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Sobre o estado presente do problema da radiação

Zum gegenwärtigen stand des strahlungsproblems

ARTIGOS DE EINSTEIN E ENSAIOS SOBRE SUA OBRA

Sobre o estado presente do problema da radiação* * Tradução de Carola Dobrigkeit Chinellato. Instituto de Física Gleb Wataghin, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Zum gegenwärtigen stand des strahlungsproblems

A. Einstein

Nos últimos tempos têm aparecido nesta revista manifestações de opinião dos senhores H.A. Lorentz [1], Jeans [2] e Ritz [3], que são apropriadas para permitir reconhecer o estado presente deste problema extremamente importante. Na opinião de que seja vantajoso que todos aqueles que pensaram seriamente sobre este assunto comuniquem as suas opiniões, mesmo que não consigam avançar até o resultado final, comunico o seguinte.

1. A forma mais simples na qual nós podemos expressar as leis da eletrodinâmica estabelecidas até o presente é dada através das equações diferenciais parciais de Maxwell-Lorentz. Ao contrário do senhor Ritz3, eu vejo aquelas formas, nas quais aparecem funções retardadas, apenas como formas matemáticas auxiliares. Eu me vejo obrigado a isto, primeiramente, porque aquelas formas não incluem em si o princípio da energia, enquanto eu acredito que deveríamos nos agarrar à rigorosa validade do princípio da energia até que tenhamos achado razões importantes para renunciar a esta estrela guia. É certamente verdade que as equações de Maxwell para o vácuo, tomadas por si só, não dizem nada, que elas apenas representam uma construção intermediária; como é sabido, exatamente o mesmo pode ser dito das equações de movimento de Newton, bem como de toda teoria que ainda necessita de um complemento por outras teorias, para poder fornecer uma visão de um complexo de fenômenos. O que diferencia as equações diferenciais de Maxwell-Lorentz das formas que contêm funções retardadas é a circunstância de que elas fornecem, para cada instante de tempo e precisamente em relação a cada sistema de coordenadas não acelerado, uma expressão para a energia e para a quantidade de movimento do sistema em consideração. Em uma teoria que opera com forças retardadas, não se pode, de maneira nenhuma, descrever o estado instantâneo de um sistema sem utilizar, para essa descrição, estados anteriores do sistema. Por exemplo, se uma fonte de luz A emitiu um complexo de luz em direção a um anteparo B, mas esse ainda não atingiu o anteparo, então, segundo as teorias que operam com forças retardadas, o complexo de luz não é representado por nada além dos processos que ocorreram na emissão anterior no corpo emissor. A energia e a quantidade de movimento devem, então - caso não queiramos renunciar completamente a essas grandezas - ser representadas como integrais no tempo.

Agora, na verdade, o senhor Ritz afirma que nós somos forçados pela experiência a abandonar as equações diferenciais e a introduzir os potenciais retardados. Entretanto, a sua justificativa não me parece ser convincente.

Se colocarmos com Ritz

e

então f1 , bem como f2 , são soluções da equação

e, portanto, também

f3 = a1f1 + a2f2

é uma solução, se a1 + a2 = 1. Entretanto, não é correto que a solução f3 seja uma solução mais geral1 1 As palavras ou trechos em itálico foram enfatizados pelo autor no artigo original (N.T.). do que f1 , e que se particulariza a teoria colocando a1 = 1, a2 = 0. Colocando

f(x,y,z,t) = f1,

implica em que o efeito eletromagnético no ponto x,y,z é calculado a partir dos movimentos e configurações das quantidades elétricas que tiveram lugar antes do instante t.

Colocando

f(x,y,z,t) = f2,

está-se utilizando para a determinação daquele efeito eletromagnético aqueles movimentos e configurações que tiveram lugar após o instante t.

No primeiro caso, calcula-se o campo eletromagnético a partir da totalidade dos processos que o criaram, e no segundo caso, a partir da totalidade dos processos que o absorveram. Se todo o processo ocorrer em um espaço limitado por todos os lados (finito), podemos representá-lo igualmente na forma

f = f 1

bem como na forma

f = f2.

Se agora estiver sendo considerado um campo que é emitido do finito para o infinito, pode-se utilizar, naturalmente, apenas a forma

f = f1,

porque a totalidade dos processos de absorção não é levada em consideração. Mas se trata aqui de um paradoxo enganoso do infinito. Ambos os modos de representação podem ser sempre empregados, não importando quão longe se imagina que os corpos absorvedores estejam. Portanto, não se pode concluir que a solução f = f1 seja mais especial do que a solução a1f1 + a2f2 , em que a1 + a2 = 1.

