Fatores de Influência na Escolha de Carreira de Docentes Médicos

Factors Influencing Career Choices of Medical School Faculty.

Resumo:

Este trabalho averigua os padrões de influência de uma variedade de fatores na escolha da área de atuação profissional por decentes de um curso de Medicina. Um questionário com 25 itens foi preenchido por 95 docentes médicos. Diversos tipos de análise estatística foram efetuados para caracterizar os atributos do instrumento e os padrões de diferença nas respostas. Os resultados mostram consciência interna e variação de influências nas respostas ao questionário. Cinco dimensões de influência foram identificadas: altruísmo e visão social, modelo de orientação, curiosidade intelectual, compatibilidade pessoal e conveniência prática. Os participantes revelaram, em conjunto, nível positivo de múltiplos aspectos de influência, mais forte para itens de curiosidade intelectual e de compatibilidade pessoal. Subgrupos com níveis de influência distintos foram identificados, especialmente em função de percepções de altruísmo e visão social e de modelo de orientação. Os padrões de respostas docente relacionam-se com vinculo à disciplina clínica, mas não com gênero, tempo de experiência ou graduação na própria escola. Os achados sugerem a utilidade do questionário na diferenciação de padrões de respostas associados ao sentido da escolha da carreira e ao perfil de orientação da escola médica.

Palavra-chave:
Educação Médica; Docente de Medicina; Escolha da Profissão; Escolas Médicas; Área de Atuação Profissional

Abstract:

The purpose of this study was to analyze career choices patterns among medical school faculty; A group of 95 physician-teachers from this school answered a 25-item questionnaire. Several statistical procedures were used to define the instrument´s properties and the subjects´ response. Five dimensions of influence were identified: altruism and social outlook, role model, intellectual curiosity, personal fit, and practical convenience. Altogether the subjects showed a moderate multi-item level of positive influence that was stronger for intellectual-curiosity and personal-fit items. Subgroups with distinct levels of influence were identified especially regarding the dimensions of altruism and orientation model. The subjects´ response patterns were related to affiliation with clinical specialty but not to gender, teaching experience, or graduation from the same school. In conclusion, the questionnaire appears to be a useful tool for differentiating the response patterns associated with career choice and the school´s mentoring profile.

Key-words:
Education, Medical; Faculty; Career choice; Schools, Medical; Professional Practice Location

INTRODUÇÃO

A escolha de carreira, no sentido de área de atuação profissional, por recém-graduados em Medicina é um dos determinantes relacionados à composição da força de trabalho e à distribuição de médicos nos níveis de atendimento do sistema de saúde do país (Sobral, 1998)¹ A escolha da área de atuação tem implicações, também, para o importante fenómeno da migração profissional médica (Pinto & Machado, 2000)².

Diversos tipos de fatores podem ser considerados quanto à influência na escolha da área de atuação médica: os antecedentes ao treinamento clínico, os decorrentes do treinamento clínico e os prospectivos, emanados das condições dos diferentes campos de trabalho profissional. A relação entre a escolha da carreira e os fatores de influência na escolha tem sido examinada em numerosos estudos, muitos dos quais revistos recentemente (Bland, Meurer & Maldonado, 1995)³ No modelo decisório de Bland-Meurer, o processo de escolha está centrado em dois componentes de convergência, a percepção de características das especialidades e a identificação de necessidades (pessoais, sociais e outras expectativas) a serem atendidas na escolha.

Métodos quantitativos e qualitativos têm sido usados na identificação dos principais fatores e de sua influência relativa na escolha de diferentes tipos de especialidade: exemplos contrastantes são os trabalhos de Kassebaum e colegas (1995)⁴⁾ e de Burack e colegas (1997)⁵. O uso de questionários e procedimentos estatísticos de análise possibilita identificar macro fatores ou componentes de influência e suas relações com variáveis de interesse^6),(7. Dois componentes principais de influência - características pessoais e vivências na escola médica - foram identificados nesse tipo de análise por Xu e colegas (1997)⁶.

