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Acolhimento e Resolubilidade das Urgências na Estratégia Saúde da Família

Receptivity and Solvability of Emergencies in the Family Health Strategy

Resumos

O objetivo deste estudo de abordagem qualitativa foi analisar o acolhimento e a resolubilidade das situações de urgência no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF). Foram realizadas 27 entrevistas com profissionais de equipes de Saúde da Família, que, submetidas à técnica de análise de conteúdo, resultaram nas seguintes categorias: reconhecendo uma urgência; acolhimento das urgências; resolubilidade das situações de urgência; facilidades e dificuldades encontradas no atendimento; organização da rede de atenção às urgências. Os profissionais têm dificuldade em reconhecer uma urgência e não compreendem a ESF como um serviço viável para um atendimento de urgência, julgando que esse tipo de atendimento foge do princípio que rege a Atenção Primária à Saúde e, portanto, utilizam o encaminhamento como forma de resolver essas situações. É necessária e urgente a promoção de capacitação profissional, com elaboração, junto à gestão, de um fluxograma de acolhimento para as equipes, promovendo-se também a educação em saúde para todos os usuários do serviço, a fim de que possam se apropriar da ESF como verdadeira porta de entrada para os demais serviços da rede.

Atenção Primária à Saúde; Acolhimento; Emergências; Educação Médica


The aim of this qualitative study was to analyze the receptivity and solvability of emergencies within the Family Health Strategy (FHS). Interviews were conducted with 27 family health professionals, and then subjected to content analysis, which resulted in the following categories: recognizing an emergency; emergency room care; solvability of emergencies; advantages and difficulties encountered in the care and the organization of the emergency care network. Professionals have difficulty recognizing an emergency and do not understand the FHS as a viable service for urgent care. They consider this type of care as falling outside the governing principle of primary health care and, therefore, use referrals as a way to resolve these situations. Vocational training and the preparation of a managerial flowchart for patient reception by teams are urgently required measures, as is promoting health education for all service users, so that they can take ownership of the FHS as true gateway to other network services.

Primary Care; User Embracement; Emergencies; Medical Education


INTRODUÇÃO

A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, instituída pela Portaria nº 675/GM de 30 de março de 2006, afirma que os cidadãos brasileiros têm direito ao acesso aos serviços de saúde de forma ordenada, organizada e acolhedora, e seu problema deve ser sanado efetivamente por meio de tratamentos adequados, humanizados e livres de qualquer discriminação1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 675/GM de 30 de março de 2006. Aprova Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que consolida os direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde em todo o País. [capturado 25 jun. 2013]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-675.htm
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIA...
. Nesse sentido, os usuários têm direito de receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde.

Para a garantia desse direito, o modelo assistencial propõe organizar o sistema de saúde em formato de rede. Essa conformação propõe a regionalização e a integração das ações de atenção à saúde, na perspectiva de garantir a integralidade da assistência oferecida; em contrapartida, é incorporada a otimização dos recursos empreendidos no setor saúde, em conformidade com a racionalização e sistematização do uso da rede de assistência2Silva S. Organização de redes regionalizadas e integradas de atenção à saúde: desafios do Sistema Único de Saúde (Brasil). Ciênc. Saúde Colet. 2011; 16(6): 2753-62..

A organização do sistema de saúde brasileiro coloca a Atenção Primária à Saúde (APS) no centro da rede assistencial, sendo esta responsável por realizar ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico e tratamento de doenças, e ainda reabilitação dos usuários para a manutenção da saúde3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. A APS deve ser compreendida entre os usuários como o contato primeiro e preferencial para o acolhimento de suas necessidades, visto que a Atenção Primária é a porta de entrada para a rede assistencial de saúde, desempenhando suas funções com base nos princípios que regem o Sistema Único de Saúde (SUS)3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

A Estratégia de Saúde da Família (ESF), eixo principal da APS, é responsável pelo acolhimento de todos os usuários e suas necessidades, inclusive as urgências. É desse elemento da rede de assistência que deverão partir todos os outros componentes, como a atenção especializada e as internações, entre outros, assegurando a integralidade da atenção4Ceará. Secretaria de Saúde de Estado do Ceará. Ouvidoria em Saúde. Guia de Implantação. Fortaleza: SESA; 2003..

