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Estações meteorológicas de código aberto: Um projeto de pesquisa e desenvolvimento tecnológico

Open source weather stations: A research and technological development project

Resumos

O presente artigo descreve uma experiência de iniciação científica e desenvolvimento tecnológico: a construção de estações meteorológicas baseadas em hardware e software livres com vistas à formação de uma rede de ciência cidadã para monitoramento meteorológico e ambiental. O projeto de pesquisa e desenvolvimento conta com a participação de estudantes de diferentes níveis de ensino e áreas do conhecimento. Os resultados estão relacionados à obtenção de medidas com o primeiro protótipo a partir da plataforma Arduino.

ciência cidadã; instrumentação meteorológica


This paper reports an experience of scientific research and technological development: the construction of weather stations based on free hardware and software aimed at the formation of a citizen science network for meteorological and environmental monitoring. Students from different grade levels and subject areas are participating in this research and development project. The results are related to measurements with the first prototype from the Arduino platform.

citizen science; weather instrumentation


1.

Introdução

O tempo meteorológico e o clima sempre foram objetos de interesse das pessoas, seja por questões práticas como se vestir ou por questões estratégicas como planejamento agrícola e tomada de decisões. Recentemente o tema tem recebido destaque adicional em função das mudanças climáticas e seus possíveis impactos sobre a sociedade contemporânea [1[1] IPCC, Fifth Assessment Report: Climate Change 2014: The AR5 Synthesis Report (IPCC, Geneva, 2014), disponível em https://www.ipcc.ch/report/ar5/.
https://www.ipcc.ch/report/ar5/...
].

Nas últimas décadas observou-se um crescimento sem precedentes das cidades de modo que atualmente os ambientes urbanos abrigam mais de 50% da população mundial [2[2] UNICEF, The State of the World's Children 2012: Children in an Urban World (UNICEF, Nova Iorque, 2012).].2 2 http://www.unicef.org/sowc2012/urbanmap/. Muitas vezes este crescimento urbano foi bastante desordenado, resultando em ocupações de áreas de riscos, seja de inundações, sejam por deslizamentos. Neste sentido, sistemas de monitoramento de variáveis climáticas e ambientais tornaram-se imprescindíveis para: (i) conhecer os padrões de variabilidade do tempo e do clima nesses espaços; (ii) avaliar os impactos da aglomeração urbana; e (iii) permitir a tomada de decisões visando o desenvolvimento sustentável e a gestão ambiental tanto urbana quanto planetária [3[3] R. Menegat e G. Almeida, Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental nas Cidades: Estratégias a Partir de Porto Alegre (Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2004).].

Monitorar variáveis climáticas e ambientais em uma determinada localidade significa conhecer os valores que os elementos meteorológicos assumem em instantes de tempo sucessivos no referido local, bem como inspecionar constantemente a qualidade do ar, da água e do solo. Se pensarmos inicialmente no monitoramento do clima, então, é preciso conhecer a temperatura, a pressão e a umidade do ar atmosférico, a velocidade e a direção do vento e os tipos e quantidades de precipitação e nuvens [4[4] M.A. Varejão-Silva, Meteorologia e Climatologia (INMET, Brasília, 2001).].

A coleta e o registro desses valores costumam ser realizados por estações meteorológicas institucionais, tanto governamentais quanto privadas. Por estarem esparsamente distribuídas e/ou não se comunicarem, estas estações são incapazes de registrar gradientes meteorológicos em regiões como, por exemplo, um bairro, permanecendo ignorantes para microclimas específicos que compõem o mosaico urbano.

Para ampliar o conhecimento das variáveis meteorológicas em micro-escalas é necessária a implantação de uma rede de estações meteorológicas densa. Entretanto, as dificuldades de instalação e principalmente de manutenção de um grande número de estações utilizando o sistema institucional tradicional3 3 O sistema institucional tradicional de instalação e manutenção de estações meteorológica consiste em um pequeno número de equipes dedicadas especializadas, responsáveis pela operação de um grande número de instrumentos. tornam o custo proibitivo. Como alternativa para viabilizar tal monitoramento em larga escala, buscamos a formação de cidadãos capazes de montar, calibrar e operar os instrumentos, idealmente em ambiente escolar e, ao mesmo tempo, fazer uso dessa instrumentação para atividades de ensino.