A importância de características pessoais tem sido claramente realçada em diferentes estudos. Um aspecto principal no processo de escolha é a averiguação da compatibilidade pessoal com a área de atuação profissional examinada, conforme descrito por Buracke colegas (1997)⁵ Noutro estudo, envolvendo amplo inquérito por questionário, Krol e colegas (1996) identificaram três categorias de influência positiva na escolha da carreira, curiosidade intelectual, altruísmo e identidade pessoal. Os principais aspectos de influência se mantiveram constantes nas respostas de sucessivas coortes de médicos formados na Universidade de Yale ao longo de seis décadas⁹.

No componente de influência da escola médica, são incluídas variáveis curriculares, composição e atitudes do corpo docente e diretrizes institucionais^{10), (11), (12}. Um aspecto expressivo é o modelo do papel profissional, representado por docentes e outros preceptores, mediante exposição de condutas e características específicas junto aos estudantes pacientes (Burack et al.,1997: Ambrozy et al., 1997; Wright, Wong & Newill, 1997)^3),(13),(14. Modelos de papel profissional podem servir como aprendizes no vir-a-ser médico, as quais parecem conformar o processo de escolha da área de atuação profissional. Esse fator de influência parece ser mais decisivo na escolha de uma carreira que realce o atendimento de primeira linha (e.g., medicina de família, pediatria, clínica médica geral)⁵.

O reconhecimento do impacto potencial do modelo do papel profissional nesse processo de decisão foi um incentivo para o presente estudo, que integra uma linha de investigação sobre a escolha de carreira de graduandos de um curso de Medicina. O propósito geral deste trabalho foi averiguar os padrões de influência derivados de uma variedade de aspectos ou fatores na escolha da área de atuação de docentes do próprio curso. O interesse nesse universo ou população é justificado pela questão de pesquisa, que influências, na escolha da própria área profissional, são reveladas por docentes que são mentores potenciais do processo decisório para os aprendizes do curso médico? Salvo equívoco, inexistem informações a respeito dessa questão de pesquisa nas referências bibliográficas nacionais.

A técnica do questionário foi utilizada no estudo levando em conta os modelos teóricos já referidos e a hipótese da identificação dos componentes de influência de vivências da escola médica e de características pessoais^3),(8.

Três objetivos são contemplados neste trabalho:

• Definir as características do questionário no que tange a consistência interna e estrutura, bem como o perfil de respostas dos participantes aos itens do instrumento;

• Descobrir as dimensões de influência na escolha de carreira dos participantes e verificar se o modelo de papel profissional foi um fator pertinente;

• explorar a utilidade do instrumento na diferenciação entre grupos de participantes, segundo as dimensões de influência na escolha da área de atuação profissional.

MÉTODOS

Contexto

O estudo tem desenho transversal e foi realizado com docentes vinculados ao curso de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), 12 anos após o início da implantação de novo acompanhamento curricular, em 1988. Na época do estudo, o curso e todos os docentes participantes eram filiados à Faculdade de Ciências de Saúde.

Instrumento

O desenvolvimento do questionário de influências na escolha de carreira foi orientado pelo texto de Streiner & Norman (1995)¹⁶. O instrumento abrange 25 variáveis relativas a aspectos de influência, além de um item aberto para eventual referência a um fator de influência não contemplado na lista apresentada. Os itens do questionário foram selecionados a partir de revisão da literatura sobre escolha de carreira na e de um inventário informal anteriormente preenchido por dezenas de turmas de estudantes de Medicina no início do curso. Utilizou-se uma escala de resposta de sete pontos, de 1 (influência muito negativa) até 7 (influência muito positiva). O Apêndice delineia o questionário e mostra a ordem de apresentação dos itens. Três dos itens usados no estudo tiveram a redação alterada, para maior clareza.