A situação de emergência no âmbito da atenção à saúde pode ser compreendida como a ocorrência imprevista, que proporciona agravo à saúde com ou sem risco potencial de morte; o usuário necessita de assistência à saúde imediata, e o tempo em que deve ser realizado o atendimento pode ser denominado “hora de ouro”, em virtude da sua importância para a cura, reabilitação ou morte do paciente5Souza VHS, Mozachi N. O Hospital: manual do ambiente hospitalar. 3.ed. Curitiba: Manual Real; 2009.. Mas, como apenas a realização do atendimento é incapaz de contribuir para a melhora do paciente durante a “hora de ouro”, essa assistência precisa ser bem-sucedida, a fim de garantir a melhor evolução possível do paciente.

As estatísticas mundiais apontam que, entre as urgências de risco real, isto é, de agravo à saúde já verificado, há grande possibilidade de sobrevivência caso os pacientes recebam atendimento inicial em tempo hábil, realizado por profissionais de saúde capacitados e supridos de material necessário, dentro dos primeiros 60 minutos6Bortolotti F. Manual do socorrista. Porto Alegre: Expansão; 2009..

Com base nesse entendimento, a Política Nacional de Atenção às Urgências (Pnau) estabeleceu a APS como uma das formas de descentralizar esse tipo de atendimento, tornando-o mais rápido. O nível primário de atenção à saúde tem a atribuição e a prerrogativa primordial de acolher e atender as urgências de baixa gravidade/complexidade, proporcionando ao paciente a resolutividade7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.. Ante tal realidade, a APS, representada neste estudo pela ESF, deve realizar efetivamente o acolhimento das urgências dos usuários que se dirigirem às Unidades Básicas de Saúde da Família. O acolhimento deve ser utilizado como um instrumento de humanização na relação equipe-população, e, por meio da avaliação de risco e vulnerabilidade, esse tipo de atendimento deve se tornar o primeiro elo da rede assistencial. Esse procedimento é uma intervenção oportuna em situações de urgências, sendo fundamental para evitar a progressão não satisfatória do agravo à saúde8Castro D. Ações para a urgência alinham o atendimento. Rev Bras Saude Fam. 2011; XII (28): 40-5..

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar o acolhimento e a resolubilidade das situações de urgência no âmbito da Estratégia Saúde da Família.

MÉTODOS

Esta é uma pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com 27 profissionais de equipes de Saúde da Família do município de Campina Grande (PB), selecionados de acordo com a disponibilidade para realizar as entrevistas e considerando os seguintes critérios de inclusão: atuar na Estratégia Saúde da Família há pelo menos um ano; ser membro de equipe mínima da Atenção Básica, estabelecida pela Portaria 2.488/2011; ser profissional de nível superior; estar em pleno exercício de suas atividades no período de coleta de dados; e aceitar participar da pesquisa por livre e espontânea vontade, assinando o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE).

Entre os 27 participantes do estudo, 11 (40,8%) tinham entre 21 e 40 anos, 15 (55,5%), entre 41 e 60 anos, e 1 (3,7%) estava acima dessas faixas etárias. A média de idade dos participantes ficou entre 35 e 45 anos, o que caracteriza uma população de adultos jovens. No que se refere ao sexo, predominou o feminino, com um total de 25 (92,6%), e 2 (7,4%) do sexo masculino.

A categoria profissional foi majoritariamente composta por enfermeiros 23 (85,25%). A amostra de médicos foi inferior devido, principalmente, à falta desses profissionais nas unidades de saúde, visto que algumas unidades, no momento da coleta de dados, estavam com a equipe incompleta.

Em relação à pós-graduação, do total de enfermeiros, 20 (74,1%) possuem especialização em Saúde da Família, 2 (7,4%) têm especialização em Urgência e Emergência, 1 (3,7%) não tem especialização. Dos médicos, 1 (3,7%) não tem residência, e 3 (11,1%) têm residência em outras áreas, como Ginecologia e Pediatria. No que tange ao tempo de atuação profissional na Estratégia Saúde da Família, 23 (85,2%) atuam em um intervalo de tempo de 6 a 14 anos, e apenas 4 (14,8%) atuam em um intervalo entre 1 e 2 anos.

As equipes foram selecionadas entre as unidades localizadas na zona urbana do município, para facilitar o acesso do pesquisador, de forma a abranger todos os distritos sanitários. As visitas nas unidades encerraram-se quando se atingiu a saturação teórica do conteúdo das entrevistas9Turato ER. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 3.ed. Rio de Janeiro: Vozes; 2008..

