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Construção de uma maquete de sistema planetário como atividade auxiliar ao ensino de astronomia nos cursos de física

Building a mock-up of planetary system to help teaching astronomy in physics courses

Resumos

Objetivando complementar a discussão sobre o sistema solar, apresentamos uma maquete construída a partir de material de baixo custo e que tem a finalidade de oferecer aos alunos uma visão espacial e dinâmica dos movimentos dos planetas. Trata-se de uma maquete do sistema solar em que as posições dos planetas podem ser manualmente variadas de acordo com as leis de Kepler. Com isso, propomos tornar mais compreensível a dinâmica dos corpos celestes ao expor de uma maneira tátil e observacional a relação entre seus movimentos reais e seus movimentos aparentes observados pelos astrônomos quando estudam o céu noturno a olho nu. Associado a uma discussão sobre a astronomia, partindo de uma contextualização histórica desde os antepassados até a atualidade, o uso da maquete favorece a compreensão dos motivos que levaram aos erros e acertos dos modelos de sistema celeste propostos até o modelo atualmente aceito. Para que a construção da maquete seja viável, são apresentados todos os parâmetros necessários, tais como as distâncias dos planetas ao Sol e as ferramentas matemáticas para obtenção dos valores na escala da maquete.

Palavras-chave:
Astronomia; Movimento dos planetas; Observações do céu


Aiming to complement the discussion about the solar system, we present a mock-up made with low cost material which aims to offer the spacial view and the dynamics of the planetary motion to students. It consists in a mock-up of the Solar System in which the position of the planets can be varied in accordance with Kepler's laws. With this, we propose to make the dynamics of the heavenly bodies more comprehensive by exposing in a tactile way the relationship among their actual and apparent motions that are observed by astronomers when they study the sky with naked eyes. Combined with a discussion about Astronomy, starting from a historic context from the ancients up to nowadays, the use of the mock-up favors to comprehend the motives that led to errors and hits of the models of heavenly system proposed until the nowadays accepted one. For the mock-up building, all the necessary parameters are given in this article, such as the distances from the planets to the Sun and the mathematical tools for the calculus of the values in the scale of the mock-up.

Keywords:
Astronomy; Planets motion; Sky observation


1. Introdução

Não é possível determinar com precisão quando nem onde a atividade humana sobre a astronomia teve início, uma vez que achados arqueológicos como o disco da colina de Mittelberg e edificações antigas como o Stonehenge indicam que já havia conhecimento de técnicas astronômicas mesmo em tempos anteriores ao estabelecimento da escrita em suas culturas [1[1] Carlos Solís y Manuel Sellés, Historia de la Ciencia (Espasa Libros, Barcelona, 2013), 5ª ed., cap. 1]. Assim, desde a antiguidade, a observação e o conhecimento do movimento dos corpos celestes têm desempenhado fundamental importância nos vários ramos da atividade humana, tais como a contagem do tempo e a previsão das estações do ano, informações de grande valor para a agricultura [2[2] Timothy Ferris, O Despertar na Via Láctea: Uma História da Astronomia (Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1990)., cap. 1], e para o estabelecimento de calendários [3[3] Roberto Boczko, Conceitos de Astronomia (Edgard Blücher, São Paulo, 1984)., cap. 1]. Posteriormente, a astronomia também teve grande relevância no desenvolvimento das técnicas de navegação, uma vez que a posição geográfica (latitude) de um navio era estabelecida por meio das posições dos astros [2[2] Timothy Ferris, O Despertar na Via Láctea: Uma História da Astronomia (Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1990).

[3] Roberto Boczko, Conceitos de Astronomia (Edgard Blücher, São Paulo, 1984).
-4[4] P.I. Bakulin, E.V. Kononovich y V.I. Moroz, Curso de Astronomía General (Ed. Mir, Moscou, 1987).].

