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Limitadores de corrente de curto-circuito supercondutores: principais conceitos e testes

Superconducting fault current limiters: main concepts and tests

Resumos

Neste trabalho foi realizado um estudo sobre limitadores de corrente de curto-circuito com base em materiais supercondutores para a proteção de redes elétricas frente ao crescente aumento no nível de corrente de curtos-circuitos. Módulos comerciais foram submetidos a ensaios de curto-circuito (correntes da ordem de kA) com o objetivo de se analisar a eficácia destes dispositivos na limitação de corrente. Os resultados dos ensaios podem ser considerados satisfatórios, pois os módulos limitadores apresentaram eficiência na limitação de corrente.

limitadores de corrente; MCP-BSCCO-2212; curto-circuito


In this paper we present a study about fault current limiters based on superconducting materials for the protection of electrical networks considering the increase in the level of short circuit current. Commercial modules were submitted to short-circuit tests (currents in order of kA) with the aim of analyzing the effectiveness of these devices in current limitation. The test results can be considered satisfactory because the limiters modules were efficient in current limitation.

fault current limiters; MCP-BSCCO-2212; fault current


ARTIGOS GERAIS

Limitadores de corrente de curto-circuito supercondutores: principais conceitos e testes

Superconducting fault current limiters: main concepts and tests

Wescley Tiago B. de SousaI,II,1 1 E-mail: wescley@ufrj.br. ; Alexander PolasekI; Rodrigo DiasI; Rubens de Andrade Jr.II

ICentro de Pesquisas de Energia Elétrica, Eletrobras, Ilha da Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IILaboratório de Aplicação de Supercondutores, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Neste trabalho foi realizado um estudo sobre limitadores de corrente de curto-circuito com base em materiais supercondutores para a proteção de redes elétricas frente ao crescente aumento no nível de corrente de curtos-circuitos. Módulos comerciais foram submetidos a ensaios de curto-circuito (correntes da ordem de kA) com o objetivo de se analisar a eficácia destes dispositivos na limitação de corrente. Os resultados dos ensaios podem ser considerados satisfatórios, pois os módulos limitadores apresentaram eficiência na limitação de corrente.

Palavras-chave: limitadores de corrente, MCP-BSCCO-2212, curto-circuito.

ABSTRACT

In this paper we present a study about fault current limiters based on superconducting materials for the protection of electrical networks considering the increase in the level of short circuit current. Commercial modules were submitted to short-circuit tests (currents in order of kA) with the aim of analyzing the effectiveness of these devices in current limitation. The test results can be considered satisfactory because the limiters modules were efficient in current limitation.

Keywords: fault current limiters, MCP-BSCCO-2212, fault current.

1. Introdução

Em sistemas elétricos de potência, curto-circuitos podem ser causados por falhas ou envelhecimento de isolamentos, raios que atingem a rede ou até mesmo objetos que conectam os cabos condutores ao solo (ou entre os mesmos) e causam o curto. A corrente gerada devido ao curto-circuito pode ser até 100 vezes maior que a corrente nominal do sistema (corrente do sistema sob condições normais). Por esta razão, todo o sistema de distribuição de energia elétrica possui dispositivos de segurança (por exemplo, disjuntores) para extinguir as elevadas correntes na ocorrência de um curto-circuito. Os equipamentos do sistema elétrico também devem ser capazes de suportar as elevadas correntes de curto-circuito até a completa abertura dos disjuntores.

No decorrer dos anos, com o aumento de consumo e, consequentemente, da geração de energia elétrica, curtos-circuitos em sistemas elétricos vêm ocorrendo com mais frequência. A inserção de novas usinas geradoras não previstas previamente na construção do sistema atual, o aumento de interconexões do sistema elétrico e usinas próximas a centros urbanos, contribuem para o aumento dos níveis das corrente de curto-circuito. Desse modo, temos a superação da capacidade dos equipamentos (transformadores, barramentos, disjuntores, etc), ou seja, equipamentos que não foram projetados para suportar os novos e elevados níveis de corrente de curto.

