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Sedentarismo, exercício físico e doenças crônicas

Physical inactivity, exercise and chronic diseases

Resumos

A inatividade física é fortemente relacionada à incidência e severidade de um vasto número de doenças crônicas. Assim sendo, o exercício físico torna-se uma das ferramentas terapêuticas mais importantes na promoção de saúde e o profissional de Educação Física, o responsável por sua ampla disseminação. Nesse artigo, discorremos sobre as seguintes questões: Qual o impacto - biológico e socioeconômico - da inatividade física na saúde dos indivíduos?; 2) Qual o impacto da inserção da atividade física vida dos indivíduos?; 3) Qual o papel da profissional de Educação Física na promoção de saúde e quais os desafios que a Educação Física, enquanto ciência ("lato sensu") e profissão, deve enfrentar nas próximas décadas? Tendo como ponto de partida o papel da inatividade física sobre a etiologia das doenças crônicas, pretendemos revelar o imenso potencial do exercício físico como agente terapêutico.

Saúde; Atividade física; Inatividade física; Efeitos terapêuticos


Physical inactivity is strongly related to the incidence and severity of a number of chronic diseases. Hence, physical exercise emerges as one of the most important therapeutic tool to health promotion, with the Physical Education professional being the responsible for disseminating it widely. In this manuscript, we will discuss the following questions: 1) What is the social and biological impact of physical inactivity on overall health? 2) What is the impact of physical activity on people's lives? 3) What is the role of the Physical Education professional in the promotion of health and what are the challenges that Physical Education Discipline, as a science ("lato sensu") and profession, will face in the next decades? Having in mind the role of physical inactivity upon the etiology of chronic diseases, we intend to reveal the large potential of physical exercise as a therapeutic agent.

Heath; Physical activity; Sedentarism; Therapeutic effects


Sedentarismo, exercício físico e doenças crônicas

Physical inactivity, exercise and chronic diseases

Bruno Gualano; Taís Tinucci

Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo

Endereço Endereço: Bruno Gualano Escola de Educação Física e Esporte - USP Av. Prof. Mello Moraes, 65 05508-030 - São Paulo - SP - BRASIL e-mail: gualano@usp.br

RESUMO

A inatividade física é fortemente relacionada à incidência e severidade de um vasto número de doenças crônicas. Assim sendo, o exercício físico torna-se uma das ferramentas terapêuticas mais importantes na promoção de saúde e o profissional de Educação Física, o responsável por sua ampla disseminação. Nesse artigo, discorremos sobre as seguintes questões: Qual o impacto - biológico e socioeconômico - da inatividade física na saúde dos indivíduos?; 2) Qual o impacto da inserção da atividade física vida dos indivíduos?; 3) Qual o papel da profissional de Educação Física na promoção de saúde e quais os desafios que a Educação Física, enquanto ciência ("lato sensu") e profissão, deve enfrentar nas próximas décadas? Tendo como ponto de partida o papel da inatividade física sobre a etiologia das doenças crônicas, pretendemos revelar o imenso potencial do exercício físico como agente terapêutico.

Unitermos: Saúde; Atividade física; Inatividade física; Efeitos terapêuticos.

ABSTRACT

Physical inactivity is strongly related to the incidence and severity of a number of chronic diseases. Hence, physical exercise emerges as one of the most important therapeutic tool to health promotion, with the Physical Education professional being the responsible for disseminating it widely. In this manuscript, we will discuss the following questions: 1) What is the social and biological impact of physical inactivity on overall health? 2) What is the impact of physical activity on people's lives? 3) What is the role of the Physical Education professional in the promotion of health and what are the challenges that Physical Education Discipline, as a science ("lato sensu") and profession, will face in the next decades? Having in mind the role of physical inactivity upon the etiology of chronic diseases, we intend to reveal the large potential of physical exercise as a therapeutic agent.

Uniterms: Heath; Physical activity; Sedentarism; Therapeutic effects.

