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Tecnologias de eletricidade limpa podem resolver a crise climática

Clean electricity technologies might solve the climate crisis

Resumos

Enquanto o aquecimento global avança e começa a mostrar o quão dramático pode ser, um fato novo traz boa esperança. O custo tanto da eletricidade fotovoltaica quanto da eólica está caindo em ritmo muito rápido. Este é um muito oportuno exemplo do efeito do aprendizado na produção de bens. Enquanto a experiência avança, o custo de produção de cada unidade do referido produto decresce. Quantitativamente, esse fenômeno é descrito pela lei de Wright, que diz: cada vez que a produção acumulada de um produto dobra, o custo de cada unidade cai por fator fixo e especifico do produto. O efeito é mais perceptível em bens de produção comercial recente, como é o caso tanto de painéis solares quanto de usinas de eletricidade eólica. Eletricidade produzida tanto pela luz solar quanto pela força do vento já é mais barata do que a de usinas movidas por combustíveis fósseis, e seu preço continua a cair em ritmo incrível. É razoável prever que a neutralidade de carbono seja alcançada mais cedo do que o prometido pelos governos. O Brasil, intensamente ensolarado e com grande potencial eólico, vem explorando, embora com certo atraso, esses recursos para tornar sua eletricidade ainda mais limpa.

Palavras-chave:
Eletricidade fotovoltaica; eletricidade eólica; baterias de lítio; lei de Wright


As the global heating advances and starts to show how dramatic it can be, a new fact brings really good hopes. I happens that the cost of both photoelectric and wind power electricity is decreasing at a very fast pace. This is a very well-timed example of the effect of the learning experience on the production of a good. As the experience advances with the cumulative production, the cost of a unit decreases. This phenomenon is quantitatively described by the Wright’s law, that says: every time the cumulative production of a product doubles, its cost decreases by a fixed factor, specific of that product. Its effect is more perceptible in products of recent commercial production, as is the case with both solar panels and wind moved electrical plants. Electricity produced by both sun light and wind power is already cheaper than that produced by burning fossil fuels, and its cost continues to decrease at incredible pace. It is reasonable to hope that the carbon neutrality will be achieved sooner than promised by governments. Brazil, quite sunny and endowed with large wind power potential, with some delay is exploiting those resources to make its electric energy even cleaner.

Keywords
Photovoltaic electricity; wind power; lithium batteries; Wright’s law


1. Introdução

A motivação deste artigo é trazer ao leitor dados amplamente reconhecidos que têm gerado uma onda crescente de otimismo no enfrentamento do enorme problema ambiental causado pelo excessivo uso de combustíveis fósseis. Por dois séculos, carvão, e mais tarde petróleo e gás natural tem fornecido a energia necessária para o crescimento na era industrial. Esses fósseis são baratos e abundantes, mas infelizmente sua combustão gera gases de efeito estufa que têm gerado crescente aquecimento global. As calamidades do aquecimento chegaram mais cedo do que se pensava, e se mostram também mais severas.

Em meados do século passado, a fissão nuclear, principalmente do urânio, despontou como fonte muito promissora de energia. Mas os reatores nucleares geraram temor bastante generalizado na população e nos meios científicos. O controle da fissão nuclear não pareceu suficientemente seguro. Um reator descontrolado pode emitir enorme quantidade de material radioativo, capaz de causar grandes danos à saúde dos seres humanos e dos animais. Mesmo operando normalmente, reatores de fissão produzem lixo radioativo cujo armazenamento seguro é desafiador. Entre o perigo de acidentes com reatores, repentinos e de difícil controle, e o da queima de combustíveis fósseis, previsto para um futuro longínquo, optamos pelo último. Entre o urânio e o carbono, optamos por este, e pelo aquecimento que talvez nem se tornasse tão grave.

