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A influência da simetria em sistemas de células acopladas

The influence of symmetry in coupled cells systems

Resumos

Sistemas de células acopladas são largamente usadas com o intuito de gerar padrões de oscilação muitas vezes observados em fenômenos naturais. Quando esses sistemas têm características de invariância sob a ação de um determinado grupo de permutação os padrões de oscilação podem ser previstos usando o teorema de Golubitsky e Buono. No presente trabalho foi feito um estudo simplificado de um sistema de 4 células invariante sob a ação do grupo D4. Através do comportamento numérico das equações, equivariantes sob a ação do grupo, pode-se observar as simetrias espaciais e espaço-temporais resultantes da invariância do conjunto de células nos resultados numéricos.

simetria; células; acoplamento


Coupled cells systems are extensively used with the aim to generate oscillation patterns that reproduce natural phenomena. Under invariance by a certain group, these patterns can be predicted using the theorem proposed by Golubitsky and Buono. In the present work it was made a simplified study of a system of 4 cells invariant under D4. From the behavior of the solutions of a set of equations which is equivariant under action of this group was possible to observe numerically the spatial symmetries and spatiotemporal symmetries coming from the cell-system invariance.

symmetry; cells; coupling


ARTIGOS GERAIS

A influência da simetria em sistemas de células acopladas

The influence of symmetry in coupled cells systems

M. Magini; R.L. de O. Gomes

Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, UNIVAP, São José dos Campos, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marcio Magini E-mail: magini@univap.br

RESUMO

Sistemas de células acopladas são largamente usadas com o intuito de gerar padrões de oscilação muitas vezes observados em fenômenos naturais. Quando esses sistemas têm características de invariância sob a ação de um determinado grupo de permutação os padrões de oscilação podem ser previstos usando o teorema de Golubitsky e Buono. No presente trabalho foi feito um estudo simplificado de um sistema de 4 células invariante sob a ação do grupo D4. Através do comportamento numérico das equações, equivariantes sob a ação do grupo, pode-se observar as simetrias espaciais e espaço-temporais resultantes da invariância do conjunto de células nos resultados numéricos.

Palavras-chave: simetria, células, acoplamento.

ABSTRACT

Coupled cells systems are extensively used with the aim to generate oscillation patterns that reproduce natural phenomena. Under invariance by a certain group, these patterns can be predicted using the theorem proposed by Golubitsky and Buono. In the present work it was made a simplified study of a system of 4 cells invariant under D4. From the behavior of the solutions of a set of equations which is equivariant under action of this group was possible to observe numerically the spatial symmetries and spatiotemporal symmetries coming from the cell-system invariance.

Keywords: symmetry, cells, coupling.

1. Introdução

O estudo das formas geométricas e suas apresentações na natureza exerce fascínio por parte do ser humano desde os primórdios da humanidade [1]. Essas formas estão intimamente relacionadas à aspectos de simetria ou seja, invariância. Desde as construções do Egito Antigo até os grandes prédios a presença da simetria aparece de forma visível. Já em ciência básica a simetria aparece como parte integrante de fenômenos físicos, químicos ou até mesmo biológicos.

Mais especificamente, em Física e Matemática a simetria está presente em equações e sistemas de partículas, onde invariâncias rotacionais e simetrias esféricas são o ponto de partida para a aferição de propriedades importantes da matéria microscópica como por exemplo, os números quânticos que caracterizam átomos e moléculas [2, 3]. A simetria presente em equações tem como principal utilidade a simplificação de sua solução tendo em vista suas propriedades de invariância.

Uma importante ferramenta que auxilia a determinação e o estudo das simetrias é a Teoria dos Grupos [4]. Neste conjuntos de ferramentas conceitos importantes como grupo, subgrupo, isotropia, entre outros são explanados e exemplificados. Esta ferramenta é bem conhecida e já foi utilizada com sucesso em muitos trabalhos científicos de caráter multidisciplinar [5, 6], demonstrando assim o potencial dessa ferramenta.