Introdução

A atividade física tem sido enaltecida e propagada há séculos como um potente fator de promoção à saúde. A Sócrates, por exemplo, credita-se a seguinte afirmação: "Na música, a simplicidade torna a alma sábia; na ginástica, dá saúde ao corpo". Tal ideia ganha respaldo no discurso do "pai da medicina", Hipócrates: "O que é utilizado, desenvolve-se, o que não o é, desgasta-se... se houver alguma deficiência de alimento e exercício, o corpo adoecerá". O filósofo Platão compartilhava da importância do exercício, considerando-o fundamental na manutenção do equilíbrio de corpo e mente (ou o espírito). Talvez sejam as célebres palavras do romano Juvenal que melhor materializem esse conceito: "Mens sana in corpore sano" ("Mente sã em corpo são"). Obviamente, as evidências que fundamentavam a prática de atividade física em períodos remotos eram mormente empíricas. Atualmente, há um denso e crescente corpo de conhecimento que consolida o exercício físico como ferramenta crucial na promoção de saúde. Não obstante - e paradoxalmente -, assistimos praticamente inertes a uma redução gradativa nos níveis de atividade física das populações modernas. Tal constatação traz consigo importantes indagações, tais como: 1) Qual o impacto - biológico e socioeconômico - da inatividade física na saúde dos indivíduos?; 2) Qual o impacto da inserção (ou re-inserção; conceito a ser esclarecido ao longo do artigo) da atividade física na saúde dos indivíduos?; 3) Qual o papel da profissional de Educação Física na promoção de saúde e quais os desafios que a Educação Física, enquanto ciência (em "lato sensu") e profissão, deve enfrentar nas próximas décadas a fim de se arraigar neste emergente campo de pesquisa e intervenção?

Propomos a seguir um breve ensaio sobre essas questões. Tendo como ponto de partida o papel da inatividade física sobre a etiologia das doenças crônicas, pretendemos revelar o imenso potencial do exercício físico como agente terapêutico.

Inatividade física: um ambiente inóspito para genes saudáveis

Estudos epidemiológicos demonstram que a inatividade física aumenta substancialmente a incidência relativa de doença arterial coronariana (45%), infarto agudo do miocárdio (60%), hipertensão arterial (30%), câncer de cólon (41%), câncer de mama (31%), diabetes do tipo II (50%) e osteoporose (59%) (KATZMARZYK & JANSSEN, 2004). As evidências também indicam que a inatividade física é independentemente associada à mortalidade, obesidade, maior incidência de queda e debilidade física em idosos, dislipidemia, depressão, demência, ansiedade e alterações do humor (GREGG, PEREIRA & CASPERSEN, 2000; GRUNDY, CLEEMAN, MERZ, BREWER JUNIOR, CLARK, HUNNINGHAKE, PASTERNAK, SMITH JUNIOR, STONE, NATIONAL HEART, LUNG, AND BLOOD INSTITUTE, AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY FOUNDATION & AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2004; LAUTENSCHLAGER & ALMEIDA, 2006; MANINI, EVERHART, PATEL, SCHOELLER, COLBERT, VISSER, TYLAVSKY, BAUER, GOODPASTER & HARRIS, 2006; WARBURTON, NICOL & BREDIN, 2006). Em populações pediátricas, o sedentarismo é também considerado o principal fator responsável pelo aumento pandêmico na incidência de obesidade juvenil. Além disso, recentes achados sugerem que a inatividade física é um componente agravante do estado geral de saúde em crianças e adolescentes acometidos por várias doenças, incluindo as cardiovasculares, renais, endocrinológicas, neuromusculares e osteoarticulares (GUALANO, SÁ PINTO, PERONDI, LEITE PRADO, OMORI, ALMEIDA, SALLUM & SILVA, 2010).