Que um corpo não possa "receber energia do infinito, sem que um outro corpo perca um quantum correspondente de energia" também não pode, na minha opinião, ser apresentado como argumento. Primeiramente, se quisermos permanecer com a experiência, não podemos falar do infinito, mas somente de espaços que são exteriores ao espaço em consideração. Além disso, não se pode inferir mais sobre a irreversibilidade dos processos eletromagnéticos elementares a partir da não-observabilidade de um processo deste tipo, do que se pode inferir sobre a irreversibilidade dos processos elementares de movimento dos átomos a partir da segunda lei da termodinâmica.

2. Podemos objetar a concepção de Jeans, em que talvez não seja permitido empregar os resultados gerais da mecânica estatística para cavidades preenchidas com radiação. Ao invés, pode-se também chegar à lei deduzida por Jeans da maneira seguinte [4].

Segundo a teoria de Maxwell, um íon capaz de oscilar em torno de uma posição de equilíbrio na direção do eixo X, apenas emitirá e absorverá, em média, quantidades iguais de radiação por unidade de tempo se, para a autofreqüência n do oscilador, valer a seguinte relação entre a energia média de oscilação n e a densidade de energia da radiação rn:

onde c denota a velocidade da luz. Se o íon oscilante também puder interagir com moléculas de gás (ou, em geral, com algum sistema que puder ser descrito por meio da teoria molecular), então, pela teoria estatística do calor, é necessário que

(R= constante dos gases, N= número de átomos em um átomo-grama, T= temperatura absoluta), se em média nenhuma energia é transferida, pelo oscilador, do gás para o espaço de radiação [5].

Dessas duas equações segue

ou seja, exatamente a lei também encontrada pelos senhores Jeans e H.A. Lorentz2 2 Seja explicitamente notado que esta equacão é uma conseqüência inevitável da teoria estatística do calor. O experimento para questionar a validade geral da Eq. (2), que consta à página 178 do livro há pouco citado de Planck, é baseado, ao que me parece, apenas em uma lacuna nas consideracões de Boltzmann, a qual já foi preenchida, no meio tempo, pelas investigacões de Gibbs. .

3. Não há que duvidar, na minha opinião, de que as nossas visões teóricas atuais levam necessariamente à lei defendida pelo senhor Jeans. Mas podemos considerar como igualmente bem estabelecido que a Eq. (3) não pode ser compatibilizada com os fatos. Por que, então, os corpos sólidos só emitem luz visível quando acima de uma certa temperatura muito finamente determinada? Por que não pulula por aí de raios ultravioleta, se, de fato, a temperatura ordinária eles são continuamente produzidos? Como é possível armazenar em cofres por longo tempo placas fotográficas altamente sensíveis, se estas produzem continuamente ondas curtas? Para outros argumentos, eu remeto para o §166 da obra de Planck várias vezes citada. Assim, de fato teremos que dizer que a experiência nos obriga a descartar ou a Eq. (1), requerida pela teoria eletromagnética, ou a Eq. (2), requerida pela mecânica estatística, ou ainda ambas as equações.

4. Precisamos nos perguntar em qual relação está a teoria da radiação de Planck com a teoria indicada em 2, que tem base nos fundamentos teóricos presentemente aceitos. A resposta a esta pergunta, na minha opinião, é dificultada pelo fato de que à apresentação de Planck de sua própria teoria está ligada uma certa imperfeição lógica. Eu tentarei explicar isto brevemente no que segue.

a) Se adotarmos o ponto de vista de que a irreversibilidade dos processos na natureza é apenas aparente, e que o processo irreversível consista em uma transição para um estado mais provável, então precisaremos dar inicialmente uma definição da probabilidade de um estado, W. A única definição que, na minha opinião, pode ser considerada é a seguinte:

Sejam A1 ,A2 ..... todos os estados que um sistema fechado para o exterior, com um determinado conteúdo de energia, possa assumir, ou, mais precisamente, todos os estados que, com algum meio auxiliar, nós podemos distinguir em um tal sistema. Segundo a teoria clássica, após um certo tempo o sistema assumirá um particular desses estados (por exemplo, ) e então permanecerá neste estado (equilíbrio termodinâmico). Segundo a teoria estatística, o sistema sempre assumirá novamente, em seqüência irregular, todos os estados A1 ,A2.....3 3 Que somente esta última interpretacão é sustentável segue imediatamente das propriedades do movimento browniano. . Se observarmos os sistemas por um tempo suficientemente longo q, então existirá uma certa parcela tn desse tempo tal que durante tn, e somente durante tn, o sistema ocupe o estado An. (A quantidade) /q terá um valor limite que nós denominamos a probabilidade W do estado An considerado.