O instrumento (carta-convite e questionário) foi colocado no escaninho de cada docente selecionado, em março de 1999. A caria identificava o objetivo do inquérito, o critério de confidencialidade de respostas individuais e a possibilidade de uso de respostas coletivas. Seguiu-se um acompanhamento prolongado e reapresentação do material por uma segunda ou terceira vez, no caso de extravio ou ausência de manifestação.

Sujeitos

A seleção para participação no estudo, dentre o total de 115 docentes vinculados a disciplinas do curso de Medicina, contemplou dois critérios de inclusão: formação médica e atuação no ensino de disciplina do curso no período de três anos anterior à aplicação do questionário. Dentre os 99 docentes selecionados segundo esses critérios, 95 (96%) aceitaram o convite para participar do estudo e preencheram o questionário. O conjunto de participantes abrange docentes formados em mais de uma dezena de escolas médicas do país. Dados sobre a admissão e a atuação no ensino de disciplinas do curso foram conferidos no sistema de administração acadêmica da Universidade. As disciplinas obrigatórias e respectivas matérias curriculares do curso - com exceção das áreas de biologia celular e oftalmologia - estavam representadas na amostra de participantes.

A Tabela 1 apresenta os números relativos de docentes segundo género, época de admissão (antes ou depois da reforma curricular), instituição de formação médica (UnB ou outra) ou vínculo de atuação predominante no ensino (disciplina clínica ou não).

TABELA 1
Comparação de pontuação total no Questionário da influência na Escolha da Carreira (QIEC) entre docentes agrupados segundo gênero, época de admissão, instituição de graduação e categoria de vínculo de disciplina (teste 1)

Grupamento docente	Pontuação no QIEC	Teste 1
	Média (desvio-padrão)	Valor de p
Gênero
Masculino (n=64)	129,39 (15,50)	0,89
Feminino (n=31)	128,90 (12,23)
Época de admissão
Antes de 1989 (n=50)	126,91 (16,12)	0,14
A partir de 1989 (n=45)	131,31 (12,47)
Instituição de formação
UnB (n=32)	130,44 (12,24)	0,55
Outra (n=63)	128,57 (15,51)
Vínculo de disciplinas
Clínica (n=69)	130,41 (14,92)	0,19
Outra (n=26)	126,00 (12,85)	0,89

Análise

O texto de Norman e Streiner (1994) orientou a escolha de procedimentos estatísticos. Foram efetuadas análise de confiabilidade para aferir a consistência interna e análise fatorial para identificar a estrutura de combinações dos itens do questionário. Testes de qui-quadrado foram usados para determinar diferenças em variáveis nominais. Testes t ou F foram utilizados para comparação de variáveis de intervalo entre subgrupos de participantes. Uma análise de classificação por agregação hierárquica (hierarchical cluster) procurou identificar subgrupos homogêneos de participantes com base em fatores específicos. Os procedimentos estáticos foram realizados no programa SPSS versão 9.l.

RESULTADOS

Características do instrumento

A cobertura dos aspectos de influência foi aparentemente suficiente para atender às indicações da maioria dos participantes. Apenas 12 docentes (12,6%) fizeram alguma ressalva e/ou acrescentaram outra variável de influência, nem sempre plenamente identificada, na resposta ao item aberto do questionário. Os aspectos explicitamente referidos incluíram: experiência de monitoria na disciplina correlata à área de atuação, oportunidade de mercado de trabalho, abertura para diálogo Interdisciplinar e, além disso, variantes dos itens de apelo do conteúdo intelectual, de interesse em ajudar as pessoas e de congruência com atributos e valores pessoais. As análises efetuadas não incorporam esses aditamentos.

A medida da consistência interna do questionário revelou índice (alfa de Cronbach) satisfatório igual a 0,86. O coeficiente de correlação item-total ajustado foi inferior a 0,2 apenas no caso do item L (natureza e variedade dos desafios confrontados na área). Essa variável foi mantida nas análises subsequentes.