Para a coleta de dados, utilizou-se o roteiro de entrevista semiestruturada, que, segundo Turato9Turato ER. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 3.ed. Rio de Janeiro: Vozes; 2008., proporciona uma relação entre os integrantes na qual ambos podem guiar a conversa. Para tanto, considerando a rotina dos profissionais nas unidades de saúde e o que é preconizado pela Política Nacional de Atenção às Urgências7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006., foram elaboradas as seguintes questões norteadoras: Quem realiza o acolhimento ao paciente em situação de urgência nessa unidade? Quais situações de urgência mais ocorrem na sua área de abrangência? Qual a conduta nessas situações? Saberia, com base nas situações que mais ocorrem em sua área de abrangência, que serviços da rede municipal são referência para essas situações? Já realizou alguma capacitação para os atendimentos de urgência? Quais as facilidades e dificuldades em garantir a resolução das situações de urgência nas USF? Ao constatar a necessidade de transportar o paciente para serviço referência, como é viabilizado o deslocamento?

Para a análise dos dados, optou-se pela técnica de análise de conteúdo. Dessa forma, seguiu-se o plano de análise, contemplando os passos sugeridos por Bardin1010 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições Setenta; 2009.: constituição do corpus, definição das unidades de sentido; leitura flutuante; agrupamento e subcategorização; categorização e tratamento dos resultados.

As recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional da Saúde1111 Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. foram observadas em todas as etapas da pesquisa. Dessa forma, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética da Universidade Estadual da Paraíba e aprovado sob o CAAE nº 0206.0.133.000-12. Para garantia do anonimato, os sujeitos foram identificados por letras maiúsculas correspondentes a sua profissão, seguidas de numeração crescente de acordo com a ordem de entrevistas nas unidades.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As entrevistas com os profissionais das equipes de Saúde da Família resultaram nas seguintes categorias: reconhecendo uma urgência; acolhimento das urgências; resolubilidade das situações de urgência; facilidades e dificuldades encontradas para o atendimento; organização da rede de atenção às urgências.

Reconhecendo uma urgência

Segundo a Resolução 1.451/95 do Conselho Federal de Medicina, urgência significa a ocorrência de aparecimento rápido, mas não necessariamente imprevisto, de agravo à saúde, com ou sem risco potencial de vida e cujo portador necessita de tratamento em curto prazo, a fim de evitar mal irreversível ou morte1212 Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1451 de 10 de março de 1995. Diário Oficial da União. Brasília, 17 mar. 1995; Seção 1, p. 3666..

Os profissionais de saúde devem estar preparados para reconhecer, de acordo com os sinais e sintomas apresentados pelo usuário, os sinais de gravidade de cada faixa etária. As funções vitais devem ser mantidas até que se defina o diagnóstico específico, e o tratamento apropriado seja instituído1313 Carneiro SMBM. Atendimento de urgência e emergência na atenção básica: desafio para a Estratégia Saúde da Família. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza; 2009. Especialização [Monografia] – Centro de Ciências da Saúde..

Dessa forma, os profissionais presentes nas Unidades Básicas de Saúde da Família devem estar preparados para reconhecer situações de urgência que podem surgir em suas áreas de atuação. Entretanto, conforme as entrevistas, verificou-se que os profissionais da ESF desconhecem o que seja uma urgência no nível da Atenção Primária à Saúde:

“Mas até agora não apareceu nenhum caso de urgência não. É mais asma para nebulização [...] paciente que já vem assim muito cansado”. (E3)

“Urgência, urgência não tem, tem o pessoal assim às vezes com hipertermia [...] mas é muito raro” (M11)

Acerca de tais aspectos, verifica-se a importância da qualificação profissional. O diagnóstico precoce e a abordagem dos sinais de piora são decisivos para um prognóstico bem-sucedido. Atraso na detecção, formulação de diagnóstico precoce, planejamento da assistência e implementação de um tratamento rápido e efetivo de doenças, com consequente agravamento dos casos, perda de qualidade e duração de vida para os doentes, geram grande impacto no processo assistencial, além de aumento de custo para o sistema1414 Lumer S, Rodrigues PH. O papel da saúde da família na atenção às urgências. Rev APS 2012;14(3): 289- 95..

Ainda acerca do reconhecimento de urgências da ESF, os profissionais buscaram reconhecer os casos de urgência mais frequentes nas UBSF.