Partindo desta definição, pode-se mostrar que deve ser satisfeita a seguinte equação para a entropia4 4 No original, Einstein usou lg para o logaritmo (N.T.) .

S = lgW + const.,

em que a constante é a mesma para todos os estados de mesma energia.

b) Nem o senhor Boltzmann, nem o senhor Planck deram uma definição de W.

Eles colocam de maneira puramente formal W = ao número de complexões do estado considerado.

Exigindo então que estas complexões sejam equiprováveis, onde a probabilidade da complexão é definida de maneira análoga àquela da probabilidade do estado definida em a), chega-se exatamente à definição para a probabilidade de um estado dada em a); apenas se usou o elemento lógico desnecessário "complexão" na definição.

Embora a relação indicada entre S e W só seja válida quando a probabilidade da complexão é definida da maneira indicada, ou de maneira equivalente, nem o senhor Boltzmann, nem o senhor Planck definiram a probabilidade de uma complexão. Porém, o senhor Boltzmann reconheceu claramente que a imagem molecular-teórica por ele escolhida lhe prescrevia, de uma maneira bem determinada, a escolha particular das complexões; ele apresentou isso nas páginas 404 e 405 do seu trabalho que apareceu no Wiener Sitzungsberichten do ano 1877, Über die Beziehung...5 5 Compare também [6]. . Também o senhor Planck não teria tido liberdade na escolha das complexões na teoria dos ressonadores da radiação. Ele apenas poderia ter postulado o par de equações

S = lgW

e

W = número de complexões

se ele tivesse acrescentado a condição de que as complexões precisariam ter sido escolhidas de tal maneira que, no modelo teórico escolhido por ele, elas resultassem ser igualmente prováveis com base em considerações estatísticas. Dessa maneira ele teria chegado à fórmula defendida por Jeans. Embora todo físico deva estar feliz que o senhor Planck suplantou esta exigência de maneira tão afortunada, não é apropriado esquecer que a fórmula da radiação de Planck é incompatível com o fundamento teórico do qual o senhor Planck partiu.

5. É fácil ver de que maneira os fundamentos da teoria de Planck podem ser modificados para que a fórmula da radiação de Planck resulte verdadeiramente como conseqüência dos fundamentos teóricos. Eu não dou aqui a derivação respectiva, mas apenas me refiro aos meus trabalhos a este respeito [7]. O resultado é o seguinte: chega-se à fórmula da radiação de Planck quando se

1. Assegura a Eq. (1) entre a energia do ressonador e a densidade de radiação, derivada por Planck a partir da teoria de Maxwell6 6 Isto implica o mesmo que assumir que a teoria eletromagnética da radiacão forneca ao menos valores médios no tempo corretos. Isto, entretanto, dificilmente pode ser questionado, dada a utilidade da teoria na óptica. .

2. Modifica a teoria estatística do calor com a seguinte suposição: uma estrutura que é capaz de desenvolver oscilações com a freqüência n e que, por possuir uma carga elétrica, é capaz de converter energia de radiação em energia da matéria e vice-versa, não pode assumir estados de oscilação de qualquer energia arbitrária, mas apenas aqueles estados de oscilação cuja energia é um múltiplo de hn. Aqui h é a constante assim designada por Planck, que aparece em sua equação da radiação.

6. Já que a modificação dos fundamentos da teoria de Planck há pouco comunicada leva necessariamente a modificações muito profundas das nossas teorias físicas, é muito importante procurar interpretações da fórmula da radiação de Planck que sejam as mais simples possíveis, mutuamente independentes, bem como da lei da radiação em geral, desde que esta última possa ser suposta conhecida. Duas considerações a esse respeito, que se distinguem por sua simplicidade, sejam brevemente comunicadas no que segue.

A equação S = (R/N)lgW foi até agora aplicada principalmente de modo que se pudesse calcular, com base em uma teoria mais ou menos completa, a grandeza W, e, a partir dela, a entropia. Pode-se, entretanto, usar também esta equação de modo inverso, para determinar, com o auxílio dos valores da entropia Sn obtidos experimentalmente, a probabilidade estatística dos estados individuais An de um sistema isolado para o exterior. Uma teoria que forneça valores diferentes para a probabilidade de um estado do que aqueles determinados desse modo deve obviamente ser descartada.