Indubitavelmente, a inatividade física é um dos grandes problemas de saúde pública na sociedade moderna, sobretudo quando considerado que cerca de 70% da população adulta não atinge os níveis mínimos recomendados de atividade física. O ônus socioeconômico da inatividade física é alarmante: estimativas sugerem que os custos relacionados ao tratamento de doenças e condições possivelmente evitadas pela prática regular de atividade física são da ordem de um trilhão de dólares por ano (!), apenas nos Estados Unidos (BOOTH, GORDON, CARLSON & HAMILTON, 2000).

Neste ponto, o leitor deve estar a se perguntar: "Mas, afinal, o que torna a inatividade física esta grande vilã da saúde pública?" A fim de responder a essa questão de maneira profunda, valeremo-nos de uma abordagem evolucionista ou (neo)darwinista1 1 . O naturalista Charles Darwin escreveu "A origem das espécies", em 1859, considerada uma das obras mais influentes da história da ciência, que discorre sobre a seleção natural como fator responsável pela origem, extinção e adaptação de espécies. , revisitada e estendida por cientistas modernos, como Frank Booth e James Neel (aos interessados, consultar (BOOTH & LEES, 2007).

De acordo com tal teoria, o cenário no qual nossos genes atuais foram selecionados difere sobremaneira do atual. Trata-se de um período longínquo (cerca de 10 mil anos a.C.), no qual a caça, a luta e a fuga se faziam necessárias para a alimentação e a sobrevivência dos nossos antepassados. Aqueles que logravam êxito em suas "tarefas cotidianas" aumentavam suas chances de sobreviverem, reproduzirem-se e, consequentemente, transmitirem seus genes às próximas gerações, ao passo que aqueles que não obtinham sucesso em suas "aventuras" pré-históricas (ex.: caça) estavam fadados à morte ou, no linguajar darwinista, extinção. Neste cenário inóspito, um fator distinguia o exitoso do fracassado, o alimentado do alimento, o caçador da caça: a capacidade de realizar atividade física. Explica-se: é intuitivo imaginar que o hominídeo capaz de percorrer maiores distâncias, numa maior intensidade e com um menor período de repouso era aquele com maiores chances de obter seu alimento e, assim, evitar a morte. Dessa forma, por anos a fio, as gerações exitosas no processo evolutivo foram aquelas que carregavam um genoma pautado em elevados níveis de atividade física. Mas qual era a principal característica de um genoma moldado por um ambiente composto por uma necessidade recorrente de atividade física em busca de alimento e armazenamento de nutrientes subsequente para períodos de "estiagem"? Indivíduos capazes de pouparem maiores estoques de substratos apresentavam vantagem competitiva na "incessante guerra da natureza" (DARWIN, 1839), pois em períodos de fome e escassez, os estoques de energia eram mais bem preservados. A pressão criada pelo ambiente ao longo de milhares de ano, portanto, proporcionou a transmissão de genes rotulados como "poupadores"(NEEL, 1962), capazes de estocar gordura e carboidrato em grandes quantidades. Estava, assim, constituído o genoma humano - sob forte pressão do ambiente pré-histórico -, que segue praticamente imutável (salvo raras mutações e polimorfismos) até os dias atuais (BOOTH & LEES, 2007; BOOTH & VYAS, 2001; BOOTH & ZWETSLOOT, 2011; CHAKRAVARTHY & BOOTH, 2004).

O ambiente moderno, contudo, mudou drasticamente. Com o advento das revoluções industriais e tecnológicas, o alimento tornou-se abundante e a todo o momento disponível. A atividade física, crucial nos tempos remotos, tornou-se dispensável. O homem, outrora fisicamente ativo e nômade, tornou-se sedentário. Os substratos energéticos (glicogênio e triglicérides) estocados no músculo esquelético e tecido adiposo, que flutuavam constantemente em função do ciclo "caça/jejum-alimentação/repouso", tornaram-se estáveis (e em níveis elevados). Como consequência, condições como síndrome metabólica2 2 . Estimativas sugerem que os custos de desenvolvimento de uma nova droga giram em torno de 110 milhões de dólares; já os custos de desenvolvimento de novas tecnologias firam em torno de 800 milhões a 1,2 bilhões de dólares. Certamente, tais custos são repassados ao consumidor. e obesidade emergiram.