Com o tempo, a organização das sociedades em cidades e o estabelecimento do comércio culminaram na necessidade de um calendário mais preciso. Para isto era necessário ter conhecimento preciso do posicionamento dos orbes celestes em função do tempo. Foi quando os gregos antigos começaram a estabelecer modelos para explicar os movimentos dos astros baseando-se tanto em conceitos filosóficos quanto em medidas que eles mesmos realizavam. [1[1] Carlos Solís y Manuel Sellés, Historia de la Ciencia (Espasa Libros, Barcelona, 2013), 5ª ed., cap. 1]

Assim, devido ao grande interesse pelo domínio e aprimoramento sobre a astronomia, o conhecimento acumulado neste ramo do saber é resultado de um longo intervalo de alguns milênios de observações, estudos, medições, cálculos, registros, discussões e desenvolvimento de conceitos. Dessa maneira, herdamos os volumosos e detalhados registros dos astrônomos mais influentes desde a antiguidade. No entanto, o ensino dos conceitos mais básicos de astronomia atualmente é transmitido dentro de salas de aula fechadas, tendo como base poucas ilustrações e curtos textos confinados em um único e pequeno capítulo do livro adotado ou sugerido. Não há, portanto, contato direto do aluno com o objeto de estudo, neste caso o céu, a lua, os planetas e as estrelas. Além disso, o conteúdo escasso que os livros oferecem em seus pequenos capítulos sobre astronomia carece de contextualização histórica adequada para a compreensão sobre as motivações que levaram à criação dos modelos geocêntricos e porquê o modelo heliocêntrico só ter se firmado mais de dois mil anos depois.

Com o objetivo de oferecer maior aproximação aos objetos de estudo da astronomia e assim aumentar a assimilação dos conceitos abordados em sala de aula, propomos neste artigo a elaboração de uma maquete de um sistema planetário a partir de materiais de baixo custo para a análise do movimento real e relativo dos planetas e, portanto, para dar maior clareza na exposição do assunto, e, consequentemente, maior grau de assimilação por parte dos alunos.

2. Considerações Sobre as Observações Astronômicas e os Movimentos dos Astros

Como foi citado na introdução, os estudos sobre os movimentos dos astros datam de tempos que precedem a escrita em algumas civilizações. Portanto, além do Sol e da Lua, os povos antigos já tinham catalogado várias estrelas, constelações e, inclusive, os cinco astros errantes (planetas) visíveis a olho nu: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno.

Dizer que esses planetas são visíveis a olho nu surpreende muitas pessoas, pois atualmente é bastante raro alguém ter o hábito de observar o céu. É também difícil de encontrar quem saiba identificar agrupamentos estelares além do Cruzeiro do Sul e das famosas Três Marias (cinturão de Órion). Portanto, não é de se esperar que as pessoas consigam fazer distinção entre planetas e estrelas ao observarem o céu noturno. No entanto, sempre que surgem oportunidades, muitas pessoas acabam se interessando em olhar o céu e tentar encontrar os planetas depois que aprendem a distingui-los das estrelas.

Porém, mesmo realizando minuciosos estudos e registros sobre as posições dos planetas e das estrelas, o que aparenta ser bastante intrigante é que por milênios acreditou-se que a Terra estava parada no centro do universo, enquanto que todos os demais corpos se moviam em torno deste centro. Os modelos baseados nesta crença são denominados Modelos Geocêntricos e foram arduamente defendidos pelos grandes estudiosos da época. Portanto, é impreterível perceber que de maneira alguma deve-se julgar ridículo o fato de que alguém já tenha cogitado a possibilidade de tudo se mover em torno da Terra. De fato, são estes os pontos que objetivamos discutir: (1) Que argumentos plausíveis tinham os antigos sábios para acreditarem que a Terra era o centro de tudo? E (2) por que demorou tantos milhares de anos até que a verdadeira configuração heliocêntrica fosse finalmente deduzida por Copérnico?

É necessário primeiramente compreender bem a solução da primeira pergunta para podermos responder à segunda pergunta. Nesse sentido, destaquemos alguns dos argumentos que os antigos sábios tinham como suporte à teoria geocêntrica [5[5] Francisco Caruso e Victor Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Elsevier, Rio de Janeiro, 2006).

[6] A. Gibert, Origens Históricas da Física Moderna: Introdução Abreviada (Elsevier, Rio de Janeiro, 1979).
-7[7] Nicolás Copérnico, Sobre las Revoluciones (De los Orbes Celestes) (Ed. Tecnos, Madrid, 2009), 2ª ed.]:

  • Fator experimental. Nós como observadores naturalmente nos definimos como um referencial em repouso. Dessa forma, todos os astros aparentam nascer no lado leste e se pôr no lado oeste, descrevendo uma trajetória curva semelhante a um círculo. Talvez essas constatações sejam as mais relevantes que induziram por tanto tempo o pensamento de que ocupamos o centro do universo.

