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CAPACITAÇÃO DE PESSOAL: ABSORÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PESSOAL NA REDE DE SERVIÇOS

Resumo:

O autor discute as principais questões relacionadas à absorção e utilização de pessoal (principalmente de médicos) pela rede de serviços públicos, neste momento de redefinição das políticas de saúde no Brasil, e de implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde - SUDS. É enfatizada a oportunidade que se abre aos Projetos de Integração Docente-Assistencial de definirem seus espaços e papéis na formação de médicos nas especialidades básicas, e de assessoria na organização de serviços regionalizados e hierarquizados de saúde.

Summary:

The author discusses the main issues about living and using professionals (doctors especially) by the health services network meanwhile the reconstruction of health policies are being developed in Brazil, which is followed by the innitiation of the unified and descentralized health system.

It is emphasized that this is a convenient time for carrying out projects that have not been noticed like the Integration Teaching Assistance Projects. This is an opportunity for a clearer definition of the purpose of those projects which deals with interns of medicine and their role in society. The developing of such projects stands for a suitable contribution to health services organized in regions and having a hierchal system.

Introdução

A absorção e utilização de pessoal na rede de serviços permite uma abordagem tanto a nível micro, como a nível macro da questão.

A nível micro, tratar-se-ia de discutir as questões relacionadas com a absorção e utilização de pessoal discente pela própria rede de serviços onde se dá a prática do projeto de Integração Docente-Assistencial (IDA); discutir-se-iam as questões geradas pelo e no próprio processo de integração. Sendo assim, muitos dos coordenadores de projetos IDA que trabalham diretamente com recursos humanos podem abordar melhor este tema.

Portanto, vou abordar este tema a nível macro, ou seja, a nível das questões relacionadas à absorção e utilizaçãode pessoal pela rede de serviços frente às atuais políticas de saúde de nosso País.

As Políticas Atuais de Saúde

Neste momento histórico que vivemos, as políticas de saúde emanadas do Estado se concretizam nos convênios assinados em 1987 entre os Governos Federal e Estadual para a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde - SUDS - em todo o País, desdobramento das experiências vividas com as Ações Integradas de Saúde - AIS - estratégia formalizada a partir de 1983.

A descentralização das atividades de planejamento, coordenação, controle e avaliação dos serviços de saúde próprios, contratados e conveniados do INAMPS, e dos correspondentes recursos financeiros, para o Governo Estadual (e conforme o caso, municipal), constitui a face institucional mais visível, em muitos Estados brasileiros, do processo de implantação do SUDS.

Analisarei, de forma sucinta, as repercussões de tal processo na absorção e utilização de pessoal na rede de serviços, agora rede de serviços do SUDS.

A Absorção de Pessoal de Saúde

O crescimento quantitativo da formação de pessoal de saúde, em especial do profissional de maior prestigio - o médico, tem sido analisado em vários trabalhos relativamente recentes entre nós 101. NOGUEIRA, R. P. & BRITTO, P. Recursos humanos en Salud en Las Américas. Educación Médica y Salud, Washington, 20(3):295-322, 1986.),(202. NOGUEIRA, R. P. Dinâmica do Mercado de Trabalho em Saúde do Brasil, 1970-83. Educación Médica y Salud , Washington, 20(3):335-350, 1986..

O crescimento do número de Escolas Médicas se deu principalmenteno período 1965-70, época de conjuntura e desenvolvimento econômico favoráveis, que se refletiu no setor saúde com uma expansão de seus serviços, às custas principalmente de serviços privados contratados pela Previdência Social, com absorção conseqüente dos novos profissionais.

Nos dias atuais, a razão médico/habitantes no Brasil é considerada adequada, e a projeção para o ano 2.000 é de 10 médicos/10.000 habitantes, bastante inferior à da Argentina (27,9/10.000 habitantes), México (23,8/10.000 habitantes), ou os EUA (25,9/10.000 habitantes).

No entanto, qualquer um de nós conhece bem histórias de médicos mal, sub e desempregados. Confirma-se assim que a questão é menos de quantidade de médicos do quede distribuição destes no espaço geográfico brasileiro. E esta é uma questão política.

Sob este prisma político, é minha impressão que uma absorção mais equitativa, geograficamente, deste profissional em oferta no mercado de trabalho, recebeu impulso importante a partir de assinatura dos primeiros convênios das AIS em 1983, reforçado agora pela implantação do SUDS.

Assim, o compromisso de ampliação de cobertura assistencial à população, assumido por Estados e principalmente Municípios, quando da assinatura do convênio das AIS, teve como conseqüência um grande crescimento das unidades básicas de saúde e a contratação de muitos médicos, enfermeiras e pessoal de enfermagem em todo o País. No Paraná, exemplo que tenho vivenciado de perto, a rede municipal de unidades básicas de saúde cresceu de 236 em 1984 para 1.139 em 1987, e as consultas médicas ali prestadas de 139.473 em 1984 para 3.656.182 em 1987. Isto significou, aproximadamente, a absorção de cerca de 900 médicos neste período pelas Prefeituras Municipais (pressupondo um emprego por médico, de 20 horas semanais e produção diária de 16 consultas), e outro tanto não quantificado de pessoal de enfermagem.

A Utilização de Pessoal de Saúde

Vejamos agora a utilização do pessoal de saúde, uma vez absorvido pela rede de serviços.

Um dos grandes obstáculos à implantação efetiva do SUDS tem sido a diferença existente entre as várias instituições do setor saúde quanto ao valor do salário, forma de remunerar, critérios de promoção, horário de trabalho.

Nem o INAMPS, nem as Secretarias Estaduais, em sua maioria, tem Planos de Cargos e Salários devidamente normatizados, quanto menos as Prefeituras.

