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Personagem Negra: uma reflexão crítica sobre os padrões raciais na produção dramatúrgica brasileira

Des Personnages Noirs: une refletion sur les structures raciales dans la dramaturgie bréselienne

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo destacar questões históricas e sociais no processo de construção do termo raça e as consequências de uma ideologia racista no campo dramatúrgico. A classificação racial produzida, principalmente, por cientistas naturalistas sustentou uma série de representações paradigmáticas difundidas na cena teatral no decorrer dos séculos XIX e XX. Com o intuito de fazer provocações sobre a criação da personagem negra no teatro, o texto propõe uma reflexão crítica dos estereótipos e questiona a perspectiva teórica teatral hegemônica dos estudos da história do teatro e da dramaturgia.

Palavras-chave:
Raça; Personagem; Negro; Teatro; Dramaturgia

Résumé:

Cette étude souligne les questions historiques et sociales dans le processus de construction du terme race et les conséquences d’une idéologie raciste dans les études dramatiques. La classification raciale créée par les scientifiques naturalistes a conservé les représentations paradigmatiques diffusées dans la scène théâtrale, spécialement, dans les XIXe et XXe siècles. Alors, cette étude propose une réflexion sur les stéréotypes dans la création de personnages noirs et aussi une critique des théories théâtrales hégémoniques.

Mots-clés:
Race; Personnages; Noirs; Théâtre; Dramaturgie

Abstract:

The present study analyzes historical and social issues present in the process of constructing race as a classifying term as well as the consequences of a racist ideology in Brazilian dramaturgy. The racial classification produced, especially, by naturalistic scientists supported a series of paradigmatic representations present in stage during the 19th and 20th century. The text proposes a critical reflection on these stereotypes and questions the hegemonic theoretical perspective within Brazilian theatre studies and practice to provoke a revision of the ways how black characters are put in paper and stage in Brazilian theatre.

Keywords:
Race; Character; Black; Theatre; Playwriting

Introdução

Nos últimos anos, tenho percebido como pesquisadora uma necessidade de desenvolver uma reflexão sobre raça, racismo e cultura afro-brasileira no campo artístico. Essa vontade surge, em um primeiro momento, por causa da lacuna epistemológica. Geralmente, quando indago a amigos/as artistas e acadêmicos/as sobre a ausência desses debates na área teatral, o discurso predominante é que, por ser um debate específico e recente, encontramos poucas pesquisas concentradas neste tema. Em contraponto, tenho participado1 1 Um exemplo foi o I Colóquio Internacional do Afro Contemporâneo nas Artes Cênicas, realizado e sediado pelo Instituto de Artes da UNESP – Universidade Estadual Paulista, realizado de 31 de março a 04 de abril de 2016. Mais informações sobre como foi o evento e a programação, acessar a página: <http://coloquioafrocontemporaneo.blogspot.com.br/p/programaca.html>. Acesso em: 21 jan. 2016. de eventos, congressos e seminários e, na maioria das vezes, encontro um número expressivo de intelectuais, pesquisadores/as, artistas negros e não-negros que buscam um olhar crítico da estética teatral e trazem em suas trajetórias uma produção relacionada ao teatro negro brasileiro2 2 Para citar alguns: o professor e pesquisador Júlio Tavares que publicou Dança de Guerra (2012), um material sobre a capoeira no território brasileiro e um debate sobre o corpo e as estratégias de resistência; a professora e pesquisadora Leda Maria Martins, com o livro Cena em sombras (1995); o historiador Joel Rufino dos Santos com publicações como A história do negro no teatro brasileiro (2014) e a historiadora Miriam Garcia Mendes com a publicação de A personagem negra no teatro brasileiro (1982). .

O que me inquieta é que essa afirmação, embora possa parecer ingênua e genérica, tem sido propagada por algumas décadas e sustenta um ciclo-vicioso no espaço acadêmico: não existe material bibliográfico, porque não há pesquisadores, logo, esse tema é específico e ainda não alcançou uma visibilidade por falta de pessoas que se interessem a investigá-lo. Entretanto, pensemos um pouco mais.

Nos currículos de graduação em artes cênicas de instituições públicas, quantas ou quais disciplinas (não optativas) são reservadas para o debate e reflexão sobre a presença de movimentos negros artísticos, como o TEN - Teatro Experimental do Negro? Que perspectiva teórica se encontra presente nos ensinos de história do teatro? Quais linhas epistemológicas são consideradas como clássicas dentro da teoria teatral?