  • Fator científico-indutivo. Os gregos antigos acreditavam que tudo na natureza que está ao alcance do homem resulta de uma mistura, em dadas proporções, dos quatro elementos: terra, água, ar, fogo, sendo a terra o mais denso destes elementos, e, portanto, tende naturalmente a ocupar uma posição central; todos os demais seguem uma ordem natural: a água tem em sua natureza o movimento de escoar sobre a terra, enquanto que o ar tem o movimento natural de sobrepor-se à água e, por fim, o fogo tende a elevar-se sobre o ar; seguindo esse raciocínio, eles também acreditavam que o tudo que se encontrava a partir da Lua era feito de uma substância que não se encontrava na Terra: a substância etérea, que formaria os planetas, as estrelas, o Sol e a Lua e que, por raciocínio indutivo, deveriam ter movimentos em torno do centro da Terra, onde está o mais pesado dos elementos.

  • Fator lógico. Além dos argumentos plausíveis para confirmar a posição central e imóvel da Terra os antigos também tinham argumentos bastante convincentes para refutar a possibilidade de algum movimento da Terra. Em um desses argumentos, eles analisam que se o Sol fosse o centro do universo, a Terra deveria efetuar uma revolução completa em torno do seu eixo em apenas 24 horas para reproduzir os movimentos relativos diários dos orbes celestes. Além disso, a Terra deveria ter um movimento anual em torno do Sol para reproduzir os movimentos anuais aparentes dos astros. Portanto, devido à imensidão da Terra1 1 Lembre-se de que Aristóteles já havia calculado a circunferência terrestre entre os séculos III e II a.C. , o movimento diário deveria gerar um vento tão violento que tornaria impossível até mesmo a vida na Terra. Além disso, o movimento anual da Terra teria como consequência um universo inconcebivelmente imenso, já que ninguém conseguia medir as paralaxes estelares.

  • Fator religioso. De acordo com os antigos, todos os movimentos da natureza podem ser descritos como combinações dos dois movimentos perfeitos — o movimento retilíneo e o movimento circular. Dessa forma, eles acreditavam que Deus colocou o homem (a mais inteligente de suas criaturas) no centro do universo para que ele pudesse apreciar o imenso poder do Criador em sua obra em perfeito e simétrico movimento circular. O melhor ponto de observação só poderia ser no centro das órbitas circulares e, portanto, só poderia a Terra ser o centro do universo.

Logo, tem-se que estes argumentos são a base do prevalecimento, por muito tempo, do modelo geocêntrico, uma vez que qualquer teoria que divergisse do geocentrismo era simplesmente ignorada. No período da idade média, por exemplo, com o domínio da Igreja Católica na Europa, qualquer pensador que defendesse ideias divergentes poderia ser condenado por heresia. Mesmo Copérnico, após tantos estudos detalhados sobre o movimento dos astros, não teve coragem em vida de publicar sua teoria.

Portanto, devido ao enraizamento das ideias geocêntricas, a explicação dos movimentos irregulares dos planetas, como o mostrado na figura 1, exigiu a elaboração de conceitos cada vez mais complexos e difíceis de serem tratados: os epiciclos. A maquete do sistema solar proposta neste artigo permitirá visualizar, analisar e compreender como esses movimentos complexos podem ser explicados à luz do sistema heliocêntrico.

Figura 1
Trajetória de Marte e Saturno editado a partir do programa gratuito Stellarium. (a) Período de movimento entre 18/02/2016 e 13/10/2016 com intervalos de duas semanas; observe que neste período Marte descreve uma laçada aberta, enquanto que Saturno descreve uma laçada fechada. (b) Período de movimento entre 09/11/2011 e 18/07/2012; observe que neste período Marte descreve uma laçada fechada, assim como Saturno.

3. Construção da Maquete: Sistema Sol-Terra-Marte-Estrelas

3.1. Materiais Necessários

Para a construção da maquete, serão necessários os seguintes materiais (ver figura 2):

Figura 2
Material utilizado para a confecção da nossa maquete.
  • uma folha de isopor de dimensões 100cm × 50cm × 3cm;

  • cola de isopor;

  • uma folha de cartolina de dimensões 50cm × 66cm de cor branca e uma folha de cartolina de cor azul e com mesmas dimensões;

  • um estilete;

  • lápis ou lapiseira;

  • lápis de cor ou pincéis coloridos;

  • alfinetes de cabeças redondas (sugestão: um amarelo, um azul, um vermelho e trinta e um brancos);

  • um compasso;

  • uma régua;

  • um transferidor.