A questão da diferença salarial entre profissionais da mesma categoria, pertencentes a diferentes instituições, e que prestam o mesmo tipo de serviço agora à mesma população assistida pelo SUDS, temsido a questão que, objetivamente, mais dificuldades tem trazido e irá trazer à efetiva implantação do SUDS nos Estados.

Mas há outros aspectos que me parecem igualmente importantes na questão utilização de pessoal pela rede de serviços.

Dentre estes, destaco a inadequação do médico contratado pelo Estado/Muniícpio ao trabalho desenvolvido em uma unidade básica de saúde. Minha convivência com alguns destes médicos, na sua maioria recém­egressos de Residência Médica em Clínica Médica, Pediatria e Toco-ginecologia, e admitidos por concurso público em Prefeituras Municipais de cidades maiores no Paraná, tem me deixado a forte impressão de haver um enorme fosso separando sua formação e aspirações profissionais e a realidade da assistência prestada nestas unidades. Tal fato reflete bem e confirma, a meu ver, o enorme fosso ainda existente entre o produto tradicional da Escola Médica que os serviços absorvem, e o tipo de profissional que a população assistida por uma unidade básica de saúde necessita. Tenho dúvidas que tímidas atividades de educação continuada desenvolvidas por estas prefeituras, consigam diminuir o tamanho desse fosso.

Absorção e Utilização de Pessoal:

O Papel dos Projetos IDA

Muitos dos professores das Escolas Médicas continuam vendo nos projetos IDA a oportunidade de dar um “banho de realidade” nos quase médicos; muitos têm demonstrado muita fé mesmo que este é o “Projeto Rondon” da Escola Médica, que desperta a consciência crítica adormecida dos estudantes (ou aplaca os sentimentos de revolta e impotência do corpo docente mais sensível às desigualdades sociais, mas que aceitam como inexoráveis).

Sob este enfoque, muitos projetos IDA se transformam em fins de si mesmos, e, coerentemente, a maioria dos instrumentos e critérios de avaliação atendem apenas às necessidades formais da Escola, e/ou avaliam apenas o processo educacional em si.

Usamos frequentemente em Medicina, ou pelo menos lemos com freqüência em revistas médicas, estudos prospectivos sobre este ou aquele método terapêutico utilizado nesta ou naquela doença, no sentido de diminuir suas taxas de incidência/prevalência.

No entanto, nãoconhecemos estudos prospectivos (ou mesmo retrospectivos) que nos informem se o método terapêutico “banho de realidade”, utilizado na doença “médicos sendo formados em desacordo com as necessidades de saúde da população” vem diminuindo suas taxas de incidência/prevalência.

Não encontramos, na maioria dos casos, instrumentos e critérios de avaliação de resultados do projeto IDA, medidos, por exemplo, no lado “docência”, por estudos prospectivos sobre a absorção e utilização pela rede de serviços do produto ali formado; e no lado “serviços”, por estudos prospectivos que avaliem a melhoria das condições de acesso da população aos serviços, da assistência prestada, da saúdeda população assistida, e o que mais couber.

Levanto estas questões porque, se por um lado entendo os motivos desta timidez dos projetos IDA, por outro lado vejo que o momento é extremamente oportuno a atitudes “agressivas” de ocupação do espaço que se abre com a implantação do SUDS:

  1. a necessidade de hierarquização e regionalização dos serviços de saúde do SUDS, faz com que os locais de prática dos projetos IDA possam se constituir em locais primeiros e privilegiados de implantação, caracterizando de fato os distritos docentes-assistenciais;

  2. a necessidade de se colocar emprática a assistência integral à saúde, reforça que se derrube de vez o muro que separa as atividades preventivas das atividades curativas, e que se reflete muitas vezes na Escola Médica pelos antagonismos entre Departamento de Medicina Preventiva e Social e Departamentos Clínico-Cirúrgico, e nos projetos IDA pela não integração inter-departamental303. Análise crítica a este respeito pode ser vista em: NICZ, L.F. & KISIL, M. Integração docente-assistencial: problemas organizacionais. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, 9(1):68-70, jan./abr. 1985.;

  3. a necessidade de universalização do acesso da população aos serviços de saúde financiados com recursos públicos, reforça a expansão da cobertura assistencial prestada pelos projetos IDA para populações menos perifericamente situadas do ponto-de-vista econômico;

  4. por fim, a necessidade de formação de profissionais adequados aos perfis ocupacionais formal ou informalmente exigidos pelas Secretarias Estaduais/Municipais de Saúde para sua rede de serviços em expansão, assim comoa necessidade de treinamento em serviço de profissionais já contratados, visando ajustá-los às atividades desenvolvidas nesta rede, pode se constituir em tarefa importante dos projetos IDA.

Concluindo, vejo, neste momento histórico, espaço aberto para que os projetos IDA se firmem como unidades pedagógicas da Escola Médica em condições de ofertar à rede de serviços o produto que ela precisa absorver para atender às necessidades da população, por um lado, e em condições de assessorar a rede de serviços, por outro, na melhor utilização do pessoal absorvido, em especial nas atividades de educação cotinuada.

Referências Bibliográficas

  • 01
    NOGUEIRA, R. P. & BRITTO, P. Recursos humanos en Salud en Las Américas. Educación Médica y Salud, Washington, 20(3):295-322, 1986.
  • 02
    NOGUEIRA, R. P. Dinâmica do Mercado de Trabalho em Saúde do Brasil, 1970-83. Educación Médica y Salud , Washington, 20(3):335-350, 1986.
  • 03
    Análise crítica a este respeito pode ser vista em: NICZ, L.F. & KISIL, M. Integração docente-assistencial: problemas organizacionais. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, 9(1):68-70, jan./abr. 1985.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1993
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