“De urgência: vômito, febre e dor inespecífica. De emergência: bala e facada”. (E14)

“Pico hipertensivo, é paciente com transtorno, é gestante com sangramento, criança com febre, com diarreia [...] hiper ou hipoglicemia”. (E24)

“O que mais tem é pico hipertensivo, a gente já teve convulsão, a gente já teve até convulsão febril e não febril [...] crianças que chegam com uma temperatura muito alta [...] pequenos acidentes [...] perfuração com vidro”. (E5)

Para que os profissionais de saúde possam reconhecer uma situação de urgência e adotar as condutas necessárias, é fundamental que estejam capacitados para exercer a função. A Pnau determina que, nos casos considerados de emergência, deve-se dar um primeiro atendimento e transferir para um serviço especializado; e, ainda, discorre acerca da necessidade de capacitações para o enfrentamento das situações de emergência na Atenção Básica, visto que reconhece a formação insuficiente dos profissionais de saúde7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Ademais, as UBSF pertencentes a municípios que adotam a atenção básica ampliada (Paba) devem estar dotadas de estrutura física adequada para o recebimento das situações de urgências, como salas para observação de pacientes até oito horas e medicamentos adequados ao acolhimento da urgência e encaminhamento ou possível manutenção do paciente na unidade de saúde7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Como já referido, a melhoria do estado de saúde depende do quanto mais rápido um paciente em situação de urgência for diagnosticado e atendido. Nesse ínterim, a importância do reconhecimento de uma situação de urgência no menor tempo possível fica bem definida no seguinte relato:

“Os minutos na urgência, num caso de uma parada, um infarto [...] o tempo é assim essencial. Um pronto atendimento na hora, o prognóstico daquele paciente vai ser outro, a possibilidade de ele sair e se recuperar é muito maior”. (E25)

Nas situações de emergência, a classificação de risco e vulnerabilidade deve ser realizada em conjunto com o acolhimento e no menor tempo possível, ofertando-se ao paciente a resolubilidade de seu problema de saúde em tempo efetivo, considerando a complexidade do fenômeno saúde-doença, a fim de diminuir o número de mortes evitáveis, sequelas e internações1313 Carneiro SMBM. Atendimento de urgência e emergência na atenção básica: desafio para a Estratégia Saúde da Família. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza; 2009. Especialização [Monografia] – Centro de Ciências da Saúde..

Acolhimento das urgências

As equipes de saúde presentes nas UBSF são de caráter multidisciplinar e responsáveis pelo atendimento integral aos usuários de seu território, sendo o acolhimento de urgências incluído no rol de deveres constantes na Política Nacional de Atenção Básica. De acordo com essa publicação, em situações de recebimento de casos de urgência na unidade básica, é dever da equipe de saúde realizar escuta eficaz para a correta classificação do risco, avaliação da situação de saúde e nível de vulnerabilidade, prestando o primeiro atendimento e ponderando a necessidade de realizar o encaminhamento para a atenção em nível secundário3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Dessa forma, esta dinâmica deve ser realizada por qualquer profissional presente na UBSF. Acerca da realização do acolhimento das emergências nas Unidades Básicas de Saúde, os entrevistados relataram:

“A gente está construindo um manual de acolhimento pra unidade [...] a gente começou a elencar quais são as prioridades, quais são as situações e o que cada profissional faz diante dessa situação”. (E5)

“[...] quando é um caso de urgência, a gente tem que sempre priorizar essa pessoa [...] identificar, resolver aqui ou se é uma urgência indicativa de a gente encaminhar”. (E6)

Nesse sentido, o acolhimento das necessidades de caráter emergencial, além de preconizado na Política Nacional de Atenção Básica3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012., é uma prática essencial, pois tende a humanizar o serviço de saúde, promovendo uma interação mais efetiva entre usuário e profissional1515 Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: Política Nacional de Humanização (documento base para gestores e trabalhadores do SUS). 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. É importante considerar que, nesses momentos, o usuário que procura a unidade de Saúde da Família para um atendimento de urgência está fragilizado por seu estado de saúde tanto físico, quanto emocional e deve receber o atendimento preconizado.

Em relação à equipe de profissionais que deve fazer o acolhimento das urgências na Atenção Básica, a portaria que rege esse nível de atenção afirma que se trata do processo de trabalho das equipes de Atenção Básica, devendo ser realizado por qualquer profissional de saúde presente na UBSF no momento da demanda3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Sobre quais profissionais atendem as urgências das unidades de saúde, os entrevistados fizeram se seguintes narrativas:

“Todos os funcionários realizam o acolhimento, assim a recepcionista está capacitada a acolhê-lo, o vigilante, o auxiliar de serviços gerais, o auxiliar de enfermagem, o técnico, o enfermeiro e o médico”. (E4)

“[...] mas ele (paciente) é acolhido por todo mundo, até o vigia lá na frente já vai orientá-lo”. (E5)