O presente artigo apresenta um projeto que tem como principal objetivo desenvolver estações meteorológicas modulares de código aberto para formar uma rede cidadã de coleta, registro, armazenamento e compartilhamento de dados meteorológicos e ambientais em microclimas. A sequência do artigo está organizada da seguinte maneira. Na Seção 2 apresenta-se a meteorologia no contexto do ensino de física. Os métodos e materiais utilizados no projeto são apresentados na Seção 3. Na Seção 4 é apresentado um protótipo da estação meteorológica de código aberto. E, por último, a Seção 5 é reservada às considerações finais, onde são apresentados os desafios futuros e as possíveis contribuições desse projeto de pesquisa e desenvolvimento.

2.

Meteorologia e ensino de física

Meteorologia é o estudo do tempo e do clima. Enquanto o tempo pode ser entendido como o estado da atmosfera terrestre em um determinado instante e local, o clima, por sua vez, pode ser pensado como um “tempo médio”, ou seja, uma média estatística de toda informação sobre o tempo em determinado local. Um dos objetivos dessa ciência é entender os processos físicos e químicos que determinam o que ocorre na atmosfera, nas mais diversas escalas de espaço e de tempo. Pode-se dizer, então, que meteorologia é física e química aplicadas à atmosfera. Nesse contexto, as principais ferramentas de estudo acerca dos fenômenos atmosféricos são: a coleta de dados através de estações, balões e satélites meteorológicos cujos dados são utilizados para modelagem numérica atmosférica a fim de estimar as condições futuras do tempo.

Pensando no contexto educacional, o principal objetivo do projeto é introduzir estudantes universitários e da educação básica no estudo do tempo e do clima,4 4 Em 2014, o Dia Mundial da Meteorologia foi dedicado ao tema ”Tempo e clima: engajando a juventude”. Celebrado anualmente em 23 de março, o Dia Mundial da Meteorologia comemora a realização da convenção de 1950 que, nesse dia, criou a Organização Mundial de Meteorologia. visando o desenvolvimento de concepções e competências que os permitam compreender o ambiente em que vivemos através do domínio de tecnologias livres e suas aplicações. Para tanto, parte-se da premissa de que para progredir no campo conceitual [5[5] G. Vergnaud, Activité Humaine et Conceptualisation: Questions á Gérard Vergnaud (Universitaires du Mirail, Toulouse, 2007).] da física atmosférica é fundamental que os estudantes vivenciem situações e problemas que requerem, por um lado, o domínio de conceitos físicos essenciais à compreensão de modelos atmosféricos, tais como: temperatura, pressão, umidade relativa e composição do ar atmosférico, velocidade e direção do vento, tipo e quantidade de precipitação e nuvens. Por outro lado, é altamente desejável que os estudantes também possam ser capazes de coletar, registrar, armazenar, ler, interpretar e disponibilizar dados meteorológicos obtidos a partir de estações e imagens de satélites metereológicos. Com isso, espera-se que os estudantes adquiram conhecimentos tanto de natureza teórico-predicativa quanto prático-operatória [6[6] R.V. Brandão, I.S. Araujo e E.A. Veit, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 507 (2011).], de modo que possam ser aplicados a outras situações-problema acerca das relações entre sociedade e meio ambiente.

3.

Métodos e materiais

O projeto surgiu da parceria entre o Centro de Tecnologia Acadêmica do Instituto de Física (CTA-IF),5 5 http://cta.if.ufrgs.br. o Colégio de Aplicação (CAp)6 6 http://www.ufrgs.br/colegiodeaplicacao/. e o Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia (CEPSRM),7 7 http://www.ufrgs.br/srm/. todos ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O seu desenvolvimento está baseado em uma prática colaborativa inspirada nos projetos abertos de software livre [7[7] E.S. Raymond, The Cathedral and the Bazaar (O'Reilly Media, Sebastopol, 1999).], enquanto suas aplicações estão alicerçadas nos conceitos ciência cidadã [8[8] M.D. Soares e R.D.C. Santos, Ciência Hoje 47, 38 (2011).] e recursos educacionais abertos [9[9] B. Santana, C. Rossini e N.D.L. Pretto, Recursos Educacionais Abertos: Práticas Colaborativas e Políticas Públicas (EDUFBA e Casa de Cultura Digital, Salvador e São Paulo, 2012).]. Tal metodologia de trabalho implica na participação de todo e qualquer cidadão, pesquisador ou não, interessado em discutir a viabilidade de cada etapa do projeto, do seu planejamento à execução. Por se tratar de um projeto elaborado a partir de um conhecimento coletivo, a documentação da tecnologia desenvolvida encontra-se disponível de forma aberta.