Como professora, tenho lecionado disciplinas teóricas no curso de licenciatura em teatro e observo uma concentração de teorias do conhecimento produzidas pelos países do continente europeu, em específico, França, Inglaterra e Alemanha. Esse eixo se estende à Rússia e, dependendo do recorte temporal, aos Estados Unidos da América. Assim, a lacuna epistemológica não está na ausência de pesquisadores/as ou de referências, mas na ausência de um espaço que questione a própria perspectiva teórica adotada nas universidades, a ponto de torná-las prioritárias para o ensino de história teatral.

Deparamo-nos, então, com um racismo estrutural, que naturaliza a presença hegemônica da produção de saber. Penso, ainda, que encontramos no espaço epistemológico uma prática colonialista, que nos faz repetir uma noção histórica a partir do olhar do colonizador. Logo, não se trata de um debate a nível pessoal, isto é, quais as preferências temáticas de cada pesquisador/a ou as escolhas de cada currículo, mas de perceber as consequências de uma única narrativa sobre a história do teatro ou sobre as teorias teatrais.

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie, conhecida por sua conferência sobre Os perigos da história única3 3 Conferência feita por Adichie em julho de 2009 e disponibilizada na plataforma do TED. Para assistir, acesse: <https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br>. Acesso em: 21 jan. 2016. no evento do TED - Tecnology, Entertainment and Design, destaca a importância de questionarmos a construção de uma única histórica e atentar para os perigos de uma criação paradigmática, em que são produzidos estereótipos de determinados grupos sociais. Narrar um episódio histórico é se apropriar de uma perspectiva sobre o passado, a narrativa é, assim, uma posição de poder e, antes, uma perspectiva do fato narrado. A impossibilidade de ver/ouvir outras narrativas dentro do teatro acaba por sustentar uma única perspectiva, além de apresentar os acontecimentos históricos de maneira progressiva e linear. Então, é preciso compreender o próprio ato de narrar, pois nele reside um espaço de poder. Como afirma Edward Said (2011SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2011., p. 11): “[...] o poder de narrar, ou de impedir que se formem e surjam outras narrativas, é muito importante para a cultura e o imperialismo, e constitui uma das principais conexões entre ambos”.

No âmbito da dramaturgia, o ponto mais emblemático é a construção de personagens negros e será a partir dessa problemática que o presente artigo se desenvolverá. Na primeira seção, farei uma apresentação histórica e social do termo, a fim de contextualizar a construção científica e a dimensão sociológica da categoria racial. Posteriormente, direciono-me para uma reflexão no campo dramatúrgico. Em diálogo com os escritos de Leda Maria Martins (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995.) e Miriam Garcia Mendes (1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.), apresento algumas noções paradigmáticas representadas na personagem negra brasileira, principalmente, do final do século XIX e início do século XX. E, na última seção, ensaio alguns pontos que considero relevantes para pensar os desafios de uma dramaturgia contemporânea que perceba de maneira crítica as marcas ideológicas e políticas difundidas pelo racismo científico e disseminadas nas representações dramáticas.

Reflexões sobre a Questão Racial

Para fazer o debate sobre a construção do termo raça, utilizarei como referência dois livros do pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP), Kabengele Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. ; 2012MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.). Por ser um tema com muitas investigações no campo das ciências humanas, escolho, para este artigo, os escritos de Munanga, pois o autor problematiza a classificação racial criada pelo naturalista Carl Von Linné (ou Lineu), e será a partir desta que farei algumas reflexões acerca dos ideais raciais imersos nas representações da personagem negra na dramaturgia brasileira.

De acordo com Munanga, a palavra raça é derivada “do italiano razza, que por sua vez, veio do latim ratio” (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 17), mas como conceito, esse termo operou nas ciências naturais para categorizar ou catalogar a diversidade de seres vivos. A partir de seus estudos, o autor afirma que os séculos XVIII e XIX apresentaram um número expressivo de pesquisas preocupadas em classificar a humanidade, influenciadas principalmente pelos iluministas. As principais defesas epistemológicas desse período histórico concentravam-se numa concepção progressista, reforçando paradigmas raciais de superioridade e inferioridade.

A classificação que se destacou, segundo Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. ), foi a do naturalista Lineu. De maneira geral, a divisão proposta pelo cientista é a de que a raça humana apresentava-se em quatro raças: americano; asiático; africano e europeu. Para fundamentar sua tese, alguns critérios foram estabelecidos, como a cor da pele e os formatos do crânio, do nariz e dos lábios.

Para Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. ), o critério mais determinista nessa etapa classificatória foi em primeira análise a cor da pele, os outros critérios foram acrescentados posteriormente com o intuito de aperfeiçoar a divisão da raça humana. Abaixo, destaco um trecho em que o autor sublinha a posição ideológica dos cientistas naturalistas:

Se os naturalistas dos séculos XVIII-XIX tivessem limitado seus trabalhos somente à classificação dos grupos humanos em função das características físicas, eles não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade. Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento científico. Infelizmente, desde o início, eles se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças (Munanga, 2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 21).

