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Articulação Entre os Ciclos Básico e Profissionalizante: Percepção dos Alunos da UFPR

Integration Between Basic and Clinical Sciences as viewed by the Medical Students at UFPR

RESUMO

O ensino médico tradicional possui suas bases históricas sustentadas pelo positivismo francês e pelo Relatório Flexner, refletindo-se, atualmente, na divisão dos ciclos básico e profissionalizante. Essa divisão é objeto de constante debate há décadas, dando espaço para que outros modelos de ensino médico fossem propostos e desenvolvidos. Muitos aspectos da educação médica tradicional são alvos de crítica, como, por exemplo, o mecanicismo, o biologicismo, o individualismo, o hospitalocentrismo e a especialização precoce. A desarticulação entre os ciclos básico e profissionalizante, frequentemente destacada, impede que o conteúdo do ciclo básico seja transmitido de forma a manter sua aplicabilidade no ciclo profissionalizante ou na futura atuação médica. O presente artigo avalia essa articulação entre os ciclos do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná segundo a visão singular do aluno e pesquisa a influência da articulação na qualidade do ensino. Um questionário desenvolvido pelos autores, composto por questões relacionadas ao ensino do ciclo básico e por tabelas que permitem a correlação entre as disciplinas dos ciclos, foi aplicado aos alunos do oitavo período do curso de Medicina. As tabelas apresentam correlação das disciplinas de maneira tanto individualizada quanto agrupada nos períodos do ciclo básico. Também foi requisitado que os alunos avaliassem possíveis propostas que incrementassem a articulação entre os ciclos. Os principais resultados da pesquisa foram: 63% dos alunos consideram que o ciclo básico tem importância significante para a futura prática médica; 77°% consideram-se insatisfeitos com o ensino do ciclo básico; 94% consideraram ter assimilado menos que 60% do conteúdo ministrado durante o ciclo básico, sendo que 65% dos alunos avaliaram este conteúdo assimilado como pouco útil; 52% já pensaram em desistir do curso de Medicina, metade deles durante o ciclo básico; destes últimos, 44% correlacionam esta intenção com a falta de integração entre os ciclos. A análise global da articulação nas tabelas evidenciou que 59% de todas as disciplinas do ciclo básico foram avaliadas como não articuladas com o ciclo profissionalizante. Já a análise individualizada nas tabelas mostrou que a disciplina de Fisiologia, por exemplo, foi avaliada com articulação insignificante por até 70% dos alunos, e, quando em relação às disciplinas clínicas correlatas, essa mesma avaliação perfez a opinião de até 44% dos estudantes. Portanto, percebe-se que há uma incapacidade do ciclo básico em transmitir um conteúdo adequado ao aprendizado e que seja condizente com o ciclo profissionalizante. Os resultados da pesquisa reafirmam, por meio de dados objetivos e quantitativos, a fragmentação do curso de Medicina, característica ainda predominante nos currículos das escolas mais tradicionais. O trabalho revisa a temática nos cenários nacional e internacional, evidenciando a abrangência do assunto, além de inquirir e propor abordagens que possam auxiliar na articulação entre os ciclos, resgatando as principais discussões acerca da solução dos problemas que envolvem a formação médica integral.

PALAVRAS CHAVE:
Educação Médica; Estudantes de Medicina; Avaliação Educacional

ABSTRACT

Traditional medical education is historically rooted in French positivism and the Flexner Report, which is currently reflected in the undergraduate division of the clinical and basic science sections. This division has been the object of constant debate over the last decades, making way for other models of medical education to be proposed and developed. There are many aspects of traditional medical education that are criticized, for example that it is excessively mechanistic, biologically and individual-oriented, hospital-centered and that it is geared towards precocious specialization. The disarticulation between the clinical and basic science sections, among these, is often highlighted. This disconnect prevents the content of the basic cycle from being transmitted in such a way as to remain applicable in the clinical section or future medical performance. This research intends to evaluate the integration between these two parts of medical training at the Federal University of Parana (UFPR) from the unique standpoint of the medical student, and assesses its influence on the quality of the education offered. A questionnaire developed by the authors, consisting of questions related to basic science teaching and tables that allow correlations to be made between basic science and clinical science, was applied to students in the last semester of the clinical setting. The tables correlate the disciplines in both individual and group terms in the semesters of the basic science section. Students were also asked to evaluate possible proposals that would increase the articulation between these sections. The main findings were as follows: 63% of students considered that the basic science portion is of key importance to medical pratice; 77°% report dissatisfaction with the teaching; 94% considered that they had assimilated less than 60% of the content taught during the basic science section, and 65% of the students evaluated this assimilated content as not very useful; 52% have thought about quitting medical school, half of them during the basic science period, and, of those, 44% correlate this intention to a lack of integration between the sections. The overall analysis of the connection between the tables demonstrated an insignificant level of integration between 59% of the disciplines. The individualized analysis of the tables, on the other hand, showed that the disciplines of Physiology, for example, were assessed as having an insignificant level of articulation by up to 70% of the students, and when compared to the related clinical disciplines, that same evaluation corresponded to the opinion of up to 44% of the students. Therefore, the basic science seems unable to transmit a suitable learning content that is appropriate for the clinical training. The result of the research reaffirms, through objective and quantitative data, the fragmentation present in the most traditional medicine schools. This paper revises the subject in the national and international setting, demonstrating its breadth, as well as inquiring and proposing approaches that can help in the integration between the sections, reviving key discussions that address the problems related to comprehensive medical education.

KEYWORDS:
Medical Education; Medical Students; Educational Measurement

INTRODUÇÃO

Para a compreensão acerca do ensino médico atual, é necessário recorrer às suas raízes históricas. As primeiras escolas médicas brasileiras surgiram no século XIX e sofreram influência das escolas ibéricas, principalmente das escolas napoleônicas, nas quais o currículo era organizado em cátedras. Em vigência dos conceitos positivistas da época, a teoria necessariamente antecedia a prática, de forma a separar o aprendizado básico do clínico. As disciplinas eram destinadas a um docente que individualmente traçava seu plano de ensino independentemente das demais disciplinas. O ensino era exclusivamente profissionalizante, e as ciências básicas tinham apenas a função de fundamentação, sendo ministradas pelo mesmo docente da clínica11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,33. Anastasiou LGC, Alves LP, orgs. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. In: Silva IF. A ciência e a organização curricular. 5. ed. Joinville, SC: UNIVILE, 2005. p.41-47..

