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DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS EDUCACIONAIS E DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO MÉDICO

Resumo:

O autor examina conceitualmente a importância de que se revestem dois momentos no processo de ensino-aprendizagem. Inicialmente, o que diz que respeito à definição dos objetivos educacionais, classicamente distinguidos em objetivos cognitivos, psicomotores e afetivos (comportamentais). Em seguida, o que se refere à avaliação que o processo supõe; examina aqui as características, as técnicas e as finalidades de avaliação.

Os conceitos desenvolvidos são concretamente examinados, a partir do trabalho desenvolvido de emergências na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Com a colaboração dos integrantes do Grupo de Assessoria Pedagógica da FMUSP, os docentes referidos definiram inicialmente os objetivos educacionais de sua área de ensino; a partir daí prepararam instrumentos de avaliação adequados, sempre levando em consideração as especificidades de cada área. O texto inclui exemplos referentes ao trabalho desenvolvido.

O processo de ensino-aprendizagem compreende naturalmente o mesmo mecanismo de que se cerca qualquer atividade humana: para que seja possível atingir as metas visadas, é indispensável que se definam as etapas anteriores, em particular os objetivos que cada uma delas envolve. Tal definição, ao lado de ensejar a oportunidade de construir instrumentos de avaliação do processo, como adiante se verá, permite ainda outro resultado importante: trata-se de oferece alvos parciais que, ao serem atingidos, gratificam os participantes do processo, estimulando-os a retomar os esforços a fim de que os objetivos - finais - evidentemente colocados a longo ou, pelo menos, a médio prazo - possam ser buscados e atingidos.

É fácil deduzir do que foi dito a importância de que se reveste a definição de objetivos educacionais no âmbito do processo de ensino-aprendizagem55. MILLER, G.E. - Ensino e Aprendizagem nas escolas médicas, São Paulo, Comp. Edit. Nac., Edit. USP, 1967. 330 p.),(77. SOBRAL, D.T. - Papel educativo na formação médica: definição e aprendizagem. Rev. Sras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 6(1):9-12, 1982.. Abordados de maneira genérica tais objetivos podem ser agrupados em três conjuntos: objetivos cognitivos, objetivos psicomotores e objetivos afetivos ou comportamentais.

Os objetivos cognitivos são aqueles mais facilmente apreendidos pelo docente. Afinal sua tarefa básica é visualizada como a transmissão de conhecimentos que o discípulo precisa conhecer para atingir o patamar seguinte do processo. Os objetivos psicomotores correspondem ao desenvolvimento de habilidades que o educando já traz em conseqüência de seu equipamento genético ou de vivências anteriores; em outras oportunidades, trata-se de criar habilidades novas adequadas a situações não experimentadas anteriormente11. ALVAREZ MANILLA, J.M. - Taxionomia de los objetivos educacionales del area psicomotora. Educación Médica y Salad, Washington, 5(1):68-73, 1971.. Os objetivos afetivos ou comporta mentais retratam a maneira como o educando vive as realidades que interioriza e que devem in­ formar a sua emoção e a sua consciência88. SUND, R. & PICARO, A. - Objetivos comportamentais e medidas em avaliação, São Paulo, Edit. Ped. Univ., 1978, 154 p..

Na Faculdade de Medícina da Universidade de S. Paulo (FMUSP) existem, em nível de vinculação à Comissão de Graduação, dois grupos de docentes e profissionais especializados, voltados para tarefas específicas: o Grupo de Assessoria Pedagógica (GRAPED) e o Grupo de Apeio Psicológico ao Aluno (GRAPAL). Ambos foram implantados no 2o semestre de 1985 e vêm desenvolvendo suas atividades previamente programadas, em trabalho de planejamento de que participa o próprio diretor da Faculdade.

No contexto da programação de atividades do Grupo de Assessoria Pedagógica da FMUSP para 1986 figurava a abordagem das disciplinas envolvidas no ensino de emergências, no contexto curricular do curso de graduação. A escolha desse conjunto decorria de uma série de fatores: sua importância vinculada aos temas/problemas que as situações de emergência envolvem; seu peso no contexto curricular, uma vez que o conjunto compreende cerca de 10% da carga horária total do curso de graduação; o interesse demonstrado previamente por docentes responsáveis por algumas dessas disciplinas.