Na verdade, a queima de combustíveis fósseis, e mesmo de lenha e resíduos orgânicos tem outra grave consequência. A fumaça e outros produtos do fogo geram poluição do ar, que causa um número enorme de mortes a cada ano. Não é fácil medir o número de mortes humanas resultantes da poluição do ar, e por isso as estimativas de diferentes instituições divergem consideravelmente. Segundo a Organização Mundial as Saúde – OMS, em 2019 a poluição do ar ambiental (outdoor) causou 4,2 milhões de mortes. Max Roser e demais membros da organização Our World in Data estimam que a poluição do ar causou em 2017 4,9 milhões de mortes. Dessas, 3,4 milhões foram causadas por poluição ambiental e 1,5 milhões, por poluição doméstica (indoor) resultante da queima de lenha e resíduos orgânicos para cozinhar e aquecer moradias [1 https://ourworldindata.org/air-pollution
https://ourworldindata.org/air-pollution...
]. Our World in Data publicou também um mapa das mortes por poluição ambiental, que mostra sua concentração em países de renda baixa e média. Na Índia, a poluição do ar causou em 2019 1,24 milhões de mortes, e o mesmo ocorreu na China [2 https://ourworldindata.org/grapher/air-pollution-deaths-country
https://ourworldindata.org/grapher/air-p...
].

Reduzir o uso de combustíveis fósseis passou a ser visto por quase todos como a mais importante medida a ser tomada pela humanidade. Nos anos recentes, vários países formularam planos de redução das suas emissões nacionais com vistas a obter a neutralidade do carbono (e de outros gases de efeito estufa) até 2050 ou 2060. A questão tem aspectos técnicos e políticos, e neste artigo o foco são os aspectos técnicos. Nossa tese é que a produção de eletricidade com fontes limpas está se tornando tão barata que esse tipo de meta provavelmente será atingido antes do prometido, por uma razão puramente econômica: emitir carbono está ficando mais caro do que não emitir.

2. Curva de Aprendizado do Custo de Produtos

Durante um período depois da invenção de um produto, seu custo cai com o tempo, e também aumenta com o tempo o seu desempenho. A mais famosa ilustração desse fenômeno é a lei de Moore, formulada por Gordon Moore – um dos fundadores e primeiro CEO da Intel – em 1965. A lei diz que “o número de transistores de um microcircuito duplica a cada dois anos”. A lei não é muito precisa. Na verdade, inicialmente o número de transistores duplicava a cada ano, mas o tempo de duplicação já tinha aumentado para dois anos quando Moore a reformulou em 1975. Nos anos recentes, o crescimento com o tempo do número de transistores em um chip tem sido mais lento, e o paradigma dos semicondutores como base de processadores computacionais parece estar se esgotando. Mais importante do que isso, a lei de Moore, na forma como foi formulada, é muito surpreendente. Ela afirma que o número de transistores de um chip cresce exponencialmente com o tempo, e crescimento ou queda exponencial são inesperados em sistemas complexos. E, em qualquer tipo de sistema físico, o crescimento exponencial, embora possa aparecer como um transiente inicial, fatalmente esbarra em algum elemento limitador. Nos sistemas, complexos, o que é comum são as leis de potência. Um microcircuito não é um sistema complexo, embora possa ser muito sofisticado. O que é complexa é a dinâmica envolvida no seu desenvolvimento e produção, como também complexa é a dinâmica do desenvolvimento de quase todo tipo de tecnologia.

Não faz tanto tempo, redescobriu-se outra lei referente à queda de custo de produtos, formulada trinta anos antes da lei de Moore por Theodore P. Wright, engenheiro aeronáutico. Desde 1922, Wright estudava tendências sistemáticas de redução de custos na indústria aeronáutica, que ele consolidou em um artigo cuja conclusão é hoje conhecida como lei de Writht [3T.P. Wright, Journal of the Aeronautical Science 3, 122 (1936).]. Esta lei diz que o custo de um avião cai em média 15% a cada passo em que sua produção cumulativa duplica. Ela revelou-se válida para muitos produtos e hoje é assim enunciada:

Lei de Wright: o custo de um dado produto cai por um fator fixo cada vez que sua produção acumulada duplica.