Em 1910, foi publicado o Relatório Flexner, que veio a determinar o cenário do ensino médico nos Estados Unidos, e, posteriormente, do mundo todo. Por meio de sua análise das universidades norte-americanas e sob forte influência da ciência médica alemã, Abraham Flexner substituiu as cátedras por departamentos, adotou o hospital como o cenário ideal de aprendizado (hospitalocentrismo), e propós mudanças que vieram a fortalecer os departamentos de ciências básicas, dando ênfase aos componentes acadêmicos e científicos do ensino médico. As doenças passaram a ter seus conhecimentos ancorados na pesquisa, a qual se torna importante preocupação das escolas médicas, o que aumenta a já existente fragmentação do ensino e cria um ciclo básico diferenciado de um ciclo profissionalizante. O modelo flexneriano defendia o domínio da teoria para posterior entendimento da prática mediante posturas positivistas nas quais o único conhecimento seguro é o científico. Nesse modelo, valorizou-se a unicausalidade das doenças, pautadas no mecanicismo, biologicismo, individualismo e na especialização precoce, reservando às dimensões social, psicológica e econômica da saúde um pequeno ou nulo espaço22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.,55. Pagliosa FL, Da Ros MA. O relatório flexner: para o bem e para o mal. RevBrasEducMed 2008; 32(4)492-499..

O modelo norte-americano foi oficialmente implementado no Brasil a partir da Reforma Universitária de 1968, visando à modernização do ensino superior. O ensino médico, assim, fica dividido nos dois ciclos: básico e profissionalizante. A reforma, no ciclo básico, reuniu as antigas cátedras em departamentos com forte potencial de pesquisa e formados por conteúdos comuns aos vários cursos da área da saúde11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.. Tais medidas configuraram o ensino médico atual. Em função de sua abordagem mecanicista, centrada no biologicismo, e da fragmentação do conhecimento em disciplinas que pouco interagem entre si, a especialização acaba surgindo numa fase precoce da formação do estudante e funciona como base do modelo educacional. Por conseguinte, o hospital permanece como principal local de ensino, excluindo o ensino médico da sociedade e de seu processo saúde-doença11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34..

Atualmente, a organização do curso de Medicina permanece com sua divisão em ciclos básico e profissionalizante22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,33. Anastasiou LGC, Alves LP, orgs. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. In: Silva IF. A ciência e a organização curricular. 5. ed. Joinville, SC: UNIVILE, 2005. p.41-47.. Tal formatação visa introduzir o aluno às bases teóricas do conhecimento médico para, posteriormente, ingressá-lo no ensino das disciplinas clínicas e cirúrgicas, fase na qual o aluno fará uso dos conceitos aprendidos no ciclo básico para elaborar mais a fundo o conteúdo das disciplinas do ciclo profissionalizante, preparando-se para o exercício da prática médica22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,33. Anastasiou LGC, Alves LP, orgs. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. In: Silva IF. A ciência e a organização curricular. 5. ed. Joinville, SC: UNIVILE, 2005. p.41-47.,44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34..

Sendo o ciclo básico uma preparação para o ciclo profissionalizante, importa que o primeiro esteja articulado com o segundo, trazendo aspectos das ciências básicas que sejam relevantes para o exercício da medicina22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.. No entanto, é de amplo conhecimento que nas escolas médicas os ciclos básico e profissionalizante se encontram frequentemente desassociados um do outro, de modo que aquilo que é transmitido ao aluno no ciclo básico não possui aplicabilidade na atuação médica11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.,77. Feuerwerker, LCM. Além do discurso de mudança na educação médica: processos e resultados. In: Feuerwerker, LCM. O projeto político pedagógico. São Paulo: Hubitec; Londrina: Rede Unida; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica, 2002. p.23-29..

Similarmente, as disciplinas básicas permanecem isoladas da clínica e transmitem um conhecimento muito específico da área básica, levando o aluno não ao aprendizado, mas à simples memorização do conteúdo22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.. Essa condição mostra-se presente no trabalho de Nielsen et al.88. Nielsen DG, Gotzche O, Sonne O, Eika B. The relationship between immediate relevant basic science knowledge and clinical knowledge: physiology knowledge and transthoracic echocardiography image interpretation. Adv in Health SciEduc 2012; 17(4)501-513., que em 2011 realizaram um estudo na universidade dinamarquesa de Aarhus, em que acadêmicos, residentes em Cardiologia e cardiologistas clínicos responderam a testes sobre fisiologia e a uma questão que envolvia diagnóstico de patologias pela ecocardiografia. Uma correlação significativa foi encontrada entre o teste de fisiologia e a questão ecocardiográfica no grupo dos residentes, a qual, no entanto, não foi encontrada entre os clínicos, apesar de sua maior pontuação nos testes sobre fisiologia. Isto evidencia o desuso de conceitos básicos por experts na prática médica, a não ser em níveis de imediata relevância.

A falta de articulação entre os ciclos reveste-se de considerável importância, pois exerce influência não só na qualidade de ensino do aluno, mas também na qualidade da formação do profissional médico11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.. Além disso, a integralidade demonstra ser um fator importante na motivação do aluno para o estudo das matérias básicas, comprometendo a dedicação do aluno ao aprendizado22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.. Tal problemática não é recente e está sendo debatida em nível nacional desde a década de 1970. Contudo, poucas propostas foram feitas e muitas perguntas permanecem sem respostas, configurando um importante tópico de estudo na educação médica66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34..