O trabalho compreendeu uma primeira etapa em que o Grupo de Assessoria Pedagógica preparou um projeto inicial de estruturação das disciplinas integrantes do conjunto: Clínica Médica, Neurologia Clínica, Cirurgia, Neurocirurgia. Pediatria, Obstetrícia e Ginecologia, Ortopedia e Traumatologia. Tal projeto contemplava diferentes etapas do processo de ensino-aprendizagem: definição de objetivos educacionais; conteúdo do curso; metodologia de ensino; instrumentos de avaliação.

A seguir, os integrantes de cada área trabalharam o projeto inicial, para reformularem seu conteúdo, segundo seus critérios próprios. Os documentos assim preparados foram objeto de sucessivas reuniões e amplas discussões, até chegar-se a formulação definitiva para cada área. Ao término do processo, foi assumido o compromisso de implantarem-se, já em princípios de 1987, o conteúdo do curso e a metodologia de ensino calcados sobre os objetivos educacionais definidos.

Dar a utilidade de serem analisados os objetivos referentes às diversas áreas envolvidas no ensino das emergências na FMUSP. Tais objetivos serão examinados apenas exemplificadamente, uma vez que nosso objetivo é muito mais de divulgar o processo.

EXEMPLOS VIVENCIADOS

Em termos de objetivos cognitivos, são a seguir referidas as definições das áreas de Cirurgia e de Clínica Médica.

Os responsáveis pela área de Cirurgia e Neuro­cirurgia assim definiram os respectivos objetivos cognitivos:

  1. Reconhecer e interpretar as principais alterações semiológicas no doente traumatizado ou cirúrgico de emergência.

  2. Identificar as condições, críticas e estabelecer escalonamento das prioridades no atendimento do politraumatizado.

  3. Interpretar os exames subsidiários mais importantes em cirurgia de urgência.

  4. Reconhecer as principais intercorrências, imprevistos e situações de emergência em cirurgia.

  5. Descrever o tratamento básico das feridas traumáticas e das principais afecções cirúrgicas e urgência.

  6. Entender as principais indicações cirúrgicas e os Princípios de orientações terapêuticas nos traumatizado ou portadores de afecções cirúrgicas de urgência.

  7. Reconhecer as principais complicações conseqüentes ao ato cirúrgico e sua repercussão no organismo humano, principalmente na emergência.

Os responsáveis pela área de Clínica Médica definiram tal como segue os correspondentes objetivos cognitivos:

  1. O aluno deverá ser capaz de reconhecer, fazer o diagnóstico diferencial e estabelecer as condutas nas principais síndromes de Clínica Médica de Urgência tais como dor torácica, dor abdominal, dispnéia, cefaléia, confusão mental e coma, edema, icterícia, cianose, palpitações, arritmias cardíacas, hipertensão arterial, hipotensão arterial, febre.

  2. O aluno deverá ser capaz de estabelecer prioridades no atendimento de emergência.

  3. O aluno deverá adquirir condições de proceder à assistência inicial e estabilização de pacientes em situação crítica.

  4. O aluno deverá ter conhecimentos de fisio­patologia, diagnóstico e tratamento das seguintes situações clínicas: Parada cárdio-respiratória, Tromboembolismo pulmonar, Intoxicações exógenas, Emergências hipertensivas, Crise asmática, Infecções pulmonares, Encefalopatias metabólicas, Distúrbios agudos ligados ao alcoolismo, Doença pulmonar obstrutiva crônica, Descompensação diabética, Choque, Insuficiência respiratória aguda, Septicemia.

  5. O aluno deverá ser capaz de fazer a utilização correta das drogas utilizadas em Pronto Socorro e Terapia Intensiva.

No que se refere aos objetivos psicomotores, são em seguida examinadas as definições das áreas de Neurologia e Ortopedia e Traumatologia.

Os responsáveis pela área de Neurologia Clínica definiram que, ao final do estágio, o aluno deverá estar capacitado a:

  1. Realizar anamnese que enfatize o modo de apresentação do sintoma em questão, ou seja, evolução em surtos, quadro ictal, quadro progressivo, etc.

  2. Realizar o Exame Neurológico Básico, sabendo, com exatidão, diferenciar o que é lesão do Sistema Nervoso Central e o que é lesão do Sistema Nervoso Periférico.