As simetrias apresentadas em equações diferenciais são simetrias dinâmicas ou seja, as propriedades de invariância se fazem no decorrer do tempo. A idéia da simetria como algo dinâmico entra no contexto científico no que chamamos de Sistemas Dinâmicos [7]. Esta teoria, desenvolvida a partir de estudos de mapas e "flows" e suas propriedades de invariância sob a ação de grupos de simetria também se mostram eficientes para a descrição ou modelamento de muitos sistemas físicos e biológicos [8, 9, 10]. O interesse nestes estudos é como as características de simetria de uma conjunto de equações ou de um mapa pode influenciar seu comportamento. Mais especificamente quer-se determinar se a simetria em um sistema pode gerar algum caráter preditivo sobre seu comportamento. Resultados mostram que essa questão, para o caso equações diferenciais ordinárias, foi resolvida [10, 11].

Este presente trabalho está baseado no estudo de equações diferenciais ordinárias invariantes sob a ação de um grupo D4. Este grupo de simetria possui 8 elementos. É mostrado como a simetria pode ser usada para prever o comportamento das soluções dessas equações em condições iniciais distintas. Em caráter mais ilustrativo esse sistema representa um conjunto de células acopladas em uma rede quadrada. Esta previsão advém do teorema proposto por Golubitsky e Buono, 2001 [9, 10] mostrado aqui de forma simplificada com o intuito de gerar um melhor entendimento do mesmo.

2. Rede simétrica

A primeira representação para o sistema estudado é mostrado na Fig. (1). Note que as células 1, 2, 3 e 4 são invariantes sob a ação do grupo D4. A definição de grupo de forma pode ser obtida em diversas bibliografias especializadas [4]. A principal característica de um grupo é que a composição ou multiplicação de seus elementos gera um elemento que pertence ao grupo. Dentro de um grupo podemos definir subgrupos que são elementos que multiplicados entre si formam grupos de menor tamanho. Por exemplo um subgrupo do grupo D4 é o grupo D2 com dois elementos. Este grupo possui 8 elementos e pode ser representado por um grupo de permutações. As permutações agem sobre esta rede deixando-a invariante. O conjunto das permutações é dado por (1234), (1432), (12)(34), (13)(24), (24), (14)(23), (13), (e), onde (e) representa a identidade. Pode-se construir a partir de um grupo todos os seus subgrupos, como o exemplo anterior temos dois subgrupos do tipo D2 com 2 elementos cada. Estes dois subgrupos são gerados pelas permutações (13) e (24) respectivamente.


A ação da permutação se faz da seguinte forma: o elemento (1234), por exemplo, permuta as células 1 ® 2, 2 ® 3, 3 ® 4 e por fim 4 ® 1, é possível verificar a invariância do sistema proposto na Fig. (1) em relação a todos os elementos do grupo. Para tanto deve-se considerar que as células são idênticas. Os subgrupos possíveis geram as possibilidades de simetrias espaciais e espaço-temporais no sistema de equações diferenciais. Considerando que cada célula pode oscilar no plano ou seja, a solução tem componente x e y podemos escrever, genericamente, as equações que determinam a variação das posições no tempo para cada célula, Eq. (1).

onde Fi(x(t), y(t)) é a função posição no tempo, Yi é uma função que depende explicitamente das coordenadas da célula i e h(Fi, Fj) é a função que acopla as coordenadas x(t) e y(t) de cada célula, b é chamada de constante de acoplamento e a é um parâmetro qualquer. No nosso caso as funções de acoplamento assim como a função Yi dependem unicamente da distância quadrática entre as células. A partir desse sistema pode-se estudar o comportamento das soluções. É importante que se note a invariância do conjunto de equações (1) sob a ação das permutações que fazem parte do grupo D4, isso é facilmente verificado quando executamos, por exemplo, a permutação (1234) que mantêm o sistema de equações tal qual como descrito na Eq. (1). As soluções desse sistema seguem padrões de oscilação e comportamento que podem ser previstos utilizando-se do resultado obtido por Golubitsky e Buono, 2001 [9, 10, 11]. Uma breve descrição desse resultado é feito a seguir.

