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A Costura Queer como Modo de Vida: resistências aos neoconservadorismos de raça e gênero

La Couture Queer comme Mode de Vie: résistance au néoconservatisme racial et de genre

RESUMO

Este artigo evidencia estratégias de enfrentamento aos neoconservadorismos de gênero e raça por meio do que aqui é nomeado costura queer. Com base nos retalhos narrativos produzidos em pesquisa de doutorado, discute-se a relação entre as roupas e a norma. Mobilizam-se os conceitos de ancestralidade e de interseccionalidade, para problematizar a remodelagem de si no confronto com a cis-heteronorma e a bran-quitude normativa. Percebeu-se que a costura queer pode ser vista como um modo estratégico de vida, ao evidenciar certo trabalho sobre si mesmo por parte do sujeito que diz de um modo ético de existir no mun-do, um processo no qual não só roupas foram produzidas, mas, principalmente, uma forma de existência

Palavras-chave:
Costura Queer; Ancestralidade; Neoconservadorismo; Gênero; Resistência

RÉSUMÉ

Cet article met en lumière des stratégies pour affronterles néoconservatismes de genre et de race à travers ce que l’on appelle ici la couture queer. À partir des fragments narratifs produits lors de la recherche doctorale, la relation entre le vêtement et la norme est discutée. Les concepts d’ascendance et d’intersectionnalité sont mobilisés pour problématiser le remodelage de soi dans la confrontation avec la cisheteronorm et la blan-cheur normative. Il a été remarqué que la couture queer peut être considérée comme un mode de vie straté-gique, car elle met en évidence un certain travail sur soi de la part du sujet qui parle d'une manière éthique d’exister dans le monde, un processus dans lequel non seulement les vêtements sont produit, mais surtout une forme d’existence.

Mots-clés:
Couture Queer; Ascendance; Néoconservatisme; Genre; Résistance

ABSTRACT

This article brings out strategies for confronting neoconservatisms of gender and race through what is here called queer sewing. Based on the narrative patches produced in doctoral research, the relationship between clothes and the norm is discussed. The concepts of ancestry and intersectionality are mobilized to problematize the remodeling of the self in the confrontation with cisheteronorm and normative whiteness. It was noticed that queer sewing can be seen as a strategic way of life, as it highlights a certain work on oneself on the part of the subject that speaks of an ethical way of existing in the world, a process in which not only clothes were pro-duced, but, mainly, a form of existence.

Keywords:
QueerSewing; Ancestry; Neoconservatism; Gender; Resistance

Introdução

Atrasada para a vida na importante e difícil tarefa de se vestir. No tecido da pele, outros tecidos se inscrevem. Nas roupas que não habito mais, desconheço. Das partes que não me compõe, refaço. Renasço (Hoffmann, 2015, p. 52HOFFMANN, Ana Cleia Cristovam. Pinturas de si: moda e artesania da ex-istência. 2015. Dissertation (Master’s) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.).

Situado no âmbito dos estudos de gênero e sexualidade em sua perspectiva póscrítica, este artigo analisa a reinvenção de si com base na “composição da aparência” (Cidreira, 2005CIDREIRA, Renata Pitombo. Os Sentidos da Moda. São Paulo: Annablume, 2005.), a partir da experiência de um dos participantes da pesquisa de doutorado sobre o modo como jovens LGBT-QIA+1 1 O acrônimo LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais) é utilizado nos movimentos sociais e acadêmicos para designar a população que não é cis-hétero. O sinal “mais” no final da sigla aparece para incluir outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo, mas que não aparecem em destaque antes do símbolo. O modo como um dos participantes da pesquisa se autonomeia nos conduziu à designação jovem LGBTQIA+ negro. Nos fragmentos narrativos trazidos pelos/as participantes da pesquisa, foi mantida a sigla conforme comumente utilizada, majoritariamente a sigla LGBT. negros/as criam meios de vivenciar sua dissidência de gênero, sexualidade e raça em tempos de neoconservadorismos políticos e morais. De que modos são produzidas resistências à banalização das vidas dissidentes?

O contexto político e social no qual se desenvolveu a pesquisa foi o do fortalecimento dos neoconservadorismos e rechaço às políticas destinadas à superação das desigualdades raciais e de gênero, intensificado na última dé-cada e que se materializou na organização político-religiosa popularizada na forma do sintagma/slogan ideologia de gênero. Os neoconservadores buscam fortalecer visões e valores pautados em marcos morais, religiosos e autoritá-rios, ao mesmo tempo que reiteram a naturalização da ordem social e moral (Junqueira, 2018JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Políticas públicas de educação: entre o direito à educação e a ofensiva antigênero. In: RIBEIRO, Paula; SEFFNER, Fernando (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: resistência e ocupa(ações) nos espaços de educação. Rio Grande: Ed. Da FURG, 2018.), criando um tipo de “empreendedorismo moral” (Miskolci, 2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. ‘Ideologia de gênero’: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Revista Sociedade e Es-tado, v. 32, n. 3, 2017.).

A disseminação das interpelações por meio do slogan ideologia de gênero2 2 Para conferir alguns trabalhos que se debruçam sobre “ideologia de gênero” acessar: Pedro Silva (2020), Celia Silva (2020) e Lemos (2017). e a conformação do autodeclarado movimento Escola Sem Partido (ESP)3 3 Para uma análise crítica do autonomeado movimento Escola sem Partido, ver Penna (2016). contribuíram para a construção de uma retórica hostil às dissidências de gênero, ao mesmo tempo que permitiu uma maior organização dos discursos neoconservadores.

A pressão neoconservadora sobre a escola não mudou o fato de que vidas LGBTQIA+ negras diariamente transitam no espaço escolar, afirmando a diferença e desafiando a cisheteronorma. Este artigo discute as resistências aos neoconservadorismos por meio do que chamamos de costura queer como criação de outras possibilidades de existência.

Aqui entendese o queer não só como conceito que demarca um campo teórico, mas, sobretudo, como um movimento ético que, ao jogar com as identidades, têm o potencial de desestabilizar/negar a imposição de modos normativos de vida e inventar outras existências. Assim sendo, quando utilizado neste artigo, o queer não tem a intenção de defender o uso de determinada identidade, mas de sinalizar que, nos jogos narrativos presentes na pesquisa realizada, as identidades entram em jogo em um movimento estratégico do sujeito que diz de uma ética de resistência no interior dos processos de subjetivação. O queer aqui aponta não para a rejeição completa das identidades, mas para seu uso tático.

Este artigo fundamenta-se nos “retalhos narrativos” (Bahia, 2016BAHIA, Norinês P. Narrativas de si em interface com o processo de confecção de uma “colcha de retalhos”: Relato de experiência. 2016. Available at: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141569542016000100004SHIRLEYAPARECIDADEMIRANDA. Accessed on: Apr. 04, 2022.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) que foram produzidos por Bento4 4 Nome fictício, conforme normas éticas na pesquisa que visam a preservação da identidade de participantes como forma de reduzir danos e constrangimentos. , jovem negro de 18 anos que se identifica como gay não binário5 5 O modo como Bento se autonomeia nos conduziu à designação jovem LGBTQIA+ negro. Nessa formulação, consideramos que o acrônimo LGBTQIA+ não apresenta uma definição de identidades que possam ser fixadas em cada um dos segmentos sucessivos da locução. Compreendemos que se trata de uma prática discursiva instada por movimentos sociais que colocam em funcionamento um conjunto de enunciados estrategicamente constituídos a estabelecer jogos de verdade que “[...] ganham corpo em conjuntos técnicos, instituições, esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e mantêm” (Foucault, 1997, p. 11). residente na cidade de Belo Horizonte, e que, no ano de 2020, quando esta pesquisa se realizou, cursava o primeiro semestre da graduação em Design de Moda. Os dados foram produzidos por meio de duas principais estratégias metodológicas: a entrevista narrativa semiestruturada e o diário autonarrativo do participante. Esta última ferramenta de inspiração etnográfica foi usada pelo participante durante toda a pesquisa, desdobrando uma espécie de escrita autônoma de si que lhe permitia externalizar o que sentia fora dos momentos de entrevistas, de modo a dar sequência às suas reflexões.