Um estudo realizado em [1], revela que determinadas subestações do estado do Rio de Janeiro podem vir a apresentar problemas, como a superação da capacidade de interrupção dos disjuntores, caso uma nova usina geradora venha a ser instalada para suprir a demanda de energia elétrica. Problemas como este se tornam mais comuns no mundo todo a cada dia.

Os principais meios para resolver ou contornar este problema consistem na troca de todos os equipamentos superados, na reconfiguração do sistema ou no emprego de dispositivos que reduzam a amplitude da corrente para níveis aceitáveis pelos equipamentos na ocorrência de um curto-circuito (limitadores de corrente). A troca dos equipamentos superados pode ser inviável, tanto economicamente quanto operacionalmente, devido à necessidade de longas paradas nas subestações. Modificações na rede, tais como o seccionamento de barramentos, a radialização de circuitos e a divisão em circuitos de menor capacidade, representam apenas soluções provisórias, por reduzirem a flexibilidade e a confiabilidade do sistema.

Limitadores de corrente são dispositivos capazes de atenuar, ou até mesmo, de bloquear picos de sobrecorrente com rapidez suficiente para que os disjuntores possam então atuar com segurança. Deste modo, a aplicação destes dispositivos apresenta-se como solução de longo prazo mais viável do que a recapacitação de uma subestação, mantendo e aumentando a estabilidade, a confiabilidade e a qualidade do fornecimento de energia elétrica, além de prolongar a vida útil dos equipamentos superados.

Limitadores de corrente a base de materiais supercondutores de alta temperatura crítica tem sido estudados por vários grupos de pesquisas e alguns já foram instalados em subestações para testes [2]. Tais limitadores são considerados uma das tecnologias mais promissoras dentre os limitadores de corrente em desenvolvimento [3]. Neste trabalho, apresentaremos os principais conceitos de limitadores de corrente supercondutores além de testes de curto-circuitos realizados no Laboratório de Altas Correntes do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Eletrobras CEPEL).

Materiais supercondutores apresentam resistência nula (R = 0) quando se encontram abaixo de uma temperatura crítica, a qual denominamos Tc. Tais materiais ainda devem transportar densidades de correntes menores que um determinado valor (densidade de corrente crítica Jc) e não estarem expostos a campos magnéticos elevados (campo magnético crítico Hc). Caso algum destes três parâmetros seja superado, o estado supercondutor do material deixa de existir e o material passa a se comportar como um resistor ôhmico normal.

2. Limitadores de corrente supercondutores (LCS)

O emprego de materiais supercondutores em aplicações tecnológicas tem se desenvolvido amplamente após a descoberta de materiais supercondutores de alta temperatura crítica. O primeiro grande teste realizado com um limitador supercondutor foi em 1996 quando a empresa Asea Brown Boveri (ABB) testou um limitador do tipo indutivo em uma rede suíça de 10 kV, com potência de 1,2 MVA.

A empresa alemã Nexans Superconductors conseguiu desenvolver em 2003 um bom limitador resistivo, denominado CURL10, fazendo uso do material Bi-2212 [2]. Estes limitadores possuem formato de bobina com duplo enrolamento de material supercondutor e foram testados em uma rede de distribuição alemã de 10 kV, com potência de 10 MVA [4]. Limitadores de corrente feitos com fitas supercondutoras também são estudados e despertam grande interesse, já que estes podem ocasionar uma redução de custo [5] e na produção em larga escala. A maioria dos protótipos ainda estão em nível de testes e fase de homologação. Os primeiros limitadores supercondutores comerciais foram instalados para testes pela Nexans Superconductors GmbH em uma rede de distribuição de 12 kV.