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), local de estudo deste trabalho, o currículo é estruturado no modelo tradicional com alguns traços inovadores advindos da reforma realizada entre 1993 e 199699. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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. Atualmente, segundo Campos1010. Marins JJN, Rego S, orgs. Educação médica: gestão, cuidado, avaliação. In: Campos JJB, Elias PEM. Saúde coletiva e formação médica: estudo de caso em três universidades do paraná. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica, 2011. p.439-460., está sendo revisto mediante um ajustamento curricular que reforça o caráter disciplinar e fragmentado do curso, em descompasso com o planejamento proposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medicina.

Assim, valendo-se da percepção dos alunos, que são um importante ângulo de avaliação1111. Silva RMFL, Rezende NA. O ensino de semiologia médica sob a visão dos alunos: implicações para a reforma curricular. RevBrasEducMed [online]. 2008. 32(1) [capturado 25 ago. 2012]; 32-38. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/rbem/v32n1/05.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbem/v32n1/05.p...
, o presente artigo pretende avaliar e dimensionar a articulação entre os ciclos básico e profissionalizante do curso de Medicina da UFPR, bem como pesquisar questões associadas ao tema, como a importância do conteúdo do ciclo básico para a prática médica, o efeito da integração entre os ciclos na motivação do aluno para o estudo e possíveis medidas que promovam maior articulação entre os ciclos.

METODOLOGIA

O curso de Medicina tem a duração de seis anos, os quais, na UFPR, são divididos em 12 períodos semestrais. O ciclo básico compreende os quatro primeiros períodos; o ciclo profissionalizante abrange do quinto ao oitavo período; e o internato, por fim, desde o nono até o 12° período. A presente pesquisa foi realizada por meio de um questionário elaborado pelos autores e aplicado aos alunos do oitavo período do curso de Medicina da UFPR, que ingressaram na universidade no primeiro semestre de 2010. Pelo fato de já terem cursado tanto o ciclo básico quanto o ciclo profissionalizante, esses alunos, em princípio, são os mais aptos para avaliar a integração entre os ciclos.

O questionário é composto por 12 questões e quatro tabelas. As 12 questões referem-se a aspectos relacionados ao ensino do ciclo básico. Foi perguntado ao aluno: o quanto considerava o ciclo básico importante para a prática médica; a satisfação com o ensino do ciclo básico; o grau de assimilação do conteúdo do ciclo básico, bem como sua utilidade no ciclo profissionalizante; a influência da integralidade das disciplinas do ciclo básico na motivação para o estudo dessas disciplinas; e a influência da integralidade das disciplinas do ciclo básico na intenção de desistir do curso de Medicina durante esse ciclo. Por fim, foi solicitado ao aluno que avaliasse possíveis medidas que promovessem maior articulação entre os ciclos, as quais compreendiam: maior comunicação entre os docentes dos ciclos básico e profissionalizante que lecionassem matérias afins (por exemplo, comunicação entre os docentes de Fisiologia Cardíaca e de Cardiologia Clínica); aulas práticas em pequenos grupos de alunos envolvendo tanto docentes do ciclo básico como do ciclo profissionalizante; e maior número de docentes médicos no ciclo básico.

Grande parte das questões tem como respostas uma escala qualitativa crescente com cinco alternativas: insignificante, pouco significante, médio, significante e bastante significante. Já as tabelas apresentam a escala qualitativa com três alternativas: insignificante, significância média e significante. Nas questões que avaliam a porcentagem de assimilação e de utilidade do conteúdo do ciclo básico, as cinco alternativas referem-se a faixas crescentes de porcentagem.

As tabelas realizam uma avaliação pormenorizada da articulação do ciclo básico com o ciclo profissionalizante. Os quatro períodos do ciclo básico possuem cada um sua própria tabela, de tal maneira que cada período do ciclo básico faz, individualmente, relação com todo o ciclo profissionalizante. Em cada tabela, apresentam-se nas colunas todas as disciplinas obrigatórias do respectivo período do ciclo básico, e, nas linhas, as disciplinas do ciclo profissionalizante. Entre as disciplinas do ciclo profissionalizante, foram selecionadas para avaliação aquelas que têm relação direta com as respectivas disciplinas do ciclo básico. Essa seleção foi realizada segundo dois critérios: a associação entre as disciplinas quando da presença de pré-requisito de uma em relação à outra; e a proximidade do conteúdo das disciplinas evidenciada por meio de suas ementas. Somando individualmente as relações entre as disciplinas, obteve-se um total de 797 relações para os alunos avaliarem quanto à integralidade.

Tal formatação permitiu avaliar individualmente a relação de uma disciplina do ciclo básico com uma disciplina do ciclo profissionalizante, bem como avaliações mais globais, como a articulação de cada disciplina do ciclo básico com todo o ciclo profissionalizante, a articulação de todo um período do ciclo básico com o ciclo profissionalizante inteiro e, por fim, a articulação do ciclo básico inteiro com todo o ciclo profissionalizante. No final do questionário, foi oferecido ao aluno um espaço para críticas e comentários em relação ao questionário.

O questionário foi finalmente aplicado em sala de aula durante um período aproximado de uma hora. Todos os alunos que participaram preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos os questionários que estavam incompletos e os que apresentavam o preenchimento de apenas uma opção ao longo da maior parte, restando 52 questionários respondidos, 59% do total de 88 alunos. Após a coleta dos dados, estes foram somados e repassados para uma planilha que os computou em números absolutos e relativos.

RESULTADOS

Foi questionado aos alunos como eles avaliavam a importância do ciclo básico para a futura atuação como médicos, e 63% deles consideraram o ciclo importante (Gráfico 1).

Gráfico 1
À esquerda, importância do ciclo básico para a atuação médica; no centro, influência da falta de integração na insatisfação com o ciclo básico; à direita, influência da falta de integração na intenção de desistir do curso de Medicina (dados em percentual de alunos por resposta)

Questionados sobre o quanto consideravam que a motivação para o estudo das matérias do ciclo básico era influenciada pela futura aplicabilidade na prática médica, 42% avaliaram como média significância,19% consideraram bastante significante, e 39% como pouco significante.

Dos alunos entrevistados, 77% consideram-se insatisfeitos quanto ao ensino do ciclo básico. Destes, 5% responderam que a relação da insatisfação com a integração entre os ciclos é pouco significante, ao passo que 54% julgam que essa relação é significante (Gráfico 1).