3.2. Procedimento

Para construir a maquete, siga o passo a passo abaixo:

  1. Com uma régua e um lápis, trace um seguimento de reta ao longo de toda a folha de cartolina branca, paralela e a 1cm de distância de sua aresta de 50cm. Em seguida marque neste seguimento de reta, partindo do seu ponto médio, as posições 0 cm, 10 cm e 15,2 cm. Com o compasso, desenhe semicírculos conforme ilustrado na figura 3(a).

    Figura 3
    (a) Dimensões e posicionamento dos semi-círculos na cartolina branca. (b) Esquema da maquete pronta.

  2. Centre o transferidor no ponto médio do seguimento de reta mencionado acima. Fazendo os ângulos 0 e 180 do transferidor coincidirem com o referido seguimento de reta, marque pontos espaçados de 8 ao longo do semi-círculo maior (semi-círculo vermelho da figura 3). Rotule cada ponto com letras, conforme a figura 3(b).

  3. Repita o processo, desta vez marcando pontos espaçados de 15 ao longo de todo o semi-círculo menor (semi-círculo azul da figura 3). Rotule cada ponto com letras, conforme a figura 3(b).

  4. Cole esta folha de cartolina na folha de isopor de modo que suas arestas de 50 cm coincidam.

  5. Com cuidado, use o estilete para cortar uma pequena porção do isopor na extremidade da parte não coberta com cartolina (sugestão de dimensões do corte: 50 cm × 3 cm × 3 cm).

  6. Cole a cartolina azul no restante do isopor e recorte o que dela exceder.

  7. Cole a porção de isopor pequena no isopor maior, em sua extremidade oposta aos semi-círculos.

  8. Do que restou da cartolina azul, recorte uma faixa de dimensões 50 cm × 3 cm. Usando um pincel ou lápis de cor preto, escreva nela as letras Z Y X W V T S R Q P N M (sem vírgulas), distribuindo-as de modo a se estenderem do início ao fim da faixa e ficarem bem destacadas em relação ao fundo escuro.

  9. Cole esta faixa na porção do isopor menor de modo que fique perpendicular ao plano dos semi-círculos desenhados e de frente para eles.

  10. Afixe os alfinetes brancos de modo que cada letra sugerida tenha aleatoriamente dois ou três alfinetes.

  11. Afixe o alfinete amarelo no ponto correspondente ao centro dos semi-círculos. Em seguida, afixe o alfinete azul na letra o da órbita menor e o alfinete vermelho na letra o da órbita maior.

4. Sobre as Medidas na Maquete

Nicolau Copérnico (1473-1543) fez observações astronômicas e medidas das posições angulares dos planetas, do Sol e da Lua em relação às estrelas. Como resultado de suas medidas e de seus cálculos, ele apresenta no quinto livro de sua obra De Revolutionibus as dimensões do sistema solar até então conhecido, isto é, as distâncias (em unidades astronômicas, U.A.2 2 Devido à diminuta paralaxe do Sol, a determinação da distância da Terra ao Sol é uma tarefa muito difícil, e só foi realizada séculos depois. A paralaxe é o ângulo visual de um objeto: a paralaxe de uma moeda vista a um metro de distância é maior que a paralaxe desta mesma moeda quando vista a dez metros de distância. Portanto, como as paralaxes das órbitas dos planetas são maiores, é mais fácil obter suas distâncias relativas. ) ao Sol de todos os planetas [7[7] Nicolás Copérnico, Sobre las Revoluciones (De los Orbes Celestes) (Ed. Tecnos, Madrid, 2009), 2ª ed.]. Considerando que a distância da Terra ao Sol é de uma unidade (de onde vem a definição de Unidade Astronômica), as distâncias dos demais planetas ao Sol são dadas de acordo com a tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre as distâncias dos planetas ao Sol calculadas por Copérnico e as aceitas atualmente [8[8] Herch Moysés Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), 4ª ed., v. 1., sec. 10.3].

Dessa forma, para fazer a maquete consideramos uma escala na qual 1 U.A. corresponde a 1 dm (10 cm). Consequentemente, o raio da órbita de Vênus nessa escala é de 1,52 dm (15,2 cm). Com isso, usamos a terceira lei de Kepler (lei dos períodos) para determinar o período de revolução de Marte, considerando como unidade de tempo o ano terrestre. Assim, tem-se que T2R3=1ano2U.A.3, ou seja, considerando que R é dado em U.A., o período do planeta em torno do Sol fica dado por T=R3ano. Mas o que interessa para a construção dessa maquete são os deslocamentos angulares dos planetas Δϕ realizados em intervalos regulares de tempo Δt. Assim, temos que

(1) 36 0 T = Δ ϕ Δ t Δ ϕ = 36 0 Δ t T .