3.1.

Ciência cidadã e recursos educacionais abertos

A ciência cidadã está baseada na participação informada, consciente e voluntária de cidadãos que geram e analisam dados, discutem e apresentam os resultados, compartilhando o conhecimento produzido. Assim, ciência cidadã pode ser entendida como uma investigação científica feita por um conjunto de colaboradores que, em parte, não são cientistas.

No caso das estações meteorológicas modulares, o seu desenvolvimento principal é realizado no Centro de Tecnologia Acadêmica8 8 http://cta.if.ufrgs.br. com apoio de estudantes e professores dos cursos de Física, Engenharia Física e do CEPSRM da UFRGS na construção dos primeiros protótipos. Os primeiros colaboradores deste projeto são os estudantes de iniciação científica da educação básica do CAp.9 9 Em outubro de 2013, dois estudantes do Ensino Médio do CAp foram premiados e indicados para receber uma bolsa de Iniciação Científica Júnior do CNPq, na 1aFeira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas, realizada em Belo Horizonte, no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais. Outros três estudantes do CAp, também em outubro de 2013, foram agraciados com o prêmio Destaque no VIII Salão UFRGS Jovem, realizado em Porto Alegre, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Eles estão acompanhando, participando e dominando boa parte da tecnologia utilizada para elaboração do projeto.

Já o recurso educacional aberto (REA) é um conceito que vem sendo promovido pela Unesco desde 2002 [14[14] UNESCO, Declaração REA de Paris em 2012 (UNESCO, Paris, 2012), disponível em http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/WPFD2009/Portuguese_Declaration.html
http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULT...
]. REAs devem ser entendidos como materiais produzidos em qualquer tipo de mídia e formato para fins de ensino e pesquisa, que se encontram em domínio público ou estão licenciados de maneira aberta e, portanto, facilitam o acesso ao conhecimento, uma vez que podem ser utilizados, estudados, modificados e redistribuídos livremente.

3.2.

Hardware e software livres

As estações meteorológicas de código aberto estão sendo construídas utilizando-se, basicamente: (i) a plataforma de computação física Arduino [10[10] M. McRoberts, Arduino Básico (Novatec, São Paulo, 2011).]; (ii) uma distribuição GNU/Linux baseada no Debian Wheezy chamada LabFis contendo interpretadores Python e servidores de dados, enquanto agumas partes estão sendo elaboradas com (iii) uma impressora 3D de código aberto.

3.2.1.

Arduino e impressora 3D

Arduino é uma plataforma de computação física de código aberto.10 10 Em termos práticos, isso significa que qualquer pessoa pode ter a sua plataforma Arduino. Basta o interessado acessar http://www.arduino.cc e obter as informações necessárias para a construção do elemento de hardware. Computação física, por sua vez, pode ser entendida como uma atividade humana de prototipagem de sistemas físicos que utilizam hardware e software para interagir com o ambiente externo.

A plataforma Arduino é constituída por dois elementos: um de hardware e outro de software. O hardware consiste de um microcontrolador de placa única cujos principais componentes são: um microprocessador Atmel AVR, um integrado para comunicação USB,11 11 Universal Serial Bus. um cristal ou oscilador e um regulador linear de 5 V, como mostra a Fig. 1. Já o software consiste de um ambiente de desenvolvimento integrado, escrito em Java, que permite programar a placa utilizando a linguagem C com auxílio de um cabo USB conectado ao computador. Esse ambiente utiliza o compilador avr-gcc e outros pacotes de software livres.

A Arduino se diferencia de outras plataformas disponíveis no mercado por: (i) ser compatível com os principais sistemas operacionais; (ii) ter um custo acessível [11[11] A.R. Souza, A.C. Paixão, D.D. Uzêda, M.A. Dias e S.D.H.S. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 1702 (2011).]; e (iii) haver uma extensa comunidade de usuários ativos. Adicionalmente, essa plataforma tem possiblitado aos iniciantes concluir vários projetos já nos seus primeiros passos [12[12] M.A. Cavalcante, C.R.C. Tavolaro e E.Molisani, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4503 (2011).,13[13] M. Banzi, Primeiros Passos com o Arduino (Novatec, São Paulo, 2011).].