As principais características destes limitadores não são encontradas em dispositos limitadores convencionais, e são:

  • Rápido tempo de atuação ⇒ atuam com eficiência em meio ciclo de corrente;

  • Grande capacidade de limitação ⇒ limitadores supercondutores do tipo resistivo podem limitar a corrente de falta em até 10 vezes, dependendo da configuração do circuito;

  • Não precisam ser substituídos ⇒ quando submetido a uma corrente de falta o material supercondutor que compõe o limitador apenas transiciona ao seu estado normal. Após a falta é necessário apenas um determinado tempo para que o material supercondutor retorne ao seu estado de resistividade nula, podendo assim, operar novamente;

  • Atuam sem auxílio de sensores ⇒ alguns limitadores convencionais necessitam de sensores ou chaves para que a falta possa ser detectada e então ser acionada a limitação. Nos limitadores supercondutores a limitação ocorre devido à propriedade intrínseca do material em alterar o valor de sua resistividade quando submetido à altas correntes;

  • São leves e menores (especialmente no caso do tipo resistivo) quando comparados com os demais limitadores;

  • São "invisíveis'' em condições normais ⇒ sob condições normais de operação de um sistema elétrico, estes dispositivos apresentam resistência desprezível e podem ser projetados para apresentarem indutância reduzida, evitando assim, quedas de tensão e dissipação de energia;

  • Falha segura ⇒ mesmo se o limitador falhar, ele irá limitar a corrente. Um defeito no sistema criogênico ou qualquer outro problema durante um curto circuito, fará com que o material transite para o estado normal e apresente resistividade diferente de zero, limitando a corrente de curto-circuito.

Neste trabalho iremos nos concentrar no estudo dos LCS's resistivos. No entando, é importante uma breve revisão dos principais modelos de LSC's.

2.1. Principais modelos

Existem três principais modelos para limitadores de corrente supercondutores: o tipo Resistivo, que faz uso da propriedade de resistividade nula dos supercondutores; o tipo Indutivo, que se baseia no efeito Meissner e o tipo híbrido, que é uma combinação de ambos os modelos.

2.1.1. Tipo resistivo

Este tipo de limitador é composto de um elemento supercondutor inserido em série no sistema a ser protegido (Fig. 1). Em condições normais de operação, o material supercondutor se encontra no estado de resistência nula e não dissipa energia. Na ocasião de um curto-circuito o valor da densidade de corrente crítica (Jc) é superado e o material supercondutor transiciona para o estado normal, se tornando um resistor ôhmico que passa a dissipar energia. Dessa maneira a corrente de curto circuito é reduzida.


Atualmente os limitadores resistivos podem ser encontrados como blocos massivos (bulks) ou fitas. Normalmente os limitadores massivos são compostos da cerâmica supercondutora Bi-2212 enquanto que os limitadores com fitas supercondutoras podem ser compostos de Bi-2223 ou YBCO.

Estes limitadores tem as vantagens de apresentarem uma capacidade de redução do curto-circuito maior e mais rápida quando comparado ao tipo indutivo (próxima seção) e são ideais para a aplicação nas redes de distribuição de energia pois não exigem bancos de capacitores para a correção do fator de potência como ocorre nos indutivos [6], além de apresentar um tamanho reduzido quando comparado a outros tipos de limitadores.

2.1.2. Tipo indutivo (limitador de núcleo blindado)

O limitador de corrente supercondutor do tipo indutivo (também conhecido como núcleo blindado) é, basicamente, um "transformador''. O enrolamento primário é conectado em série com o sistema a ser protegido. O enrolamento secundário é supercondutor, e na maioria das vezes, possui somente uma espira, que é um invólucro cilíndrico supercondutor, chamado de blindagem (Fig. 2). Assim, diferentemente do limitador do tipo resistivo, o limitador indutivo só está acoplado magneticamente com o circuito a ser protegido.


O principal conceito deste limitador se baseia nas propriedades magnéticas dos materiais supercondutores. Sob condições normais de operação, o campo magnético, gerado pela bobina de cobre, é blindado pelo invólucro supercondutor (efeito Meissner) e não atinge o núcleo de ferro. Devido a essa blindagem, a impedância do sistema é baixa.

No caso de um curto-circuito, a corrente no enrolamento primário aumenta de maneira considerável, resultando, consequentemente, em um aumento de fluxo magnético no invólucro supercondutor. Conforme o fluxo de campo magnético aumenta, as linhas de fluxo começam a penetrar no material supercondutor (vórtices) e irão, também, penetrar no núcleo de ferro do transformador fazendo com que a impedância do sistema também aumente, diminuindo, assim a amplitude da onda de corrente de curto-circuito.