Para esta maquete escolhemos o período Δt=124ano (aproximadamente quinze dias). Logo, encontramos que Δϕ=15R3, que para Terra é de 15 e para Marte é de 8.

É importante salientar que as dimensões dos alfinetes usados nessa maquete não refletem as dimensões dos astros representados, pois é impraticável representá-los na escala adotada. De fato, a tabela 2 mostra algumas dimensões na escala dessa maquete (observe que o diâmetro do Sol é comparável à órbita da Lua em torno da Terra, sendo quase duas vezes maior). Assim, nesta escala, o desenho do Sol corresponde a um pequeno ponto de grafite 0.9, enquanto que a órbita da Lua em torno da terra corresponderia a um ponto de grafite 0.5.

Tabela 2
Diâmetros do Sol, da Terra e de Marte [9[9] Charles A. Young, A Textbook of General Astronomy for Colleges and Scientific Schools (Ed. Ginn & Company, 1889).].

Importante também notar que mesmo sabendo que as órbitas dos planetas em torno do Sol são elípticas (primeira lei de Kepler), escolhemos pelo desenho de órbitas circulares. Nossa escolha se baseia em dois fundamentos: um geométrico e um prático. O fundamento geométrico se dá pelo fato de as elipses correspondentes às orbitas dos planetas terem excentricidades muito pequenas3 1 Lembre-se de que Aristóteles já havia calculado a circunferência terrestre entre os séculos III e II a.C. . Dessa forma, elas são formas geométricas muito próximas a círculos [10[10] João Batista Garcia Canalle, Física na Escola 4, 12 (2003).], como pode ser visto na figura 4.

Figura 4
Comparação entre círculos (linhas contínuas pretas) e elipses (linhas pontilhadas cinzas). (a) Elipse de excentricidade 0,01678, igual à da órbita da Terra. (b) Elipse de excentricidade 0,093, igual à da órbita de Marte.

O fundamento prático se baseia no fato de que tanto é muito mais fácil desenhar círculos que elipses quanto são muito menos árduos os cálculos inerentes a movimentos uniformemente circulares que elípticos variáveis. Dessa forma, o cálculo para os deslocamentos angulares da Terra e de Marte foram feitos considerando-se que esses planetas realizam movimentos circulares e uniformes em torno do Sol.

Escolhemos posicionar as estrelas fixas (representadas pelos alfinetes) e os agrupamentos estelares (representadas pelas letras4 4 Escolhemos usar letras para representar os agrupamentos estelares porque são mais fáceis de grafar do que os desenhos das constelações em si. Além disso, deve-se ter em mente que na prática, cada civilização associava os agrupamentos de estrelas a figuras meramente abstratas. ) na extremidade oposta àquela onde afixamos o Sol. É importante que o professor ressalte que o ideal seria deixá-las a uma distância muito maior que o raio da órbita da Terra representado na maquete. No entanto, isso poderia tornar impraticável o uso da maquete, primeiro porque o suporte para as estrelas fixas deveria ser igualmente imenso, segundo porque a maquete deveria ser grudada em uma mesa pesada ou no chão para impedi-la de girar ou de se deslocar durante seu uso.

Dessa maneira, o professor deve esclarecer que as posições das estrelas na maquete não estão de acordo com a escala adotada. De fato, como a estrela mais próxima da Terra é a Alfa Centauri, situada a uma distância de 271.000 U.A. [11[11] Disponível em http://imagine.gsfc.nasa.gov/features/cosmic/nearest_star_info.html, acesso em 1/1/2016.
http://imagine.gsfc.nasa.gov/features/co...
], na nossa escala adotada o alfinete que representa essa estrela deveria ser colocado em algum lugar distante de 27,1 km da maquete e, portanto, seria invisível para quem estivesse tentando usar a maquete. Da mesma forma, todos os demais alfinetes deveriam ficar a distâncias quilométricas um do outro e da própria maquete. No entanto, com a representação das estrelas fixas na forma sugerida, conseguimos tanto minimizar a paralaxe das estrelas quanto representar o movimento de Marte em relação ao fundo de estrelas esquematizado.