Note o leitor que a lei de Wright não relaciona o custo dos produtos ao tempo, e sim à sua produção acumulada, que pode parar de crescer, ao passo que o tempo, contido na lei de Moore, transcorre de forma impassível. O fator fixo citado na lei é específico e característico de cada produto. Estudos amplos envolvendo mais de 60 produtos mostram que ele varia de 0,75 a 0,90. Consideremos um produto para o qual o fator de redução seja 0,80. Nesse caso, se o custo da 1000a (milésima) unidade produzida foi X, o da 2000a unidade será 0,80X, o da 4000a unidade será 0,64X, o da 8000a será 0,512X, e assim por diante. Embora a lei de Wright ainda não tenha sido deduzida matematicamente a partir de modelos de desenvolvimento de produtos e de seus métodos de produção, ela é considerada válida por economistas e especialistas em sistemas complexos. Os fatos a endossam.

A curva de queda de custos de produtos com a produção acumulada é chamada curva de aprendizado, ou curva de experiência. Os custos também caem com o tempo porque a produção acumulada cresce, pelo menos durante certo tempo. No setor empresarial, em que antevisões do futuro são importantes para o planejamento, predições baseadas na lei de Wright são consideradas bem mais confiáveis do que as baseadas na lei de Moore, que pode ser formulada de outras maneiras e também para outros produtos. Estudos demonstraram que até o presente a lei de Wright previu mais corretamente o que haveria de ocorrer [4 https://pdodds.w3.uvm.edu/research/papers/others/1936/wright1936a.pdf
https://pdodds.w3.uvm.edu/research/paper...
].

A lei de Wright não pode valer indefinidamente. Ela funciona melhor para produtos recentes. Todo produto bem sucedido – a mortalidade infantil dos produtos é muito alta – tem uma trajetória histórica em que na sua infância provavelmente vale a lei de Wright e na maturidade os custos caem cada vez menos com a produção acumulada. Algum dia exaure-se a capacidade de a tecnologia abaixar o custo do produto, ou ele cai na obsolescência. Isso antecipa seu declínio e sua substituição por outros produtos. Cabe apontar também que, mesmo quando ainda funciona, a lei de Wright não é facilmente perceptível para produtos antigos. Consideremos, por exemplo, um carro com motor de combustão interna. Ele é um produto antigo, com história de mais de cem anos, e sua produção acumulada é enorme, coisa de 2,6 bilhões de unidades produzidas. Como sua produção anual atingiu a marca máxima de 97 milhões de unidades em 2017, o tempo necessário para a duplicação da produção acumulada – caso isso seja alcançado – seria muito longo. Na verdade, a tecnologia do carro com motor de combustão interna já se exauriu, e as quedas de seu custo de produção decorrem de outras tecnologias, como a da robotização de fábricas e da produção de novos materiais.

3. Energia Fotovoltaica

Os dispositivos fotovoltaicos foram inventados em meados dos anos 1950. Inicialmente, eram muito caros. Mesmo uma década depois, quando a conquista espacial se intensificou, um painel solar capaz de gerar potência de pico de 300 watts, menor do que a de um painel típico hoje instalado em telhados de casas, custaria mais de meio milhão de dólares. Obviamente essas placas não tinham mercado, exceto em nichos restritos como o de naves espaciais. Mas as tecnologias formam um sistema de vasos comunicantes, e a de painéis solares beneficiou-se enormemente de toda a tecnologia dos semicondutores desenvolvida para uso na eletrônica e microeletrônica. Há um limiar a partir do qual um produto novo conquista espaço autônomo no mercado, e sua demanda dá um pontapé na curva de aprendizado. Isso ocorreu com os painéis fotovoltaicos em meados dos anos 1970. A curva de aprendizado dos painéis ganhou um nome específico, o de lei de Swanson, em referência a Richard M. Swanson, fundador da SunPower Corporation, que por anos a partir de 2005 deu palestras e publicou artigos sobre a queda do custo de painéis solares de silício [5B. Winton, Moore1s law ins't dead: it's wrong, disponível em: https://ark-invest.com/articles/analyst-research/wrights-law-2/
https://ark-invest.com/articles/analyst-...
]. De 1976 a 2019, o custo dos painéis caiu em média 20,2% a cada duplicação da produção acumulada e reduziu-se em 99,6%. A partir de 2010 a taxa de queda de custo aumentou muito significativamente [6 https://en.wikipedia.org/wiki/Swanson\%27s\_law
https://en.wikipedia.org/wiki/Swanson\%2...
]. Essa mudança se deveu a vários fatores, dentre eles estímulos governamentais, mas isso não significa que a continuação da queda de preços dependa da continuação desses estímulos. Ocorre que o custo da energia elétrica fotovoltaica já é menor do que o da energia elétrica gerada por fontes fósseis, e isso tem aumentado sua demanda, o que resulta em maior produção acumulada. A curva de aprendizado da energia fotovoltaica inexoravelmente continuará avançando, com vida própria, enquanto houver demanda por energia e essa demanda não for atendida por outra alternativa. A única que podemos vislumbrar é a energia gerada por fusão nuclear controlada, que talvez venha a ser a solução final e completa do problema energético.