A experimentação dessa ferramenta metodológica, que se inspira num processo autobiográfico, permite a construção em primeira mão de um “relato sobre sua vida ou parte dela, existindo ou não uma questão motivadora” (Pedro Silva, 2020, p. 48SILVA, Pedro Ivo. Narrativas Afrobixas. Curitiba: Appris, 2020.). Estando constantemente interpelados pelo contexto político exposto na pesquisa e pelo próprio processo de pesquisa, o participante registrou o que sentia, as formulações que estava elaborando sobre o que viveu e sobre si mesmo de forma mais livre.

Por meio dos retalhos narrativos analisados, pretendemos demonstrar neste artigo como a costura queer foi operacionalizada em um certo trabalho sobre si mesmo que diz de um modo ético de existir no mundo com enfrentamento aos neoconservadorismos.

Nos tópicos a seguir, desenvolve-se uma discussão em torno da relação entre as roupas e a norma de modo a indicar a remodelagem de si no confronto com a cis-heteronorma e a branquitude normativa. Por fim, indica-se a costura queer como estética de si que faz uso estratégico das roupas para resistir e criar.

Rejeitando modelos

Sei costurar e considero, humanamente, importante. Eu costuro desde os meus 13 anos, eu faço crochê, eu fiz coisas que pensando agora nunca foram coisas de ‘homem’, desde sempre, eu soube que eu era diferente, não que eu era diferente, as pessoas que eram iguais demais e eu não me enquadrava naquilo. Hoje eu costuro praticamente tudo que eu visto (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 29/04/2020).

As escolhas que fazemos sobre como nos vestimos resultam de variados fatores sociopolíticos, econômicos e culturais. Para os pesquisadores Campos e Cidreira (2020)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020. as regras de vestimentas têm grande influência nos modos de organização das classes sociais, do gênero e das identidades. Impostas por uma “estrutura superior que designa a maneira correta de se cobrir o corpo” (Campos; Cidreira, 2020, p. 96CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020.), tais regras compõem um conjunto mais amplo de dispositivo que visa à normatização dos corpos. A moda em sua complexidade e refletindo as relações de poder existentes na sociedade “produz dispositivos de manutenção de determinados padrões estéticos e determinadas representações sociais, sobretudo, no campo das aparências”, conforme comenta Marques Filho (2015, p. 75)FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2003.. Discorrendo sobre a relação das roupas com a norma, Lanz (2014, p. 260)LANZ, Letícia. O corpo da roupa. A pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. 2014. Dissertation (Master’s in Sociolo-gy) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014. comenta que

A roupa incorpora a norma e o corpo vestido é a norma corporificada. O corpo da roupa é o corpo construído para atender as exigências da roupanorma. O corpo da roupa é, assim, um corpo fabricado, forjado, modelado e, ao mesmo tempo, dividido e dilacerado pelas normas que o constituem.

A autora destaca que a roupa é “um veículo cultural poderosíssimo” e, como tal, comunica simbolicamente disputas, desejos, visões de mundo, identidades (Lanz, 2014, p. 96-97LANZ, Letícia. O corpo da roupa. A pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. 2014. Dissertation (Master’s in Sociolo-gy) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.). Como ostentar na cena pública um corpo dissidente das normas que fabricam o corpo normal? Bento narra sua experiência quando diz:

Tempos atrás eu me policiava muito, tentava me estereotipar como uma figura mais masculina, mas depois da adolescência eu comecei a refletir sobre as coisas que eu precisava refletir coisas necessárias pra mim, básicas, tipo eu gosto dessa roupa? Me sinto bem usando essa cor? (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 01/06/2020).

Romper com modelos conservadores que historicamente impõem determinados modos de existir no mundo diz dos movimentos ativos de interferência nos processos de subjetivação. Cidreira (2005)CIDREIRA, Renata Pitombo. Os Sentidos da Moda. São Paulo: Annablume, 2005. comenta que esse processo de questionamento “[...] reflete o modo como os sujeitos se posicionam perante a sociedade, em grande medida amparados pelas escolhas cotidianas de construção de si” (Cidreira, 2005, p. 25CIDREIRA, Renata Pitombo. Os Sentidos da Moda. São Paulo: Annablume, 2005.). Ao assumir o manejo do modo de vestir e adornar, Bento produz o corpo em confronto com estereótipos que definem a figura masculina. Assume uma “posição de sujeito” (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do collège de France (1970-1982). Trans. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.)6 6 No contexto da teoria foucaultiana, as posições-de-sujeito seriam o resultado de uma bem-sucedida fixação do sujeito ao fluxo do discurso. Entretanto, há que se considerar aas múltiplas entradas para que os sujeitos assumam determinadas posições-de-sujeito disponíveis nas diferentes práticas discursivas, inclusive as contra-hegemônicas. que, por meio de recusas e negociações, promove rupturas em relação ao modelo hegemônico cis-heteronormativo buscando alternativas e tensionando a abertura de espaços num campo de possibilidades.

Conforme Baga de Bagaceira e Renata Cidreira (2018, p. 129), o “[...] processo de existência para o corpo adornado do dissidente é atravessado, antes de tudo, pelo processo de resistência”. Trata-se dos/as “desobedientes que adornam seus corpos na contramão dos ditos modos corretos de se vestir” (Campos; Cidreira, 2020, p. 91CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020.).

Sendo uma poderosa ferramenta de confronto e de perturbação da ordem, o ato de se vestir, ou como Campos e Cidreira (2018, p. 120)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018. nomeiam, “formas de adereçamento”, pode constituirse como um “[...] dispositivo de afronta às normas e condutas adquiridas socialmente e, por isso mesmo, aquele que se veste diferente pode ser alvo de ações violentas”.

Para Mombaça (2016, p. 9)MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e antico-lonial da violência. Revista ISSUU, p. 1-20, 2016., “[...] simplesmente andar pelas ruas pode ser um evento difícil quando suas roupas são consideradas ‘inapropriadas’ e sua presença é lida como ofensiva apenas pelo modo como você age e aparenta”. Ao encontro do que foi dito por Mombaça (2016)MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e antico-lonial da violência. Revista ISSUU, p. 1-20, 2016., Campos e Cidreira (2018)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018. afirmam que o fato de roupa e corpo serem indissociáveis um do outro “faz com que a subversão ao aparentar-se ocasione olhares indesejáveis a um corpo que nem mesmo é enxergado enquanto possível” (Campos; Cidreira, 2018, p. 122CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018.). As chacotas dirigidas a esses corpos operam como instrumentos que visam constranger e disciplinar o indivíduo. “Mesmo na forma de olhares e zombaria é sempre do corpo que se trata. Um corpo que distorce as composições essencialistas, na medida em que é lançado e sentido no mundo” (Campos; Cidreira, 2018, p. 124CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018.).