Por fim, não incluímos as órbitas dos demais planetas porque (1) os planetas anteriores à Terra (considerando uma sequência crescente em distâncias) são Mercúrio e Vênus, e a representação em uma maquete de suas observações exige considerações que merecem ser analisadas em um outro artigo; (2) os planetas visíveis a olho nu que sucedem Marte são Júpiter e Saturno, cujas órbitas nessa maquete deveriam ter respectivos raios médios de 52 cm e de 91,7 cm, grandes demais para serem inseridos em uma maquete de 1 m de comprimento.

5. Sobre o Uso da Maquete em Sala de Aula: A Intuição de Copérnico

É interessante que o professor incentive os alunos a fazerem suas próprias maquetes, trabalhando individualmente ou em grupo, pois eles reforçarão suas habilidades em desenho geométrico e no uso das leis de Kepler no decorrer da construção. Se os alunos forem fazê-la pela primeira vez, poderão necessitar de horas para concluí-la, mas em sala de aula com a coordenação do professor, esta maquete pode ser feita em menos de 50 minutos (tempo de uma hora-aula padrão). Desta forma, ainda na mesma aula será possível a análise da maquete.

A figura 5 mostra como ficou nossa maquete depois de concluída. Para compreenderem como é a trajetória aparente de Marte (e de qualquer planeta exterior, i.e., de qualquer planeta que sucede a Terra na sequência de distâncias ao Sol) em relação às estrelas, os alunos deverão colocar o alfinete azul na letra F da órbita azul (que corresponde à órbita da Terra) e o alfinete vermelho na letra F da órbita vermelha (que corresponde à órbita de Marte). Depois disso, deverão se posicionar de modo a observar a estrela que coincide com o alinhamento do alfinete vermelho com o alfinete azul, e registrá-la em um pedaço de papel ou no caderno. Em seguida, o aluno repete esta operação para as letras E, D, …, f. Ao fim, o aluno deverá chegar a um resultado semelhante ao mostrado na parte inferior da figura 6(c).

Figura 5
Maquete pronta.
Figura 6
(a) e (b) Esquema da visão que se deve ter observando a maquete. (c) Abaixo da maquete está ilustrada a trajetória observada para Marte em relação às estrelas esboçadas.

Ao acompanhar o movimento dos planetas superiores nos períodos próximos à conjunção (alinhamento Sol-Terra-planeta), percebe-se que eles descrevem uma trajetória parecida com uma laçada. Isto se deve ao fato de que em certos momentos o planeta parece mudar de sentido em seu movimento.

Por isso, na defesa da posição central da Terra, os sábios antigos definiram os conceitos de epiciclo e de deferente para explicar as mudanças de sentido dos movimentos dos planetas, assumindo que os planetas efetuavam movimentos circulares descritos pelos epiciclos cujos centros efetuavam uma volta em torno da Terra em uma órbita também circular: a deferente. No entanto, de maneira revolucionária, depois de realizar muitas medidas das posições dos astros e de refletir bastante sobre elas, Copérnico supôs que os planetas giram em torno do Sol e que, portanto, as laçadas planetárias são meras consequências dos movimentos relativos destes com o da Terra.

As fotos da figura 7 foram tiradas de modo a oferecer a visualização a partir do ponto de vista de como devem ser feitas as observações em intervalos de tempo regularmente sucessivos. Sugerimos que o professor incentive os alunos a registrarem em seus cadernos as posições observadas, conforme ilustrado na foto da figura 8. Supondo que a maquete estava apoiada em uma mesa de superfície horizontal no momento das observações, os registros da figura 8 apresentam dois tipos de movimento no referencial da maquete: movimentos horizontais e movimentos verticais5 5 Em relação ao referencial de observação do céu, o movimento horizontal na figura 8 representa os movimentos longitudinais do planeta, enquanto que o movimento vertical representa seus movimentos latitudinais. . A finalidade desta maquete é a constatação dos movimentos horizontais progressivos e retrógrado, enquanto que os movimentos verticais representados na figura 8 são subjetivos e foram feitos para facilitar a análise dos registros.