Perfil de respostas e dimensões de influência

A pontuação total do conjunto de itens ou aspectos de influência foi 129.2(desvio-padrão = 14,45) para os 95 participantes. No conjunto de itens, a influência positiva foi fraca para 26.4% dos participantes, moderada para 64,2% e forte para 7.4%. Os cinco itens relacionados mais expressivamente (correlação item-total ajustada) a pontuação total foram os seguintes.

R - Vivências especiais com pessoas necessitadas nessa área (de escolha),

F- Compromisso pessoal baseado em vivência prévia ao curso médico;

I - Possibilidade de ênfase na prevenção e na educação para a saúde;

J - Interesse em ajudar as pessoas;

N - Influência/encorajamento de orientador/preceptor/mentor.

Esse conjunto de itens diz respeito à sensibilidade afetiva. Em particular, cerca de 62% do total de participantes atribuíram influência positiva ao último item (N), cuja pontuação média foi 5,2.

Não foram observadas diferenças significativas, na pontuação total de influência, entre participantes agrupados por gênero, época da admissão, instituição de formação médica ou vínculo de atuação predominante no ensino.

A pontuação média dos itens variou de 3,5 a 6,3. Apenas o item B (pouca sobrecarga pessoal liberando tempo para si próprio) obteve pontuação negativa de influência, no conjunto. A Tabela 2 identifica os aspectos de influência mais positiva na escolha da área de atuação, para a maioria dos participantes. Os cinco itens com pontuação mais elevada foram:

Y - Significado intelectual da área/especialidade;

J - Interesse em ajudar as pessoas;

X - Perspectiva de vínculo acadêmico ou de pesquisa;

L - Natureza e variedade dos desafios confrontados nessa área;

G-Compatibilidade com valores e atributos pessoais.

TABELA 2
Médias e desvios-padrões de pontuação de aspectos de influência positiva, para a maioria do corpo docente, na escolha da área de atuação profissional

Itens do Questionário	Média (dp)
Y - Significado intelectual dessa área/ especialidade	6,29 (0,96)
J - Interesse em ajudar as pessoas	5,96 (1,02)
X - Perspectiva de vínculo acadêmico ou de pesquisa	5,87 (1,05)
L - Natureza e variedade dos desafios confrontados nessa área	5,84 (0,96)
G - Compatibilidade com valores e atributos pessoais	5,80 (1,10)
A - Desafio de lidar com problemas de diagnóstico nessa área	5,76 (1,23)
H - Tipos de pacientes com que se lida nessa área	5,67 (1,14)
P - Posse de habilidades e atitudes requeridas nessa área	5,66 (0,91)
Q - Oportunidade de exercício de responsabilidades social	5,64 (1,07)
D- Expectativa de fazer procedimentos de diagnóstico e tratamento	5,63 (1,23)

Cerca de 85%do total de participantes atribuíram influência positiva, na escolha pessoal, à perspectiva de vínculo acadêmico ou de pesquisa no trabalho profissional.

Efetuou-se análise de fatores por componentes principais das 25 variáveis com o propósito de identificar combinações de itens que pudessem diferenciar padrões de influência entre grupos de participantes. Cinco fatores foram extraídos (pelo critério do scree test, os quais correspondem a 57% da variância total. O método de rotação Eqmax que simplifica variáveis e fatores - permitiu identificar cinco dimensões pertinentes de agregação dos itens. Estas dimensões fatoriais são enumeradas a seguir em ordem decrescente da variância explicação da e denominadas de acordo com a natureza descritiva dos itens de maior correlação (loading, com cada fator. São as seguintes:

I - Altruísmo e visão social;

II - Modelo de orientação;

III - Curiosidade intelectual;

VI - Compatibilidade pessoal;

V - Conveniência prática.

