que os alunos escrevessem em uma folha de papel A4 os nomes dos “aeromodelos”, conforme podemos observar na Figura 7. Em seguida, introduzimos os conceitos de vetores, forças de sustentação e motora, retomamos os conceitos de força de resistência (arrasto) e da gravidade.

Figura 7
Respostas de uma das alunas dos aviões de papel, que apresentaram melhor performance e forças envolvidas no voo. Acervo da pesquisa.

Ao observar os desenhos, a professora faz uma pergunta para a turma:

Professora:Mas o A1 (autor do registro observado na Figura 7) escreveu Silk e este modelo não tem esse bico afinado. Por que você o elegeu?

A10:Olha as asasPor causa das asas que o fazem planar por mais tempo, mantem ele suspenso no ar.

Como os alunos já tinham conhecimentos sobre vetores, conhecimento abordado previamente pelo professor de Ciências nas aulas regulares, pedimos que representassem logo abaixo dos aeromodelos, as forças que atuariam no voo (Figura 7). Após analisar a maioria das respostas, ainda durante o encontro, ressaltamos a importância da área das asas, sua aerodinâmica, o centro de massa e de gravidade. Deste modo, os conceitos abordados pelos autores [8[8] L.M. Milne-Thomson, Theoretical Aerodynamics (Courier Corporation, 1973)., 12[12] F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011)., 14[14] D. Anderson e S. Eberhardt, Revista Física na Escola 7, 43 (2006).] na seção a deste artigo intitulada “A física por trás do voo”, foram retomados.

Outra etapa realizada dentro do conjunto de atividades da SD, que consideramos proveitosa em termos de aprendizagem e engajamento dos alunos, foi a que correspondeu à composição de um protótipo de uma asa de avião (ANEXO IV – (material suplementar)). Disponibilizamos papel cartão, tesoura, cola, palitos de churrasco de bambu sem as pontas e uma base de isopor. Os participantes foram orientados pela professora na confecção do objeto de referência para as discussões acerca do Princípio de Bernoulli (Figura 8).

Figura 8
Estudantes após a construção do protótipo da asa aguardando para utilizarem o secador na atividade experimental. Acervo da pesquisa.

Neste princípio, conforme abordado por Anderson; Eberhardt [14[14] D. Anderson e S. Eberhardt, Revista Física na Escola 7, 43 (2006).] e Bistafa [15[15] S.R. Bistafa, Mecânica dos fluídos: noções e aplicações (Blucher, São Paulo, 2018).], infere-se que a velocidade do ar que passa no extradorso apresenta uma velocidade maior do que a velocidade do ar que passa pelo intradorso da asa. Esta diferença, entre as velocidades, resulta em uma pressão dinâmica maior no extradorso (Figura 3). Um estudante colocou os dedos para tentar sentir a diferença da velocidade na face superior e inferior da asa.

Ao questionar os alunos sobre o que estavam fazendo.

Professora:Por que vocês estão colocando os dedos aí? – Apontando para o protótipo da asa confeccionado por eles.

A5: Para sentir se passa mais rápido mesmo.

Foi explicado que não era possível sentir essa diferença. Para mensurar essa diferença, seria necessário utilizar um aparelho, que mede a velocidade dos ventos: o anemômetro; assim como o carro tem o velocímetro para medir sua velocidade nas vias. Tal ação dos estudantes, demonstrou uma curiosidade ingênua, uma ideia de que seria possível sentir a diferença entre as velocidades sobre e debaixo da asa perceber por meio de um sentido. Mas abre espaço para a problematização e inserção de abordagem sobre um aparato tecnológico desenvolvido a partir do conhecimento científico e possivelmente criar a inserção de uma curiosidade epistemológica que, é apresentada por Capecchi in Carvalho [21[21] M.C.V.M. Capecchi em Ensino de Ciências por investigação: Condições para a implementação em sala de aula, editado por A.M.P. Carvalho (Cengage Learning, 2019).], em que os estudantes adotaram um olhar científico para objetos e cenários cotidianos.

Não havia um roteiro preparado para o momento supracitado, de confecção do protótipo da asa, mas a partir das observações realizadas, após os encontros que ocorreram anteriormente a este momento, percebemos a necessidade de elaborar um roteiro detalhado e ilustrado, para que em futuras aplicações, este recurso pudesse ser utilizado por professores em qualquer etapa do Ensino Básico.

Podemos observar na Figura 9, que os vetores não foram representados a partir do centro de massa dos objetos. Possivelmente, tal fato seja decorrente das imagens da internet que foram apresentadas aos alunos. Na maioria das imagens produzidas pelos estudantes, as forças de sustentação, de tração, peso e arrasto foram representadas por vetores com diferentes tamanhos, que partiam do entorno das imagens.

Figura 9
Representação dos conceitos abordados. Acervo da pesquisa.

No lado inferior esquerdo da Figura 9, é possível observar que os alunos fizeram uma representação da abordagem conceitual apresentada na Figura 3. E por fim, foram registrados em tópicos, no quadro, com a participação simultânea dos estudantes, como as forças atuariam nos seguintes casos:

Para que a velocidade permaneça constante, a Força de Tração e a de Arrasto deveriam permanecer constantes e em equilíbrio. Já no caso da altura, para que se mantivesse constante a uma determinada altitude, a Força de Sustentação deveria se equilibrar com a Força Peso. Para acelerar ou aumentar a velocidade do voo, a Força de Tração deveria ser maior do que a Força de Arrasto. Para desacelerar o voo, a força de Tração deveria ser menor do que a força de Arrasto e para ascender com o voo a Força de Sustentação deveria ser maior que a Força Peso ou para que o avião descesse a Força de Sustentação deveria ser menor que a Força Peso.