  3. Puncionar por via lombar o espaço subdural para o exame do L.C.R. e conhecer suas contraindicações.

  4. Saber indicar a ventilação mecânica nos pacientes com distúrbios respiratórios de origem neurológica.

  5. Saber avaliar o exame de fundo de olho: relação artéria-veia, pulso venoso espontâneo, nitidez da papila, hemorragias, exsudatos, etc.

Os responsáveis pela área de Ortopedia e Traumatologia definiram que, ao final do programa, o aluno deverá estar capacitado a:

  1. Realizar anamnese e exame físico sistematizado em relação à queixa principal do doente.

  2. Realizar os modelos mais simples e freqüentemente utilizados de imobilização no tratamento das lesões agudas osteoarticulares dos membros e da coluna.

  3. Encaminhar para tratamento ortopédico ou fisioterápico os casos de doenças crônicas que não necessitam de atendimento de urgência.

  4. Realizar atividades básicas de natureza cirúrgica na condução de problemas traumatológicos mais correntes, em particular nas fraturas expostas e ferimentos

Quanto aos objetivos afetivos, são apresentadas as definições das áreas de Pediatria e de Obstetrícia e Ginecologia.

Os responsáveis pela área de Pediatria definiram que, ao final do programa, o aluno deverá estar capacitado a:

  1. Reconhecer a importância do atendimento de urgência às crianças efetivamente ou potencialmente em estado grave.

  2. Valorizar a contribuição dos pais para o sucesso de terapêutica indicada.

  3. Reconhecer a importância do relacionamento médico-criança, valorizando-se como pessoa e não simplesmente como instrumento de aprendizado.

  4. Reconhecer os efeitos negativos do atendimento hospitalar sobre a criança, procurando minimizá-los através de um relacionamento empático e aceitador.

  5. Reconhecer a importância do preenchimento adequado de ficha de PS, assim como da revisão de todos os casos pelo residente ou assistente, face às implicações médico-legais que todo caso apresenta.

  6. Valorizar a informação dada aos pais sobre a doença da criança e o prognóstico, atendendo as suas solicitações, respeitando as suas solicitações, respeitando e adaptando-se às eventuais limitações culturais existentes.

  7. Valorizar o trabalho da equipe da saúde no atendimento em consultório de emergência, reconhecendo a importância do relacionamento entre as diversas áreas.

  8. Valorizar os recursos e facilidades da família na escolha dos medicamentos a serem prescritos.

  9. Reconhecer a importância da boa semiologia no atendimento do doente, principalmente daqueles com patologia de urgência.

  10. Valo rizar a importância de abordagem e do encaminhamento adequado do caso de natureza policial e/ou social.

  11. Valorizar a importância do uso de medicamentos baseados exclusivamente em dados científicos bem fundamentados.

Por sua vez, os responsáveis pela área de Obstetrícia e Ginecologia definiram os correspondentes objetivos afetivos:

  1. Valorizar a importância do relacionamento médico paciente, considerando que o médico não deve se comportar apenas corno um técnico.

  2. Aprender a resguardar o recato e o pudor de pacientes com queixas genitais, mesmo diante de situações agudas.

  3. Entender as reações emocionais das pacientes com problemas tocoginecológicos, tais como o trabalho de parto e o abortamento.

  4. Valorizar a participação da família, particularmente do cônjuge, no acompanhamento do ciclo gravídico-puerperal.

  5. Reconhecer a importância do comportamento médico frente a pacientes graves com mau prognóstico.

  6. Reconhecer a importância do atendimento multiprofissional em pacientes portadoras de afecções tocoginecológicas de urgência, bem como no encaminha mento de parturientes a outras instituições quando na ausência de vagas.

  7. Reconhecer o limite da atuação do médico não legista face a situações que reque rem perícia médico legal.

INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO EM EDUCAÇAO MÉDICA

Ao longo de todos os passos de nossa vida, ainda que muitas vezes de maneira inconsciente somos obrigados a analisar os resultados de nossa atuação. Trata-se de apreciar e avaliar nossas atitudes, na busca de identificar situações que contribuíram positiva ou negativamente para o atingimento de objetivos inicialmente propostos. Tal identificação deverá permitir correções naquelas atitudes ou até a modificação desses objetivos.