A Tabela 3 resume a temática e a composição de itens das cinco dimensões fatoriais.

TABELA 3
Médias e desvios-padrões de itens discriminativos na comparação entre docentes agrupados segundo vínculo predominante ou não à disciplina clínica (teste t)

Item de Questionário(a)	Vinculo á disciplina
	Clínico Média (dp)	Não- Clínico Média (dp)	Teste tp
H - Tipos de pacientes com que se lida	5,90 (1,02)	4,96 (1,22)	0,000
D - Execução de procedimentos	5,81 (1,26)	5,09 (0,95)	0,014
Q - Responsabilidade social	5,79 (0,95)	5,17 (1,30)	0,015
V - Fazer uma diferença na vida das pessoas	5,42 (1,12)	4,78 (1,24)	0,024
P - Posse de habilidades e atitudes e atitudes requeridas	5,78 (0,88)	5,30 (0,93)	0,028
J - Interesse em ajudar as pessoas	6,07 (0,98)	5,61 (1,08)	0,059
A - Desafio de lidar com problemas	5,89 (1,17)	5,35 (1,34)	0,065
K - Conveniência e/ou obrigações	3,78 (1,19)	4,26 (0,81)	0,073
B - Pouca sobrecarga pessoal	3,39 (1,33)	3,91 (1,98)	0,089

• (a) Identificação completa no Apêndice.

Diferenciação entre grupos

Foram observadas diferenças significantes de pontuação de itens na comparação entre docentes agrupados por vínculo predominante, ou não, com disciplina clínica do curso. A Tabela 4 revela os nove itens com diferença mais significativa entre os dois grupos. Os cincos principais são:

H - Tipos de pacientes com que se lida nessa área:

D - Expectativa de fazer procedimentos de diagnóstico e tratamento;

Q - Oportunidade de exercido de responsabilidade social:

V - Condições paro fazer uma diferença na vidas das pessoas:

P- Possui habilidades e atitudes requeridas nessa área.

TABELA 4
Temática e composição dos itens de dimensões fatoriais obtidas na análise fatorial de 25 aspectos de influência na escolha de carreira de docentes médicos

Fatores(a)	Denominação	Itens características
I - 5 itens (I, T, Q, J, R)	Altruísmo e visão social	I - Ênfase na prevenção e na educação para a saúde
		T - Perspectividade de atuação no atendimento primário
II - 6 itens (M, N, W, U, C, S)	Modelo de orientação	M - Exemplo de médico (s) nessa área/especialidade
		N - Influencia/encorajamento de orientador/preceptor
III -4 itens (A, D, Y, X)	Curiosidade intelectual	A-Desafio de lidar com problemas diagnóstico
		D- Expectativas de fazer procedimentos de diagnóstico e terapêutica
IV - 5 itens (G, P, V, L, H)	Compatibilidade pessoal	G-Compatibilidade com valores e atributos pessoais
		V-Posse de habilidades e atitudes requeridas
V - 5 itens (B, K, E, F, O)	Conveniência prática	B - Poucas sobrecargas, liberando tempo para si próprio
		K - Conveniências e/ou obrigações pessoais ou familiares

• (a) Percentuais da variância total dexplicada:1=24,3;II=12,0;III=9,5;IV=7,0;V=4,8.

Na comparação de médias das diferentes dimensões fatoriais entre docentes agrupados segundo vínculo predominante à disciplina, observou-se diferença significativa apenas no caso da dimensão de compatibilidade pessoal (t = 2,3 p= 0,02). Não houve diferenças de médias de dimensões fatoriais entre outras categorias de agrupamento docente (gênero. Instituição de formação médica e época de admissão).