Será, então, nesse período descrito pelo autor o momento mais emblemático, no qual a categoria raça é apoiada nas teorias deterministas naturalistas. A partir da hierarquização das raças, os naturalistas destacavam a inferioridade como aspecto intrínseco a algumas espécies humanas e, não por acaso, a superioridade estava destinada aos europeus - como pode ser visto abaixo na classificação racial proposta por Lineu:

Americano, que o próprio classificador descreve como moreno, colérico, cabeçudo, amante da liberdade, governado pelo hábito, tem corpo pintado. [...] asiático: amarelo, melancólico, governado pela opinião e pelos preconceitos, usa roupas largas. [...] africano: negro, flegmático, astucioso, preguiçoso, negligente, governado pela vontade de seus chefes (despotismo), unta o corpo com óleo ou gordura, sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados. [...] europeu: branco, sanguíneo, musculoso, engenhoso, inventivo, governado pelas leis, usa roupas apertadas (Munanga, 2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 25-26, grifos do autor).

É notável o excesso de adjetivos ao europeu em contraponto aos termos pejorativos descritos nas outras raças, principalmente ao africano, definido como: preguiçoso e negligente. Além disso, o que o naturalista chamou de americano pode ser entendido como uma primeira referência ao índio americano e o asiático é apresentado genericamente, indicado pela cor amarela.

Essa classificação racial de Lineu tornou-se referência para outros pesquisadores e, ao longo dos séculos, a ciência teve papel importante para a manutenção de um saber racial hegemônico. As teorias iluministas, na busca do progresso social, acabaram por reforçar o estigma do negro na sociedade, colocando-o como parte não desenvolvida da humanidade. Conforme o autor citado, o negro geralmente era descrito por sua “sexualidade, nudez, feiura, preguiça e indolência” (Munanga, 2012MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012., p. 30). Aliás, a preguiça e a virilidade foram características marcantes nos postulados do racismo científico. Tanto na classificação de Lineu e nos escritos científicos da época como na literatura dramática, a referência imagética do negro era criada a partir de um discurso do negro preguiçoso, aquele que não quer trabalhar ou trabalha pouco ou, ainda, da hiper-sexualização dos corpos, destacando - no caso do homem negro ‒ a sua virilidade; e, da mulher negra, a sua sedução.

Essa perspectiva racial, legitimada pela ciência, invade outras instâncias da sociedade e influencia os estudos médicos, gerando uma série de problemáticas que consolidaram uma visão pejorativa do negro na sociedade, além de deixar marcas históricas e efeitos psicológicos. Ao associar os valores morais e éticos à característica morfológica, a crença na inferioridade racial, pregada pelo determinismo, produziu uma referência negativa e preconceituosa do que é ser negro. Esse entendimento é de suma importância, para perceber os efeitos do racismo na sociedade brasileira, como acrescenta Munanga (2012MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012., p. 33), “[...] com essas teorias sobre as características físicas e morais do negro patenteia-se a legitimação e a justificativa de duas instituições: a escravidão e a colonização”.

Como já foi dito, a cor da pele torna-se, então, o principal critério para a classificação da humanidade em raças e a ciência, consequentemente, legitima nesse discurso a necessidade de governar determinadas raças. A hierarquia, dessa forma, é justificada por uma polaridade discriminatória: de um lado, raças superiores, e, de outro, raças inferiores.

Enfatizo uma vez mais que o enquadramento de Lineu está pautado em uma visão biologizante, isto é, dentro dessa perspectiva, os fatores biológicos determinam os comportamentos sociais, culturais e psicológicos dos indivíduos. Assim, certos indivíduos apresentam determinados comportamentos éticos, tornando-os naturalmente bons ou naturalmente ruins, conforme a sua classificação racial. Esta é, portanto, a base da ideologia racista - nas palavras de Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 24):

[...] uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo ao qual ele pertence.

Nas pesquisas científicas, essa concepção de raça fundamentou muitas teorias sobre o desenvolvimento e as relações humanas. A contestação dessas teorias se deu, somente, no século XX, com as descobertas dos genes e a complexidade dos códigos genéticos. A cor da pele torna-se um critério insuficiente, já que os cientistas descobrem que: “[...] apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor de pele, dos olhos e cabelos” (Munanga, 2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 20). Tal descoberta refuta o principal paradigma criado: a cor da pele não pode ser critério de classificação da humanidade, logo, a própria definição de raça passa a ser questionada. Além disso, Munanga (2004, p. 20-21) acrescenta que:

As pesquisas comparativas levaram também à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes a uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes a raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos incidência ser encontrado em outra raça.