O que se deseja salientar é que essa postura é natural e até espontânea, marcando por sua presença as nossas iniciativas. Eis por que ela não pode ficar ausente naquele que é um dos processos mais complexos da atividade humana, que é o de ensino-aprendizagem44. COELHO NETO, A. - Avaliação sem medo, Fortaleza. R. Esteves Gráfica Edit., 1980. 214 p,. A avaliação aplicada em diferentes momentos e em relação a diferentes aspectos desse processo permitirá o enriquecimento do modelo, pela introdução de correções nos métodos ou instrumentos adotados, ou até mesmo nos objetivos educacionais previamente colocados.

Bohm33. BOHM, G. - Avaliação do rendimento educacional, São Paulo, Edit. Ped. Univ., 1980, 104 p. salienta quatro aspectos fundamentais na tarefa de avaliação: quem será avaliado? o que será avaliado? como será avaliado? qual a finalidade da avaliação?

A resposta à pergunta inicial envolve a personalidade dos dois participantes do processo - o aluno e o professor. É habitual, porque obrigatória em termos de dispositivos legais, a avaliação do aluno; para fazê-la numerosas técnicas e sistemáticas têm sido desenvolvidas; sua apreciação será feita, ainda que de maneira sucinta, logo adiante. O que se deseja é salientar que será muito útil e proveitoso para o processo de ensino­ aprendizagem o reconhecimento e, em conseqüência, a prática generalizada da avaliação do outro participante do processo, a saber, o professor. Trata-se de aspecto em relação ao qual existe ainda muito terreno a ser conquistado.

A segunda pergunta supõe naturalmente a existência do que avaliar. A referência aqui prende-se à necessidade de prévia definição dos objetivos educacionais. Importa apenas salientar que não se deve confundir objetivo, que é o resultado esperado do processo, com objeto, representado pela matéria a ser ensinada. Um e outro devem naturalmente ser avaliados.

AS TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO

A resposta à terceira pergunta envolve a consideração de métodos ou técnicas que podem ser utilizados para a avaliação.

No caso do aluno, é clássica a identificação de três possibilidades: a avaliação formativa, a avaliação somativa e a avaliação por meio da observação66. SCHMITZ, E: F. - Didática Moderna: Fundamentos. Rio de Janeiro, Livros Téc. Cient., 1980, 168 p..

A avaliação formativa designa análises de desempenho a intervalos relativamente curtos, o que é importante para a evolução do aluno; a razão funda-se no fato de que metas de longo prazo, por serem de atingimento longínquo e demorado, reduzem a gratificação que é possível conquistar quando metas parciais, atingíveis a prazos mais curtos, podem ser definidas. Está visto que a adoção desta técnica de avaliação poderá envolver a necessidade de desdobrar objetivos educacionais previamente definidos de maneira mais global.

A avaliação somativa tem por objeto a apreciação muito geral do grau em que os objetivos amplos foram atingidos durante todo o curso ou em arte substancial dele. Tem geralmente como finalidade a atribuição de nota ou conceito ao contrário da avaliação formativa, muito mais voltada para ajudar professor e aluno a se deterem na aprendizagem específica necessária ao domínio da matéria.

A avaliação por meio da observação dá-se de maneira constante, representada pela permanente apreciação do professor em relação ao desempenho do aluno. Trata-se de método exigente e que exige dedicação e interesse por parte do docente; quando bem realizado, contudo, mostra-se extremamente eficaz. Para consegui-lo, a observação deve ser: contínua, considerando que todas as atividades executadas para atingir o objetivo desejado são sempre significativas; sistemática utilizando critérios planejados e definidos de acordo com os objetivos propostos; integral, contemplando o conjunto de atividades desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem.

No caso do professor, a avaliação pode incluir diferentes aspectos, incluindo a auto-apreciação, a avaliação pelos colegas e a avaliação pelo aluno. A auto-apreciação significa apenas a aplicação à atividade docente daquilo que o professor faz ao longo de toda a sua vida, em todos os demais ângulos de sua atividade; trata-se de atuação que exige maturidade, equilíbrio e sentido de autenticidade, mas que permite retorno extremamente rico. A avaliação pelo aluno exige a superação de preconceitos e mal-entendidos, pelo reconhecimento de que a apreciação de um dos participantes do processo é certamente útil para avaliação do próprio ensino-aprendizagem.

CARACTERÍSTICAS DA AVALIAÇÃO

Qualquer que seja a técnica definida para a avaliação, esta deve revestir-se de determinadas características, a fim de que seja possível obter os resultados a que ela se destina22. BLOOM, B.S.; HASTINGS. J.T. & MADAUS, G. F. - Manual de Avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo Livr. Pioneira, Edit.. 1983, 307p,.