De fato, existem cada vez mais evidências clínicas e experimentais que suportam a teoria de que o descompasso entre o genoma "moldado" há séculos (10.000 a.C) e o ambiente pobre em atividade física experimentado pelo homem moderno (2011 d.C) é o bojo das pandemias de doenças crônicas que afligem as sociedades atuais (CHAKRAVARTHY & BOOTH, 2004). A explicação para tal teoria é simples. Nossos genes respondem inadequadamente ao estilo de vida sedentário ou, em outras palavras, um nível ótimo de atividade física faz-se premente para a expressão fisiológica de nossos genes. Tomemos como exemplo o GLUT-4 (do inglês glucose transporter 4). Este gene (que codifica uma proteína de mesmo nome) tem como papel central captar glicose para o interior do tecido (músculo, por exemplo). Trata-se de um caso típico de "gene poupador", de fundamental importância na sobrevivência da espécie humana. A expressão e a translocação (deslocamento do interior à superfície da célula) do GLUT-4 são aumentadas substancialmente em períodos de atividade física e jejum (ex.: tentativa de caça) a fim de proporcionar efetivo armazenamento de substrato (glicogênio) quando do consumo do alimento (ex.: caça exitosa). Em condições modernas de sedentarismo crônico, tal gene não apresenta aumento de expressão ou translocação. Como resultado deste "mau-funcionamento", a glicose circulante deixa de ser captada pelos tecidos, provocando um quadro conhecido como hiperglicemia (aumento nas concentrações de glicose sanguínea), que em médio e longo prazo - e em última análise -, predispõe à diabetes do tipo 2 e muitos de seus sintomas, tais como nefropatia, neuropatia, retinopatia, etc. De fato, estudos moleculares e clínicos confirmam repetitivamente disfunções do GLUT-4 (ex.: falhas em sua translocação) como fator fisiopatológico central no desenvolvimento de diabetes do tipo 2 (ZIERATH, HE, GUMÀ, ODEGOARD WAHLSTRÖM, KLIP &WALLBERG-HENRIKSSON, 1996). Não surpreendentemente, a principal medida terapêutica de prevenção e controle dessa doença é a prática de atividade física (para revisão, ver HENRIKSEN, 2002).

Paradoxalmente, nosso genoma "poupador" responsável pelo sucesso evolutivo ao longo de milhares de ano é o mesmo que, em virtude da inatividade física, tem desencadeado inúmeras doenças crônicas na sociedade moderna. Sob o ponto de vista darwinista, pode-se considerar, por exemplo, que o obeso de hoje - repleto de fatores de risco para doenças cardiovasculares - é o ser mais bem geneticamente adaptado ao processo de evolução humana. A esse indivíduo, contudo, o ambiente moderno tem sido muito mais hostil do que o pré-histórico.

(Re)-Inserção de atividade física e o papel da Educação Física na promoção de saúde: desafios e atalhos