De acordo com os dados apresentados pelo autor, a fragilidade da categoria raça é reforçada no decorrer do século XX. Ao aprofundar os estudos genéticos, a ciência refuta suas teorias anteriores e percebe a impossibilidade de enquadrar indivíduos em uma mesma classificação racial, dado que seus códigos genéticos se apresentam completamente diferentes e, por consequência, não podem definir seus comportamentos psicológicos e muito menos justificar suas posturas sociais e culturais.

O antropólogo explica também que:

Alguns biólogos anti-racistas chegaram até sugerir que o conceito de raça fosse banido dos dicionários e dos textos científicos. No entanto, o conceito persiste tanto no uso popular como em trabalhos e estudos produzidos na área das ciências sociais. Estes, embora concordem com as conclusões da atual Biologia Humana sobre a inexistência científica da raça e a inoperacionalidade [sic] do próprio conceito, eles justificam o uso do conceito como realidade social e política, considerando a raça como uma construção sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão (Munanga, 2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. , p. 22-23).

Embora a própria ciência tenha contestado a legitimidade das teorias produzidas nos séculos anteriores, o discurso de inferiorização se alastrou no imaginário social, sendo disseminado, inclusive, em outros campos de pesquisa. No Brasil, por exemplo, com a influência do movimento eugenista pretendia-se excluir da sociedade as ditas raças inferiores. A pesquisadora Marcia das Neves (2008NEVES, Marcia das. A Concepção de Raça Humana em Raimundo Nina Rodrigues. Revista Filosofia e História da Biologia, São Paulo, v. 3, p. 241-261, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf >. Acesso em: 21 jan. 2015.
http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03...
, p. 243) contextualiza:

Desde a proclamação da República em nosso país, houve uma preocupação com a imigração relacionada à formação da população. A idéia [sic] de formar um povo mais branco fazia parte do pensamento da elite brasileira que acreditava, entre outras coisas, na ‘extinção’ dos elementos ‘inferiores’ através da mescla progressiva com imigrantes selecionados.

Essa atitude ideológica de tornar a população brasileira cada vez mais branca ficou conhecida por “branqueamento” (Neves, 2008NEVES, Marcia das. A Concepção de Raça Humana em Raimundo Nina Rodrigues. Revista Filosofia e História da Biologia, São Paulo, v. 3, p. 241-261, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf >. Acesso em: 21 jan. 2015.
http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03...
). Inclusive, em âmbito político, algumas medidas foram tomadas com a intenção de garantir a exclusão das ditas raças inferiores. Para aprofundar tal questão, a autora cita os estudos de Thomas Skidmore sobre a “teoria do branqueamento” (Neves, 2008, p. 243). Segundo a autora supracitada:

[...] a idéia [sic] de branqueamento partia do pressuposto de que a raça branca era superior às outras e acentuou-se na década de 1930, transparecendo em artigos de diferentes constituições, em decretos-lei, em projetos de lei [...] (Neves, 2008NEVES, Marcia das. A Concepção de Raça Humana em Raimundo Nina Rodrigues. Revista Filosofia e História da Biologia, São Paulo, v. 3, p. 241-261, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf >. Acesso em: 21 jan. 2015.
http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03...
, p. 243).

A busca por uma população brasileira branca ou mais próxima possível do perfil branco foi um dos objetivos da teoria do branqueamento. Embora essa teoria não seja mais adotada em termos de legislação, é necessário atentar para os estigmas sociais deixados, como: a naturalização de um padrão fenotípico para determinadas profissões, ou ainda, o ideal estético feminino, sustentado pela busca de uma beleza racial especificamente branca.

A cor da pele tornou-se um estigma no território brasileiro. Por estigma, quero dizer a referência racial naturalizada na cor da pele, em que se atribui a esta valores ético-morais. O historiador José D’Assunção Barros, em sua obra A construção social da cor (2012BARROS, José D’Assunção. A Construção Social da Cor: diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira. Petrópolis: Vozes, 2012.), discorre sobre o sistema escravocrata e o período colonial brasileiro como instâncias produtoras de estigmas, baseadas numa visão pejorativa da cor da pele. A pele, além de trazer os discursos científicos deterministas, assume um caráter social, e revela uma posição de poder e status.

Apesar dos estudos crescentes acerca da não validade científica do termo raça, ainda hoje é possível identificar discursos deterministas que sobrevivem no imaginário social, em que, de acordo com Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004. ), as raças fictícias parecem resistir. A categoria raça passa a figurar, então, como “[...] categoria de dominação e exclusão nas sociedades multirraciais contemporâneas” (Munanga, 2012, p. 15), já que traz elementos políticos e ideológicos.