Em primeiro lugar, a técnica adotada deve permitir avaliar o que se pretende medir. Trata-se de repetir o óbvio, mas importa que exista a preocupação com que a técnica adotada seja vá­ lida.

De outra parte, é essencial que a técnica de avaliação adotada seja objetiva, uma vez que se deseja apreciar de maneira realista o desempenho dos participantes do processo de ensino-aprendizagem e o processo, em si mesmo. Para tanto, a técnica de avaliação deve permitir que os resultados da análise sejam iguais, mesmo quando os avaliadores sejam diferentes; em outras palavras, o que se deseja é fugir ao subjetivismo na apreciação desenvolvida.

Além disso, a técnica de avaliação deve ser passível de desenvolvimento, dentro dos padrões e dos recursos disponíveis; em outros termos, a técnica adotada deve ser prática. De novo aqui estamos falando do óbvio, mas com freqüência corre-se o risco de não medir adequadamente a distância que existe entre o ideal e o real.

Em seguida, a técnica de avaliação adotada deve ser confiável, alvo que se atinge pelo prévio conhecimento das regras do jogo por parte dos diferentes participantes do processo de ensino­aprendizagem. É essa confiabilidade que confere legitimidade ao processo. É por essa razão que afirma Bohm, no trabalho já referido, que “o sistema de avaliação, estabelecido antes do curso, deve ser explicado e discutido com os participantes do programa educacional antes de seu início”.

Importa considerar também que a técnica de avaliação adotada deve permitir resultados reprodutíveis, quando mantidas as mesmas condições; trata-se de buscar um modelo que seja fidedigno. Bohm refere que a característica de fidedignidade é assegurada quando a avaliação contém uma amostra razoável daquilo que se pretende medir e quando o julgamento é corretamente balanceado.

Por último, a técnica de avaliação deve ser oportuna, desenvolvida no momento adequado, tanto do ponto de vista didático, representado pelo momento de desenvolvimento do curso programado, quanto do ponto de vista psicológico, seja em relação ao professor, seja em referência ao aluno.

FINALIDADES DA AVALIAÇÃO

A resposta à última pergunta inicialmente formulada permite atingir o âmago da questão: por que avaliar? ou para que avaliar?

A rotina habitual implantada no processo de ensino-aprendizagem, permite a fácil ide ntificação de que a finalidade da avaliação volta-se para os alunos. Basta lembrar que a sociedade atribui ao professor a tarefa de capacitar os alunos para desenvolverem as tarefas que lhes serão confiadas, em momentos posteriores de sua vida. Em conseqüência, cabe ao professor a responsabilidade de distinguir os capazes dos que são incapazes para desempenhar aquelas tarefas. Responsabilidade muito séria, sobretudo quando se analisa o ensino médico: não se trata aqui de distinguir capacidade traduzida em conhecimentos adquiridos ou habilidades desenvolvidas. Trata-se de identicar aqueles que, por seu comportamento e pela estrutura de sua personalidade, ajudarão a recuperar o corpo e a mente de alguém ou contribuirão para destruir um e outra.

Esta não representa, contudo a única finalidade da avaliação. Outra, igualmente digna de ser colocada em relevo, corresponde ao papel importante que ela pode desempenhar como instrumento de estímulo ao estudo. Duas observações cabem aqui: a primeira reporta-se à tentação de se preparar um esquema de avaliação extrema­ mente rigoroso, com vistas à concepção de que o bom professor é aquele que reprova muito, por­ que exige muito; é fácil identificar onde está o erro. A segunda observação refere-se ao fato de que, se constitui injustiça tratar desigualmente os iguais, incide também em comportamento injusto o professor que trata igualmente os desiguais. Nesse sentido a atribuição do mesmo grau - mínimo ou médio ou máximo - a todos os alunos significa elemento de insatisfação e de desestímulo ao estudo.

Por último, deseja-se apenas lembrar mais uma finalidade da avaliação: trata-se de aperfeiçoamento do próprio processo de ensino-aprendizagem. No caso das instituições universitárias brasileiras, identifica-se uma preocupação desigual com cada um dos elementos que caracterizam seu tríplice compromisso com a comunidade: o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços.