Falamos há pouco no custo da energia fóssil, e a questão precisa ser mais bem explicada. Há diversos combustíveis fósseis e temos no mundo grande quantidade de usinas elétricas que usam diferentes tipos de combustível. Há grande dispersão no custo da energia elétrica gerada por esse conjunto. Ele pode variar de US$0,05/kWh a US$0,12/kWh e o custo tanto da energia fotovoltaica como da energia elétrica eólica está em cerca de US$0,04/kWh.

É preciso advertir, também, que o otimismo sobre o futuro das energias renováveis não é inteiro consenso. Max Roser [6 https://en.wikipedia.org/wiki/Swanson\%27s\_law
https://en.wikipedia.org/wiki/Swanson\%2...
], e mais ainda Ramez Naam [7M. Roser, Why did renewable become so cheap so fast, disponível em: https://ourworldindata.org/cheap-renewables-growth
https://ourworldindata.org/cheap-renewab...
] são muito otimistas e fundamentam sua visão em fatos. Já autores do Oxford Institute for Energy Studies, questionam as previsões sobre o futuro das energias fotovoltaica e eólica com base na lei de Wright [8 https://www.oxfordenergy.org/wpcms/wp-content/uploads/2021/02/A-critical-assessment-of-learning-curves-for-solar-and-wind-power-technologies-EL-43.pdf
https://www.oxfordenergy.org/wpcms/wp-co...
].

Um dos fatores que promovem a produção de energia elétrica fotovoltaica, e também a da energia elétrica eólica, é o baixo custo do uso da eletricidade em veículos de transporte: os motores elétricos são muito mais baratos e eficientes do que os motores de combustão interna, e precisam de pouca manutenção. Isso foi uma das razões que levaram ao interesse por carros elétricos. Antes do efeito da curva de aprendizagem no custo de baterias de íons de lítio – as que acumulam mais energia por quilograma de massa – os carros elétricos eram muito mais caros do que os convencionais. As baterias de lítio já vinham sendo usadas desde os anos 1990 nos telefones móveis, mas isso não levou a aumento muito grande na produção acumulada medida em MWh. Com o aumento da produção de carros elétricos, na última década o custo das baterias de lítio caiu dramaticamente, como pode ser visto na Figura 1. Mas as baterias ainda respondem por mais de um quarto do custo de um carro elétrico.

Figura 1:
Queda do custo de baterias de íons de lítio de 2010 a 2020. Nesse período, o custo reduziu-se em 88,5%.

Quando seu custo cair para US$100/kWh, o preço de um carro elétrico ficará abaixo do de um carro de combustão interna, mesmo sem nenhum benefício fiscal oferecido pelo governo. Isso pode ocorrer por volta de 2024–2025. A partir de então, pelo menos nos EUA, União Europeia, China e Japão, pouca gente comprará carro convencional, exceto em locais onde a rede de pontos de recarga ainda não estiver bem estabelecida. Na verdade, deficiências dessa rede exercem hoje um efeito de viscosidade que atrasa o aumento da demanda por carros elétricos.