Na literatura, esses estigmas também serão utilizados para descrever e representar o negro como figura antagônica ao branco. Na história hegemônica do teatro brasileiro, notaremos, em um primeiro momento, a ausência total da personagem negra, ou seja, o negro não se encontra representado no palco. Será a partir do século XIX que esta personagem entrará em cena, definida por uma ótica colonial, fundamentada, principalmente, pelas teses naturalistas.

O Naturalismo na Cena Teatral: debates sobre a construção da personagem negra a partir de paradigmas raciais

Na seção anterior o debate foi em torno das construções sociais e raciais, tendo como principal alvo as pesquisas científicas do século XVIII. Neste instante, minha intenção é lançar a seguinte provocação: como as construções raciais aparecem no campo artístico? Em outras palavras, até que ponto as categorias raciais de Lineu invadem a arte e produzem, consequentemente, expressões artísticas sustentadas em uma noção de hierarquia racial.

Destaco dois aspectos referentes à personagem negra na dramaturgia brasileira: primeiro, a invisibilidade, isto é, a ausência de protagonistas negros; segundo, a representação e descrição de uma personagem negra criada aos moldes do paradigma racial de inferioridade ou de fetiche sexual.

Em relação à invisibilidade, primeiro aspecto anunciado, cito um trecho do livro de Zeca Ligiéro, pesquisador e professor da UNIRIO. Segundo o autor:

Existe um número restrito de personagens negros na literatura dramática brasileira. Desde as primeiras aparições, eles surgem na pele de escravos, servos, mensageiros sem voz. Algumas vezes, esboçam toscas expressões, respondendo as ordens dadas pelos seus superiores, sejam eles chefes ou senhores de escravos (Ligiéro, 2011LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2011., p. 292).

Parece-me que a herança do naturalista Lineu sobrevive nesse tipo de dramaturgia brasileira descrita por Ligiéro, em que é possível observar na descrição de personagens negros uma associação direta entre comportamentos psicológicos e características físicas carregadas de estigmas e com uma postura ética duvidosa. Destaco que o autor citado aborda o papel do negro na produção dramatúrgica do século XX. Em outra parte de seu texto, ele enfatiza:

Nas primeiras décadas do século XX, o teatro brasileiro era ainda caracterizado pela comédia ligeira, a burleta e o teatro de revista, em cujos números musicais os negros eram apresentados como tipos estereotipados. Entre esses tipos estavam o ‘malandro’ - o boa-vida e enrolador - e a ‘baiana’ - a sensual mulher de vida fácil. Ambos se tornaram exemplos de personagens antifamiliares porque, nestes esquetes, eles estavam interessados nos aspectos efêmeros da vida: fumar, beber, jogar, dançar e desfrutar os prazeres da carne (Ligiéro, 2011LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2011., p. 298).

Antes desse período, a personagem negra não aparecia nos textos ou ainda era construída por uma visão colonizadora dominante, sendo representada na figura do escravo. Sobre isso, a professora pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leda Maria Martins (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 40), afirma:

[...] até as primeiras décadas do século XX, a presença da personagem negra define uma situação limite, a da invisibilidade. Esta traduz-se não apenas pela ausência cênica da personagem, mas também pela construção dramática e fixação de um retrato deformado do negro. Os moldes de representação cênica que criam e veiculam essa imagem apoiam-se numa visão de mundo eurocêntrica, em que o outro - no caso o negro - só é reconhecível e identificável por meio de uma analogia com o branco, este, sim, encenado como sujeito universal, uno e absoluto.

Conforme acima, a invisibilidade se dá, então, na ausência de uma personagem negra potente que rompa com os padrões comportamentais de inferioridade construídos a partir de uma visão branca dominante e colonizadora. Compreendo, a partir dessas referências, que a invisibilidade na dramaturgia brasileira do período inicial do século XX pode ser entendida em, pelo menos, dois sentidos: primeiro, a ausência total de personagens negras e, segundo, a presença de estereótipos racistas reforçando paradigmas de subserviência ou virilidade.

Quando a personagem negra começa a ser percebida como integrante da sociedade, ela surge na cena teatral, ainda, na representação do escravo. Assim, a representação da personagem negra será, nesse momento, a partir de paradigmas raciais - consequência de: criações de personagens que refletem estereótipos raciais, disseminando uma compreensão de inferioridade ou virilidade, ambos representados por seus comportamentos éticos não confiáveis e sua maneira de agir em busca de proveito e vantagem, configurando dentro do espaço ficcional uma espécie de reflexo imagético da personagem negra criada pela ideologia racista. Essa situação se modificará com o surgimento de grupos teatrais, movimentos sociais que irão reivindicar uma identidade negra afirmativa, não estereotipada.