Diante do descompasso gene-ambiente descrito no tópico anterior e suas consequências desastrosas à saúde dos indivíduos, duas alternativas terapêuticas emergem: 1) Alteração no ambiente do homem moderno; ou 2) Alteração dos genes do homem moderno. Muito embora a primeira opção soe como a mais sensata medida de saúde pública a ser adotada, surpreendemo-nos com uma era repleta por tentativas milionárias e mal sucedidas de desenvolvimento de terapias gênicas experimentais, com o intuito de criar uma pílula "mágica" capaz de replicar os efeitos do exercício. Na verdade, o termo "pílula de exercício" vem sendo vastamente empregado por alguns pesquisadores a fim de caracterizar novas drogas que apresentam efeitos similares ao exercício em uma ou mais moléculas ou sistemas, numa clara tentativa de "sensacionalizar" seus achados (BOOTH & LAYE, 2009). Consideremos, por exemplo, a droga AICAR (do inglês 5-Aminoimidazole-4-Carboxamide-1- Beta-D-Ribofuranoside), capaz de aumentar a expressão do gene AMPK (do inglês AMP-activated protein kinase), considerado um sensor extracelular de energia. Roedores tratados com AICAR apresentam aumento substancial na tolerância ao esforço (NARKAR, DOWNES, YU, EMBLER, WANG, BANAYO, MIHAYLOVA, NELSON, ZOU, JUGUILON, KANG, SHAW, & EVANS, 2008). Com base nesses achados, os autores desse estudo divulgaram tal droga como a "pílula do exercício", causando, assim, um enorme impacto midiático. Contudo, esse rótulo carece de base científica, uma vez que uma droga capaz de mimetizar os efeitos do exercício físico deveria promover, conceitualmente, todos os benefícios deste, com os mesmos custos e riscos à saúde. A droga AICAR, não parece ser capaz, por exemplo, de melhorar força, cognição, massa óssea ou reduzir mortalidade, que são desfechos clássicos inerentes à prática regular de atividade física. Além disso, os riscos e custos dessa droga3 3 . O termo "síndrome metabólica" refere-se à associação de diversos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Três ou mais fatores dos descritos adiante definem a síndrome metabólica: 1) aumento de gordura visceral, redução de HDL-colesterol; 2) baixo HDL-colesterol; 3) aumento de triglicérides; 4) hipertensão arterial; 5) hiperglicemia. - ainda não investigados - provavelmente não se comparariam aos da prática de atividade física. Por fim, tal droga sequer foi testada em estudos clínicos e sua eficácia atestada em ratos permanece sendo uma incógnita em humanos. Portanto, tendo em vista o vasto espectro de ação do exercício físico sobre o organismo, as baixíssimas taxas de prevalência e gravidade de efeitos adversos (ex.: fadiga, cãimbras, dor tardia) e o baixo custo de seu emprego, acreditamos que jamais surgirá uma droga que mereça a alcunha de "mimetizador" de exercício, sendo o próprio absolutamente ímpar como agente terapêutico (BOOTH & LAYE, 2009; GOODYEAR, 2008; HAWLEY & HOLLOSZY, 2009).

Além disso, esforços para alterar um ou poucos genes através de terapias gênicas são "a priori" infrutíferos para doenças crônicas, já que estas são sabidamente poligênicas (vários genes "falham", expressam-se ou reprimem-se em conjunto para que uma doença crônica se manifeste). Novamente, ponto para o exercício, já que sua ação sistêmica lhe confere papel posição terapêutica inigualável. Com exceção dos órgãos sensoriais, que parecem não serem influenciados pelo exercício, todos os demais sistemas podem ser beneficamente modulados pela prática regular de atividade física (BOOTH, CHAKRAVARTHY & SPANGENBURG, 2002; BOOTH & LEES, 2007; CHAKRAVARTHY & BOOTH, 2004; PEDERSEN & SALTIN, 2006). Não à toa, a prática de exercícios tem sido considerada tratamento de primeira linha em diversas doenças crônicas, tais como diabetes do tipo 2, hipertensão arterial, osteoartrite, osteoporose, obesidade, câncer, etc. A descrição dos efeitos específicos do treinamento físico no tratamento de cada doença vai além do escopo dessa revisão, porém o leitor interessado no tema é encorajado a consultar a excelente revisão de (PEDERSEN & SALTIN, 2006).

Tendo devidamente contido o exacerbado ânimo dos entusiastas da "pílula do exercício", voltemos à única alternativa plausível para prevenção das doenças crônicas: a mudança do ambiente. Para tanto, duas opções palpáveis poderiam ser adotadas: alteração do consumo e padrão alimentar e (re)inclusão de atividade física. Mantendo o foco desta revisão, discorremos sobre a segunda medida.