Em relação ao tipo resistivo, este apresenta maiores pesos e tamanhos devido ao grande volume de ferro necessário para a construção do núcleo magnético do limitador [6].

2.1.3. Tipo híbrido

O limitador supercondutor do tipo híbrido consiste de um transformador com um limitador supercondutor resistivo conectado em série com o enrolamento secundário do transformador, enquanto que o enrolamento primário do transformador é conectado em série com a rede a ser protegida (Fig. 3).


Em condições normais de operação, o material permanece no estado supercondutor, fazendo com que se tenha uma baixa impedância refletida no primário [7]. Na ocorrência de um curto-circuito, a corrente do secundário ultrapassa a corrente crítica do material supercondutor, levando o material a transicionar para o estado normal e, por consequência, gerando uma impedância que antes não existia no circuito. Essa impedância é refletida para o enrolamento primário do transformador e a corrente de curto-circuito é, então, limitada.

2.2. O limitador MCP-BSCCO-2212

Nesta secção daremos detalhes sobre o limitador resistivo MCP-BSCCO-2212 (Nexans Superconductors GmbH), uma vez que este foi o modelo estudado e testado.

A sigla MCP vem do inglês Melt Casting Process (Processo de Moldagem por Fundição) e se refere exclusivamente ao processo de fabrição destes limitadores. Este processo foi inicialmente desenvolvido no final da década de 80 e tem os seguintes itens como principais características [8–10];

  • Síntese relativamente rápida;

  • Maior facilidade de obter diversas geometrias com diferentes tamanhos;

  • Boas qualidades de material supercondutor (densidade de corrente crítica, dependência com campo magnético e temperatura crítica relativamente alta);

  • Possibilidade de aplicação de contatos elétricos na forma de fitas;

  • Boa homogeneidade do material (comparado a outros métodos).

Embora seja um processo muito eficaz na fabricação destes dispositivos, no que se refere às caraterísticas de materiais supercondutores, o resultado é um material massivo e não homogêneo, ou seja, é possivel que existam regiões do material supercondutor com propriedades distintas. Isto significa dizer que podem existir no mesmo material diferentes áreas com valores diferentes de Jc e Tc. A Fig. 4 mostra medidas de Resistência x Temperatura para duas amostras retiradas de um mesmo limitador onde podemos notar diferenças na resistência do matarial supercondutor, indicando diferenças nas propriedades do material.


Como consequência destas heterogeneidades temos diferentes taxas de aquecimento no mesmo material na ocorrência de um curto-circuito. Estas diferentes taxas fazem com que uma determinada região transicione para o estado normal antes das demais regiões, gerando o que chamamos de hot spot [2], ou seja, o sobreaquecimento de uma certa região em relação as outras.

O surgimento de hot-spots é totalmente indesejável, já que a região que transitar precocemente será responsável por dissipar sozinha toda a energia do curto-circuito. Obviamente que este excesso de potência em uma pequena região irá causar sérios danos ao limitador, como por exemplo, a degradação de suas propriedades ou até a completa destruição do dispositivo.

Para evitar o surgimento de hot-spots, é comum o uso de um material metálico, comumente chamado de resistor shunt, soldado ao material supercondutor. Dessa forma, a corrente é desviada da região sobreaquecida evitando assim a danificação do dispositivo (Fig. 5). A passagem de corrente pelo shunt resulta em um aquecimento do mesmo. Por estar em contato com o material supercondutor, haverá transferência de calor do shunt para o supercondutor, fazendo com que a transição ocorra de maneira homogênea. Este shunt deve estar em contato com o supercondutor por todo o comprimento do mesmo já que a previsão das regiões onde ocorrem os hot-spots não é possível.