Em relação à assimilação do conteúdo do ciclo básico, 6% consideram ter assimilado entre 60% e 80% de todo o conteúdo do ciclo básico. Os restantes 94% consideram ter assimilado menos que 60% (Gráfico 2). Nenhum aluno respondeu valor superior a 80%. Quanto à utilidade do conteúdo assimilado durante o ciclo básico, 35% consideram que mais de 60% do conteúdo assimilado foi útil durante o ciclo profissionalizante (Gráfico 2).

Gráfico 2
À esquerda, porcentagem de alunos que consideram ter assimilado até 59% ou de 60% a 100% do conteúdo do ciclo básico; à direita, percentual de alunos que consideram que o conteúdo do ciclo básico assimilado possui utilidade de até 59% ou de 60% a 80%

Dos entrevistados, 52% tiveram intenção de desistir do curso de Medicina. Destes, 51% intencionaram desistir durante os períodos do ciclo básico. Dessa população, 44% julgaram que a qualidade da integração entre os ciclos foi significativa na intenção de desistência, sendo que 22% dos alunos avaliaram essa influência como insignificante (Gráfico 1).

Quanto à avaliação da efetividade das três propostas sugeridas para promover maior integração entre os ciclos, 79% dos alunos consideraram significante a maior comunicação entre docentes dos ciclos básico e profissionalizante de áreas afins; 75% dos alunos consideraram significante a realização de aulas práticas multiprofissionais em pequenos grupos, envolvendo docentes dos ciclos básico e profissionalizante; e 56% dos alunos consideraram significante o maior número de docentes médicos encarregados de lecionar disciplinas do ciclo básico (Gráfico 3).

Gráfico 3
Percentagem de alunos que avaliaram as respectivas propostas como medidas bastante significantes na melhoria da articulação entre os ciclos básico e profissionalizante

Os resultados obtidos mostram que em todo o ciclo básico prevalece a avaliação insignificante para as correlações entre as disciplinas (Gráfico 4).

Gráfico 4
Avaliação da articulação de cada período do ciclo básico com o ciclo profissionalizante em percentual de alunos por resposta

O primeiro período é o que apresenta a maior quantidade de disciplinas com integração insignificante. Das avaliações desse período, 8% tiveram integração bastante significante, e 66% foram consideradas insignificantes. A disciplina de Anatomia Médica I atingiu a maior percentagem de avaliações como tendo integração significante com o ciclo profissionalizante (23%). Já a disciplina de Genética Médica teve 91% de correlações consideradas como integração insignificante, a maior percentagem do período. A disciplina de Bioquímica I, no geral, recebeu 73% das avaliações como insignificante e 3% como significante, e, quando relacionada com a disciplina de Endocrinología, recebeu 31% e 25%, respectivamente. Na disciplina de Biologia Celular, as avaliações como insignificante e significante foram, no geral, 66% e 4%; já em associação com a disciplina de Endocrinologia, foram 29% e 17%, e com a Hematologia foram 17% e 23%.

No segundo período, em sua totalidade, 13% das avaliações foram consideradas como articulação significante com o ciclo profissionalizante, e 59% como articulação insignificante. A disciplina de Neuroanatomia teve a maior percentagem de avaliações como integração insignificante (75%). Já a disciplina de Esplancnologia teve a maior percentagem de avaliações como integração significante (27%). As disciplinas de Bioquímica II, de Embriologia e as disciplinas de Fisiologia Médica I e Biofísica foram avaliadas, respectivamente, em 74%, 61% e 70% como possuindo articulação insignificante com o ciclo profissionalizante. As disciplinas de Fisiologia Médica I e Biofísica, que ministram conceitos dos sistemas cardiovascular e respiratório, obtiveram com as disciplinas de Cardiologia e Pneumologia 44% de avaliação como articulação insignificante e 33% como significante.

O terceiro período teve 14% de avaliações consideradas como integração significante e 55% como insignificante. A disciplina de Saúde e Sociedade teve a maior percentagem de avaliações como articulação insignificante (85%). Já a disciplina de Propedêutica Médica II teve a maior percentagem de correlações significante (27%).

As disciplinas de Fisiologia Médica II e III foram avaliadas, respectivamente, em 56% e 63% como apresentando articulação insignificante, enquanto a disciplina de Microbiologia foi avaliada em 44% como possuindo integração insignificante e em 12% como significante.

Na disciplina de Parasitologia, as avaliações da integração com o ciclo profissionalizante consideradas insignificante e significante, foram, respectivamente, 60% e 9%. Na disciplina de Imunologia, as avaliações como insignificante e significante foram 62% e 6%.

Na disciplina de Fisiologia Médica II, responsável pelos sistemas digestório e nefrológico, as avaliações como articulação insignificante e significante com a disciplina de Gastroenterologia foram, nessa ordem, 38% e 17%, e, com a Cirurgia do Aparelho Digestivo, foram 48% e 15%. Já com a Nefrologia, as avaliações como insignificante e significante foram, respectivamente, 37% e 29%. Na disciplina de Fisiologia Médica III, que ministra os sistemas neurofisiológico e endocrinológico, as avaliações como integração insignificante e significante com a disciplina de Neurologia foram, nessa ordem, 33% e 29%, com a Endocrinologia foram 40% e 15%, e com a Ginecologia foram 67% e 4%.

No quarto período, 14% das avaliações foram assinaladas como apresentando articulação significante, e 57% como insignificante. A disciplina de Introdução à Clínica Médica teve a maior percentagem de correlações avaliadas como integração significante (29%). Já a disciplina de Saúde Mental teve as menores correlações avaliadas como integração significante (3%). Na disciplina de Farmacologia Médica Básica, as avaliações como insignificante e significante foram de 67% e 7%.

No geral, as correlações de todo o ciclo básico com o ciclo profissionalizante apresentaram 59% de avaliações como integração insignificante, 29% com significância média e apenas 12% de correlações avaliadas como integração significante (Gráfico 5).