Bento, como sujeito dissidente, que rompe com as normas generificadas sobre corpo e vestimentas, não passou ileso. Sentiu a desaprovação social sobre seu corpo e seu modo de vestir. Bento relata:

Comecei a dar valor à costura e à arte de fazer roupas. Com 15 anos usei tranças verdes, dreads, deixei meu cabelo crescer e tudo isso assustava muito as pessoas na rua, cada coisa que eu já escutei, e ainda escuto! Eu não sei se já te falei isso, mas eu sou literalmente um franguinho, os braços tão finos que até o vento quebra, aí junta esse corpo fraco + vergonha = alvo fácil. Eu me sinto uma pessoa muito vulnerável, às vezes, eu tenho medo de passar em certos lugares, não de ser assaltado, mas é que algumas pessoas me olham com o olhar tão agressivo que eu tenho medo real de passar em certos lugares onde estão certas pessoas, porque além de ser agredido verbalmente posso ser agredido fisicamente (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 01/06/2020).

Numa sociedade conservadora, o corpo incontido às normas de gênero é desumanizado e visto como perigoso. O relato de Bento sobre a confecção de suas próprias roupas deixa entrever que, ante os perigos que constrangem sua existência, desafiase a produzir um modo insurgente de vida que valorize seu corpo subalternizado. Nas palavras de Bento:

Moda é muita resistência. Às vezes, as pessoas nem procuram olhar pro meu rosto, já olham direto pra minha roupa e já deduz alguma coisa, já me trata diferente, eu já reparei isso, quando tô vestido de certa forma. Foi muito interessante que depois que eu comecei a criar minhas roupas, as coisas que eu gostaria de usar, eu senti que as pessoas passaram a me respeitar mais, porque eu usava a meu favor, eu ficava ‘nossa tô me achando hoje, e ninguém vai me abalar’, e aí eu já saia de cabe-ça erguida, foda-se, tô ligando pra nada e aí eu chegava em casa muito feliz porque tinha usado uma roupa que eu queria usar, meu corpo tinha ficado todo valorizado por isso (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 01/06/2020).

Discorrendo sobre o que chama de “políticas de estilo”, Oliveira (2018, p. 198)OLIVEIRA, Luciana Xavier de. Negro é lindo: estética, identidade e políticas de estilo. Revista Mídia e Cotidiano, v. 12, n. 3, Dec. 2018. comenta que a confecção artesanal e a customização, assim como o uso de diferentes acessórios e elementos para compor as roupas podem consistir em “[...] reação consciente e intencional contra a indústria e os processos de consumo, em busca de uma moda mais individualizada, singular e não padronizada em relação aos modelos prontos de fábrica” (Oliveira, 2018, p. 198OLIVEIRA, Luciana Xavier de. Negro é lindo: estética, identidade e políticas de estilo. Revista Mídia e Cotidiano, v. 12, n. 3, Dec. 2018.). Sendo assim, a política de estilo implica na oposição a uma “estética imposta pelo capitalismo, aumentando possibilidades de combinações criativas” e, com isso, engendra modos mais autônomos de existir no mundo. Bento explicitou a relação entre autonomia e a produção de um estilo de viver o corpo:

Eu sempre falo na palavra autonomia e gosto muito dessa palavra, porque ela tá muito presente na história da minha família, aqui as pessoas constroem as próprias casas, fazem as próprias roupas, fazem as próprias comidas e eu acho isso muito interessante, quando você cria autonomia você para de depender muito dos outros, porque se eu não costurasse as minhas roupas eu seria obrigado a comprar roupas prontas, estaria dependendo de um sistema social e isso é muito preocupante porque esse sistema social é horrível, tem trabalho escravo, por exemplo, é uma coisa que eu quero combater, então, quando eu crio autonomia, quando eu faço minhas próprias roupas e incentivo as outras pessoas a fazerem o mesmo e estou instaurando uma luta contra o sistema (Bento, retalho narrativo. fonte: diário autonarrativo, 04/01/21).

A produção da autonomia é um processo de enfrentamento reflexivo e envolve a elaboração dos próprios meios e estratégias que promovam o desligamento com uma lógica identitária socialmente atribuída ao corpo de Bento. Um corpo instado e nomeado LGBTQIA+, que se confronta com a heteronormatividade. Um corpo negro que confronta o racismo e a branquitude normativa. Vejamos os enfrentamentos do corpo dissidente no tó-pico seguinte.

Corpo negro e a (Re)modelagem de si

Eu fui jogado na margem, sempre me trataram com indiferença. Diziam: ‘negro tem que aguentar tudo’ e eu não aguentei! Não sou de ferro, tenho carne, tenho osso (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 29/04/2020).

Os relatos de Bento nos apresentam o racismo como forma de violência que atravessa o corpo negro dissidente. Assim, a interseccionalidade7 7 Consideramos a formulação de Kimberlé Crenshaw (1989) segundo a qual a interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Seguindo Collins e Bilge (2021), assumimos que o que faz uma análise interseccional não é o uso do termo e nem as citaçõespadrão, ou seja, o que a interseccionalidade é, e sim “o que a interseccionalidade faz”, o que uma abordagem interseccional nos permite ver e dizer sobre as desigualdades sociais e assimetrias de poder para inventar formas justas de existências. ra-ça, gênero e sexualidade dá o tom de seus movimentos na produção de modos estratégicos de existir. A esse respeito, Gomes e Miranda (2014, p. 86)GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, Shirley Aparecida de. Gênero, raça e edu-cação: indagações advindas de um olhar sobre uma academia de modelos. Poiésis, Tubarão, v. 8, n. 13, p. 81-103, Jan./June 2014. sinalizam que o “[...] cenário de hierarquização que articula gênero e raça incide diretamente sobre os corpos, sobre as estratégias para posicioná-los e vivê-los em meio às regras que produzem o corpo normal como corpo branco”. Tratando dessa questão, Dumas (2019, p. 6)DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019. destaca que: “[...] o corpo negro na sociedade brasileira teve a sua materialidade subjugada a gestualidades laborais, de controle e repressão de movimentos, de punição em castigos corporais e de imobilização gestual e vocal”.

Para a autora, “expressões culturais associadas aos corpos negros brasileiros são marcadas pelas formas sensoriais estruturadas pela e no processo escravagista” (Dumas, 2019, p. 7DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019.). As interpelações racistas direcionadas ao corpo negro não cessaram com o fim da escravidão, mas reconfiguraramse, tornaram-se mais sofisticadas e dissimuladas por diferentes meios. Assim, a “construção de um elenco de reações a essa violência que vai moldando características e comportamentos” (Dumas, 2019, p. 8DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019.).

Nos relatos de Bento percebemos reflexões acerca de seu corpo racializado, que acarretaram o “uso do próprio corpo e suas indumentárias como modos de se posicionar no mundo, tanto no sentido afetivo quanto na atuação política” (Campos; Cidreira, 2018, p. 123CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018.).

Na sociedade o meu problema maior é o racismo, mas a lgbtfobia não deixa de existir. É muito complicado porque a virilidade do homem negro, ela é uma questão muito complexa dentro do racismo, então, quando eu digo pras pessoas que sou LGBT elas ficam meio espantadas porque esperam que eu seja aquele homem viril, aquela representação árdua do negro que é escravo, másculo, forte e que, sei lá, trepa8 8 Palavra popularmente usada para referir-se a transar, fazer sexo. – desculpa o palavreado – então assim, eu sempre fiquei exposto a esse tipo de heteronormatividade ‘homem negro e é gay? Como assim? Que desperdí-cio!’ (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Gomes e Miranda (2014, p. 86)GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, Shirley Aparecida de. Gênero, raça e edu-cação: indagações advindas de um olhar sobre uma academia de modelos. Poiésis, Tubarão, v. 8, n. 13, p. 81-103, Jan./June 2014. destacam que, em nosso país, o corpo negro ganhou visibilidade social mediante a “tensão entre adaptarse ou superar o pensamento racista que o toma por erótico, exótico e violento, simultaneamente ou de modo intercambiante”. Assim, para romper com esses estigmas e estereótipos é preciso que o sujeito, muitas vezes, “trave uma luta contra si ou contra as expectativas projetadas sobre ele”, conforme comentam Campos e Cidreira (2020, p. 103)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020..