6. Considerações Finais

Os profissionais de ensino, atuantes com uma carreira consolidada, apesar de não contarem com essa formação inicial diferenciada, proposta pelos novos currículos e programas de formação contínua, podem repensar e aprimorar sua prática por meio de uma formação continuada ingressando em programas de pós-graduação como mestrados e doutorados.

Ainda que a possibilidade do ingresso em cursos de pós-graduação esteja distante de sua realidade, este educador pode contar com materiais produzidos por pares, que sugerem atividades capazes de potencializar a prática educacional, instigando e despertando maior interesse do estudante, para os assuntos até então vistos como de grande complexidade por eles e que favoreçam a aprendizagem.

A valorização da prática no cenário atual se faz cada vez mais premente, a formação de professores-pesquisadores pode ser um contributo consubstancial para as melhorias do ensino nos mais diversos contextos. Neste sentido, a pesquisa-ação praticada por profissionais em atuação deve ser estimulada, porque possibilita a reflexão dos processos interativos e de aprendizagem de forma mais crítica. O professor não é um mero reprodutor de conteúdo, não é uma caixa em que se deposita e acumula conceitos. O professor é um ser moldado por suas experiências e deve sempre projetar a sua prática, sem desvincular a escola da dimensão histórica.

A elaboração de sequências didáticas pelo professor emerge de uma demanda de reflexão crítica de sua prática, o experimento de ajuste metodológico realizado para a adequação do produto educacional proposto como resultado do nosso trabalho se mostrou uma etapa de fundamental importância, porque permitiu perceber as viabilidades, dificuldades e impossibilidades ao longo do processo e uma estruturação mais bem ordenada das atividades.

As principais limitações encontradas na realização das atividades foram: a restrição ao acesso a materiais do próprio laboratório e ao fato de que este estava sendo utilizado para guardar materiais diversos, a restrição ao empréstimo de aparelhos como projetor, que facilitariam a exibição dos vídeos e textos. No ano de 2019, período de aplicação das atividades na escola, todas as salas estavam ocupadas com turmas, inclusive a biblioteca, o que mostra que a demanda dos alunos pertencentes a comunidade por atendimento escolar no referido ano foi alta. Os encontros da SD demandaram mais tempo que o previsto, devido à insegurança dos estudantes em seguirem os roteiros individualmente e cometerem erros.

Também pudemos perceber que a aplicação de práticas diversificadas pode propiciar ambientes favoráveis às aprendizagens tanto do professor quanto do estudante. Do mesmo modo, o compartilhamento de tais iniciativas nos meios passíveis de divulgação tem grande importância, uma vez que podem fornecer novas possibilidades de enfrentamento às dificuldades dos docentes nos mais variados contextos sociais brasileiros, além dos dados que favoreçam a ampliação de horizontes na melhoria do ensino em geral, sobretudo, de Ciências.

Os processos participativos, à primeira vista, são mais trabalhosos do que a transmissão e assimilação de conteúdos prontos, requerem tempo, envolvimento e atenção a cada passo da ação educativa. Entretanto, entendemos que a participação em uma pesquisa-ação, além de ganhos simbólicos, possibilita aos envolvidos desenvolver e promover hábitos críticos construtivos, tão necessários na gestão e na produção de conhecimentos adequados [19[19] M.J.M. Thiollent e M.M. Colette, Acta Scientiarum. Human and Social Sciences 36, 207 (2014).].

Faz-se necessário destacar, que ações que incentivam a cooperação, a escuta, o respeito a retomada e estabelecimento de relações entre as reflexões semelhantes apontadas pelos estudantes e a retomada de ações realizadas pelos estudantes durante a fase de experimentação são fundamentais para a inserção destes estudantes no mundo da Ciência por meio dos processos interacionais do plano sociocultural [21[21] M.C.V.M. Capecchi em Ensino de Ciências por investigação: Condições para a implementação em sala de aula, editado por A.M.P. Carvalho (Cengage Learning, 2019).].

Material Suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online: Material Suplementar.

Referências

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    T. Bulfinch, O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis (Agir, Rio de Janeiro, 2014).
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    N.W. Lima e L.A. Heidermann, Revista Brasileira de Ensino de Física 45, e20220330 (2023).
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    M.A. Moreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e2020045 (2021).
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    O.L. Battistel, S.M. Holz e I. Sauerwein, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210278 (2022).
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    MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular. Ciências Naturais para o Ensino Fundamental (2018).
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    R.W. Fox, A.T. McDonald e P.J. Pritchard, Introdução à mecânica dos fluidos (LTC, Rio de Janeiro, 2011).
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    E.J.C. Fernandes (org.), Conhecimentos técnicos avançados de aeronaves (Pearson Education do Brasil, São Paulo, 2018).
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    F.A. Ribeiro. Análise aerodinâmica de perfis de asa para aeronaves experimentais tipo JN-1 Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (2011).
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    INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da Educação Básica 2019: notas estatísticas (2020).
  • [21]
    M.C.V.M. Capecchi em Ensino de Ciências por investigação: Condições para a implementação em sala de aula, editado por A.M.P. Carvalho (Cengage Learning, 2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2023
  • Revisado
    03 Abr 2024
  • Aceito
    15 Abr 2024
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