Outro importante avanço observado na tecnologia de baterias de lítio é o aumento na densidade da energia acumulada (kWh/kg). Esta aumentou por fator de quase 3 em uma década, e a bateria de um carro elétrico hoje pesa cerca de 40 kg. As baterias de mais de 110 kg existentes dez anos atrás requeriam suportes e fixadores também pesados. Além de diminuir a distância percorrida pelo carro por kWh de energia, essa estrutura pesada aumentava o risco para os passageiros em um acidente.

O reduzido custo dos painéis solares tem levado a rápido aumento na capacidade (potência) instalada. Em 2000, ela era 1,3 GW. Em 2019, já tinha alcançado 633,7 GW, fragmentada em um grande número de unidades geradoras conectadas a redes de distribuição. Muitos estabelecimentos industriais, comerciais e residenciais têm gerado pelo menos parte da energia elétrica que consomem. Quando sua produção excede seu consumo, recebem crédito para consumo futuro. Mas ainda não há estímulos para que o pequeno produtor almeje produzir em média mais energia do que consome, pois as distribuidoras não lhes pagam o excedente em dinheiro. No caso do Brasil, os créditos de energia concedidos pela distribuidora valem por 60 meses, ao final dos quais eles prescrevem.

A emergência da produção de energia elétrica por grande número de pequenos produtores é recente, e ela traz problemas de lógica econômica e de legislação específica que ainda são matéria de estudos e debates. As distribuidoras alegam que o pequeno produtor, que gera energia em excesso durante o dia e à noite recebe de volta o excedente, está usando a infraestrutura de distribuição de energia como uma bateria, e que para elas isso envolve custos. Mas não consideram que o excesso de energia que elas recebem durante o dia é vendido a grandes consumidores a preço mais alto. Pode ser que a solução inclua preços para todos os consumidores, grandes e pequenos, que variem segundo a oferta e demanda do momento. Mas isso requer a troca de todos os relógios de medição de consumo por outros mais inteligentes. Tais problemas serão eventualmente resolvidos, mas quanto mais cedo isso ocorrer, mais cedo a energia fotovoltaica atenderá grande parte do consumo.

Hoje, número crescente de proprietários está instalando painéis solares nos tetos de suas casas, para uso no consumo doméstico e mais recentemente para recarregar a bateria do seu carro elétrico. Em local de boa insolação, 10 m2 de painéis geram cerca de 2 kW de potência instalada. Durante um ano, isso gera energia com a qual um carro elétrico pode andar cerca de 13 mil km. Com 30–40 m2 de painéis, gera-se energia para abastecer um carro e para o consumo doméstico, mesmo nos padrões típicos dos EUA. Em locais de maior latitude, obviamente a área dos painéis deve ser aumentada.

4. Energia Eólica

A produção de energia eólica também está crescendo rapidamente. No momento, o custo de produção de eletricidade eólica é aproximadamente igual ao de produção de energia fotovoltaica, e ambos já são inferiores ao de produção de energia elétrica com uso de combustíveis fósseis. Uma vez que a eletricidade fotovoltaica barateia mais rapidamente do que a eólica, nos anos vindouros ela provavelmente será a mais barata de todas as formas de eletricidade. Mas a energia eólica continuará a ser usada de forma crescente, por razões que ficarão claras mais adiante neste artigo.

O crescimento da potência instalada (capacidade) de energia elétrica eólica pode ser visto na Figura 2. Nota-se que de 1996 a 2019 a capacidade cresceu de 6,1 GW para 650 GW.

Figura 2:
Crescimento da capacidade eólica global cumulativa de 1996 a 2019.