Fazer isso, no entanto, não é tarefa fácil. Gomes e Miranda (2014, p. 100)GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, Shirley Aparecida de. Gênero, raça e edu-cação: indagações advindas de um olhar sobre uma academia de modelos. Poiésis, Tubarão, v. 8, n. 13, p. 81-103, Jan./June 2014. ainda comentam que “[...] esse corpo negro emancipado, insurgente, incômodo, que se nega a exotização, ou que brinca com a própria produção do exótico, ainda não consegue sair das malhas do racismo”. O retalho narrativo disponibilizado por Bento e reproduzido a seguir deixa isso evidente.

Eu fui agredido verbalmente com pessoas falando ‘vai cortar esse cabelo’ ou ‘nossa você é horroroso’ mandaram isso pra mim no aplicativo. Eu não sou agredido só na rua nos aplicativos também. E eu tenho um amigo homossexual que ele é branco e ele não escuta isso, leva a vida dele normal, ele não tem esse problema com ele mesmo, ele consegue se relacionar muito bem com outros homens e eu já não consigo. Então, eu comecei a me sentir muito preterido, quando alguém tava demonstrando gostar de mim eu ficava duvidando ‘não, essa pessoa não pode tá gostando de mim’, ‘como que é uma pessoa bonita assim vai gostar de mim?’ Porque, realmente, eu já sofro muito racismo na minha vida e aí no lugar que era pra eu gostar das pessoas, elas fazem eu me odiar e aí isso me incomoda muito (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Foucault (2014)FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IX: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. sinaliza que a relação do sujeito com o poder implica uma luta contra os processos de sujeição ou, em outras palavras, uma recusa daquilo que nos querem fazer ser mediante exercício do poder. É na resistência aos processos de modelagem politicamente regulados que determinadas posições-de-sujeito podem ser assumidas como estilo de vida, como prática de cuidado de si em que

[...] o indivíduo circunscreve parte dele mesmo que constitui o objeto dessa prática moral, define sua posição em relação ao preceito que respeita, estabe lece para si um certo modo de ser que valerá como realização moral dele mesmo; e, para tal, age sobre si mesmo, procura conhecerse, controlase, põese a prova, aperfeiçoase, transformase (Foucault, 2003, p. 28FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2003.).

Confrontar o racismo diz dos modos como Bento escolheu atuar nas teias dos processos de assujeitamento, contrapondose não só à violência e ao racismo sofridos, mas, principalmente, à imagem que mantinha de si mesmo. Bento passou a perceber a expressão de sua negritude por meio do seu corpo como uma forma positiva de expressar sua cultura e afirmar a identidade que escolheu para si. A possibilidade desse deslocamento emerge como resultado de uma “politização da estética negra”, como assevera Gomes (2017, p. 75)GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. em sua tese sobre o movimento negro como agente polí-tico que produz e sistematiza conhecimentos. A autora enfatiza os saberes estético-corpóreos como modos estratégicos de combater o racismo e desconstruir o lugar perverso no qual a população negra fora colocada: o da inferioridade racial. Nesse sentido, a expressão da negritude “[...] passa de um movimento interno, construído no seio da comunidade negra – não sem conflitos e contradições – para um movimento externo, de valorização da estética e corporeidade negra no plano social e cultural” (Gomes, 2017, p. 95GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.).

A ressignificação e valorização de si ocorrem, no caso de Bento, por meio das roupas que fabrica para si próprio, “desenhando certa plasticidade que evidencia o rompimento com a lógica do preconceito para um lugar de reconhecimento”, conforme dizem Campos, Cidreira e Carvalho (2019, p. 18)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo; CAR-VALHO, Cristiane C. Junqueira de. O movimento dos olhares vigilantes sobre os corpos adornados destoantes: uma breve análise do curta-metragem Banana. Re-vista Temática, João Pessoa, year XV, n. 4, Apr. 2019.. Bento narra,

Eu acho que quando eu passei a costurar eu comecei a mudar a visão sobre meu corpo, eu comecei a usar umas roupas que eu gosto e que dizem muito de mim, a gente tem mania de achar que roupa é algo muito fútil, mas assim, quando uma roupa é pensada, quando você cria a modelagem, você pensa no tecido, você pensa no acabamento, cria toda uma estrutura para aquilo. Todo dia a gente descobre quem é e se redescobre e fica perdido no que a gente é, é uma batalha contra o si. E com a moda não é diferente, sabe, até hoje eu faço roupas que quando são finalizadas eu não me identifico com elas, eu fico ‘gente isso não tem nada a ver comigo’, sendo que fui eu mesmo quem fez, tava ali planejando ela, a vida é desse jeito, sabe, são os processos de descobrimento, a gente tem que passar por eles, então, eu vou saber, por exemplo, que aquele tipo de roupa não me favorece, então, quando eu for fazer uma outra roupa, eu vou fugir do modelo que não gostei, é todo um processo de autoconhecimento (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Nesse processo relatado por Bento percebemos um movimento que diz da criação das condições de possibilidade para que ocorra aquilo que denominamos (re)modelagem de si. Esse modo de viver o corpo ocorre “derrubando antigos pilares e montando novas estruturas” (Campos; Cidreira, 2020, p. 101CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020.) para a desconstrução de uma lógica de produção de subjetividades. Na prática, isso implica, ainda pensando com Campos e Cidreira (2020)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020., em um afastamento de uma masculinidade e uma branquitude compulsórias. O corpo negro de Bento, que antes era adornado para corresponder a um lócus de virilidade e obediência sobre sua raça e seu sexo designado, agora se “[...] afasta desse conceito pela forma como a plasticidade de seus modos de adornar se entrelaçam aos seus trejeitos e corpo numa marcha incansável de desobediência” (Campos; Cidreira, 2020, p. 106CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020.).

Corpos negros, conforme destaca Dumas (2019, p. 6,7)DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019., existem para além dos desejos e dos projetos colonizadores. As formas de resistência e de se fazer existir dos corpos negros transcenderam a imperativa ação de dominação, as tentativas de docilização, o controle imposto como forma de viver. Para Dumas (2019, p. 9)DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019.,

[...] se pensarmos o corpo ou os corpos negros numa transposição ou mesmo eliminação do conceito produzido no projeto colonizador, elevando a ancestralidade como uma via de acesso e construção de negritudes, pode se pensar em novas invenções de corpos mais conectadas com libertações de amarras e limitações de sistemas dominadores.

No confronto com o projeto colonizador, a ancestralidade ocorre como conceito articulador da tradição africana no Brasil. Não se trata de uma referência a relações de consanguinidade, mas de uma categoria analítica elaborada por intelectuais orgânicos da tradição africana reinventada no Brasil. Assim, ancestralidade funciona, conforme define Nascimento (2020, p. 31)NASCIMENTO, Wanderson Flor do. Entre apostas e heranças: Contornos af-ricanos e afro-brasileiros na educação e no ensino de filosofia no Brasil. Rio de Janeiro: NEFI, 2020.:

[...] como vetor sensibilizador do pensamento e dos corpos, para que se abram a esse encontro com as figuras negadas por nossa história colonial, construindo para elas – e para nós – outros espaços, outros sentidos, outras vivências e, assim, nos reconstruindo como sujeitos históricos.