A este ponto, contudo, faz-se necessário esclarecer por vez a insistência no termo "(re)inclusão" de atividade física. Numa visão evolucionista, o indivíduo saudável é aquele que apresenta um funcionamento fisiológico normal. Mas, afinal, o que seria um "funcionamento fisiológico normal"? Por fisiologia, entende-se o estudo da função "normal" de órgão e tecidos; ao passo que por patologia, entende-se o estudo de "desvios da normalidade" anatômica e fisiológica, das causas e etiologias das doenças. Sob esse pano de fundo, seria conceitualmente inaceitável classificar um indivíduo sedentário como saudável, independentemente de o mesmo manifestar ou não sintomas clínicos de alguma doença. Conforme exaustivamente discutido ao longo desta revisão, o genoma humano sob o ambiente sedentário apresenta disfunção. O indivíduo fisicamente inativo, portanto, representa uma condição patológica (desvio da normalidade fisiológica). Com base nesses conceitos, poderíamos afirmar que os efeitos terapêuticos do treinamento físico devem-se à mera re-inserção de atividade física na vida do homem moderno, corrigindo um ambiente desfavorável e incongruente à expressão fisiológica do nosso genoma (BOOTH & LAYE, 2009). Por consequência, o profissional de Educação Física engajado em promover saúde é aquele responsável por (re)-inserir atividade física na vida de uma população.

A crescente e alarmante pandemia de sedentarismo representa um momento de grande reflexão para o profissional de Educação Física: "Por que as pessoas cada vez mais se exercitam menos?" A resposta a essa pergunta está longe de ser simples, mas certamente envolve a sub-valorização do exercício pelos profissionais de saúde. Na classe médica em geral, a atividade física permanece desconhecida e, como tal, ignorada. De maneira similar, nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos não recebem formação que lhes capacitam adequadamente para a prescrição de exercício. Cabe, pois, aos profissionais e pesquisadores da área de Educação Física - especialistas de formação no uso dessa ferramenta - a obrigação de alavancar sua promoção, seja na condução de estudos clínicos e mecanísticos de qualidade, seja na prescrição de exercícios efetiva e segura a uma população. Uma iniciativa exemplar com esse fim, promulgada por profissionais e cientistas afiliados a entidades e colegiados internacionais, como o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) e a Associação Americana de Cardiologia (AHA), têm divulgado à sociedade o exercício físico como um verdadeiro "remédio", através do lema "Exercise is Medicine" (http://exerciseismedicine.org/). A luta, todavia, não é fácil. O exercício físico é uma ferramenta barata, segura, não patenteável e, quando prescrita de maneira correta, põe fim à necessidade de uma vasta gama de medicamentos. Ao leitor, resta a reflexão: "A quem interessaria o exercício, senão à população?"

Por fim, cabe-nos destacar que a área de "exercício e saúde", embora nobre por essência, demanda exemplar preparo do profissional que se habilita a trabalhar nesse campo. O entendimento completo dos mecanismos moleculares, bioquímicos, fisiológicos e biomecânicos pelos quais a inatividade física afeta o funcionamento fisiológico humano requer atenção especial. O papel da re-inserção do exercício físico na reversão - parcial ou total - da condição patológica induzida pelo sedentarismo também se faz premente. Além disso, o profissional de Educação Física responsável pelo tratamento secundário e terciário4 4 . De acordo com conceitos Epidemiologia, prevenção primária refere-se aos cuidados que visam à redução de incidência de determinada doença. Prevenção secundária refere-se aos tratamentos que visam alterar o curso natural de determinada doença. Prevenção terciária refere-se ao conjunto de medidas que visam ao tratamento de sintomas de uma determinada doença. de doenças crônicas deve também se aprofundar em conceitos de fisiopatologia, sintomas e quadro clínico de determinada doença, assim como nos benefícios e riscos inerentes à prática de atividade física para tal condição específica. Tais medidas tornam-se essenciais àquele profissional de Educação Física que visa compor com competência uma equipe transdisciplinar de saúde. Dada a heterogeneidade das doenças tratáveis pelo exercício, o estudante de Educação Física não pode esperar que todas as suas necessidades profissionais sejam sanadas no curso de graduação. A atualização continuada - útil em todas as áreas do saber - torna-se ainda mais vital àqueles que optarem por esse emergente e promissor campo de atuação.