O potencial eólico global é imenso. O custo da energia elétrica eólica gerada em terra (onshore) é bem mais baixo do que a da gerada no mar (offshore). Dados sobre a mudança de custo das duas energias na última década foram coletados por Taylor [10M. Taylor, Wind, Solar: continuing cost declines will help meet rising renewables targets, disponível em: https://energypost.eu/wind-solar-continuing-cost-declines-will-help-meet-rising-renewables-targets/
https://energypost.eu/wind-solar-continu...
]. De 2010 a 2020, o custo da eletricidade eólica gerada em terra caiu 56%, de US$0,089/kWh para US$0,039/kWh. Nesse mesmo período, o custo da eletricidade eólica gerada no mar caiu 42%, de US$0,162/kWh para US$0,94/kWh. As cifras referem-se a médias mundiais. Vê-se que a eletricidade eólica gerada no mar custa em média o dobro da gerada em terra, e seu custo está 10 anos defasado do custo desta última. Como a capacidade cumulativa instalada em terra é hoje 20 vezes maior do que a instalada no mar, pode ser que estejamos vendo apenas uma defasagem em duas curvas de aprendizado bem semelhantes, uma transladada dez anos em relação à outra. O futuro dirá. E essa questão é muito relevante porque o potencial eólico no mar é pelo menos 10 vezes maior do que o potencial em terra. A eletricidade eólica gerada em terra já é consideravelmente mais barata do que a energia termelétrica, talvez a mesma vantagem venha a ocorrer na próxima década para a eletricidade gerada no mar.

No mar, as torres dos aerogeradores de eletricidade têm de ser ancoradas. Em água com profundidade de até 50 metros, podem hoje ser fundadas no piso marinho. A Europa tem grande potencial eólico em regiões marítimas com águas rasas e bons ventos, principalmente no mar do Norte e no mar Báltico. Já tem capacidade eólica de 25 GW instalada no mar, que gera eletricidade economicamente competitiva com parte da produzida no continente, onde a energia elétrica de origem térmica é muito cara. Há muitos grandes projetos europeus sendo elaborados, e a energia eólica no mar é mais importante para a Europa do que para qualquer outra região do mundo. É muito difícil prever o que ocorrerá, pois o problema extrapola a área técnica.

Em 2017, houve uma importante inovação técnica no campo da energia eólica que está atraindo novas empresas, dentre elas empresas petrolíferas: hélices e bloco da turbina feitos de fibra de carbono, que é muito mais resistente e leve do que os materiais alternativos. Já naquele ano, a GE Renewable Energy lançou um modelo de aerogerador com potência de 4,8 MW. Suas hélices, cujas pás têm 77 m de comprimento, varrem um círculo de 158 metros de diâmetro com centro elevado até 170 metros por torres altíssimas. Nessa altura, os ventos são mais velozes e menos turbulentos. Uma versão para operação em alto mar, em vias de ser comercializada, tem potência de 13 MW. Com 1100 aerogeradores desse tipo, obtém-se a potência da usina de Itaipu.

5. Energias Fotovoltaica e Eólica se Complementam

O vento e o sol são intermitentes, com diferentes padrões de variação. O sol só brilha durante o dia, e o faz mais longamente no verão. O vento é bastante firme no mar. Em terra, ele varia com padrão típico de cada região. Em regiões não muito distantes da costa brasileira, onde se concentra a maior parte do nosso potencial eólico, o vento vem do mar e é em média mais intenso à noite, quando a temperatura na superfície terrestre abaixa e a temperatura do Atlântico se mantém constante. Ao longo das estações, no Brasil ele oscila de maneira muito conveniente: é mais veloz de junho a dezembro, quando o nível dos reservatórios das nossas usinas hidrelétricas fica mais baixo e sua produção cai. Essa queda está se agravando, aparentemente por causa do aquecimento global.

Em locais de alta latitude, o potencial fotovoltaico é bem mais baixo e quase nulo durante o inverno. Exatamente por isso, os países nórdicos, que são líderes no movimento de produção de eletricidade de zero carbono, produzem muita energia eólica e pouca energia fotovoltaica.

Com essa complementaridade, as energias fotovoltaica e eólica formam uma união com muito pouca possibilidade de divórcio. A energia fotovoltaica vai se tornar insanamente barata [9 https://rameznaam.com/2020/05/14/solars-future-is-insanely-cheap-2020/
https://rameznaam.com/2020/05/14/solars-...
] – isso será realidade nesta década –, mas parte do lucro por ela gerado será quase certamente destinado a promover a energia eólica, que funciona quando e onde a energia fotovoltaica não nos socorre.