Por fim, as dimensões identificadas na análise fatorial foram utilizadas como novas, variáveis numa análise de classificação por agregação hierárquica (hierarchical cluster), visando identificar subgrupos homogêneos de participantes quanto aos perfis de resposta ao questionário. Obteve-se uma solução significativa com quatro subgrupos, variando entre 13 e 37 participantes. Não foram estatisticamente significantes, por testes de qui-quadrado, as diferenças de d1stribuiçao de docentes entre os subgrupos de agregação com relação a gênero, origem endógena ou não é época de admissão na instituição.

A Tabela 5 compara as médias de cada dimensão fatorial entre os quatro subgrupos de docentes, por análise de variância (one-way). As distinções entre os subgrupos foram expressivas em cada dimensão, exceto naquela denominada conveniência prática. Diferenças mais significantes foram observadas na comparação de médias da dimensão de altruísmo e visão social. Na dimensão de modelo de orientação, dois subgrupos (A e C) denotam influência fraca, enquanto os outros dois (totalizando 42% dos docentes) denotam influência mais positiva de aspectos da dimensão. Estes dois últimos subgrupos diferem entre si quanto à importância relativa de altruísmo e visão social, ou de curiosidade intelectual, na escolha da área de atuação.

TABELA 5
Comparação de médias e desvios-padrões de dimensões fatoriais entre subgrupos de docentes classificados por agregação hierárquica (F testes, anova).

Dimensões Fatoriais	Total	Subgrupos de agregação			F testes
	(N=95)	1(n=16) 2(n=29) 3(n=37) 4(n=13)			p
I - Altruísmo e visão social	5,28	4,34	4,93	5,64	6,23	< 0,001
	(0,85)	(0,79)	(0,57)	(0,59)	(0,47)	(a)
II - Modelo de orientação	4,92	4,59	5,25	4,46	5,90	< 0,001
	(0,90)	(1,00)	(0,58)	(0,79)	(0,53)	(b)
III - Curiosidade intelectual	5,89	4,80	6,40	5,95	5,92	< 0,001
	(0,84)	(0,48)	(0,42)	(0,72)	(1,00)	(c)
IV - Compatibilidade pessoal	5,65	4,70	5,59	5,96	6,06	< 0,001
	(0,72)	(0,74)	(0,59)	(0,49)	(0,46)	(d)
V - Conveniência prática	4,29	4,09	4,00	4,51	4,58	< 0,044
	(0,87)	(0,73)	(0,82)	(0,97)	(0,64)	(e)

• F testes, anova (one-way)- (a) F=31,00<0,001; (b) F=15,1p<0,001; (c) F=20,6p<0,001; (e) F=2,8 p=0,044.

DISCUSSÃO

Neste estudo exploratório, o questionário de Influências na escolha de carreira mostrou consistência interna (um índice de confiabilidade) satisfatória, sempre juízo de compor distintas dimensões de agregação dos seus 25 itens. A análise fatorial identificou cinco dimensões subjacentes às respostas dos docentes participantes ao questionário, as quais foram tentativamente denominadas altruísmo e visão social, modelo de orientação, curiosidade intelectual, compatibilidade pessoal e conveniência prática.

Tais dimensões guardam semelhanças com macrofatores previamente identificados nos trabalhos de Xu e colegas (1995)⁶ e de Krol e colegas (1998)⁹, As duas primeiras, que explicam a maior parcela de variância, representam componentes de características pessoais e de vivências na formação médica, aos quais se reconhece influência principal na escolha de carreira dos médicos em geral.

A grande maioria dos docentes revelou múltiplas influências positivas na escolha da especialidade ou campo de atuação, mas com distintas forças e diversidade de composição. A precisão das indicações obtidas pode ser questionada porquanto estas se baseiam em relato retrospectivo, sujeito ao efeito do tempo, mas vale a ressalva de que a época de formação não foi um elemento significativo das diferenças encontradas. Dez itens sobressaíram em termos de influência forte (positiva ou muito positiva) para a maioria dos participantes. Tais itens representam dimensões diversas de influência, mas especialmente aquelas relacionadas à curiosidade intelectual e aos valores de compatibilidade pessoal referentes à área de atuação. Esse perfil de influências predominantes pode estar associado ao viés acadêmico natural entre médicos que,em maioria, têm dedicação integral às atividades de ensino, pesquisa e extensão ou serviço. Graduandos da mesma escola, por exemplo, revelam influência bem menor da perspectiva de vínculo acadêmico ou de pesquisa na escolha da futura área de atuação (dados não publicados).