Geralmente o shunt é composto por ligas metálicas a base de CuNi ou CuNiMn. Uma importante questão é como este shunt é soldado ao material supercondutor. A fim de evitar uma degradação do material supercondutor, uma solda de baixo ponto de fusão é usada (Figs. 5 e 6). Esta solda apresenta resistividade na ordem de 1 µOhm.cm e deve constar de uma camada fina (aproximadamente 0,2 mm ) entre shunt e o supercondutor uma vez que temperaturas acima do ponto de fusão podem ser alcançadas durante um curto-circuito podendo resultar em danos permanentes na solda [10].


A bobina supercondutora necessita ainda de uma estabilização mecânica uma vez que a mesma estará sujeita a forças de compressão térmica, que é justificada pelo alto coeficiente de expansão térmica do shunt metálico, quando comparado ao material cerâmico, e também devido às forças eletromecânicas durante o curto-circuito. Para compensar estas forças mecânicas um tubo polimérico reforçado com fibras (Fiber Reinforced Plastics - FRP) é colado coaxialmente e na parte interna do material supercondutor [10].

A Fig. 6 mostra com detalhes a composição de um dispositivo limitador de corrente supercondutor do tipo MCP-BSCCO-2212 e a Fig. 7 mostra fotografias tiradas de um limitador fabricado pela empresa alemã Nexans Superconductors GmbH.


Neste ponto é importante saber que a densidade de corrente crítica Jc pode ser definida, somente para os supercondutores do tipo II, como a máxima densidade de corrente que um supercondutor pode transportar sem que exista o movimento da rede de vórtices, diferentemente da definição de densidade de corrente crítica utilizada para supercondutores do tipo I onde Jc é a densidade de corrente crítica responsável pela quebra dos pares de Cooper. A densidade de corrente responsável pela quebra dos pares de Cooper em supercondutores do tipo II é conhecida como corrente de depareamento (depairing current density) e seu valor pode ser bem superior ao valor da densidade de corrente Jc responsável pelo movimento de vórtices. O valor da densidade de corrente de depareamento é uma propriedade intrínseca dos materiais supercondutores enquanto o valor de Jc é uma propriedade extrínseca e depende do modo de fabricação do material [11, 12]. Dessa maneira os limitadores de corrente supercondutores são produzidos de maneira a suportar as correntes nominais das redes de distribução sem que transitem para o estado normal, passando a apresentar resistência elétrica apenas quando a corrente do sistema aumentar de maneira significativa, que é o caso de corrente de curto-circuito. Em outras palavras, a corrente nominal de uma rede elétrica deve ter um valor de modo a não superar a Jc do limitador supercondutor ligado a ela, para que não ocorra a dissipação de energia quando a rede opera normalmente. Na ocorrência de um curto-circuito, a densidade de corrente que atravessa o supercondutor será maior que Jc ocasionando, então, no movimento de vórtices e, consequentemente, resultando numa dissipação de energia na forma de calor que fará com que o material se aqueça e atinja uma temperatura maior que Tc. Como consequência deste aumento de temperatura acima de Tc, o material transita para o estado normal passando a apresentar resistência elétrica e, desse modo, limitando a corrente de curto-circuito. É importante ressaltar que em um material supercondutor granular de alta temperatura crítica como Bi-2212, a rede de vórtices dificilmente será como a rede de Abrikosov [13].

3. Testes

Para a demostração da capacidade de limitação destes dispositivos, os mesmos foram submetidos a testes de curto-circuito no Laboratório de Alta Corrente do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica. O circuito de ensaios é composto de dois transformadores (Fig. 8). O primeiro abaixa a tensão obtida de uma linha de transmissão de Furnas de 138 kV para 4,16 kV e o segundo abaixa uma tensão Va, controlada pelos valores da resistência R e da indutância L, para um valor Vo desejado. O curto-circuito é controlado pela abertura ou fechamento da chave S.