Enquanto as duas últimas são em regra motivo de análise e objeto de esforços de planejamento, também em regra a tarefa docente recebe menos interesse e menos questionamento. Mesmo que se admita que o nível de desempenho nesse campo já seja bom pergunta-se por que não desenvolver esforços acrescidos para transformá-los em ótimo. Nessa linha é que a preocupação com esquemas, modelos e técnicas de avaliação podem representar excelente instrumento de aperfeiçoameno do processo de ensino-aprendizagem.

UM EXEMPLO CONCRETO

Foi referido anteriormente o trabalho desenvolvido pelos responsáveis pelas disciplinas que realizam o ensino do atendimento das situações de emergência no curso de graduação da FMUSP. Foi, então, descrito o primeiro passo do trabalho, correspondente à definição dos objetivos educacionais envolvidos no processo.

O segundo passo do trabalho realizado reportou-se ao desenvolvimento do esquema de avaliação a que os alunos deveriam ser submetidos. Para tanto foram preparados modelos de ficha de avaliação, os quais seguiam um padrão uniforme, para garantia da homogeneidade do processo, mas conservando peculiaridades individuais, proporcionadas às características de cada área.

A seguir são apresentados os modelos adotados para as disciplinas de Pediatria e de Obstetrícia e Ginecologia. Como o estágio de cada grupo de alunos dura um mês, fez-se a distinção entre as quatro semanas, muito mais com o objetivo de apreciar até que ponto os diferentes objetivos vão sendo atingidos ao longo do processo. Naturalmente o valor maior é representado pela média referente a cada objetivo educacional proposto. A ficha define ainda a forma de avaliação do atingimento dos objetivos propostos. sempre essencialmente voltada para o material de aprendizagem dispo nível ao longo do estágio.

Convida-se o leitor ao exercício de apreciar até que ponto os modelos apresentados correspondem às características do processo de avaliação analisadas há pouco. Certos de que a obra humana nunca é perfeita, ficaríamos muito gratos pelo encaminhamento de sugestões, observações ou correções.

Quanto ao atingimento das finalidades do processo, resta apenas dizer que ficará vinculado à maneira como os instrumentos propostos sejam utilizados pelos responsáveis pelas diferentes áreas. Os resultados futuros encerrarão a resposta procurada.

Esclarecimento Indispensável: Participaram da elaboração dos documentos referidos neste trabalho, os seguintes docentes da FMUSP: Getulio D. Ribeiro e Antonio Morato Leite Neto - Neurologia; Claudio Schvartsman - Pediatria; Dario Birolini - Cirurgia; João Gilberto Carazzato - Ortopedia e Traumatologia; Milton Arruda Martins - Clínica Médica; Angela M. Fonseca e Alfredo Carlos Barros - Obstetrícia e Ginecologia.

O Grupo de Assessoria Pedagógica da FMUSP é integrado pela psicóloga Maria Eugenia Vanzolini e pelos professores Eduardo Marcondes, Mario Shiroma e Ernesto Lima Gonçalves, sob a coordenação do último.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ALVAREZ MANILLA, J.M. - Taxionomia de los objetivos educacionales del area psicomotora. Educación Médica y Salad, Washington, 5(1):68-73, 1971.
  • 2
    BLOOM, B.S.; HASTINGS. J.T. & MADAUS, G. F. - Manual de Avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo Livr. Pioneira, Edit.. 1983, 307p,
  • 3
    BOHM, G. - Avaliação do rendimento educacional, São Paulo, Edit. Ped. Univ., 1980, 104 p.
  • 4
    COELHO NETO, A. - Avaliação sem medo, Fortaleza. R. Esteves Gráfica Edit., 1980. 214 p,
  • 5
    MILLER, G.E. - Ensino e Aprendizagem nas escolas médicas, São Paulo, Comp. Edit. Nac., Edit. USP, 1967. 330 p.
  • 6
    SCHMITZ, E: F. - Didática Moderna: Fundamentos. Rio de Janeiro, Livros Téc. Cient., 1980, 168 p.
  • 7
    SOBRAL, D.T. - Papel educativo na formação médica: definição e aprendizagem. Rev. Sras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 6(1):9-12, 1982.
  • 8
    SUND, R. & PICARO, A. - Objetivos comportamentais e medidas em avaliação, São Paulo, Edit. Ped. Univ., 1978, 154 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1987
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