Uma consideração do tipo mencionado para a determinação de certas propriedades estatísticas de radiação térmica contida em uma cavidade já foi feita por mim em um trabalho anterior [8], no qual eu primeiro apresentei a teoria dos quanta de luz. Mas como ali eu partia da fórmula da radiação de Wien, que é válida apenas no limite (para pequenos valores de n/T), quero aqui apresentar uma consideração semelhante, que fornece uma interpretação simples do conteúdo da fórmula da radiação de Planck.

Sejam V e u dois espaços que se comunicam entre si, que sejam delimitados por paredes completamente e difusamente refletoras. Esteja contida nesses espaços radiação térmica no intervalo de freqüência dn. Seja H a energia de radiação contida em dado instante em V, e h aquela contida em dado instante em u. Após um certo tempo vale permanentemente, dentro de certa aproximação, a proporção H0 : h0 = V : u. Em um instante de tempo escolhido arbitrariamente, h desviará de h0 de acordo com uma lei estatística, que resulta diretamente da relação entre S e W quando se passa para as diferenciais

dW = const . dh.

Designando, respectivamente, por S e s a entropia da radiação contida nos dois volumes e fazendo h = h0 + e, tem-se

dh = de

e

Como

e assumindo que V seja muito grande comparado com u, esta última equação se reduz a

Contentando-se com o primeiro termo não nulo do desenvolvimento em série, causando um erro que é tanto menor, quanto maior for u comparado com o cubo do comprimento de onda da radiação, obtém-se

Disto obtém-se para o valor médio e2 do quadrado da flutuação da energia da radiação contida no volume u

Conhecendo a fórmula da radiação, pode-se, a partir dela, calcular s7 7 Conforme, por exemplo, a obra de Planck várias vezes citada, Eq. (230). . Considerando a fórmula da radiação de Planck como expressão da experiência, obtém-se, após um cálculo simples,

Nós obtivemos assim uma expressão facilmente interpretável para o valor médio das flutuações da energia da radiação presente em u. Queremos agora mostrar que a teoria da radiação corrente é incompatível com este resultado.

Segundo a teoria corrente, as flutuações são devidas somente a que os infinitamente muitos raios cruzando o espaço, que constituem a radiação presente em u, interferem uns com os outros, assim fornecendo um valor momentâneo da energia que é ora maior, ora menor do que a soma da energia que os raios individuais forneceriam se eles não interferissem entre si de nenhum modo. Assim, se poderia calcular a grandeza e2 de uma maneira exata que é matematicamente um pouco complicada. Contentamo-nos aqui com uma simples consideração dimensional. As seguintes condições precisam ser satisfeitas:

1. A magnitude da flutuação média depende apenas de l (comprimento de onda), dl, s e u, onde s significa a densidade de radiação relativa a comprimentos de onda (s dl = r dn).

2. Como as energias da radiação em intervalos adjacentes de comprimentos de onda e volumes8 8 Somente se estes forem suficientemente grandes, é claro. são simplesmente aditivas, e as flutuações respectivas são independentes entre si, e2 deve ser proporcional às grandezas dl e u, para l e r dados.

3. tem a dimensão de quadrado de uma energia.

Assim a expressão para e2 está completamente determinada a não ser por um fator numérico (de ordem de grandeza de 1). Desta maneira chega-se à expressão s2l4u dl, que, com a introdução das variáveis acima mencionadas, cai no segundo termo da fórmula para anteriormente desenvolvida. Porém, teríamos obtido somente este segundo termo, se tivéssemos partido da fórmula de Jeans. Ainda se teria que fazer R/Nk igual a uma constante da ordem de grandeza de 1, o que corresponde à determinação de Planck do quantum elementar9 9 Efetuando as considerações de interferência acima mencionadas, obter-se-ia, porventura, R/Nk = 1. . O primeiro termo da expressão acima para e2, que para a radiação visível que nos cerca por toda a parte fornece uma contribuição bem maior do que o segundo, não é então compatível com a teoria atual.

Colocando, com Planck, R/Nk = 1 , então o primeiro termo, se estivesse presente sozinho, forneceria uma flutuação da energia da radiação tal como se a radiação consistisse de quanta pontuais de energia hn se movendo independentemente uns dos outros. Isto pode ser mostrado por um cálculo simples. Seja explicitamente lembrado que o primeiro termo fornece uma contribuição para a flutuação percentual média

tanto maior, quanto menor for a energia h0 , e que a magnitude desta flutuação percentual fornecida pelo primeiro termo é independente de quão grande é o volume u no qual a radiação está distribuída; eu menciono isto a fim de mostrar quão fundamentalmente diferentes são as propriedades estatísticas reais da radiação, daquelas que deveríamos esperar com base na nossa teoria atual, que se baseia em equações diferenciais lineares e homogêneas.