Observa-se que o acolhimento das urgências é realizado por todo e qualquer profissional, inclusive aqueles não pertencentes à equipe de saúde. Tal realidade contribui para a reorganização do processo de trabalho, pois é uma forma de mudar o modelo de saúde vigente, deslocando o eixo central do médico para uma equipe multiprofissional1616 Fortes PAC. Ética, direitos dos usuários e políticas de humanização de atenção à saúde. Saúde Soc. 2004; 13(3):30-5.. Entretanto, é importante ressaltar que qualquer atendimento de saúde deve ser executado apenas por profissionais qualificados, e estes devem estar disponíveis para a prestação da assistência7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Nesse sentido, todos os profissionais são capazes de realizar o acolhimento das emergências na Atenção Básica. Contudo, observa-se que alguns deles desconhecem o significado do termo “acolhimento” e afirmam que realizam apenas a triagem, conforme os trechos das entrevistas a seguir:

“A técnica de enfermagem faz a triagem, ela vê quem está necessitando da prioridade de atendimento, aí repassa pra mim e, dependendo do que for, a gente faz o atendimento inicial”. (M15)

“Auxiliar de enfermagem faz o acolhimento. Aí passa o caso pra mim. Ela é quem faz a triagem”. (M11)

“De início, passa na recepção, em seguida vai pra triagem e passa pro médico”. (M23 )

Depreende-se que alguns profissionais referem fazer acolhimento, mas confundem essa prática com a triagem realizada pelo modelo hegemônico, que se encontra muito aquém do acolhimento preconizado pela PNH. O termo “acolhimento” não pode ser confundido com triagem − que, na língua portuguesa, significa escolha/seleção −, cuja principal finalidade é escolher quais pacientes serão atendidos e quais terão prioridade no atendimento, o que gera uma ideia de exclusão social, visto que se escolhe quem, como e quando o paciente será atendido1717 Oliveira M, Trindade MF. Atendimento de urgência e emergência na rede de atenção básica de saúde: análise do enfermeiro e o processo de acolhimento. Rev Hórus. 2010; 4(2): 160-71..

O ato de acolher é promover a resolubilidade do caso de forma humanizada, dispondo de uma escuta qualificada e responsável. É de suma relevância ouvir o usuário, registrar as queixas e analisar os riscos, a fim de evitar que uma situação de urgência seja atendida ou referenciada para outros níveis de atenção à saúde sem a devida necessidade8Castro D. Ações para a urgência alinham o atendimento. Rev Bras Saude Fam. 2011; XII (28): 40-5..

Acolher não deve ser uma etapa do processo de trabalho, mas uma ação que deve ocorrer em todos os momentos do serviço. Por isso é que se diferencia da triagem, já que todos os pacientes serão atendidos de forma humanizada e terão uma resposta1515 Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: Política Nacional de Humanização (documento base para gestores e trabalhadores do SUS). 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

Resolubilidade das situações de urgências

Resolubilidade/resolutividade é a capacidade de promover uma solução para os problemas dos usuários do serviço de saúde de forma adequada, no local mais próximo de sua residência ou encaminhando-os para onde suas necessidades possam ser atendidas conforme o nível de complexidade3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

No que diz respeito a essa categoria, os entrevistados foram questionados com relação ao atendimento realizado diante de uma situação de urgência na unidade de saúde:

“A primeira conduta é a ausculta do paciente [...] adulto, verifica logo a PA, se for o nível já alto [...], fica em observação. Quando é criança, vômito, diarreia, a gente tem uma salinha de reidratação [...] Assim, se fechar a unidade, a gente referencia pra casa com receitinha e medicação ou a local especializado. Tem soro, equipo, tem jelco, tem medicação injetável [...] um kitzinho, a gente tem uma caixinha de urgência na unidade [...] o básico a gente tem”. (E4)

“Na unidade de saúde, nós temos a responsabilidade e obrigação de fazer os primeiros atendimentos pra depois encaminhar pra uma urgência, principalmente no caso de uma hipertensão, que a gente é que sabe o que o paciente está tomando, qual é a medicação, a gente conhece talvez o motivo daquele paciente estar com aquele problema”. (E17)

Sabe-se que os primeiros atendimentos em situações de urgências são fundamentais para o melhor andamento da situação do paciente6Bortolotti F. Manual do socorrista. Porto Alegre: Expansão; 2009.. Nesse sentido, os profissionais de saúde das UBSF devem garantir a resolubilidade dos problemas dos usuários a partir da corresponsabilização pela atenção às necessidades de saúde e acesso contínuo aos demais níveis de assistência, quando necessário3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