Os primeiros protótipos da estação meteorológica modular utilizavam sensores de temperatura, umidade relativa e pressão do ar atmosférico, além de um LDR, conectados a placa microcontroladora, que foi programada para realizar a leitura dos respectivos dados e armazená-los em um arquivo de texto.

Já a impressora 3D, mostrada na Fig. 2, foi utilizada para confeccionar maquetes de Porto Alegre baseadas em dados disponibilizados pela NASA.12 12 Programa da NASA chamado Shuttle Radar Topography Mission - SRTM (http://www2.jpl.nasa.gov/srtm/). A maquete facilita a compreensão dos efeitos dos elementos geopaisagísticos sobre o tempo e o clima de cada região da cidade, como mostra a Fig. 3.

3.2.2.

LabFis

O LabFis é um sistema operacional completo que pode ser utilizado sem a necessidade de estar instalado no computador. Basta executá-lo a partir da inicialização do sistema a partir de pendrive inicializável. Ele é recomendado, especialmente, para quem deseja ter os primeiros contatos com um sistema operacional livre, sem precisar instalá-lo, ou para a realização de atividades de ensino em laboratórios de informática, dispensando a instalação de programas em cada computador.

O LabFis resulta do esforço permanente que o CTA-IF tem feito para criar, desenvolver e adotar ferramentas livres que facilitem o uso, desenvolvimento e disseminação do conhecimento. O sistema foi elaborado tendo em mente as necessidades de laboratórios de ensino e pesquisa. Sua última versão,13 13 Para maiores informações sobre a versão mais atual do LabFis, incluindo a lista de software e pacotes instalados, com suas respectivas licenças, visite http://cta.if.ufrgs.br/projects/labfis. que permite a gravação de arquivos na pendrive, vem acompanhada de programas básicos e avançados para atividades de ensino e pesquisa nas áreas das engenharias, física, astronomia, eletrônica, matemática, geografia, geologia e artes.

4.

Protótipo da estação meteorológica modular de código aberto

Denomina-se estação meteorológica modular de código aberto a instrumentação que está sendo desenvolvida com o objetivo de coletar, registrar, armazenar, analisar e disponibilizar dados acerca da temperatura, umidade relativa e pressão do ar atmosférico, intensidade e direção do vento, quantidade de precipitação e nuvens de uma determinada localidade durante um intervalo de tempo. O primeiro protótipo, chamado de Meteorolog, é mostrado na Fig. 4.

As Figs. 5 e 6 mostram dois diagramas elaborados no software Fritzing14 14 http://fritzing.org/home/. do primeiro protótipo: um de protoboard e o outro esquemático. O Fritzing permite aos usuários documentar e compartilhar os seus projetos. O primeiro protótipo utilizou os sensores: (i) DHT1115 15 http://robocraft.ru/files/datasheet/DHT11.pdf. para medir umidade do ar atmosférico; (ii) BMP08516 16 http://www.adafruit.com/datasheets/BMP085_DataSheet_Rev.1.0_01July2008.pdf. para medir temperatura e pressão do ar atmosférico; e (iii) um LDR para medir, em uma escala arbitrária, luminosidade.

A Tabela 1 mostra dados estatísticos relativos às medidas de temperatura, umidade relativa e pressão atmosférica obtidas com o protótipo Meteorolog e uma estação do CEPSRM previamente calibrada, de 10/07/2014 a 16/07/2014.

Os dados estatísticos indicam uma diferença de calibração entre os sensores de temperatura e de pressão do ar atmosférico de cada estação.

Com relação à temperatura é possível observar que os dados coletados com o sensor BMP085, usado no protótipo Meteorolog, em média, estão aproximadamente 1 °C acima dos dados coletados com a estação do CEPSRM, que utiliza o sensor SHT75.

No que se refere à pressão atmosférica, os dados coletados pelo Meteorolog estão, em média, 27 Pa abaixo daqueles coletados pela estação do CEPSRM, o que é indicado por um valor negativo na diferença média, uma vez que foi usado como padrão a subtração dos valores obtidos com a estação do CEPSRM daqueles coletados com o Meteorolog.