7. No que antecede calculamos as flutuações da distribuição de energia a fim de obter esclarecimentos sobre a natureza da radiação térmica. No que segue será mostrado brevemente como se pode chegar a resultados totalmente correspondentes através do cálculo das oscilações de pressão da radiação, devido a flutuações da quantidade de movimento.

Seja uma cavidade envolta por todos os lados por matéria à temperatura absoluta T, contendo um espelho que pode se mover livremente em uma direção perpendicular à sua normal10 10 Os movimentos do espelho dos quais se fala aqui são completamente análogos ao assim chamado movimento browniano de partículas suspensas. . Se, de início, imaginarmos este se movendo com uma certa velocidade, então, devido a este movimento, mais radiação é refletida no seu lado anterior, do que no seu lado posterior; portanto, a pressão de radiação atuante sobre o lado anterior é maior do que aquela atuante no lado posterior. Então, devido a seu movimento em relação à cavidade, atuará sobre o espelho uma força, comparável a uma fricção, a qual, pouco a pouco, deveria consumir a quantidade de movimento do espelho se, por outro lado, não existisse uma outra causa em movimento que compensasse na média a quantidade de movimento perdida devido àquela força de fricção. Às flutuações irregulares da energia de um espaço de radiação estudadas acima correspondem também flutuações irregulares da quantidade de movimento, ou, respectivamente, flutuações irregulares das forças de pressão exercidas pela radiação sobre o espelho, que deveriam poder ter colocado o espelho em movimento, mesmo que ele estivesse inicialmente parado. A velocidade média de movimento do espelho tem que ser, então, calculada da relação entropia-probabilidade, e a lei das forças de fricção acima mencionadas, da lei da radiação, que é suposta como conhecida. Desses dois resultados calcula-se o efeito das flutuações de pressão, das quais se tira, por sua vez, conclusões no que diz respeito à constituição da radiação, ou - melhor dizendo - no que diz respeito aos processos elementares da reflexão da radiação no espelho.

Seja designada por v a velocidade do espelho no instante t. Devido à força de fricção acima mencionada, esta velocidade diminuirá de Pvt/m no pequeno intervalo de tempo seguinte t, se por m se designa a massa do espelho, por P, a força retardadora que corresponde à unidade de velocidade do espelho. Além disso, nós designamos por D aquela variação da velocidade do espelho durante t, a qual corresponde às flutuações irregulares da pressão da radiação. A velocidade do espelho no instante t + t é

Como condição para que na média v permaneça inalterado durante t, nós obtemos

ou, quando se desconsidera grandezas relativamente infinitesimais e se considera que a média de vD obviamente desaparece:

Nesta equação pode-se inicialmente substituir usando a equação

derivável da equação da entropia-probabilidade. Antes de darmos o valor da constante de fricção P, nós particularizamos o problema tratado pela suposição de que o espelho reflita totalmente radiação em um determinado intervalo de freqüência (entre n e n + dn), mas seja totalmente transparente para radiação de outras freqüências. Por um cálculo que eu omito aqui por motivo de brevidade, obtém-se de uma análise puramente eletrodinâmica a equação para toda distribuição de radiação arbitrária:

caso se designe novamente por r a densidade de radiação na freqüência n e por f, a área do espelho. Por substituição dos valores calculados para e P, obtém-se

Se nós transformamos esta expressão usando a fórmula da radiação de Planck, nós obtemos:

A grande analogia desta relação com aquela deduzida na seção anterior para a flutuação da energia () é imediatamente visível11 11 Pode-se escrever aquela na forma (assumindo R/Nk = 1): e 2 = { hrn + } vdn. , e podemos aplicar a esta exatamente as mesmas considerações que àquela. Novamente, de acordo com a teoria atual, a expressão deveria se reduzir ao segundo termo (flutuação devido a interferência). Se o primeiro termo estivesse presente sozinho, então as flutuações da pressão de radiação seriam completamente explicadas pela suposição de que a radiação fosse constituída por complexos pouco extensos, de energia hn, movendo-se independentemente uns dos outros. Também aqui a fórmula afirma que, segundo a fórmula de Planck, os efeitos das duas causas de flutuação citadas se comportam como flutuações (erros), que advêm de causas mutuamente independentes (combinações aditivas dos termos dos quais se compõe o quadrado da flutuação).