De acordo com a Pnau, é de fundamental importância que a ESF se responsabilize pelo acolhimento das urgências dos pacientes que façam parte da sua área de abrangência, estando eles com quadros agudos ou crônicos agudizados, desde que a complexidade seja compatível com esse nível de assistência7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Quanto à resolubilidade da situação de emergência da Atenção Básica, percebem-se ainda duas situações: a primeira se relaciona ao encaminhamento, por ser a única forma de atenção; a segunda perpassa a compreensão da não responsabilização da Atenção Básica no que se refere à assistência em situação de emergência:

“A conduta, na maioria das vezes, a gente faz os sinais vitais e faz o encaminhamento diretamente pro hospital”. (E18)

“Não acho necessário prestar o primeiro atendimento na unidade, porque aí é uma coisa especifica do hospital [...] chama o Samu, e aí o Samu encaminha. A gente tem que ser uma coisa mais básica mesmo”. (E12)

“A gente aqui não pode tratar emergência porque nós somos atenção primária, e atenção primária trata de atenção primária da saúde. A gente não pode fazer urgência e emergência num atendimento básico”. (E14)

É preconizado que o atendimento de urgência seja realizado em qualquer nível de atenção à saúde, inclusive na Atenção Básica, embora os profissionais desse nível de atenção não se reconheçam como responsáveis por esse tipo de assistência e, ao se depararem com situações de urgência, utilizem apenas o encaminhamento do paciente1717 Oliveira M, Trindade MF. Atendimento de urgência e emergência na rede de atenção básica de saúde: análise do enfermeiro e o processo de acolhimento. Rev Hórus. 2010; 4(2): 160-71.. Acerca desse aspecto, a Pnau considera que o atendimento às urgências deve ser iniciado em qualquer nível de complexidade ou gravidade, visando desconcentrar a atenção a este tipo de atendimento exclusivamente nos níveis secundário e terciário de atenção à saúde7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Ademais, a Atenção Básica deve ser efetivada como o contato preferencial dos usuários, constituindo a principal porta de entrada e centro de comunicação da rede de atenção à saúde3Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. As Unidades Básicas de Saúde da Família são classificadas na modalidade pré-hospitalar fixa, devendo ser capacitadas para promover uma assistência qualificada e especializada para atendimento e encaminhamento às unidades adequadas7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Facilidades e dificuldades para o atendimento

Todas as unidades de saúde devem ter espaço físico adequado, medicamentos e materiais essenciais ao primeiro atendimento/estabilização de urgências que ocorram nas proximidades da unidade ou em sua área de abrangência até que elas sejam referenciadas para os outros níveis de complexidade7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Sobre os recursos físicos e insumos para o atendimento de urgências nas UBSF, os participantes do estudo referiram:

“Tem sala de observações, tem equipe, material pra venóclise, tem algumas medicações pra urgência, assim coisa muito básica”. (E5)

“Tem como ser resolvido aqui na unidade, tem uma cadeira pra tomar soro, se for paciente com diarreia aguda, que está bem desidratado, a gente faz aqui na sala da técnica. Tem o soro, não tem o suporte, mas a gente faz”. (M15)

“Porque na unidade nós não temos nada pra urgência, não temos uma adrenalina, não temos oxigênio, não temos anestésicos básicos pra fazer uma sutura, essas coisas não existem na unidade”. (M11)

“A estrutura física também é pequena pra duas equipes. Se tiver uma urgência, a gente deita numa maca, e, se tiver uma segunda urgência, aí o paciente vai ficar onde?” (E22)

Observam-se realidades distintas nas UBSF em termos de adequação da estrutura física e presença de materiais e insumos necessários para agir nas situações de urgência. A Pnau afirma que em tais unidades devem existir ambu, oxigênio, material para punção venosa, material para pequenas suturas e medicamentos injetáveis, como adrenalina, dexametasona, diazepan, dipirona, glicose, furosemida, fenobarbital, soro fisiológico e glicosado, entre outros7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Quanto ao espaço físico, qualquer unidade deve ter um local adequado para o recebimento da urgência e para as unidades de saúde dos municípios que se encontram qualificados para a atenção básica ampliada (Paba). Estas deverão possuir local específico para esse tipo de atendimento e sala para observação de pacientes7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Sobre a capacitação profissional para as situações de urgência, os entrevistados relataram:

“Só imagino a sensação de impotência da gente numa situação dessas. Agradeço muito a Deus que nunca veio, né? Porque a gente ficaria de mãos atadas. Era só correr, botar no carro, e a gente fica pensando: “e se fosse uma coisa tão grave assim que não desse tempo de chegar?”. A sensação que a gente teria era a pior possível, né?” (E13)