Já entre os sensores de umidade relativa do ar existe uma distinção intrínseca de qualidade, indicado pelo alto desvio padrão da diferença. Possivelmente, isso se deve ao tempo de resposta de cada instrumento: o sensor SHT75 estava protegido das intempéries por um abrigo poroso que aparentemente condensava parte da umidade do ar em contato com o sensor, reduzindo o seu tempo de resposta em situações de alta umidade relativa do ar. Essas conclusões são corroboradas pela análise dos gráficos gerados.

As Figs. 7, 8 e 9 mostram, em um mesmo gráfico, os registros diários da temperatura, da umidade relativa e da pressão do ar atmosférico obtidos pelo protótipo Meteorolog e por uma estação previamente calibrada do CEPSRM, entre os dias 10 e 15 de julho de 2014.

Já as Figs. 10, 11 e 12 mostram, respectivamente, os gráficos dos registros da temperatura, umidade relativa, pressão atmosférica obtidos pelo protótipo Meteorolog, do nascer ao ocaso do Sol, no dia 13 de julho de 2014.

Por último, a Fig. 13, em uma unidade arbitrária, os registros de luminosidade obtidos com o protótipo Meteorolog entre os dias 27/02/2013 e 04/03/2013, em uma outra localidade.

Uma análise rápida dos gráficos permite identificar: (i) o ciclo natural diurno/noturno, a partir do gráfico da luminosidade; e (ii) a constante inversão no comportamento da temperatura e da umidade relativa do ar atmosférico, isto é, à medida que a umidade relativa do ar aumenta (diminui), a sua temperatura diminui (aumenta).

Essa inversão no comportamento diário desses dois elementos meteorológicos se deve ao fato de que pelas manhãs, em decorrência do aumento da temperatura, ocorre evaporação e a pressão de vapor real aumenta até atingir o máximo no início da tarde. A temperatura do ar é mínima antes do sol nascer, atinge seu valor máximo aproximadamente duas horas após ao meio-dia local e volta a diminuir.

Logo, a pressão de vapor de saturação do ar atmosférico, que é função apenas da sua temperatura, também apresenta um máximo e um mínimo nos mesmos horários.

A umidade relativa do ar que, por sua vez, é definida como a razão entre a pressão de vapor real e a pressão de vapor saturada, tem seu mínimo quando a temperatura do ar é máxima, uma vez que a pressão de saturação é máxima. Fisicamente, a umidade relativa representa a fração da umidade máxima possível que o ar atmosférico pode conter, em uma determinada temperatura. Portanto, a umidade relativa indica o quão próximo o ar está de sua saturação de vapor d’água, para uma determinada temperatura.

Uma vez que a rede esteja estabelecida, a observação sistemática desses elementos meteorlógicos permitirá a coleta dos dados, os quais fundamentarão, posteriormente, investigações de caráter científico. O contato com a observação e o registro periódico dos dados meteorológicos proporcionará aos estudantes de iniciação científica a verificação das mudanças no comportamento da atmosfera.

Com isso, será possível monitorar a origem e acompanhar o desenvolvimento de importantes fenômenos meteorológicos. A partir de tais evidências serão estabelecidas relações entre condições meteorológicas e fatos comumente noticiados na imprensa, tais como inundações, deslizamentos, vendavais e seus impactos ambientais e na mobilidade urbana.

5.

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo proposto na primeira seção, as etapas e desafios desse projeto têm envolvido: (i) a definição de sensores eletrônicos adequados para a construção do protótipo da estação meteorológica de código aberto; (ii) a calibração do protótipo a partir de sua instalação junto a uma estação meteorológica convencional; (iii) a identificação de parceiros, preferencialmente escolas e instituições de pesquisa, para definir os locais de instalação das estações meteorológicas, de forma a se constituir uma rede numerosa e com distribuição espacial adequada ao monitoramento de microclimas; (iv) o estabelecimento de protocolos adequados para o registro e armazenamento do grande volume de dados gerados pela rede de estações meteorológicas; e o (v) desenvolvimento de uma plataforma digital onde serão disponibilizados os dados meteorológicos gerados pela rede. Estes poderão ser integrados a Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), de forma que a informação quantitativa possa estar vinculada a sua respectiva localização.