2.1. Simetrias espacial e espaço temporal

O teorema proposto por Golubitsky e Buono, 2001 pode ser resumido da seguinte maneira: dado um conjunto de EDO's acopladas invariantes sob a ação de um grupo de simetria G. Dado dois subgrupos H e K de G tal que:

onde x(t) é uma solução periódica da Eq. (1), {x(t)} é a trajetória de x(t) e g é um elemento qualquer do grupo G. O subgrupo K é chamado de subgrupo das simetrias espaciais e o subgrupo H é chamado de subgrupo das simetrias espaço-temporais.

Um conjunto de condições devem ser satisfeitas para que as simetrias espaciais e espaço-temporais existam. Estas condições podem ser verificadas em qualquer um dos textos citados. O objetivo do trabalho é mostrar como uma simetria imposta pode determinar os padrões de oscilação em conjunto de células acopladas. A simetria espacial age sobre a solução através da permutação entre as células. Suponha que a solução mais geral para a coordenada x(t), do conjunto dado pela Eq. (1), seja da forma:

Esta solução é obtida através de uma condição inicial previamente escolhida, logo, é única. A simetria espacial K = (12)(34) leva esta solução em outra solução que assume a forma;

significa que as células 1 e 2 têm a mesma forma de solução, o mesmo ocorre para as células 3 e 4. A solução espaço-temporal determina as diferenças de fase entre as células, tendo em vista que a solução é única. Tomemos como exemplo a simetria espacial dada pela Eq. (4) como uma simetria espaço-temporal H = (13). A solução assume a forma;

ou seja, a solução espaço temporal gera uma diferença de fase entre os ciclos que equivale a , onde n é a ordem da permutação. O teorema tem o caráter preditivo sobre as possíveis soluções desse conjunto. Numericamente pode-se testar e observar as simetrias espaciais e espaço-temporais. Logicamente algumas restrições sobre quais subgrupos resultam nessas simetrias fazem parte do contexto do teorema. Os testes numéricos mostram o comportamento das soluções e os aspectos de simetria intrínsecos desse conjunto.

3. Resultados e discussões

Realizando os testes numéricos através do método Runge-Kutta de ordem 2 obtemos uma relação de simetrias espaciais e espaço-temporais. As simetrias podem ser facilmente visualizadas nestes resultados.

Para uma dada condição inicial e a constante de acoplamento b = 0 podemos visualizar o comportamento assintótico onde cada célula fica parada, Fig. (2). Este primeiro resultado é esperado tendo em vista que não existe acoplamento.


Na Fig. (3) podemos visualizar o comportamento da solução quando a constante de acoplamento é ligada. Nesta figura podemos observar padrões distintos de oscilação entre as células resultando assim em um sistema que tem o comportamento descrito pela a solução mostrada na Eq. (3) ou seja, cada célula com uma solução.


Neste caso a simetria não aparece no comportamento da solução. Isso ocorre pois a condição inicial utilizada não é capaz de gerar alguma simetria espacial e conseqüentemente, espaço-temporal. Observando a Fig. (4) é possível notar o primeiro padrão de simetria. Nesta pode-se observar que a solução, em x(t), tem a forma:


onde a simetria espacial é gerada pelo subgrupo K = (13)(24). Esta simetria faz com que as células 1 e 3 tenham a mesma forma de solução, o mesmo ocorrendo para as células 2 e 4. A simetria espaço-temporal é gerada pelo mesmo grupo de simetria ou seja, H = K. O subgrupo K é chamado de subgrupo de isotropia.