Gráfico 5
Avaliação da articulação de todo o ciclo básico com o ciclo profissionalizante em percentual de alunos por resposta

DISCUSSÃO

São vários os fatores que estabelecem menor articulação entre os ciclos. Sampaio, em 1979, considerou os seguintes aspectos: falta de integração vertical de continuidade do curso; ausência de objetivos comuns aos dois ciclos; áreas físicas distanciadas; deficiência de orientação pedagógica; objetivos dissociados e mal definidos; coordenação independente para os dois ciclos; e falta de integração (inter-relacionamento) do pessoal docente22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152..

Em nossa pesquisa, 59% das avaliações correspondem a uma articulação insignificante do ciclo básico com o ciclo profissionalizante, e 79% dos alunos avaliaram a maior comunicação entre os docentes como uma medida de possível efetividade em promover maior articulação entre os ciclos. Amorim, em 1993, considerou que a desarticulação é o reflexo do envolvimento direto dos departamentos do ciclo básico em projetos de pesquisa, isolando cada departamento em sua atividade22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34..

Outro aspecto da desarticulação é que as disciplinas do ciclo básico são ministradas, em sua maioria, por docentes de várias áreas, os quais, por não terem conhecimento do que seria relevante à prática médica, acabam por transmitir a matéria em todos os detalhes. Por conta da inadequação do conteúdo, isto desmotiva o aluno ao estudo da disciplina e leva ao predomínio da memorização das informações em contraponto ao aprendizado do conteúdo22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.,99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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Porém, apesar do grande número de docentes de outras áreas no ciclo básico, apenas 56% dos alunos consideraram que a condução das aulas do ciclo básico por docentes médicos seria uma medida eficaz para a promoção de integralidade entre os ciclos. Em nosso estudo, reafirmando a dificuldade de retenção do conteúdo, 94% dos alunos consideram ter assimilado menos de 60% do conteúdo do ciclo básico; dessa assimilação, apenas 35% foram considerados de significante utilidade para o ciclo subsequente, refletindo a incapacidade do ensino do ciclo básico em transmitir um conteúdo de forma que o aluno possa retê-lo e evidenciando a inadequação do conteúdo em relação ao ciclo profissionalizante. Quando os alunos foram indagados sobre o quanto sua motivação para o estudo era influenciada pela futura aplicabilidade da disciplina na prática médica, 19% apontaram que havia significante influência, enquanto 42% assinalaram que a significância era média, e 39% consideraram pouco significante.

No entanto, se a desarticulação não afeta de maneira majoritária a motivação do aluno para o estudo, pelo menos afeta a satisfação com o ensino, já que 77% dos alunos se encontram insatisfeitos com o ensino do ciclo básico, e 54% atribuíram essa insatisfação à falta de articulação entre os ciclos. Além de afetar a satisfação, a desarticulação exerce influência na intenção do aluno de desistir do curso, pois mais da metade dos alunos já pensaram em desistir do curso de Medicina; destes, a maioria teve essa intenção durante o ciclo básico, e grande parcela (44%) julgou que a qualidade da integração entre os ciclos foi significativa na motivação para a desistência, ao passo que uma minoria (22%) avaliou como insignificante.

Em nosso trabalho, 63% dos alunos consideram o conteúdo do ciclo básico importante para a prática médica, enquanto apenas 6% atribuíram insignificância a esse quesito. Pelos dados desta pesquisa, infere-se que o ciclo básico possui grande relevância para o ensino médico, e sua articulação com o ciclo profissionalizante deve ser almejada, o que não se restringe apenas à UFPR.

Szerlip1313. Szerlip HM. The teaching of cellular and molecular biology: a survey of program directors in internal medicine. The American Journal of Medicine [on line]. 1995. 99(6) [capturado 13 fev. 2013]; 672-4. Disponível em: http://www.amjmed.com/article/S0002-9343(99)80255-1/pdf
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concluiu em seu estudo de 1995, em New Orleans, na Universidade de Tulane, que as escolas médicas necessitam reavaliar seu currículo a fim de integrá-lo às ciências básicas. Nakvi et al.1414. Naqvi Z, Ahmed R, Jamil B. Development and testing of an asssessment tool for integrated learning. J Pak Med Assoc 2001; 51(11)384-8., em sua pesquisa na universidade paquistanesa de Aga Khan em 2001, utilizaram questões com temas integrados para avaliar a retenção e uso de conceitos básicos de forma integrada e evidenciaram uma dificuldade do aluno em resolver essas questões. Rudland e Rennie1515. Rudland JR, Rennie SC. The determination of the relevance of basic sciences learning objectives to clinical pratice using questionnaire survey. Medical Education 2003; 37(11)962-965., na escola médica britânica de Dundee em 2003, aplicaram um questionário aos alunos para avaliarem o quanto foi relevante para a prática clínica o aprendizado do sistema respiratório nas ciências básicas. Os alunos mais antigos avaliaram como não relevante, principalmente em relação à Bioquímica. Em nosso estudo, tanto a disciplina de Bioquímica quanto a disciplina que administra a fisiologia respiratória receberam em torno de 70% das avaliações como sendo de articulação insignificante, sendo que essas disciplinas tiveram a carga horária aumentada após a reforma curricular da UFPR99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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Em diversos estudos, as disciplinas de Fisiologia e Anatomia são elencadas como de extrema importância para a prática médica1111. Silva RMFL, Rezende NA. O ensino de semiologia médica sob a visão dos alunos: implicações para a reforma curricular. RevBrasEducMed [online]. 2008. 32(1) [capturado 25 ago. 2012]; 32-38. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/rbem/v32n1/05.pdf
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,1616. Dawson-Saunders B, Feltovich PJ, Coulson RL, Steward DE. A survey of medical school teachers to indetify basic biomedical concepts medical students should understand. Academic Medicine 1990; 65(7)448-454.. Na UFPR, as disciplinas de Fisiologia Médica I, II e III, apesar de terem a carga horária aumentada após a reforma curricular99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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, receberam, respectivamente, 70%, 56% e 63% de respostas avaliando a articulação das disciplinas como insignificante. Na relação das disciplinas de Fisiologia com suas correspondentes na clínica - Cardiologia, Pneumologia, Gastroenterologia, Nefrologia, Neurologia e Endocrinología -, a avaliação como insignificante variou entre 33% e 44%, e como significante entre 15% e 33%, sendo que, em relação às disciplinas de Cardiologia, Pneumologia e Endocrinologia, receberam avaliações iguais ou maiores que 40% como insignificantes. Esses dados revelam conteúdo desassociado em disciplinas de suma importância.