Doze módulos LCS's, semelhantes ao mostrado na Fig. 7, ligados em série no secundário do segundo transformador (Fig. 9) foram imersos em nitrogênio liquido (77 K) e submetidos aos testes apresentados na Tabela 1. Nesta tabela, o valor de corrente prospectiva corresponde à corrente de curto-circuito, ou seja, a corrente do circuito sem os limitadores de corrente. Tais dispositivos apresentam corrente crítica (Ic) na ordem de 500 A (pelo critério de 1 µV/cm). O valor de (Ic) é obtido pelo levantamento da curva V x I e foi fornecida pelo fabricante dos limitadores, Nexans Superconductors GmbH. Em todos os testes, a tensão Vo aplicada foi de 1,0 kVrms


Para analisarmos quão eficiente é a limitação de corrente pelo conjunto de LCS's, definimos um índice de limitação de corrente de crista β como sendo a razão do valor do primeiro pico de corrente limitada Pcl (corrente do circuito com os limitadores) pelo valor do primeiro pico da corrente prospectiva Pcp, ou seja,

Assim, quanto mais próximo de zero for o valor de β, melhor será a limitação, e quanto mais próximo de 1, pior será a limitação.

4. Resultados

Nas Figs. 10 e 11 podemos observar os resultados do TesteA. A Fig. 10 mostra a comparação entre corrente do circuito sem os limitadores (prospectiva) e a corrente com os limitadores entre 0,0 s e 0,3 s de curto-circuito enquanto a Fig. 11 mostra a comparação entre 0,7 s e 1,0 s.



É possivel observar em ambas as figuras que, para o TesteA, a limitação de corrente não ocorre. Isto porque a corrente crítica destes limitadores é da ordem de 500 A e os picos da corrente prospectiva não ultrapassam este valor. De acordo com a Tabela 2, que mostra os valores de β para todos os testes realizados, o valor de β para este teste é 0,97. Assim, vemos que a limitação de corrente praticamente não existe neste caso. Este é um resultado importante, pois nos indica que o conjunto de LCS's praticamente não interfere na corrente de um circuito elétrico que apresente corrente nominal menor que o valor Ic do material supercondutor.

Nos testes seguintes (TesteB, TesteC e TesteD), aumentamos os valores da corrente prospectiva, como descrito na Tabela 1. Nas Figs. 12, 13 e 14 observamos os resultados para estas aplicações.




Podemos observar uma limitação mais efetiva no caso de uma corrente prospectiva maior. No TesteB notamos que a amplitude da onda de corrente limitada vai diminuindo mais lentamente em comparação com todos os demais resultados mostrados. Este resultado é característico de uma transição mais lenta devido à corrente prospectiva relativamente baixa utilizada. Isto porque a taxa de aumento de temperatura do material supercondutor depende da corrente que o atravessa. Desse modo, quando a corrente de curto-circuito do sistema for relativamente baixa, o aumento de temperatura será lento, ocasionando num tempo maior para atingir a temperatura crítica Tc, ou seja, fazendo com que a transição do material supercondutor para o estado normal seja mais longa [11].

Nos últimos três testes observamos que o primeiro pico de corrente limitada é maior que os demais. Isto está relacionado à transição do material do estado supercondutor para o estado normal, i.e., durante os primeiros instantes a transição para o estado normal ainda está ocorrendo, de forma que o movimento dissipativo dos vórtices está em seu início. Após a transição, a resistência do material supercondutor se torna maior que a resistência do shunt e, como o valor da resistividade deste tem pouca dependência com sua temperatura podemos observar um regime quase estacionário na corrente limitada, pois agora, a maior parte da corrente flui pelo resistor shunt.

5. Conclusões

No presente trabalho, foram realizados testes de limitação de corrente com um conjunto de módulos limitadores de corrente supercondutores (LCSC's) conectados em série. Estes módulos baseiam-se em elementos helicoidais à base do supercondutor Bi-2212 na forma massiva (bulk). Embora a eficiência da limitação dependa do valor da corrente de curto-circuito, os resultados se mostram satisfatórios uma vez que, quanto maior a corrente prospectiva, melhor a limitação de corrente. Desse modo os LCSC's se apresentam como uma das principais soluções para o problema do aumento das correntes de curto-circuito do sistema elétrico.

Recebido em 24/1/2012; Aceito em 8/5/2012; Publicado em 10/12/2012

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2012
    • Aceito
      08 Maio 2012
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