Além do mais o dimFix(K), para que uma simetria seja observada, deve ser maior ou igual a dois. O Fix(K) é definido como:

Em termos simples, o subgrupo de isotropia é aquele que seus elementos conservam a trajetória x(t). Esses resultados fazem parte da formulação do teorema proposto por Golubitsky e Buono, 2001. O uso deste teorema no caso específico dessas células determina que as possíveis soluções, conforme os 4 subgrupos de isotropia, são da forma:

• I - Para o K = (13)(24) podemos ter os pares ( (13)(24),0) e ( (13)(24),).

• II - Para o K = (12)(34) podemos ter os pares ( (12)(34),0) e ( (12)(34),).

• III - Para o K = (14)(23) podemos ter os pares ((14)(23),0 ) e ( (14)(23),).

• IV - Para o K = (1423) podemos ter os pares ((1423),0) e ( (1432),), ((1432),).

O subgrupo K = (1423) também possui o elemento (1234). Ambos elementos podem ser encontrados na solução numérica do sistema no entanto, as simetrias espaço-temporais geradas são as mesmas devido a invariância. Note que na Fig. (4) observamos o primeiro subgrupo de isotropia, descrito pelo ítem I. A Fig. (5) mostra a simetria dada pelo subgrupo de isotropia K = (12)(34) conforme o ítem II.


Neste caso a solução assume a forma:

Os resultados aqui apresentados mostram a força do teorema em relação ao seu caráter preditivo. Note-se que todas as simetrias visualizadas numericamente podem ser previstas por esta metodologia. Não obstante, quanto maior o grupo e a dimensão do espaço em que se trabalho maior são as possibilidades de simetrias. Porém, mesmo para grupos grandes, é possível determinar quais são essas simetrias tendo em vista que os subgrupos de isotropia de um dado grupo é um conjunto restrito. Neste trabalho optou-se por um grupo pequeno onde todas as possibilidades são conhecidas e podem facilmente ser visualizadas. A forma das EDO's podem ser quaisquer desde que não-lineares, no caso deste trabalho as equações dependem unicamente da distância quadrática entre as células. Sistemas como este estão sendo propostos para estudar Oscilações em asas de avião, modelagem de batimentos cardíacos, flutuações de potencial em neurônios, entre outros.

Agradecimentos

Este trabalho foi parcialmente apoiado pelo programa PIBIC - CNPq.

[11] M. Magini and P.K. Biswas, Int. J. of. Non. Sci. and Num. Sim., to appear.

Recebido em 11/08/2004; Aceito em 18/11/2004

  • [1] H. Weyl, Symmetry (Princeton University Press, New Jersey, 1980).
  • [2] R. Eisberg e R. Resnick, Físca Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas (Editora Campus, Rio de Janeiro, 1994).
  • [3] G.B. Arfken and H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, California, 1995).
  • [4] M. Hammermesh, Group Theory and It is Application to Physical Problems (Dover Books, New York, 1989).
  • [5] J.E.M. Hornos, L. Braggion, M. Magini and M. Forger, IUBMB: Life 56, 125 (2004).
  • [6] J.E.M. Hornos and Y.M.M. Hornos, J. Biol. Phys. 20 289 (1994).
  • [7] M. Golubitsky, I. Stewart and D. Schaeffer, Singularities and Groups in Bifurcation Theory (Springer - Verlag, New York, 1989), v. II.
  • [8] M. Magini and J.E.M. Hornos, Braz. J. of Phys. 33, 825 (2003).
  • [9] P-L. Buono and M. Golubitsky, J. Math. Biol. 42, 291 (2001).
  • [10] M. Golubitsky, I. Stewart, P-L. Buono and J.J. Collins, Nature 401, 693 (1999).
  • Endereço para correspondência
    Marcio Magini
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      18 Nov 2004
    • Recebido
      11 Ago 2004
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