Inúmeras universidades entendem a questão da integralidade como de relevante importância e realizaram mudanças curriculares e atividades com o intuito de promover maior integralidade vertical do curso de Medicina, ou seja, maior integração entre os ciclos básico e profissionalizante.

Ribeiro et al.1717. Ribeiro MC, Soares MMSR, Loureiro J. Avaliação do ensino de microbiologia no curso de medicina da PUCCAMP. Revista de Ciências Médicas 1996; 5(3)101-105., em sua avaliação do ensino de microbiologia médica realizada na Puccamp em 1996, evidenciaram que o aluno tem dificuldade na memorização dos agentes patológicos e, com base nesses resultados, promoveram uma mudança curricular a fim de correlacionar o conteúdo programático com a profissão médica. Em nosso curso, 44% das avaliações foram de insignificante articulação para Microbiologia, mostrando-se aqui também a necessidade de mudança para correlacionar de maneira mais íntima a disciplina com a profissão médica.

Kaimkhani et al.1818. Kaimkhani ZA, Ahmed M, Al-Fayez M, Zafar M, Javaid A. O currículo tradicional de anatomia é satisfatório para os estudantes do último ano de medicina? Uma avaliação retrospectiva. Einstein [online]. 2009. 7(3 Pt 1) [capturado 13 fev. 2013]; 341-6. Disponível em: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/1433-Einstein%20v7n3p341-6.pdf
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mostraram que os residentes do primeiro ano e estudantes do último ano de Medicina da Universidade de King Saud, em 2009, na Arábia Saudita, classificaram os cursos integrados de anatomia como essenciais à prática clínica e sentiram a necessidade de estudos de casos com a participação de docentes clínicos durante o ciclo básico.

Na UFPR, as disciplinas de Esplancnologia, Anatomia Médica e Neuroanatomia apresentaram, respectivamente, 38%, 41% e 75% de avaliações consideradas de articulação insuficiente, mostrando a necessidade de maior integração da Neuroanatomia, no sentido de se aproximar da qualidade da integração das demais disciplinas anatômicas, as quais receberam as melhores avaliações entre as disciplinas de seus respectivos períodos, mesmo tendo tido as reduções mais importantes da carga horária após a reforma curricular. No entanto, apesar de relativamente bem avaliadas pelos alunos, as disciplinas de Anatomia Médica e Esplancnologia apresentam considerável porcentagem de falta de articulação, e medidas como as sugeridas por Kaimkhani poderiam contribuir em seu ensino.

Gregory et al.1919. Gregory JK, Lachman N, Camp CL, Chen LP, Pawlina W. Restructuring a basic science course for core competences: an example from anatomy teaching. Medical Teacher 2009; 31(9)855-861., em 2009, reestruturaram o curso de anatomia da escola médica de Mayo, nos Estados Unidos da América, por meio de dissecações, análises radiológicas, correlações com embriologia e anatomia orientada à clínica de modo a conectar as ciências básicas à prática médica. Essas medidas, na UFPR, poderiam qualificar tanto o ensino das disciplinas anatômicas quanto o da Embriologia, que foi avaliada em 61% como insignificante em sua articulação com o ciclo profissionalizante.

Schapiro et al.2020. Schapiro R, Stickford-Becker AE, Foertsch JA, Remington PL, Seibert CS. Integrative cases for preclinical medical students: connecting clinical, basic science, and public health approaches. Am J Prev Med 2011; 41(4 Suppl 3)187-92. implementaram, na universidade médica de Wisconsin, em 2011, casos clínicos integrativos no currículo, os quais foram posteriormente avaliados pelos alunos como efetivos em seus objetivos de trazer uma visão mais ampla da medicina e da saúde pública, além de fazer uma conexão maior desses aspectos com as ciências básicas.

Duban et al.2121. Duban S, Mennin S, Waterman R, Lucero S, Stubbs A, Vanderwagen C, Kaufman A. Teaching clinical skills to pre-clinical medical students: integration with basic science learning. Med Educ 1982; 16(4)183-7. organizaram, em 1982, um curso no primeiro ano de Medicina da Universidade de Novo México, nos EUA, em que o aprendizado das habilidades clínicas foi associado com princípios básicos de fisiopatologia. O interesse dos alunos acerca dos mecanismos fisiopatológicos básicos subjacentes à clínica aumentou expressivamente por meio de problemas clínicos e recursos audiovisuais ministrados em conjunto com professores clínicos e das ciências básicas. Esses alunos, em comparação ao currículo tradicional, tiveram maior rendimento em exames relacionados à clínica médica.

Patel et al.2222. Patel VL, Arocha JF, Chaudhari S, Karlin DR, Briedis DJ. Knowledge integration and reasoning as a function of instruction in a hybrid medical curriculum. J Dent Educ [on line]. 2005. 69(11)[capturado 12 fev. 2013];1186-211. Disponível em: http://www.jdentaled.org/content/69/11/1186.full.pdf+html
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, em seu trabalho de 2005 sobre a avaliação do currículo integrado da universidade canadense de McGill, concluíram que a resolução de problemas por meio de tutoriais em pequenos grupos facilita a integração entre os conhecimentos clínico e biomédico.

Em nossa pesquisa, 74% dos alunos avaliaram que aulas práticas multiprofissionais em pequenos grupos seriam significantes na promoção de maior integralidade. Wilkerson et al.2323. Wilkerson L, Stevens CM, Krasne S. No content without context: integrating basic, clinical and social sciences in a pre-clerkship curriculum. Med Teach 2009; 31(9)812-21. relataram, em 2009, que o currículo inteiramente integrado em blocos interdisciplinares levou a resultados encorajantes na Universidade da Califórnia. Tais medidas vão ao encontro do proposto pela metodologia de ensino baseada em problemas - Problem-Based Learning (PBL).