Ressalte-se ainda que, no conjunto de participantes, a pontuação média de influência positiva do conjunto de itens associados à dimensão de modelo de orientação - que representa mais diretamente aspectos de vivências na formação médica - foi inferior àquela de três (curiosidade intelectual, compatibilidade pessoal, altruísmo e visão social) das quatro outras dimensões.

Diferenças entre os docentes foram observadas na intensidade e na composição de respostas aos itens de influência, o que possivelmente reflete valores afetivos e cognitivos. Docentes com atuação predominante no ensino clínicos distinguiram dos demais em termos de múltiplos aspectos de influência, mas especialmente em relação aos itens consignados na dimensão de compatibilidade pessoal. Essa dimensão realça aspectos de adequação mais centrados nas especificidades da área de atuação.

Mais amplamente, as dimensões fatoriais subjacentes às respostas aos itens do questionário permitiram distinguir quatro subgrupos de docentes com características mais homogêneas em suas percepções dos aspectos de Influência na escolha de carreira. As diferenças observadas foram especialmente marcantes no tocante às dimensões de altruísmo e visão social e de compatibilidade pessoal, mas também de modelo de orientação. Observou-se distinção nítida entre subgrupos que registraram influência forte ou fraca dos aspectos da dimensão de modelo de orientação, em termos de modelo de papel profissional e de experiência curricular na formação médica. Em dois subgrupos minoritários (42% dos docentes) houve impacto distintivo, embora não predominante, dessa dimensão de influência na escolha da área e atuação profissional.

Esses achados têm interesse especial: possível antever que as proporções relativas dos subgrupos identificados na análise de agregação hierárquica difiram de uma escola para outra, por conta da própria constituição acadêmica e composição de especialistas, entre outros elementos pertinentes distribuição de subgrupos contribui para definir uma configuração peculiar de influências na formação do corpo docente da escola. Essa configuração pode, hipoteticamente, delinear o próprio perfil orientador da escola na visão do mundo e na supervisão de atividades de monitoria, iniciação científica e estágio curricular dos estudantes de Medicina. A título de ilustração, o subgrupo (Tabela 5) tinha proporção significativamente menor de supervisores de internos dentre o conjunto de docentes.

Nessa perspectiva, os achados sugerem implicações poro o papel de orientação dos estudantes na escolha de carreira, especialmente quanto a áreas de atendimento de primeira linha (medicina de família, clínica médica geral, pediatria e geriatria), estudantes que manifestam um grau de interesse inicial por alguma dessas áreas podem ter sua preferência reforçando se forem diretamente orientá-los (cm monitoria ou estágio, por exemplo) por docentes que expressam os atributos associados às dimensões de altruísmo e visão social, curiosidade intelectual e compatibilidade pessoal na área de atuação. Presume-se, por certo, que tais orientadores sejam exemplos de atuação profissional na área em questão.

O estudo identificou, em suma, distintos padrões de influência na escolha da área de atuação profissional, atribulados ou múltiplos fatores, e revelou dados sugerem que o instrumento utilizado tem sensibilidade discriminativa. Nesse conjunto de docentes, a força da influência incorporada na dimensão de modelo de orientação foi minoritária, embora distintiva. A generalização dos achados para outros contextos é potencialmente limitada pelo tamanho e características da amostra de médicos que pertencem a um nicho profissional e atuam numa única escola ainda que, em maioria, tenham sido formados noutras diversas instituições. Estudos porventura realizados com outras amostras e noutras escolas podem refinar ou refutar as interpretações provisórias aqui oferecidas sobre a aplicação do questionário e o significado das respostas.