Considerações finais

Este breve artigo traz as seguintes mensagens ao leitor: 1) nosso genoma foi selecionado a partir de pressões ambientais do período paleolítico, em que a atividade física e a capacidade de armazenamento de alimentos faziam-se vitais à preservação e evolução da espécie humana; 2) o estilo de vida sedentário vivenciado pelo homem moderno (10.000 a.C) está em completo descompasso com o genoma ancestral (2011 d.C), provocando disfunções na expressão gênica e, por consequência, predispondo às doenças crônicas, que geram um ônus socioeconômico elevadíssimo; 3) O indivíduo sedentário não pode ser considerado saudável; 4) A (re)-inserção da atividade física na vida do homem moderno é essencial à manutenção da função normal (fisiológica) do organismo; 5) O exercício físico é barato, não patenteável, seguro e, se corretamente recomendado, capaz de reduzir sobremaneira a necessidade de medicamentos; 7) Cabe ao profissional de Educação Física capacitar-se a fim de prescrever o exercício com eficácia e segurança a toda população.

Notas

  • BOOTH, F.W.; CHAKRAVARTHY, M.V.; SPANGENBURG, E.E. Exercise and gene expression: physiological regulation of the human genome through physical activity. Journal of Physiology, London, v.543, Pt.2, p.399-411, 2002.
  • BOOTH, F.W.; GORDON, S.E.; CARKSIBM C.J.; HAMILTON, M.T. Waging war on modern chronic diseases: primary prevention through exercise biology. Journal of Applied Physiology, Bethesda, v.88, n.2, p.774-87, 2000.
  • BOOTH, F.W.; LAYE, M.J. Lack of adequate appreciation of physical exercise's complexities can pre-empt appropriate design and interpretation in scientific discovery. Journal of Physiology, London, v.587, Pt.23, p.5527-39, 2009.
  • BOOTH, F.W.; LEES, S.J. Fundamental questions about genes, inactivity, and chronic diseases. Physiological Genomics, Bethesda, v.28, n.2, p.146-57, 2007.
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  • 1
    . O naturalista Charles Darwin escreveu "A origem das espécies", em 1859, considerada uma das obras mais influentes da história da ciência, que discorre sobre a seleção natural como fator responsável pela origem, extinção e adaptação de espécies.
  • 2
    . Estimativas sugerem que os custos de desenvolvimento de uma nova droga giram em torno de 110 milhões de dólares; já os custos de desenvolvimento de novas tecnologias firam em torno de 800 milhões a 1,2 bilhões de dólares. Certamente, tais custos são repassados ao consumidor.
  • 3
    . O termo "síndrome metabólica" refere-se à associação de diversos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Três ou mais fatores dos descritos adiante definem a síndrome metabólica: 1) aumento de gordura visceral, redução de HDL-colesterol; 2) baixo HDL-colesterol; 3) aumento de triglicérides; 4) hipertensão arterial; 5) hiperglicemia.
  • 4
    . De acordo com conceitos Epidemiologia, prevenção primária refere-se aos cuidados que visam à redução de incidência de determinada doença. Prevenção secundária refere-se aos tratamentos que visam alterar o curso natural de determinada doença. Prevenção terciária refere-se ao conjunto de medidas que visam ao tratamento de sintomas de uma determinada doença.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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