O PBL teve sua primeira implantação na década de 1960, na Universidade de McMaster, no Canadá. No Brasil, temos como principais representantes desse método a Faculdade de Medicina de Marília e a Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Por outro lado, apesar de existirem dados que trazem uma percepção mais favorável ao método PBL em relação ao tradicional, como a aquisição mais precoce de habilidades clínicas, pesquisas mostram que no método PBL pode haver perdas no ensino das ciências básicas, principalmente em relação à habilidade do aluno em reconhecer as bases de um fenômeno, bem como deficiências similares às do currículo tradicional em determinadas disciplinas, não havendo grandes diferenças entre os dois modelos de ensino, preservando-se, inclusive, os mesmos problemas humanísticos do modelo tradicional.

Atualmente, surgiu o método Comunity-Based Education (CBE), no qual o foco de ensino e das atividades está centrado na comunidade, mas nem todas as suas iniciativas estão imbuídas de responsabilidade social22. Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.,66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.,2424. Sweeney G. The challenge for basic science education in problem-based medical curricula. ClinInvestMed 1999; 22(1)15-22..

Dentro de uma tipologia das escolas médicas que propõe uma evolução das reformas curriculares partindo de um modelo tradicional, passando por um modelo inovador e, por fim, atingindo um modelo avançado, no qual se alcança verdadeira integração com as demandas de saúde da população, esses métodos de ensino se definem como modelos curriculares inovadores com tendência avançada, em contraponto ao modelo da UFPR, que se caracteriza mais como um modelo inovador com tendência tradicional11. Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.,99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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Os resultados deste trabalho incluem a UFPR na problemática universal da fragmentação do curso de Medicina. Sua reforma curricular, alinhada às propostas das DCN, pretendia não apenas mudar o elenco das disciplinas e diminuir seu excessivo número, mas também integrar os conteúdos das matérias. No entanto, 59% dos alunos avaliados neste estudo consideram o ciclo básico desarticulado, e 77% encontram-se insatisfeitos com o ensino do ciclo básico, apresentando influência até mesmo na intenção de desistir do curso.

Além disso, a reforma curricular tinha como objetivo adequar o aprendizado à demanda da população, formando um médico generalista capaz de atuar em todas as fases do processo saúde-doença, o que demandava do curso evitar a formação de um pré-especialista, tendência entendida como existente naquele período99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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,1212. Ferrerira EAM, Zainko MAS, Cerci MSJ, Lacerda RB, Serafini SL. Avaliação do currículo do curso de medicina: a experiência da UFPR. Curitiba: UFPR, 1992.. Contudo, o ajustamento curricular atual da UFPR foi considerado por descaracterizar a proposta original preconizada pelo documento de orientação nacional de formação de médicos do Brasil, que propõe o desenvolvimento curricular no eixo das necessidades de saúde da população55. Pagliosa FL, Da Ros MA. O relatório flexner: para o bem e para o mal. RevBrasEducMed 2008; 32(4)492-499.,1010. Marins JJN, Rego S, orgs. Educação médica: gestão, cuidado, avaliação. In: Campos JJB, Elias PEM. Saúde coletiva e formação médica: estudo de caso em três universidades do paraná. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica, 2011. p.439-460..

Essa problemática está sendo debatida desde a década de 1970, mas ainda apresenta poucas respostas66. Cutolo LRA, Delizoicov D. Caracterizando a escola médica brasileira. Arquivos Catarinenses de Medicina 2003; 32(4)24-34.. Muitos problemas do curso de Medicina da UFPR foram identificados na reforma de 1993 - como passividade do aluno no aprendizado, disciplinas de caráter muito teórico, dificuldade de retenção do conhecimento pelo aluno, especialização precoce e falta de integração do curso99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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- e continuam a ser enfrentados no atual momento.

No entanto, a importância do tema e sua abrangente influência determinam a manutenção de medidas para alterar tal situação. Embora a reforma da UFPR já tenha sido uma tentativa de considerar a necessidade de maior integração em todo o curso99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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, apontada por alunos e professores, cabe à universidade manter a motivação exigida em sua reforma curricular1212. Ferrerira EAM, Zainko MAS, Cerci MSJ, Lacerda RB, Serafini SL. Avaliação do currículo do curso de medicina: a experiência da UFPR. Curitiba: UFPR, 1992.. A UFPR poderia retomar propostas da reforma curricular que não se mantiveram na atualidade, nos moldes dos Seminários Integrados de Ciências Biológicas99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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,1212. Ferrerira EAM, Zainko MAS, Cerci MSJ, Lacerda RB, Serafini SL. Avaliação do currículo do curso de medicina: a experiência da UFPR. Curitiba: UFPR, 1992., medida equivalente à que recebeu 74% das avaliações dos estudantes como proposta de significativa efetividade.

Evidentemente, existem falhas no presente estudo, principalmente as metodológicas. A maior dificuldade foi encontrada no método de coleta de dados das tabelas de avaliação. Apesar de permitir uma análise das disciplinas de maneira tanto particular quanto global, a validade dos dados das tabelas esbarra na extensão do questionário e na exaustão em seu preenchimento, visto que exige profunda concentração e demanda tempo dilatado, o que abre espaço para o viés de uma assinalação aleatória por parte do aluno, que enfrentou 797 correlações para serem avaliadas em torno de uma hora.

Medidas devem ser tomadas para melhor adaptação desse modo de pesquisa, seja aplicando a tabela em períodos de tempo diferentes para a mesma população de alunos, seja dispondo de mais tempo de preenchimento. Para obter um retrato mais fidedigno da realidade, poderia ser distribuída a tabela referente a cada período para ser completada pelos estudantes do período subsequente, de modo a incluir na pesquisa o máximo possível de turmas que já passaram pelo ciclo básico.