8. Na minha opinião, das duas últimas considerações segue irrefutavelmente que a constituição da radiação deve ser diferente da que achamos atualmente. É verdade, como comprova a excelente concordância entre teoria e experimento na óptica, que a nossa teoria atual fornece de maneira correta os valores médios temporais, que são os únicos diretamente observáveis, mas leva necessariamente a leis sobre as propriedades térmicas da radiação que são incompatíveis com a experiência, se se mantém tão somente a relação entropia-probabilidade. O desvio entre os fenômenos e a teoria é tão mais aparente quanto maior for n e quanto menor for r. Para r pequeno, as flutuações temporais da energia de radiação em um dado espaço, ou da força de pressão da radiação sobre uma dada área, são muito maiores do que esperado segundo a nossa teoria atual.

Nós vimos que a lei da radiação de Planck pode ser compreendida recorrendo à hipótese de que a energia de oscilação da freqüência n só possa ocorrer em quanta de magnitude hn. De acordo com o dito acima, não é suficiente a hipótese de que a radiação apenas possa ser emitida e absorvida em quanta desta magnitude, ou seja, que se trate apenas de uma propriedade da matéria emissora ou absorvedora; as considerações 6 e 7 mostram que também as flutuações na distribuição espacial da radiação e aquelas na pressão de radiação resultam tais como se a radiação fosse constituída de quanta da magnitude indicada. É verdade que não se pode afirmar que a teoria quântica siga como uma conseqüência da lei da radiação de Planck, e que outras interpretações estejam excluídas. Entretanto, pode-se, sim, afirmar que a teoria quântica fornece a interpretação mais simples da fórmula de Planck.

Deve ser enfatizado que, essencialmente, as considerações apresentadas não perderiam de maneira nenhuma o seu valor, caso se comprovasse que a fórmula de Planck não seja válida; é precisamente aquela parte da fórmula de Planck que foi suficientemente comprovada pela experiência (a lei da radiação de Wien válida no limite para grandes n/T) que leva à teoria dos quanta de luz.

9. A investigação experimental das conseqüências da teoria dos quanta de luz é, na minha opinião, uma das mais importantes tarefas que a física experimental de hoje tem que resolver. As conseqüências até agora traçadas podem ser classificadas em três grupos.

a) Resultam referências para a energia daqueles processos elementares que estão associados com absorção ou emissão de radiação de determinada freqüência (regra de Stokes; velocidade dos raios catódicos produzidos por luz ou raios X; luminescência do cátodo, etc..). A este grupo também pertence a aplicação interessante que o senhor Stark fez da teoria dos quanta de luz, para explicar a distribuição de energia característica no espectro de uma linha espectral emitida por raios canais [9].

O método de dedução aqui é sempre o seguinte: se um processo elementar gera um outro, então a energia deste último não é maior do que a energia do primeiro. Porém a energia de um dos dois processos elementares é conhecida (de magnitude hn) se o último consistir na absorção ou emissão de radiação de determinada freqüência.

Especialmente interessante seria o estudo das exceções para a lei de Stokes. Para a explicação destas exceções deve ser assumido que um quantum de luz é emitido somente quando o centro emissor em questão tiver absorvido dois quanta de luz. A freqüência de um tal evento, e portanto também a intensidade da luz emitida de comprimento de onda menor do que aquela geradora, deverá, neste caso, ser proporcional ao quadrado da intensidade da luz excitante quando da irradiação pouco intensa (de acordo com a lei da ação da massa), enquanto que a validade da lei de Stokes quando da irradiação pouco intensa leva a esperar proporcionalidade com a primeira potência da intensidade da luz excitante.

b) Se a absorção12 12 É claro que a consideração análoga é válida também inversamente para a produção de luz por processos elementares (por exemplo, por colisões de íons). de cada quantum de luz acarreta um processo elementar de um dado tipo, então E/hn é o número destes processos elementares, se a quantidade de energia E é absorvida por radiação de freqüência n.

Assim, por exemplo, se a quantidade E de radiação de freqüência n é absorvida por um gás sob ionização, então deve ser esperado que E/Nhn moléculas-grama do gás serão ionizadas. Esta relação apenas aparentemente presume o conhecimento de N; é que escrevendo-se a fórmula da radiação de Planck na forma

então E/Rbn é o número de moléculas-grama ionizadas.

Esta relação, que eu já havia apresentado no meu primeiro trabalho [10] sobre este assunto, infelizmente passou desapercebida até agora.

c) O resultado comunicado em 5 leva a uma modificação da teoria cinética do calor específico [11] e a certas relações entre o comportamento óptico e térmico dos corpos.