A ancestralidade é aqui entendida como o “traço comum que se pode estabelecer com a maior parte das diversas culturas existentes em África” (Nogueira; Andrade; Vásquez, 2016, p. 174NOGUEIRA, Nilcemar; ANDRADE, Regina Glória Nunes; VÁSQUEZ, Georgie Echeverri. Ancestralidade africana da cultura e da identidade do samba. Revista Subjetividades, Fortaleza, v. 16, n. 1, p. 166-180, Apr. 2016.). A construção de uma identidade pautada na valorização do corpo negro passa pela restituição dos valores de suas civilizações destruídas e de suas culturas negadas, incluindo, nesse legado, línguas, costumes, modos de vestir e se adornar, entre outras marcas que remetem a uma cultura ancestral, que precede o escravismo negro moderno e traz como ponto de inflexão a autonomia. Sobre ancestralidade, Bento registra:

E voltando a falar dessa questão da ancestralidade, a minha bisavó é a minha memória mais recente das pessoas que vieram antes de mim, ela ficou viúva muito cedo, era uma mulher negra, que sempre trabalhou para sustentar a casa, ela tinha 12 filhos, ficou viúva muito cedo e trabalhava com costura e fez isso até não poder mais, ela ensinou pra filha dela que também costurou a vida inteira, se mantendo disso, e se tem uma coisa que eu gosto na minha ancestralidade é que sempre foram pessoas autônomas, e eu tento passar isso pra minha vida, sei o tanto que isso fez bem pra elas e eu quero que faça bem pra mim também (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Conjugando com a definição de Bento, Santana (2019)SANTANA, Tássio Ferreira. Corpo-Pambu Nzila: Poéticas ancestrais. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, year 23, n. 42, 2019. enfatiza que a ancestralidade pode ser “fonte infinita de inspiração e força para alcançar este ou aquele movimento de produção de resistências” (Santana, 2019, p. 29SANTANA, Tássio Ferreira. Corpo-Pambu Nzila: Poéticas ancestrais. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, year 23, n. 42, 2019.). Ao encontro do que diz o autor, Vilaça e Dumas (2019, p. 54) comentam que, ao buscar inspiração na ancestralidade, aproximamo-nos de nossa história, ao mesmo tempo que fortalecemos a consciência de que aqueles fazeres (e saberes) compõem uma tradição, uma cultura e uma epistemologia que estruturam nossos corpos e nossa vida em sociedade. Pensando com Nascimento e Odara (2020, p. 203)NASCIMENTO, Wanderson Flor do; ODARA, Thiffany. Gênero na encruzilhada: um olhar em torno do debate sobre vivências trans no candomblé. Periódicus – Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, Salvador, Universidade Federal da Bahia, n. 14, v. 1, Nov. 2020., entendemos que, por meio da modelagem da roupa, é possível “expressar uma ancestralidade que nos atravessa, alimentando-nos com nossos antepassados e a própria memória que toma a forma da ancestralidade”.

Os relatos de Bento deixam entrever as referências que conjuga para derivar uma performance. É o que constatamos no próximo retalho narrativo:

Em relação à significação, é onde entra a costura. A população negra sempre foi muito autônoma, pode perguntar a Rupaul9 9 Rupaul André Charles (San Diego, 17 de novembro de 1960), também conhecido como Mãe das Drags, é um ator negro, drag queen, supermodelo, autor e cantor afro-americano. Tornou-se conhecido nos anos 1990 quando apareceu em uma grande variedade de programas televisivos, filmes e álbuns musicais. Desde 2009, produz e apresenta o reality show de RuPaul's Drag Race, pelo qual recebeu quatro prêmios Emmy, em 2016, 2017, 2018 e 2019 o tanto que ela ralou sozinha para construir a imagem que todos têm dela hoje. Eu ressignifico essa exclusão criando a minha própria moda, dando vida ao meu imaginário, é por isso que eu gosto de movimentos de subcultura porque eles são autônomos e performáticos. Por exemplo, eu sou muito voltado para esses movimentos Black dos anos 60, 70, então, eu sempre inspiro minhas roupas nesse tipo de moda e ela foi construída para a valorização do negro naquela época e, como eu acho que a gente foi descaracterizando com o tempo, do embranquecimento, do fast-fashion, você vai à Riachuelo10 10 Riachuelo é uma rede de lojas de departamento brasileira pertencente ao Grupo Guararapes Confecções. É a terceira maior rede de lojas de departamento no Brasil, após as varejistas C&A e Lojas Renner. e compra uma roupa depois vê mais dez pessoas com a mesma roupa e, às vezes, isso embranquece, porque quem rege a moda são pessoas brancas e se você tá usando o que eles produzem, às vezes, você tá sendo embranquecido por aquilo (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Para Batista (2019, p. 299)BATISTA, Isaac Matheus Santos. O negro herói e seu traje: sentidos do con-sumo de vestuário da negritude na contemporaneidade. 2019. Dissertation (Mas-ter’s) – Post-graduate Program in Consumption, everyday life and social devel-opment, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2019., as estéticas e indumentárias negras, das quais Bento faz uso, ao remeterem à ancestralidade negra reconfigurada na diáspora, não apenas fazem referência à luta, elas são a própria arma de guerra, de enfrentamento. São os objetos que conferem poder para o corpo negro performar o enfrentamento à “branquitude normativa” (Gomes; Miranda, 2014GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, Shirley Aparecida de. Gênero, raça e edu-cação: indagações advindas de um olhar sobre uma academia de modelos. Poiésis, Tubarão, v. 8, n. 13, p. 81-103, Jan./June 2014.). Aderimos às formulações de Gomes (2017)GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. sobre os saberes que emergem da prática discursiva dos movimentos negros, que indicam a “superação da visão exótica e erótica do corpo negro”. Os “saberes estéticocorpóreos”, denominados pela autora (Gomes, 2017, p. 75GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.), dizem respeito à exigência do fim de uma ditadura dos corpos que imprime a normalidade de uma estética eurocentrada e branca. Na medida em que, por meio das roupas, combate-se o racismo e o racista, elas também cooperam na construção de uma estética de resistência das pessoas negras. Entendemos que a elaboração de um estilo para o corpo negro é um empreendimento desse tipo de saber que posiciona o jovem LGBTQIA+ negro como sujeito de suas escolhas. Nas palavras de Hoffmann (2015, p. 43)HOFFMANN, Ana Cleia Cristovam. Pinturas de si: moda e artesania da ex-istência. 2015. Dissertation (Master’s) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., é preciso “[...] ver a roupa para além do invólucro do corpo, destacando as visibilidades do ser humano no mundo. A costura é a subjetividade visível do indivíduo”. Vejamos como isso fica evidente nos retalhos narrativos disponibilizados a seguir.

Costurando Sensações

Uns chamam de arte, por quê? Eu não sei explicar! Eu chamo de amor, mas também chamo de ódio, eu chamo de luto (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 29/11/2020).

A costura queer, na qualidade de ferramenta sensível de resistência e luta, pode potencializar reflexões acerca do “papel políti-coafetivo das roupas em expressar as sensibilidades necessárias para existência dos sujeitos dissidentes”, conforme destacam Campos, Cidreira e Carvalho (2019, p. 63)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo; CAR-VALHO, Cristiane C. Junqueira de. O movimento dos olhares vigilantes sobre os corpos adornados destoantes: uma breve análise do curta-metragem Banana. Re-vista Temática, João Pessoa, year XV, n. 4, Apr. 2019.. Uma verdadeira subversão é imposta quando se sente “[...] a sensibilidade dos elementos que compõem a sua aparência e revelam seu lugar no mundo, de modo brilhante, cintilante e qualquer outro adjetivo que a torne um corpo possível em sua humanidade” (Campos; Cidreira, Carvalho, 2019, p. 70CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo; CAR-VALHO, Cristiane C. Junqueira de. O movimento dos olhares vigilantes sobre os corpos adornados destoantes: uma breve análise do curta-metragem Banana. Re-vista Temática, João Pessoa, year XV, n. 4, Apr. 2019.). Trata-se das sensibilidades afloradas no processo de experimentação do desejo, do prazer, da paixão, mas, também, da indignação, da dor, do medo, da resistência.