Para detalhar mais essas representações no campo teatral, cito outra referência, o livro de Miriam Garcia Mendes, A personagem negra no teatro brasileiro (1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.), em que a historiadora apresenta um mapeamento de obras dramáticas dos principais dramaturgos brasileiros do século XIX, como Martins Pena (1815-1848); Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882); José de Alencar (1829-1877) e Arthur de Azevedo (1855-1905), para citar alguns.

Além da invisibilidade, Leda Maria Martins afirma que a personagem negra representada nesse período era definida por uma “indizibilidade”, segundo a autora: “[...] indizível, porque a fala que o constitui gera-se à sua revelia, reduzindo-o a um corpo e a uma voz alienantes, convencionalizados pela tradição teatral brasileira” (Martins, 1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 40). Por consequência, tem-se então uma produção de narrativa dentro do teatro a partir do olhar do colonizador, e será este olhar que apresentará (e representará) a personagem negra na dramaturgia brasileira.

É interessante destacar que a própria noção de personagem nos sugere um aspecto político-ideológico. De acordo com Renata Pallotini (2013PALLOTINI, Renata. Dramaturgia: a construção da personagem. 2. ed. São Paulo: Perspectiva , 2013., p. 15), em A construção da personagem, a personagem é definida como a imitação ou “[...] a recriação dos traços fundamentais de pessoa ou pessoas - traços selecionados pelo poeta segundo seus próprios critérios”. Cabe, então, investigar em uma análise quais paradigmas estão sendo (re)produzidos no espaço ficcional.

Ao enfatizar os elementos ideológicos e políticos, busco uma posição de estranhamento diante das representações dramáticas naturalizadas nos palcos brasileiros. Assim, o negro malandro e viril ou a mulata exótica, são figuras carregadas de paradigmas e signos que difundem o estigma da cor da pele, pautado - como já foi visto, pelo racismo científico.

A representação marcante que aparece no final do século XIX é a do escravo. Restrito à sua condição, o negro será apresentado nos palcos brasileiros como figurante, ou seja, como parte da sociedade brasileira. Sem voz, sem destaque dramático, a personagem negra, como afirma Mendes (1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.), aparece nas comédias de Martins Pena de maneira genérica e estigmatizada. Segundo a autora, em “O inglês maquinista, os negros, mesmo como figurantes, mal aparecem” (1982, p. 174), entretanto, “Em O cigano, a presença da personagem negra é mais acentuada, mas de pouca importância” (Mendes, 1982, p. 174).

A historiadora pontua em seu livro (Mendes, 1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.) uma série de obras dramáticas, em que a personagem negra é reduzida à sua condição social. Consequentemente, a escravidão é a apresentada como algo intrínseco àquele que é negro, sem questionar o contexto e a condição de escravo imposta pelo sistema colonialista.

A personagem negra, mesmo quando aparece com contornos mais definidos e com certa intensidade dramática, anuncia sua condição social e, por meio desta, justifica sua ação dramática. Como, por exemplo, em Mãe (1859), de José de Alencar. Joana, a personagem negra em questão, é vista ao longo da peça como “[...] bondosa, serviçal, cumpridora de suas obrigações, devota ao amo a ponto de sacrificar-se por ele, não só porque era sua mãe, mas também porque era essa a sua natureza” (Mendes, 1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982., p. 178).

É importante questionar esse aspecto natural. Como tenho referido neste artigo, o processo de naturalização está vinculado à compreensão biológica-determinista que, a meu ver, isenta a responsabilidade histórica e política dos processos de colonização. A noção de que esse sujeito é naturalmente inferior é a marca ideológica de uma teoria científica que por séculos legitimou tal condição, portanto, a partir de teses e argumentos tal política racial produziu uma série de discursos discriminatórios.

No campo teatral, o naturalismo aparece nos discursos das personagens e em seu modo de agir dentro da trama. Em seu livro A linguagem da encenação teatral (1998), Jean-Jacques Roubine tece uma crítica ao movimento naturalista, o qual traz em seu bojo uma visão determinista da personagem, colocando-a como produto biológico (natural) e, por consequência, marcada pela herança familiar (hereditariedade). É recorrente, em obras dramáticas desse período (ou ainda nos dramas burgueses), uma definição da personagem a partir de ideais biológicos e naturalizados, como na peça Casa de Bonecas (1879), de Ibsen4 4 Ainda que, em alguns momentos o dramaturgo utilize uma série de estratégias narrativas formais para problematizar a visão sociodeterminista da época, é possível notar em algumas falas de “Helmer” (marido de Nora), uma visão naturalista que este tem sobre sua esposa. Destaco também que, embora, possamos interpretar a decisão de Nora ao final da peça como um ato de rebeldia ou contestação diante das atribuições machistas de seu marido e seu pai, há, na peça de Ibsen, a meu ver, uma tensão entre um pensamento naturalista (em que as condições sociais e naturais justificam o comportamento humano) e uma possível crítica aos padrões econômico-sociais de uma classe burguesa. .