6. Armazenamento em Larga Escala de Energia

O equilíbrio entre oferta e demanda de energia elétrica, não só no ciclo do dia, mas também na roda das estações, é essencial, e isso requer armazenamento em larga de escala de energia. O barateamento das baterias eletrolíticas – no tempo presente principalmente das baterias de íons de lítio – presta grande ajuda, mas não resolve o problema. A forma hoje apontada como a melhor maneira de armazenar grande quantidade de energia são usinas hidrelétricas reversíveis (UHR), que transformam energia elétrica em energia potencial gravitacional da água, que pode depois ser reconvertida em energia elétrica. Muitos chamam essas usinas de baterias hidráulicas.

Quase todas as UHR existentes no mundo utilizam dois reservatórios pequenos de água, um superior e outro inferior, este com superfície às vezes em nível centenas de metros mais baixo. O reservatório superior é abastecido por um pequeno curso de água, às vezes por poços artesianos, e nesse caso só se perde água por evaporação. Quando a água desce do reservatório superior para o inferior, passa por uma turbina que gera eletricidade. Pode ser jogada de volta para o reservatório de cima por meio de uma bomba elétrica. A turbina e a bomba podem ser corpos diferentes, e também diferentes podem ser os dutos para queda e subida da água. Mas em versões mais modernas, há só um duto para queda e subida da água, e o gerador e a bomba são integrados em uma só unidade que opera de modo reversível. Em um ciclo de descida e subida da água, perde-se cerca de 20% da energia gerada na descida, mas como a eletricidade é entregue na rede quando ela está muito mais cara do que quando ela é puxada da rede e consumida, a operação é lucrativa.

Recentemente, usinas hidrelétricas convencionais estão sendo adaptadas para operar como UHR. Para isso, basta construir um reservatório relativamente pequeno logo a jusante da barragem. Nesse tipo de adaptação, a subida da água é feita por outro duto, e a bomba é uma unidade não integrada à turbina. Com a conversão das nossas hidrelétricas em UHR, poderíamos armazenar grande quantidade de energia com uma relação custo-benefício, à primeira vista, excelente.

7. Cenário e Perspectivas da Eletricidade no Brasil

O Brasil é um país líder na produção de eletricidade por fontes renováreis. Dentre as grandes economias, é o país do mundo com a maior fração da sua eletricidade produzida de fontes renováveis. Esse é um fato que nos causa orgulho e devemos nos empenhar para nos mantermos nessa condição. A Tabela 1 mostra a potência elétrica já instalada (verificada e fiscalizada), e também a já outorgada pela Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica, por fontes energéticas. Os dados foram obtidos na página da Aneel em 30/08/2021.

Tabela 1:
Potência elétrica outorgada e fiscalizada no Brasil por tipo de fonte. Siglas: UHE (central geradora hidrelétrica); PCH (central geradora hidrelétrica de 5 a 30 MW); CGH (pequena central hidrelétrica até 5 MW); UFV (central geradora fotovoltaica); EOL (energia eólica); UTN (usina termonuclear) UTE (usina termelétrica). Energia elétrica no brasil – valores outorgados e fiscalizados por tipo de fonte.

Na verdade o percentual da energia elétrica hoje produzida no Brasil por fontes renováveis é maior que o de 74,55% mostrado na figura. Segundo o canalenergia.com.br, em 2020 as usinas de açúcar e álcool entregaram ao SIN – Sistema Interligado Nacional 4,77% da energia elétrica consumida no país. Essa energia entrou na Tabela 1 como energia termelétrica, mas foi produzida pela queima de bagaço e outros restos da cana, que são fontes renováveis. Com a correção, o Brasil produz 79% da sua energia elétrica usando fontes renováveis. E esse percentual está crescendo, pois, como se vê na Tabela 1, tanto para energia fotovoltaica quanto para energia eólica, a potência já outorgada pela Aneel é muito maior do que a já instalada.