Avaliando-se apenas uma turma, 52 alunos, um viés de seleção poderia ser induzido, já que a amostra é reduzida se comparada ao total de alunos (cerca de 350) do ciclo profissionalizante. Contudo, se não foi possível trazer uma síntese totalmente fidedigna dessa situação no ensino médico da UFPR, obteve-se uma impressão e perspectiva do aluno acerca do assunto, como um retrato, possibilitando observar ao menos uma relativa dimensão desse processo, para que, no futuro, se possa construir - em alusão a uma película cinematográfica - o filme inteiro.

Mais esforços em torno desse assunto são necessários, visto que a fragmentação entre os ciclos básico e profissionalizante é um dos maiores obstáculos para a formação de um profissional crítico e capaz de lidar com problemas. Essa condição reforça o caráter biologicista do ensino médico, em que predomina um ensino hospitalocêntrico e focado nas especialidades e não na formação de um médico generalista.

Outras questões que merecem atenção aprofundada na realidade das universidades desmembram-se desse cenário, como o médico que exerce a docência sem preparo pedagógico, valorizando, no processo de ensino-aprendizado, o conteúdo em vez do aluno, que se torna um elemento passivo de absorção de informações.

Parece haver falta de interesse em resolver esses problemas e acentuada resistência às mudanças55. Pagliosa FL, Da Ros MA. O relatório flexner: para o bem e para o mal. RevBrasEducMed 2008; 32(4)492-499.,2525. Lima VV, Komatsu RS, Padilha RQ. Desafios ao desenvolvimento de um currículo inovador: experiência curricular na FAMEMA. Interface - Comunic, Saúde, Educ [on line]. 2003. 7(12) [capturado 01 abr. 2014]175-84. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v7n12/v7n12a20.pdf
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. Na UFPR, as mudanças relacionadas ao método de ensino ficaram na dependência da iniciativa de alguns professores e acabaram por não ocorrer de modo significativo99. Abulquerque GSC. As determinações do capital sobre a formação do trabalhador na saúde: um estudo sobre as reformações curriculares em dois cursos de Medicina do Paraná. Curitiba; [online]. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Setor de Educação. Universidade Federal do Paraná. [capturado 01 abr. 2014]. Disponível em: http://www.nupemarx.ufpr.br/Trabalhos/Teses/tese_guilherme_albuquerque.pdf
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Neste trabalho, evidenciou-se que houve um descompasso na UFPR entre aumento de carga horária e aumento de integração entre as disciplinas, já que as disciplinas anatômicas, que tiveram a carga horária reduzida, foram, no geral, bem avaliadas quanto à articulação, ao passo que as disciplinas fisiológicas, que tiveram a carga horária aumentada, foram avaliadas, predominantemente, como tendo articulação insignificante. Da mesma forma, as disciplinas de Parasitologia, Farmacologia e Imunologia receberam aumento da carga horária após a reforma curricular, mas foram avaliadas como tendo articulação insignificante em torno de 60% e como significante em 10%.

A reforma curricular deveria ir além de uma redistribuição de carga horária, deveria buscar um currículo integrado, cujas disciplinas tenham sua autonomia reduzida para participarem de um plano geral de formação77. Feuerwerker, LCM. Além do discurso de mudança na educação médica: processos e resultados. In: Feuerwerker, LCM. O projeto político pedagógico. São Paulo: Hubitec; Londrina: Rede Unida; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica, 2002. p.23-29.. Por entender que práticas curriculares possuem raízes históricas e determinantes socioculturais, há quem diga que esforços que não toquem nesses determinantes primários, como a prática médica e os fenômenos sociais, e que estejam circunscritos apenas às mudanças na forma de ensino estarão condenados ao fracasso2525. Lima VV, Komatsu RS, Padilha RQ. Desafios ao desenvolvimento de um currículo inovador: experiência curricular na FAMEMA. Interface - Comunic, Saúde, Educ [on line]. 2003. 7(12) [capturado 01 abr. 2014]175-84. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v7n12/v7n12a20.pdf
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A insistência na necessidade de considerar os aspectos socioculturais e os problemas cotidianos das práticas profissionais como tendo papel central nas atividades curriculares se estabelece em função da intenção de não se restringir apenas à modernização do currículo, mas, sim, de realizar um empreendimento que atinja a magnitude suficiente para sua efetiva inovação ou transformação44. Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.. Nessa ótica, a mudança teria que estar associada a uma visão integral e ampla do processo saúde-doença2525. Lima VV, Komatsu RS, Padilha RQ. Desafios ao desenvolvimento de um currículo inovador: experiência curricular na FAMEMA. Interface - Comunic, Saúde, Educ [on line]. 2003. 7(12) [capturado 01 abr. 2014]175-84. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v7n12/v7n12a20.pdf
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CONCLUSÃO

Os dados desta pesquisa reafirmam a fragmentação do curso de Medicina da UFPR, uma vez que 59% de todas as disciplinas do ciclo básico foram avaliadas como não articuladas com o ciclo profissionalizante. Além disso, foi evidenciada a abrangência do assunto, já que os alunos, majoritariamente, apesar de considerarem o ciclo básico importante para a prática médica, encontram-se insatisfeitos, ao ponto de a desarticulação influenciá-los na vontade de desistir do curso. São dados que merecem atenção e a promoção de medidas que possam alterar esse contexto.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Lampert, Jadete Barbosa. Tendências de mudanças na formação médica do Brasil: tipologia das escolas. 2. ed. São Paulo: Hucitec / Associação Brasileira de Educação Médica, 2009.
  • 2
    Batista NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. In: Silva IF. Dicotomia básico-profissional no ensino superior em saúde: dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p.135-152.
  • 3
    Anastasiou LGC, Alves LP, orgs. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. In: Silva IF. A ciência e a organização curricular. 5. ed. Joinville, SC: UNIVILE, 2005. p.41-47.
  • 4
    Martins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. In: Oliveira GS, Koifman L. Integralidade do currículo de medicina; inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. São Paulo: Hucitec, 2004. p.143-164.
  • 5
    Pagliosa FL, Da Ros MA. O relatório flexner: para o bem e para o mal. RevBrasEducMed 2008; 32(4)492-499.
  • 6
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2017
  • Aceito
    22 Dez 2017
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