A crítica de Roubine ao naturalismo está na representação de um mundo progressivo. De acordo com Roubine (1998ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998., p. 25):

A obra de Antoine talvez corresponda, no teatro, à concretização do sonho capitalista do capitalismo industrial: a conquista do mundo real. Conquista cientifica, conquista colonial, conquista estética... O fantasma original do ilusionismo naturalista não é outra coisa senão essa utopia demiúrgica que se propõe a provar que dominamos o mundo, reproduzindo-o.

Insisto nesta questão, pois aqui reside uma problemática histórica. Em minhas leituras e estudos sobre a personagem negra na cena teatral brasileira, tenho observado o quanto é urgente um processo de desnaturalizar, ou melhor, estranhar, colocar em debate os modelos de personagens da comédia e questionar a presença figurativa da personagem negra no drama. Pesquisadoras como Leda Maria Martins, e também os estudos de Miriam Garcia Mendes, apresentam uma preocupação pela produção dramatúrgica brasileira e revelam a presença de um discurso racial permeado nas representações dramáticas.

A provocação que permanece, então, é como subverter esses estigmas raciais na área teatral? O desafio é urgente e, para além das questões temáticas, os/as dramaturgos/as e artistas contemporâneos lidam também com as tensões da própria estrutura dramática.

Para continuar a reflexão, destaco que a personagem negra na cena teatral lida com a tensão dentro da estrutura dramática e a tensão histórico-social. Esta última foi desenvolvida ao falar dos paradigmas sociais na criação dessa personagem. Então, a seguir, atenho-me às questões estruturais, pertinentes à dramaturgia.

Sobre Dramaturgias Afro-Diaspóricas e a Posição Central do Texto na Cena Teatral

De modo geral, o teatro brasileiro, aos moldes do teatro francês, concentrou-se no texto como principal aspecto da cena. A tradição hegemônica compreendeu por séculos o texto como espinha dorsal do teatro, passando ao longo da história por diversos movimentos, tendo destaque o simbolismo e o naturalismo, por exemplo. Será também no século XIX o momento de transformação da cena teatral europeia, trazendo a figura do encenador como principal ruptura ao final desse período. A potência do ambiente ganha ênfase para os naturalistas que trazem aos palcos cenários grandiosos e, por meio dos escritos de Émile Zola e as práticas naturalistas de André Antoine, configuram um fechamento de uma parede invisível, a quarta parede.

Com tantas preocupações estruturais, a dramaturgia, bem como o teatro, apresentaram rupturas que são facilmente encontradas hoje nos livros de história do teatro. As reformas teatrais e a busca pelo aperfeiçoamento da mise-en-scène são os principais fatos históricos retratados nesse período final do século XIX. A serviço do texto, o teatro consolidou uma tradição que muitos teatrólogos denominaram posteriormente de textocentrismo. Se, fora dos palcos, a figura do negro era subjugada a uma hierarquia racial, dentro do espaço teatral esta personagem apresentava traços muito específicos - reproduzindo, como já mencionado neste artigo, os discursos científicos de inferioridade e superioridade raciais.

O status do texto, nesse período, conquista uma posição central. Segundo Roubine (1998ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998., p. 50):

[...] no início do século XX a arte da encenação exigia o apoio de um bom texto. Quanto à arte de representar, ela utilizava, aperfeiçoava e inventava técnicas, cada uma das quais era um meio de visualizar, materializar, encarnar uma ação, situações, personagens, tudo quanto fora previamente imaginado por um escritor.

Sendo o texto um elemento hegemônico para a configuração da cena teatral, a ausência da personagem negra nos textos teatrais implica também em sua ausência nos palcos. Como afirma Roubine (1998ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998., p. 45), em outro momento: “[...] o problema do lugar e da função do texto dentro da realização cênica é menos recente do que se costuma imaginar e, além e acima das considerações estéticas, ele representa um cacife ideológico”.