8. Energia Fotovoltaica no Brasil

A energia fotovoltaica é bem recente no Brasil e está crescendo muito rapidamente. Como se vê na Tabela 1, a potência instalada é de apenas 3,50 GW, mas a potência outorgada já é de 29,69 GW, o que corresponde a mais de duas usinas de Itaipu. Seu potencial é, no aspecto prático, infinito. Cobrindo de painéis uma área de 2000 km2 – para termos de comparação, o lago da barragem de Sobradinho tem área de 4200 km2 – produziríamos mais do que toda a energia elétrica hoje consumida no país. Nossos telhados e estacionamentos têm área muito maior do que essa, e além deles há muita área imprestável que pode ser coberta de painéis.

A perspectiva de aumento da energia fotovoltaica no Brasil é magnífica. Novos projetos de UFV estão sendo formulados em número muito grande. Os comerciantes de painéis, e conversores de voltagem contínua em voltagem alternada não estão tendo esses componentes para entrega ágil. As empresas distribuidoras de eletricidade não têm sido ágeis no exame dos projetos apresentados para integração à rede. Nas regiões servidas pela CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais, a aprovação de uma pequena planta em telhado de residência demora 50 dias ou mais.

Há outro gargalo que irá provavelmente dificultar ampliação mais rápida da eletricidade fotovoltaica, e também eólica, no Brasil, o das redes de transmissão e distribuição. Nosso sistema é pouco sofisticado e pouco inteligente. As muito frequentes quedas de energia no Brasil devem-se principalmente fatores que incluem a) falta de manutenção da nossa rede de transmissão e distribuição; b) falta de monitoramento inteligente dessa rede; c) falta de redundância. Não há múltiplos caminhos entre um vértice da rede e outros, e basta que um seguimento falhe para cair o fornecimento em uma região, grande ou pequena. Em vários países, já há redundância da rede até os vértices dos consumidores finais, ou muito próximo deles, e estamos entrando numa era em que o consumidor escolhe de quem compra a sua energia elétrica. Isso gera segurança de abastecimento e competição entre os geradores e distribuidores de eletricidade.

A transição para energia limpa, que se iniciou recentemente, é uma necessidade óbvia para se evitar enormes tragédias, mas é também vista como uma oportunidade para crescimento econômico e criação de empregos. O Brasil tem feito muito pouco nesse outro lado da questão. Não contribuímos para nenhum passo relevante no avanço técnico da energia fotovoltaica. Temos uma única fábrica de painéis, bem pequena e baseada em um pacote tecnológico inteiramente importado.

9. Eletricidade Eólica no Brasil

Os ventos no Brasil não são especialmente fortes; são moderados, pouco turbulentos e sem o mau hábito de gerar vendavais muito desastrados. Propiciam um potencial eólico bastante grande, até mesmo porque somos um país de área continental, sem gerar grandes acidentes nem ressecamento excessivo do solo. Na Figura 3, vemos um mapa das velocidades médias do vento, medidas a 50 metros do solo. Com base nesse mapa, calcula-se que temos um potencial eólico em terra de 500 GW. O potencial eólico do mar territorial brasileiro é talvez 10–12 vezes maior do que isso.

Figura 3:
Mapa do vento médio em terras brasileiras, medido à altura de 50 metros.

Nosso potencial eólico em terra está muito subestimado, principalmente porque os aerogeradores recentemente desenvolvidos operam com eixo de rotação elevados a mais de 100 metros. Nessa altitude, os ventos são mais velozes e também menos turbulentos, e por isso sua energia cinética é aproveitada com maior eficiência. Os ventos são mais velozes no Nordeste, em parte de Minas Gerais e de São Paulo e em quase todo o Rio Grande do Sul. Hoje, 85% da eletricidade eólica brasileira é gerada no Nordeste, que se transformou em exportador relevante de eletricidade para o Sudeste. A Bahia é o maior estado produtor. No Rio Grande do Sul, a produção de eletricidade eólica também tem avançado muito.

O crescimento da potência eólica instalada no Brasil pode ser visto na Figura 4. De 2010 a 2020, ele cresceu de 932 MW para 16.979 MW. E a potência outorgada já é 31,81 GW, como se vê na Tabela 1.

Figura 4:
Crescimento da potência eólica instalada no Brasil.

Referênces

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2021
  • Aceito
    13 Out 2021
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