10. Parece difícil montar um sistema teórico que interprete os quanta de luz de uma maneira completa, do modo como nossa mecânica molecular, em união com a teoria de Maxwell-Lorentz, consegue interpretar a fórmula da radiação defendida pelo senhor Jeans. Que se tratará apenas de uma modificação das nossas teorias atuais, e não de um completo abandono das mesmas, já parece estar implicado no fato de que a lei de Jeans parece ser válida no limite (para pequenos n/T). Um indicativo de como aquela modificação poderia ser realizada é dado por uma análise dimensional realizada, há alguns anos, pelo senhor Jeans, a qual é, na minha opinião, extremamente importante, e que apresentarei brevemente - modificada em alguns pontos - no que segue.

Imaginemos que em um espaço fechado estejam presentes um gás ideal, radiação, bem como íons, e que estes últimos, devido à sua carga, possam mediar uma troca de energia entre gás e radiação. É de se esperar que, em uma teoria da radiação ligada à consideração deste sistema, as seguintes grandezas desempenhem um papel, ou seja, deverão estar presentes na expressão para a densidade de radiação r a ser obtida:

a) A energia média h de uma estrutura molecular (a menos de um fator numérico, sem nome, igual a RT/N),

b) A velocidade da luz c,

c) O quantum elementar da eletricidade e,

d) A freqüência n.

Da dimensão de r pode-se agora, por consideração exclusivamente das dimensões das quatro grandezas mencionadas, determinar de maneira simples qual deve ser a forma da expressão para r. Substituindo-se para h o valor RT/N, obtém-se

onde

onde y designa uma função que permanece indeterminada. Esta equação contém a lei do deslocamento de Wien, cuja validade dificilmente pode ainda ser colocada em dúvida. Isto deve ser compreendido como uma comprovação de que, além das quatro grandezas introduzidas acima, não há outras grandezas que tenham dimensão que desempenhem um papel na lei da radiação.

Disso concluímos que, exceto por fatores numéricos adimensionais que aparecem nos desenvolvimentos teóricos e que naturalmente não podem resultar de uma consideração dimensional, os coeficientes e2/c4 e Re2/Nc que aparecem na equação para r devem ser numericamente iguais aos coeficientes que aparecem na fórmula da radiação de Planck (ou Wien). Como aqueles fatores numéricos adimensionais indeterminados dificilmente poderão mudar essencialmente a ordem de grandeza, podemos colocar, no tocante à ordem de grandeza13 13 A fórmula de Planck diz: . :

A segunda destas equações é aquela mediante a qual o senhor Planck determinou os quanta elementares da matéria ou da eletricidade. Com relação à expressão para h, cabe notar que

h = 6.10–27

e

= 7.10–30.

Faltam, então, aqui, 3 decimais. Mas isto provavelmente poderia ser atribuído ao fato de que os fatores adimensionais são desconhecidos.

O mais importante desta derivação está no fato de que, por ela, a constante do quantum de luz h é relacionada ao quantum elementar e da eletricidade. Deve ser lembrado que o quantum elementar e é um estranho na eletrodinâmica de Maxwell-Lorentz14 14 Compare com Levi-Civita. Comptes Rendus 1907: Sur le Mouvement etc.. ( Sobre o Movimento etc..). . Deve-se recorrer a forças estranhas a fim de construir o elétron na teoria; costuma-se introduzir um arcabouço rígido, que deve evitar que as massas elétricas do elétron se desfaçam em pedaços sob a influência de sua interação elétrica. Parece-me agora que da relação h = e2/c sai que a mesma modificação da teoria que contém como conseqüência o quantum elementar e também conterá, como conseqüência, a estrutura quântica da radiação. A equação fundamental da óptica

terá que ser substituída por uma equação na qual aparece também a constante universal e (provavelmente o quadrado da mesma) em um coeficiente. A equação procurada (ou seja, o sistema de equações procurado) deve ser homogêneo nas dimensões. Ela deve recair em si mesma sob aplicação da transformação de Lorentz. Ela não pode ser linear e homogênea. Ela deve - ao menos se a lei de Jeans for realmente válida no limite para pequenos n/T - levar no limite à forma D(j) = 0 para grandes amplitudes.

Eu ainda não tive êxito em achar um sistema de equações correspondendo a essas condições, que me pudesse parecer apropriado para a construção do quantum elementar da eletricidade e dos quanta de luz. Mas a variedade de possibilidades não me parece ser tão grande a ponto de fazer recuar diante desta tarefa.

Addendo

Do que foi dito sob 4 no presente trabalho, o leitor poderia facilmente ter a impressão errada sobre o ponto de vista que o senhor Planck toma frente à sua própria teoria da radiação térmica. Portanto, eu julgo oportuno considerar o que segue.