Para Lanz (2014, p. 92)LANZ, Letícia. O corpo da roupa. A pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. 2014. Dissertation (Master’s in Sociolo-gy) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014., “a roupa é a pele visível e removível que exprime aspirações, fantasias, sonhos e desejos”. Nessa direção, Hoffmann (2015)HOFFMANN, Ana Cleia Cristovam. Pinturas de si: moda e artesania da ex-istência. 2015. Dissertation (Master’s) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. elabora o conceito de “roupa de sensação”, entendendo-a como um “[...] movimento de liberdade que não busca apenas reproduzir o modelo, mas torcê-lo e dessas torções, admitir aquilo que fará surgir o traço estilístico da sua existência” (Hoffman, 2015, p. 19). Para tanto, cores, texturas, volumes, formas e caimentos são tomados como traços e intensidades e colocam em evidência determinado modo de ver o mundo. Ainda sobre o plano sensível das roupas, Hoffmann (2015, p. 33)HOFFMANN, Ana Cleia Cristovam. Pinturas de si: moda e artesania da ex-istência. 2015. Dissertation (Master’s) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. comenta que “[...] for-ças invisíveis estão presentes, pelo toque, pelo cheiro, pelas sobras que o tecido produz no corpo, pela pressão que ele exerce na pele, quando a roupa está justa demais, ou ainda pela imaginação”.

A esse respeito, é possível notar, nos retalhos narrativos, como essa questão é colocada em discussão por Bento.

Quando a gente compra uma roupa, você se apaixona pela estética, pelo detalhe, só que você não se apaixona pelo todo, porque aquele todo não foi pensado e planejado por você e para você, foi pensado por outra pessoa e para várias pessoas, porque numa loja não é só você que vai comprar, são várias pessoas... E quando você faz a sua roupa, você tem a possibilidade de usar o tecido e a modelagem que você quer, os detalhes que você quer e quando você vai montando isso, você vai elaborando, começa a desenhar, você começa a entender quem você é a partir daquilo que está colocando na roupa, por exemplo, eu gosto muito da cor preta, porque é que sempre que eu vou comprar tecido eu só compro tecido preto? Porque eu só tenho coisas pretas sabe? Aí eu paro pra entender, não é só uma cor, é uma cor que representa o luto, o movimento de subcultura, é uma cor que incomoda, marcante, então, conforme você vai construindo a roupa, colocando os seus desejos, você vai entendendo os seus desejos. Tipo, eu não tô gostando de quem eu sou, da pessoa que eu quero aparentar ser, sair de casa e se sentir bem com o cabelo, com a roupa, uma bolsa ou sapato, o que for... quando eu comecei a fazer esse tipo de reflexão eu comecei a mudar o meu estereótipo (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

A homogeneização dos corpos por meio das roupas, fomentada pela lógica cis-heteronormativa branca, produz uma série de violências éticas que deformam os sujeitos naquilo que possuem de mais singular, ao impor-lhes certa roteirização no vestir, compartilhada socialmente pela maioria das pessoas que, influenciadas pela força do consumismo numa sociedade capitalista, consomem de forma acrítica, sem se questionar sobre os sentidos e efeitos desse processo na imagem que constroem de si mesmas.

A costura queer constitui-se em um procedimento por meio do qual o jovem Bento mostra ao mundo como está escolhendo ser e, ao mesmo tempo, “se distancia de um presente insuportável” (Stallybrass, 2008, p. 33STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória e dor. Translated by Tomaz Tadeu. 3rd ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.). Com isso, suas roupas assinalam a dissidência como um valor criando um “[...] autorretrato capaz de expressar diversos ângulos da personalidade e de refletir externamente tanto os desejos como conflitos internos nem sempre propositais e tão racionalmente pensados” (Stallybrass, 2008, p. 14CIDREIRA, Renata Pitombo. Os Sentidos da Moda. São Paulo: Annablume, 2005.).

Isso, porque a maneira como nos vestimos não é apenas uma forma de proteção ou de adorno, mas uma “espécie de linguagem – a tradução de identidades, desejos ou mesmo de estados de espírito. O simples uso de determinadas cores pode indicar um sentimento de um indivíduo ou de um grupo” (Stallybrass, 2008, p. 42STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória e dor. Translated by Tomaz Tadeu. 3rd ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.). A preferência de Bento pela cor preta não é algo aleatório, tampouco fica fora dos movimentos autorreflexivos do jovem. Negros estão entre a maioria dos mortos pela polícia no Brasil (78%11 11 Pesquisa disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/04/segundo-pesquisa-78-dos-mortos-pela-policia-sao-negros/. Acesso em: 28 jun. 2022. ). A parcela negra da população brasileira é 37%12 12 Pesquisa disponível em: https://exame.com/brasil/negros-sao-37-mais-vulneraveis-a-pobreza-e-exclusao-no-brasil/. Acesso em: 28 jun. 2022. mais vulnerável socialmente em relação à população de brancos. Segundo o site do Senado Federal13 13 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/10/29/relatorioda-cpi-aponta-que-populacao-negra-foi-mais-atingida-durante-a-pandemia. Acesso em: 28 jun. 2022. , pesquisas apresentadas no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia mostraram que a parcela negra da população do País foi a mais afetada pelos efeitos da pandemia. É a lógica necropolítica que faz a morte da população negra deixar de ser uma eventualidade da vida para ser aquilo a que a cor preta das roupas de Bento faz referência.

Além disso, o processo de autoconhecimento disparado por meio da costura queer fica evidente não só na recusa aos modelos neoconservadores predeterminados, mas, sobretudo, na valorização das roupas como vetor de sentidos que diz, inclusive, de demandas políticas. Por meio de “[...] texturas, cores e formas projetamos nossos sentimentos, exprimir os anseios, emoções, afetos, afinidades, inquietudes e posicionamentos políticos” (Campos; Cidreira, 2020, p. 77CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. A dimensão política das vestes de babado e amor: violências e resistências. Revista GÊNERO, Niterói, v. 21, n. 1, p. 90-111, 2020.). De acordo com Lima (2019)LIMA, Patrícia Mendonça. Vestir a luta: a moda como veículo de sensibilização sobre a violência contra jovens negros no Brasil. 2019. Dissertation (Master’s) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Rio de Janeiro, 2019., para além do prazer estético o indivíduo pode, por meio da roupa, reafirmar sua inclusão ou não em determinados grupos socioculturais. Sobre isso Bento narra o seguinte,

Então, quando eu volto na minha essência, naquele sentimento de libertação sabe quando os negros começaram a fazer ‘Black Power’ no cabelo e começaram a usar calças largas, blusas coloridas e com frases que expressavam suas dores, sofrimento, começaram a criar um ritmo de música próprio deles (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Notamos aqui como Bento se vale dos saberes estéticocorpóreos produzidos pela comunidade negra estadunidense que deram lugar à expressão “beleza negra”, configurada no corpo, na dança, na música e outras formas que a arte assume. Trata-se, como lembra Gomes (2017, p. 83)GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017., da agência dos movimentos políticos em prol da igualdade de direitos e do combate à segregação racial nos Estados Unidos, África do Sul e no Brasil. Celia Regina Silva (2020, p. 22)SILVA, Pedro Ivo. Narrativas Afrobixas. Curitiba: Appris, 2020. comenta que as indumentárias e os penteados negros “[...] expressam um protagonismo contestador, promovendo reflexões antieurocêntricas na contramão de ideologias produtoras de sentimentos de superioridade branca e inferioridade negra”. Para a autora, estigmas como feio e ruim, imposto aos africanos e seus descendentes, passam por um processo de revisão pelos estigmatizados que fazem da representação negativa, construída pelo branco, uma reversão à autorrepresentação, em que “símbolos do estigma passam a serem símbolos da afirmação da identidade negra que evidenciam beleza, desafio e orgulho: Black is beautiful, I love my Hair” (Celia Regina Silva, 2020, p. 22-23SILVA, Celia Regina Reis da. Cabelo crespo, corpo negro na luta cultural por representação afirmativa da identidade negra. Trilhas da História, v. 10, n. 19, Aug./Dec. 2020.).