Figura 7
Observações do movimento de Marte em relação às estrelas em tempos sucessivos. Detalhe para a observação do movimento retrógrado que acontece entre as figuras 7(e) e 7(i). Observe que esta maquete reproduz bem a componente dos movimentos no plano de órbita da Terra, isto é, não leva em consideração as inclinações das órbitas dos planetas em relação à órbita terrestre.
Figura 8
Registros feitos mediante as observações na maquete. Os asteriscos marcam as posições observadas de Marte em relação às constelações. As letras em vermelho são os registros dos momentos das observações, isto é, onde os planetas se encontravam na maquete no ato de cada observação. Observe que desenhamos aqui uma laçada fechada, que é uma das possibilidades de trajetória, conforme ilustrado na figura 1.

6. Conclusões

Na área da educação, há situações em que uma imagem vale mais que muitas palavras, porque muitas vezes os alunos não conseguem mentalizar um objeto ou um fenômeno descrito de forma meramente verbal. Há também situações em que um vídeo vale mais que várias imagens, porque há fenômenos que, devido à suas dinâmicas, perdem a essência quando imobilizados por gravuras. Logo, por indução, somos levados a concluir que uma maquete como a proposta neste artigo vale mais que vários vídeos, devido à sua extensão sensorial que permite a ativação dos vários sentidos do aluno graças a seu contato direto do com o objeto de estudo.

Portanto, acreditamos que o uso dessa maquete aliada à contextualização histórica, filosófica e observacional fornecerá reforço à compreensão das motivações que tiveram os antigos sábios em sustentarem o geocentrismo, mesmo diante de sua complexidade dada pela inserção dos epiciclos para explicarem as laçadas planetárias.

  • 1
    Lembre-se de que Aristóteles já havia calculado a circunferência terrestre entre os séculos III e II a.C.
  • 2
    Devido à diminuta paralaxe do Sol, a determinação da distância da Terra ao Sol é uma tarefa muito difícil, e só foi realizada séculos depois. A paralaxe é o ângulo visual de um objeto: a paralaxe de uma moeda vista a um metro de distância é maior que a paralaxe desta mesma moeda quando vista a dez metros de distância. Portanto, como as paralaxes das órbitas dos planetas são maiores, é mais fácil obter suas distâncias relativas.
  • 3
    As excentricidades das órbitas da Terra e de Marte são respectivamente dadas por 0,01678 e 0,093 [9[9] Charles A. Young, A Textbook of General Astronomy for Colleges and Scientific Schools (Ed. Ginn & Company, 1889).]
  • 4
    Escolhemos usar letras para representar os agrupamentos estelares porque são mais fáceis de grafar do que os desenhos das constelações em si. Além disso, deve-se ter em mente que na prática, cada civilização associava os agrupamentos de estrelas a figuras meramente abstratas.
  • 5
    Em relação ao referencial de observação do céu, o movimento horizontal na figura 8 representa os movimentos longitudinais do planeta, enquanto que o movimento vertical representa seus movimentos latitudinais.

Referências

  • [1]
    Carlos Solís y Manuel Sellés, Historia de la Ciencia (Espasa Libros, Barcelona, 2013), 5ª ed.
  • [2]
    Timothy Ferris, O Despertar na Via Láctea: Uma História da Astronomia (Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1990).
  • [3]
    Roberto Boczko, Conceitos de Astronomia (Edgard Blücher, São Paulo, 1984).
  • [4]
    P.I. Bakulin, E.V. Kononovich y V.I. Moroz, Curso de Astronomía General (Ed. Mir, Moscou, 1987).
  • [5]
    Francisco Caruso e Victor Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Elsevier, Rio de Janeiro, 2006).
  • [6]
    A. Gibert, Origens Históricas da Física Moderna: Introdução Abreviada (Elsevier, Rio de Janeiro, 1979).
  • [7]
    Nicolás Copérnico, Sobre las Revoluciones (De los Orbes Celestes) (Ed. Tecnos, Madrid, 2009), 2ª ed.
  • [8]
    Herch Moysés Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), 4ª ed., v. 1.
  • [9]
    Charles A. Young, A Textbook of General Astronomy for Colleges and Scientific Schools (Ed. Ginn & Company, 1889).
  • [10]
    João Batista Garcia Canalle, Física na Escola 4, 12 (2003).
  • [11]
    Disponível em http://imagine.gsfc.nasa.gov/features/cosmic/nearest_star_info.html, acesso em 1/1/2016.
    » http://imagine.gsfc.nasa.gov/features/cosmic/nearest_star_info.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2016
  • Revisado
    20 Jan 2017
  • Aceito
    20 Jan 2017
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