O senhor Planck salientou em vários pontos do seu livro que a sua teoria não deveria ser ainda entendida como algo pronto, completo. Por exemplo, no fim do seu prólogo ele diz textualmente: ''Eu considero importante, entretanto, também salientar especialmente neste ponto o fato, como elaborado em maior detalhe no último parágrafo do livro, de que a teoria aqui desenvolvida não tem, de maneira nenhuma, a pretensão de ser totalmente completa, se bem que ela abra, como eu creio, um caminho trilhável para enxergar os processos da radiação de energia segundo o mesmo ponto de vista daquele do movimento molecular."

As discussões pertinentes no meu tratado não devem ser compreendidas como uma objeção (no sentido próprio da palavra) contra a teoria de Planck, mas sim somente como uma tentativa de formular e aplicar o princípio da entropia-probabilidade de maneira mais rigorosa do que tem sido feito até agora. Uma formulação mais rigorosa desse princípio era necessária porque, sem ela, os próximos desenvolvimentos no tratado, em que é concluído sobre a estrutura molecular da radiação, não teriam estado suficientemente fundamentados. Para que a minha concepção do princípio não parecesse como algo escolhido ad hoc ou arbitrário, eu precisava mostrar por que a formulação corrente ainda não me satisfazia completamente.

Berna, janeiro de 1909 (recebido em 23 de janeiro de 1909).

Referências

[1] H.A. Lorentz, esta revista 9, 562-563 (1908).

[2] J.H. Jeans, esta revista 9, 853-855 (1908).

[3] W. Ritz, esta revista 9, 903-907 (1908).

[4] A. Einstein, Ann. d. Phys 17, 133-136 (1905).

[5] M. Planck, Ann. d. Phys. 1, 99 (1900) M. Planck, Vorlesungen über die Theorie der Wärmestrahlung (Preleções sobre a teoria da radiação térmica), 3º. cap.

[6] L. Boltzmann, Vorlesungen über Gastheorie (Preleções sobre a teoria dos gases), v. I, p. 40, linhas 9-23.

[7] A. Einstein, Ann. d. Phys. (4) 20 (1906) e Ann d. Phys. (4) 22 (1907), §I.

[8]A. Einstein, Ann. d. Phys. (4) 17, 132-148 (1905).

[9] J. Stark, esta revista 9, 767 (1908).

[10] A. Einstein, Ann. d. Phys. (4) 17, 132-148 (1905), §9.

[11]A. Einstein, Ann. d. Phys. (4) 22, 180-190 e 800 (1907).

Publicado em Physikalische Zeitschrift 10, 185-193 (1909)

  • *
    Tradução de Carola Dobrigkeit Chinellato. Instituto de Física Gleb Wataghin, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
  • 1
    As palavras ou trechos em itálico foram enfatizados pelo autor no artigo original (N.T.).
  • 2
    Seja explicitamente notado que esta equacão é uma conseqüência inevitável da teoria estatística do calor. O experimento para questionar a validade geral da Eq. (2), que consta à página 178 do livro há pouco citado de Planck, é baseado, ao que me parece, apenas em uma lacuna nas consideracões de Boltzmann, a qual já foi preenchida, no meio tempo, pelas investigacões de Gibbs.
  • 3
    Que somente esta última interpretacão é sustentável segue imediatamente das propriedades do movimento browniano.
  • 4
    No original, Einstein usou lg para o logaritmo (N.T.)
  • 5
    Compare também [6].
  • 6
    Isto implica o mesmo que assumir que a teoria eletromagnética da radiacão forneca ao menos valores médios no tempo corretos. Isto, entretanto, dificilmente pode ser questionado, dada a utilidade da teoria na óptica.
  • 7
    Conforme, por exemplo, a obra de Planck várias vezes citada, Eq. (230).
  • 8
    Somente se estes forem suficientemente grandes, é claro.
  • 9
    Efetuando as considerações de interferência acima mencionadas, obter-se-ia, porventura,
    R/Nk = 1.
  • 10
    Os movimentos do espelho dos quais se fala aqui são completamente análogos ao assim chamado movimento browniano de partículas suspensas.
  • 11
    Pode-se escrever aquela na forma (assumindo
    R/Nk = 1): e
    2 = {
    hrn +
    }
    vdn.
  • 12
    É claro que a consideração análoga é válida também inversamente para a produção de luz por processos elementares (por exemplo, por colisões de íons).
  • 13
    A fórmula de Planck diz:
    .
  • 14
    Compare com Levi-Civita. Comptes Rendus 1907:
    Sur le Mouvement etc.. (
    Sobre o Movimento etc..).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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