Trata-se de ressignificações que participam de uma ética e estética contestatória, que se opõem a padrões hegemônicos; abrindo reflexões, trazendo à tona vozes silenciadas, que esculpem corpos negros afirmando de forma positiva seu lugar no mundo. Para Pereira e Lima (2019, p. 21)PEREIRA, Amilcar Araújo; LIMA, Thayara C. Silva de. Performance e Estética nas Lutas do Movimento Negro Brasileiro para Reeducar a Sociedade. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 9, n. 4, e91021, 2019., pensar na composição estética dos corpos negros é “pensar em como esse processo evidencia uma adesão ao antirracismo como modo de vida”. O corpo, com suas vestimentas, contornos, gestos, sensibilidades, impõese no real para afirmar seu lugar no mundo.

Esse corpo entendido como estranho provoca uma espécie de revide na medida em que suas vestes e as sensibilidades por elas suscitadas auxiliam no rompimento com a estética racista normalizadora, “provocando o choque, o choque de monstro”, conforme dizem Campos e Cidreira (2018, p. 129)CAMPOS, Baga de Bagaceira Souza; CIDREIRA, Renata Pitombo. Pode a roupa matar? Os embates impulsionados pela armadura queer e a violência desigual ex-ecutada sobre seus corpos. REBEH – Revista brasileira de estudos da Homo-cultura, n. 10, v. 1, Nov. 2018.. Pegando de empréstimo a imagem do monstro trazida por Campos e Cidreira para analisar os retalhos narrativos de Bento, é possível perceber como os signos da monstruosidade vêm somarse aos processos sensíveis de produção de si por meio da costura queer. As narrativas do jovem trazem em evidência:

Costuro porque preciso, costuro porque o mundo da moda não contempla uma bruxa, as pessoas não me querem em suas lojas (meu dinheiro sim, mas a minha presença nunca é bem vinda), costuro para lembrar da minha ancestralidade, costuro meu corpo e no fim crio minha segunda pele: aquela que eu visto, aquela que me ajuda a ser mais ‘bruxa’ perante a sociedade. Eu gosto que as pessoas tenham medo de mim, não sei, eu vivi muito tempo da vida lidando com o que eu não queria lidar, hoje eu não quero lidar com isso, quero que as pessoas tenham medo de mim e não falem comigo. Antes todo mundo era muito agressivo comigo, falavam o que queriam, me tratavam da forma que queriam e quando eu comecei a usar minhas roupas, pretas demais, góticas e exotéricas, as pessoas começaram a evitar falar comigo, na rua o povo me olha com muita depreciação, eu sinto realmente que eu tenho um narigão de bruxa, eu sinto que as pessoas me enxergam dessa forma, mas, é bom porque é uma forma de eu ser enxergado (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 29/11/2020).

Cohen (2000, p. 39)COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 25-60., ao tratar dos “monstros humanos” ou, como Foucault (2010, p. 69)FOUCAULT, Michel. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: MOTTA, Manoel Barros de (Org.). Ditos e Escritos V: Ética, sexualidade, polí-tica. Translated by Elisa Monteiro and Inês Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 264-287. chamou, “monstros morais”, apresenta a figura do monstro como um instrumento regulador, “o monstro existe para demarcar as fronteiras que não devem ser cruzadas” (Cohen, 2000, p. 42COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 25-60.). Para o autor, o monstro instaura a crise das categorias ao se recusar a fazer parte da ordem classificatória das coisas. Resistindo a qualquer classificação construí-da com base em uma oposição binária, extrapola os limites do permitido e rompe com as expectativas em relação ao comportamento humano.

Para Cohen (2000)COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 25-60., a monstruosidade não se refere apenas a aspectos físicos, mas, sobretudo, a formas de se comportar, de habitar a fronteira entre o conhecido e o desconhecido, o permitido e o proibido. Nesse ínterim, Cohen coloca o monstro em uma relação muito mais orgânica com a sociedade. Isso porque qualquer pessoa pode ser “monstrificada” (Peixoto, 2020, p. 109PEIXOTO, Jaime. A monstrificação do gênero e das sexualidades dissidentes em tempos de ofensivas antigênero. In: PARAÍSO, Marlucy Alves; SILVA, Maria Patrícia. Pesquisas sobre currículos e culturas. Curitiba: Editora CRV, 2020.), basta escapar das normas estabelecidas.

Bento, assim, sentese um monstro diante dos olhares acusatórios que não permitem que seu corpo circule sem ser apontado, estranhado e ojerizado, pois nele o ser humano procura uma imagem estável de si mesmo, ainda que por contraste. Bento, no entanto, ressignifica,

Eu acho que as palavras vão se ressignificando, eu acho bom, porque não sou eu que me considero monstro, é você quem me considera, no caso da pessoa que me julga. Eu vou ressignificar, vou pegar esse monstro que você diz que é feio e vou chamar ele de bonito. É uma resistência você obriga aquela pessoa a criar outras formas de ti combater (Bento, retalho narrativo, fonte: entrevista narrativa).

Se, anteriormente, seu corpo dissidente era alvo de violências e invisibilizado naquilo que tinha de belo e produtivo, agora, por meio da costura queer, uma nova percepção de si pode ser construída, uma que joga com os símbolos do monstruoso para potencializar sua existência dissidente no mundo, que se efetiva como ferramenta de comunicação, proteção e revide. Ele diz,

Até hoje me desconheço, mas me encontro no que vejo no espelho e me sinto confortável, eu sou agressivo, mas levo isso como um instinto, não mexe comigo que te jogarei um feitiço! (Bento, retalho narrativo, fonte: diário autonarrativo, 20/11/2020).

Assim, as sensações e sentimentos investidos e gerados na operacionalização da costura queer compõem com outras percepções de Bento sobre si mesmo mediante as roupas que produz para si. Trata-se dos modos pelos quais, por meio da costura queer, o sujeito produz suportes para continuar existindo dignamente em sociedade.

Conclusão

Neste artigo, problematizou-se o fortalecimento dos neoconservadorismos de gênero e raça para evidenciar as diferentes formas de incidência dos discursos antigênero e racistas no Brasil, que, como consequência, criam cenários que, por vezes, intensificam a precarização das vidas LGBTQIA+ negras, demandado um complexo arsenal de estratégias que as ajudem a sobreviver de formas seguras e potentes.