Por tudo isso, as principais contribuições desse projeto estão diretamente relacionadas: (i) ao desenvolvimento de instrumentação meteorológica alternativa aos métodos convencionais de medida e coleta de dados meteorológicos; (ii) ao avanço na capacidade de monitoramento do tempo com alta resolução espacial e temporal dentro da área de abrangência da rede; (iii) à incorporação de um sistema alternativo de assimilação de dados por modelos numéricos; (iv) à melhoria da descrição dos processos físicos responsáveis pela geração de eventos extremos; (v) à geração de informações detalhadas para os agentes responsáveis pelo monitoramento e fiscalização de meio ambiente na região de abrangência da rede; e (vi) à contribuição para difundir informações meteorológicas e, assim, creditá-las na sociedade como um todo.

Por fim, a formação de recursos humanos, envolvendo desde estudantes da Educação Básica a pesquisadores de diferentes áreas, talvez seja a principal contribuição que esse projeto tem a dar. Este compartilhamento de resultados de pesquisa, que a primeira vista pode não parecer importante por não ser imediato é, a médio e longo prazo, se pensarmos em estudantes de iniciação científica, a forma mais correta de transferir resultados, pois ela se dá de geração para geração, permitindo a evolução do conhecimento adquirido.

Agradecimentos

Este projeto de pesquisa e desenvolvimento não seria possível sem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

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    O sistema institucional tradicional de instalação e manutenção de estações meteorológica consiste em um pequeno número de equipes dedicadas especializadas, responsáveis pela operação de um grande número de instrumentos.
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    Em 2014, o Dia Mundial da Meteorologia foi dedicado ao tema ”Tempo e clima: engajando a juventude”. Celebrado anualmente em 23 de março, o Dia Mundial da Meteorologia comemora a realização da convenção de 1950 que, nesse dia, criou a Organização Mundial de Meteorologia.
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  • 9
    Em outubro de 2013, dois estudantes do Ensino Médio do CAp foram premiados e indicados para receber uma bolsa de Iniciação Científica Júnior do CNPq, na 1aFeira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas, realizada em Belo Horizonte, no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais. Outros três estudantes do CAp, também em outubro de 2013, foram agraciados com o prêmio Destaque no VIII Salão UFRGS Jovem, realizado em Porto Alegre, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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    Em termos práticos, isso significa que qualquer pessoa pode ter a sua plataforma Arduino. Basta o interessado acessar http://www.arduino.cc e obter as informações necessárias para a construção do elemento de hardware.
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    Universal Serial Bus.
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    Programa da NASA chamado Shuttle Radar Topography Mission - SRTM (http://www2.jpl.nasa.gov/srtm/).
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    Para maiores informações sobre a versão mais atual do LabFis, incluindo a lista de software e pacotes instalados, com suas respectivas licenças, visite http://cta.if.ufrgs.br/projects/labfis.
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Referências

  • [1]
    IPCC, Fifth Assessment Report: Climate Change 2014: The AR5 Synthesis Report (IPCC, Geneva, 2014), disponível em https://www.ipcc.ch/report/ar5/
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    M. Banzi, Primeiros Passos com o Arduino (Novatec, São Paulo, 2011).
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    UNESCO, Declaração REA de Paris em 2012 (UNESCO, Paris, 2012), disponível em http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/WPFD2009/Portuguese_Declaration.html
    » http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/WPFD2009/Portuguese_Declaration.html

Figures and Table

Figura 1
A placa microcontroladora Arduino UNO.
Figura 2
A impressora 3D Metamáquina 2.
Figura 3
Maquete de Porto Alegre elaborada com a impressora 3D. A maquete foi concebida a partir de dados disponibilizados pela NASA. Exagero vertical de 9 vezes.
Figura 4
Protótipo Meteorolog.
Figura 5
Diagrama de protoboard do Meteorolog.
Figura 6
Diagrama esquemático do Meteorolog.
Figura 7
Gráfico comparativo de temperatura.
Figura 8
Gráfico comparativo de umidade relativa.
Figura 9
Gráfico comparativo de pressão.
Figura 10
Comportamento da temperatura em 13/07/14.
Figura 11
Comportamento da umidade relativa em 13/07/14.
Figura 12
Comportamento da pressão atmosférica em 13/07/14.
Figura 13
Comportamento da luminosidade entre os dias 27/02/2013 e 04/03/2013.
Tabela 1
Dados estatísticos para comparação entre o protótipo e a estação do CEPSRM.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2014
  • Aceito
    22 Out 2014
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