“A secretaria forneceu um treinamento com o diretor do Samu [...] mas não teve prosseguimento [...] até agora não foi marcado, faz meses”. (E8)

“Nós tivemos uma tarde e nós pensamos que ia iniciar uma capacitação nessa área [...] foi com o pessoal do Samu [...] E ficou pactuado de a gente ter esse momento de capacitação pra nós. Mas não chegou a acontecer até agora”. (E13)

A qualificação dos profissionais de saúde da família para atuação em situações de urgência deve ser aprimorada e atualizada por meio da proposta da educação permanente em saúde, evitando que o despreparo desses profissionais leve ao encaminhamento de pacientes a um serviço de maior complexidade desnecessariamente.

Os depoimentos apresentam congruência com o que rege a Pnau, que considera que as instituições formadoras oferecem formação insuficiente para os enfrentamentos das urgências, o que acarreta insegurança e desconhecimento de como proceder diante de uma situação de urgência em nível primário de atenção à saúde. Logo, é necessário que os profissionais estejam qualificados para esse enfrentamento7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

A ausência de qualificação por parte da gestão não é entrave para o desenvolvimento da capacitação em serviço dos profissionais:

“Logo quando eu entrei, tinha uma enfermeira muito ativa, ela é que arranjou pra gente fazer. Nós mesmos é que fizemos, botamos os pacientes no chão e simulamos casos de engasgamento, parada. A enfermeira era muito dinâmica, aí na rua mesmo a gente saiu, botamos um pano no chão, os pacientes mesmos disseram “eu quero participar”, e eles mesmos se prontificaram a ajudar”. (M11)

É essencial que os profissionais estejam qualificados para o enfrentamento das urgências na Atenção Primária, para que possam imprimir efetivamente sua atuação7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.. Nesse sentido, a Portaria 198/2004 GM/MS apresenta a educação permanente como uma aprendizagem no trabalho, em que as ações do cotidiano do trabalho são incorporadas ao aprender e ensinar, tendo como referência a necessidade de saúde das pessoas e da população1818 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 198/GM de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de Para a área da saúde a interferência e o apoio financeiro, trabalhadores para o setor. [capturado 15 out. 2013]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2004/GM/GM-198.htm.
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIA...
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A organização da rede de atenção às urgências

Para se garantir o princípio da integralidade na assistência em saúde do SUS, é necessário que haja uma comunicação entre os níveis de maior e menor complexidade que compõem esse sistema. Esse simples fato efetivaria uma assistência integral ao paciente, na qual um serviço informaria ao outro sobre o estado de saúde, doença e tratamento do indivíduo. Mas, para que isso aconteça, é necessário que ocorra a referência e a contrarreferência1919 Fratini JRG. Avaliação de um programa de referência e contra-referência em saúde. Universitário do Vale do Itajaí. Santa Catarina; 2007. Mestrado [Dissertação] – Centro de Ciências da Saúde..

Define-se por referência o encaminhamento do usuário dos níveis de menor complexidade para atendimento nos níveis de maior complexidade; já a contrarreferência é o encaminhamento dos níveis de atenção mais complexos em direção aos serviços de saúde de menor complexidade7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

O entrave da referência, segundo os profissionais entrevistados, é a garantia do atendimento no serviço para o qual o paciente foi referenciado, conforme os discursos a seguir:

“O problema maior que a gente tem ainda continua a referência e a contrarreferência [...] quem está no PSF sabe os limites que a gente tem, que não pode ser resolvido aqui, e quando a gente encaminha o paciente pro hospital e quando chega no hospital às vezes mandam o paciente de volta”. (M23)

“A dificuldade maior é a referência, que muitas vezes não quer receber [...] questionamento, cadê o médico?, ele não está aí não. Mas assim, muitas vezes, quando a gente referencia, é porque a solução não está dentro da unidade [...] independente se o médico estivesse aqui, é um caso de transferência”. (E4)

Nas entrevistas, percebe-se a dificuldade no prosseguimento da assistência, pois a comunicação entre os níveis de assistência à saúde é deficiente. É essencial que cada componente da rede de assistência à saúde reconheça sua importância e função como parte integrante do sistema e, por conseguinte, realize o acolhimento e atendimento adequado, a fim de garantir a resolubilidade7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

A rede de pactuação entre os componentes do sistema de saúde tem sido aprimorada consideravelmente no município em estudo após o advento da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), fato relatado por toda a amostra da pesquisa:

“Mas assim depois da UPA diminuiu muito o serviço da gente [...] é uma unidade intermediária, ela nem é básica e nem é de média complexidade [...] então, aquele paciente diabetes descompensado, hipertensivo descompensado, o asmático, a desidratação, a diarreia, hoje a gente tem uma referência e é bem atendido”. (E4)

“Com o advento da UPA, não posso dizer que negue atendimento porque a gente tem conseguido realmente resolver os problemas, o que a gente não tinha, quando a gente tinha que encaminhar muitas vezes pro Hospital de Trauma [...] porque a UPA hoje dá um suporte muito grande às nossas urgências [...] a coisa está melhorando”. (E14)

“E se forem outros casos, cortes, a gente está mandando pra UPA, que também estamos tendo respaldo”. (E27)

“[...] coisa que a gente não consegue resolver aqui a gente encaminha pra UPA”. (E19)

A UPA é uma estrutura de complexidade intermediária entre as Unidades Básicas de Saúde da Família e as unidades hospitalares de atendimento de urgência e emergência, e desempenham um papel de ordenador dos fluxos da urgência7Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.. Segundo os relatos dos profissionais, a UPA vem suprindo as necessidades da demanda dos pacientes do município.

Os participantes do estudo relatam que, no município do estudo, os profissionais realizam a referência, mas a contrarreferência não ocorre, o que compromete o acompanhamento de saúde do usuário:

“Atuo no PSF há seis anos e nesse período só recebi uma contrarreferência”. (E27)

“Ficha de referência, só que a gente nunca recebe a contrarreferência, mas a gente faz a referência”. (E2)

Tais resultados corroboram outros estudos presentes na literatura, pois também revelam que o sistema de referência, por ser exigido da Atenção Primária, funciona razoavelmente, ao passo que a contrarreferência inexiste, ressaltando que a organização dos serviços denota falta de comunicação e integração entre os diversos níveis de atenção à saúde2020 Juliani, CMCM, Ciampone MHT. Organização do sistema de referência e contra-referência no contexto do Sistema Único de Saúde: a percepção de enfermeiros. Rev. Esc. Enf. USP 1999; 33(4): 323-33..

Nesse sentindo, a ausência da contrarreferência dificulta a assistência prestada pela equipe de Saúde da Família ao usuário, pois a equipe se restringe às informações trazidas pelo paciente ou por seus familiares, muitas vezes distorcidas e incompletas. Além disso, numa situação de urgência, é bastante provável que o paciente que volta de um pronto atendimento sem uma contrarreferência retorne várias vezes ao mesmo serviço, pois apenas o quadro agudo foi amenizado, dificultando, assim, a integralidade da assistência.

CONCLUSÃO

A pesquisa revelou inúmeros entraves para a adequada atenção às urgências na Estratégia Saúde da Família, comprometendo a resolubilidade e, consequentemente, o princípio da integralidade à saúde. Dentre eles, destacam-se a falta de uma equipe profissional capacitada, falta de insumos e medicamentos mínimos de urgência, ausência de um local adequado para realizar o acolhimento e de uma sala de observação equipada para proporcionar atendimento a uma urgência de baixa gravidade/complexidade, além da deficiente integração da Atenção Primária com os demais serviços da rede de assistência.

Os profissionais apresentam dificuldade em reconhecer uma situação de urgência, e muitos deles, desinformados dos aspectos legais, não consideram como de sua responsabilidade esse tipo de atendimento. Este fato, associado à falta de infraestrutura, leva os profissionais a utilizarem a referência como única alternativa de resolubilidade desses casos. Além disso, as equipes da ESF não estão integradas aos demais níveis de complexidade da rede de serviços, para facilitar a referência e contrarreferência e garantir a integralidade da atenção.

Desta forma, o estudo retrata a necessidade urgente de capacitação profissional, com a elaboração, junto à gestão, de um fluxograma de acolhimento para as equipes de acordo com cada realidade, promovendo-se também educação em saúde para todos os usuários do serviço, a fim de que possam se apropriar da Estratégia Saúde da Família como verdadeira porta de entrada para os demais serviços da rede.

Uma das limitações desta pesquisa é o fato de não contemplar equipes de unidades rurais, que podem estar mais preparadas para o atendimento dessas situações, já que o acesso dessa população a hospitais e serviço móvel de urgência é mais dificultado. Além disso, a amostra é formada por poucos profissionais médicos, que também poderiam estar mais capacitados para uma urgência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2014
  • Revisado
    02 Set 2014
  • Aceito
    17 Out 2014
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