Entendeuse a costura queer como um modo estratégico de vida. Tal estratégia deixa evidente certo trabalho sobre si mesmo por parte do sujeito que diz de um modo ético de existir no mundo, um processo no qual não só roupas foram produzidas, mas, principalmente, uma forma de existência. Para tanto, rompem-se modelos conservadores que historicamente impõem determinados modos de existir no mundo. Nesse processo, o corpo negro foi acionado aqui como o insumo primordial por meio do qual a costura queer foi criada. O corpo negro aparece como produto de um movimento ético que diz, sobretudo, de uma “construção ativa, diária, um fazerse que necessita desejo, conhecimento, dedicação, investimento e resistência” (Starosta; Machado, 2020, p. 27STAROSTA, Sophia; MACHADO, Paula Sandrine. “Espelho, espelho meu… existe alguém mais belíssima do que eu?”: corpo, trajetórias e resistências entre travestis idosas do Sul do Brasil. Revista PERIODICUS, n. 13, v. 2 May/Oct. 2020.) e que diz dos modos ativos de interferir nos processos de subjetivação. Criar uma imagem, manejar adereços, manipular o cabelo, costurar um molde, aderir a uma cor, customizar um corpo não são escolhas aleatórias. Como nos mostrou Bento, foram alternativas que mobilizaram sensações, sentimentos, reflexões sobre si colocando em movimento uma performance do corpo LGBTQIA+ negro na diáspora.

Por meio da costura queer constróise uma outra percepção de si, uma que joga com os símbolos do monstruoso, das sensações para potencializar sua existência dissidente no mundo. Trata-se dos modos pelos quais, por meio da costura queer, o sujeito produz suportes para continuar existindo dignamente em sociedade.

Evidencia-se um trabalho sobre si mesmo que diz de uma posição ética de ocupar a cena pública. Produzindo e sendo produzida pelo desejo que mobiliza a resistir, a costura queer demonstra que, nos jogos interpelativos do poder envolvendo corpo, gênero e raça, a posição do sujeito, fundamentada na ancestralidade e no exercício da autonomia, é ponto fundamental para que sejam produzidas possibilidades de enfrentamentos aos neoconservadorismos, ao mesmo tempo que se produz uma vida, uma existência.

Tal posição ética de vida, que se traduz numa ética da resistência, define “[...] práticas de liberdade que possibilitam articular formas válidas e aceitáveis de existência individual e coletiva” (Foucault, 2010, p. 265; p. 266DUMAS, Alexandra Gouvêa. Corpo negro: uma conveniente construção con-ceitual. In: ENECULT, 2019, Salvador. Analls [...]. Salvador, 2019.). Aqui, a liberdade foi entendida como “um problema estratégico, ligado às ações dos indivíduos e do poder” (Orellana, 2012, p. 39ORELLANA, Rodrigo de Castro. A ética da resistência. Revista Ecopolítica, v. 2, p. 37-63, 2012.). Trata-se de um “esforço de nos livrarmos da identidade que nos é imposta e não uma luta para alcançar o que efetivamente somos” (Orellana, 2012, p. 40ORELLANA, Rodrigo de Castro. A ética da resistência. Revista Ecopolítica, v. 2, p. 37-63, 2012.).

Assim, conclui-se que o caminho de resistência promovido pela costura queer passa pelo processo de promoção de novas formas de subjetivação através da recusa às formas de individualidade que nos foram historicamente impostas. Tudo isso para que as vidas LGBTQIA+ negras sejam mais possíveis, mais viáveis e viabilizadoras de novas existências e afetos.

Notas

  • 1
    O acrônimo LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais) é utilizado nos movimentos sociais e acadêmicos para designar a população que não é cis-hétero. O sinal “mais” no final da sigla aparece para incluir outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo, mas que não aparecem em destaque antes do símbolo. O modo como um dos participantes da pesquisa se autonomeia nos conduziu à designação jovem LGBTQIA+ negro. Nos fragmentos narrativos trazidos pelos/as participantes da pesquisa, foi mantida a sigla conforme comumente utilizada, majoritariamente a sigla LGBT.
  • 2
    Para conferir alguns trabalhos que se debruçam sobre “ideologia de gênero” acessar: Pedro Silva (2020)SILVA, Celia Regina Reis da. Cabelo crespo, corpo negro na luta cultural por representação afirmativa da identidade negra. Trilhas da História, v. 10, n. 19, Aug./Dec. 2020., Celia Silva (2020)SILVA, Pedro Ivo. Narrativas Afrobixas. Curitiba: Appris, 2020. e Lemos (2017)LEMOS, Linovaldo Miranda. A ideologia da ideologia de gênero e a escola. Revista Vértices, Campos dos Goytacazes, v. 19, n. 3, p. 51-62, 2017. Available at: https://editoraessentia.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/9585. Accessed on: Jan. 18, 2024.
    https://editoraessentia.iff.edu.br/index...
    .
  • 3
    Para uma análise crítica do autonomeado movimento Escola sem Partido, ver Penna (2016)PENNA, Fernando. Programa “Escola Sem Partido”: uma ameaça à educação emancipadora. In: GABRIEL, Carmen Teresa; MONTEIRO, Ana Maria; MARTINS, Marcus Leonardo B. (Org.). Narrativas do Rio de Janeiro nas au-las de história. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016..
  • 4
    Nome fictício, conforme normas éticas na pesquisa que visam a preservação da identidade de participantes como forma de reduzir danos e constrangimentos.
  • 5
    O modo como Bento se autonomeia nos conduziu à designação jovem LGBTQIA+ negro. Nessa formulação, consideramos que o acrônimo LGBTQIA+ não apresenta uma definição de identidades que possam ser fixadas em cada um dos segmentos sucessivos da locução. Compreendemos que se trata de uma prática discursiva instada por movimentos sociais que colocam em funcionamento um conjunto de enunciados estrategicamente constituídos a estabelecer jogos de verdade que “[...] ganham corpo em conjuntos técnicos, instituições, esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e mantêm” (Foucault, 1997, p. 11FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do collège de France (1970-1982). Trans. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.).
  • 6
    No contexto da teoria foucaultiana, as posições-de-sujeito seriam o resultado de uma bem-sucedida fixação do sujeito ao fluxo do discurso. Entretanto, há que se considerar aas múltiplas entradas para que os sujeitos assumam determinadas posições-de-sujeito disponíveis nas diferentes práticas discursivas, inclusive as contra-hegemônicas.
  • 7
    Consideramos a formulação de Kimberlé Crenshaw (1989)CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, Chicago, p. 538-554, 1989. segundo a qual a interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Seguindo Collins e Bilge (2021)COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boi-tempo Editorial, 2021., assumimos que o que faz uma análise interseccional não é o uso do termo e nem as citaçõespadrão, ou seja, o que a interseccionalidade é, e sim “o que a interseccionalidade faz”, o que uma abordagem interseccional nos permite ver e dizer sobre as desigualdades sociais e assimetrias de poder para inventar formas justas de existências.
  • 8
    Palavra popularmente usada para referir-se a transar, fazer sexo.
  • 9
    Rupaul André Charles (San Diego, 17 de novembro de 1960), também conhecido como Mãe das Drags, é um ator negro, drag queen, supermodelo, autor e cantor afro-americano. Tornou-se conhecido nos anos 1990 quando apareceu em uma grande variedade de programas televisivos, filmes e álbuns musicais. Desde 2009, produz e apresenta o reality show de RuPaul's Drag Race, pelo qual recebeu quatro prêmios Emmy, em 2016, 2017, 2018 e 2019
  • 10
    Riachuelo é uma rede de lojas de departamento brasileira pertencente ao Grupo Guararapes Confecções. É a terceira maior rede de lojas de departamento no Brasil, após as varejistas C&A e Lojas Renner.
  • 11
  • 12
  • 13
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

todo o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi disponibilizado no Repositório Institucional da UFMG e pode ser acessado em https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/475.

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Editor responsável: Marcelo de Andrade Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2023
  • Aceito
    17 Dez 2023
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