Concluindo, os resultados do trabalho demonstram a diversidade de composição e de força dos fatores de influência na escolha de área de atuação no campo da Medicina, bem como a precedência de características pessoais sobre fatores oriundos da formação médica entre docentes de uma instituição. Os achados sugerem ainda que o questionário usado pode ser útil na diferenciação de padrões de resposta associados ao perfil de orientação da escola médica e ao próprio sentido da escolha da área de atuação profissional por graduados do curso.

Agradecimentos

O autor agradece a pronta e significativa participação dos docentes do curso de Medicina da Universidade de Brasília e expressa seu reconhecimento, especialmente, à professora Rosicler Rocha de Aiza Alvarez por seu interesse e valiosa cooperação.

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APÊNDICE

Fatores de Influência na Escolha da Carreira

Que fatores influenciaram sua escolha da carreira atual no campo da Medicina? Assinale o grau de influência, na sua escolha, de cada um dos fatores relacionados abaixo- fazendo um círculo em torno do número apropriado - segundo esta escala,

l = muito negativo; 2 = negativo; 3 = algo negativo; 4 = nenhum ou neutro;

5 = algo positivo; 6 = positivo; 7 = muito positivo

1. Desafio de lidar com problemas de diagnóstico nessa área 1 2 3 4 5 6 7

2. Pouca sobrecarga pessoal liberando tempo para si próprio 1 2 3 4 5 6 7

3. Orientação fornecida no curso de graduação em medicina 1 2 3 4 5 6 7

4. Expectativa de fazer procedimentos de diagnóstico e tratamento 1 2 3 4 5 6 7

5. Condições de acesso/duração do programa de residência médica 1 2 3 4 5 6 7

6. Compromisso pessoal baseado em vivência previa ao curso médico 1 2 3 4 5 6

7. Compatibilidade com valores e atributos pessoais 1 2 3 4 5 6 7

8. Tipos de pacientes com que se lida nessa área

9. Possibilidade de ênfase na prevenção e na educação para a saúde 1 2 3 4 5 6

10. Interesse em ajudar as pessoas 1 2 3 4 5 6

11. Conveniências e/ou obrigações pessoais e familiares 1 2 3 4 5 6

12. Natureza e variedade dos desafios confrontados nessa área 1 2 3 4 5 6 7

13. Exemplo de médico (s) nessa área/especialidade 1 2 3 4 5 6 7

14. Influência/encorajamento de orientador/receptador/mentor 1 2 3 4 5 6 7

15. Possibilidade de independência na atuação profissional 1 2 3 4 5 6 7

16. Posse de habilidades e atitudes requeridas nessa área 1 2 3 4 5 6 7

17. Oportunidade de exercido de responsabilidade social 1 2 3 4 5 6

18. Vivências especiais com pessoas necessitadas nessa área 1 2 3 4 5 6 7

19. Potencial de ganho econômico e prestígio social 1 2 3 4 5 6 7

20. Perspectiva de atuação no atendimento primário 1 2 3 4 5 6 7

21. Opção pessoal por localidade e/ou cenário de trabalho 1 2 3 4 5 6 7

22. Condições para fazer uma diferença na vida das pessoas 1 2 3 4 5 6 7

23. Experiência de disciplina/estágio obtida na graduação 1 2 3 4 5 6 7

24. Perspectiva de vínculo acadêmico ou de pesquisa 1 2 3 4 5 6 7

25. Significado intelectual dessa área/especialidade 1 2 3 4 5 6 7

26. Outro item (especifique)

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Jun 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Apr 2002

Histórico

• Recebido
  12 Dez 2000
• Revisado
  20 Jul 2001
• Aceito
  16 Jan 2002