Na contemporaneidade, tenho observado que a personagem negra enfrentará ao menos dois desafios dentro do teatro: primeiro, reivindicar seu espaço como persona dramática - e, para isso, dramaturgos/as se utilizarão das próprias regras dramáticas para (re)apresentar uma identidade negra afirmativa e não estereotipada5 5 É o caso, por exemplo, dos textos teatrais de Cuti (Luiz Silva), escritor negro nascido em São Paulo que em suas peças segue uma estrutura dramática, apresentando temas relacionados ao racismo. .

Ainda que a dramaturgia contemporânea, em estudos como o do teórico alemão Hans-Thies Lehmann (2007LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.), tenha questionado os limites da estrutura dramática e suscitado um intenso debate acerca do pós-dramático, a dramaturgia negra brasileira ainda se vê na urgência, assim compreendo, de criar papéis efetivos e protagonistas em que a personagem negra subverta um histórico teatral pautado em personagens repletas de paradigmas sociais construídos por um viés colonizador: o negro malandro e viril, a mulata exótica, o negro doméstico (servil e obediente). Nesse sentido, encontraremos escritores negros que adotam a estrutura dramática6 6 Por estrutura dramática, me refiro às características do gênero dramático, fundamentadas principalmente pelas três unidades: ação, tempo e lugar. Consultar referências como Peter Szondi (2004) e Anatol Rosenfeld (1985) indicadas no artigo. para tratar de temas pertinentes à cultura e história afro-brasileira, apresentando um viés político com a intenção de questionar os estigmas produzidos pela ideologia racista.

O segundo desafio é enfrentar a própria estrutura dramática, mas na contramão de uma perspectiva eurocêntrica - isto é, compreender a arte teatral em sua conexão com o canto, a dança e a religiosidade.

A partir deste último desafio, destaco então que a tradição hegemônica teatral, ao considerar o texto como elemento central, excluiu outras práticas artísticas, orientais e africanas. Definidas como artes do corpo, ou classificadas como danças orientais, tribais e africanas (como o Kabuki, o Teatro Nô, a Dança dos Orixás, por exemplo), são separadas do escopo teatral, embora admitidas como espetaculares. Ainda que as pesquisas de Victor Turner, Richard Schechner e mesmo Eugenio Barba, com a Antropologia Teatral, possibilitem uma abertura da compreensão das artes da cena, são teorias que residem em certo eixo7 7 Compreendo que durante um período da história do teatro, principalmente no decorrer do século XX, pedagogos do teatro, como Constantin Stanislásvki, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba e Peter Brook buscaram em suas práticas teatrais princípios orientais e africanos para construir um teatro ritual, ou uma Antropologia Teatral – no caso de Barba. Entretanto, é interessante questionar a utilização e apropriação dessas práticas e perceber até que ponto se manteve uma posição colonial ou mesmo uma generalização das práticas culturais. Dito de outro momento, o que observei em alguns princípios da Antropologia Teatral é um deslocamento dos significados histórico-culturais desses grupos, em que prevalece, de certa maneira, a visão ocidental. Assim, o teatro balinês, o teatro japonês, o teatro africano são contados a partir de narrativas e práticas ocidentais. Embora não esteja no campo teatral, indico o estudo profundo e dedicado de Edward Said em seu livro Orientalismo (2007), cujas contribuições caminham no sentido de questionar essas narrativas genéricas, construindo um bloco cultural homogêneo. intelectual. A provocação que faço, neste momento, é no que tange à produção teórica teatral hegemônica. Não quero, com essa afirmação, sugerir um determinismo geográfico, mas trazer para o debate a necessidade de repensar a perspectiva teórica adotada no campo teatral.

De outra maneira, a questão que esboço aqui é aquela anunciada por Chimamanda Adichie, mas, agora adaptada ao contexto teatral: até que ponto a tradição hegemônica teatral construiu uma noção única da própria concepção de teatro?

A presença central do texto na cena cria, por consequência, classificações em torno da obra dramática, definidas, inclusive, pelas leis do drama. Acontece que ao classificar, automaticamente, as leis do drama refutaram todo um campo artístico afro-diaspórico, negando-o na condição de arte. É nesse campo que talvez resida a maior tensão contemporânea. Pois se, de um lado, temos a necessidade de (re)ver a personagem negra representada dentro da estrutura dramática, de outro, a própria compreensão de dramaturgia passaria a ser repensada, ao passo que a invenção hegemônica dramática expulsou uma noção plural de teatro, relacionados tanto ao ritual quanto às estratégias de resistência.

Se buscarmos outras perspectivas relacionadas à história do teatro, dentro do contexto da diáspora africana, encontraremos nos elementos não-verbais uma possibilidade de compreender os gestos e os movimentos corporais como atitudes éticas, mas também atravessados por aspectos estéticos imersos nas práticas culturais diaspóricas. O negro, numa condição imposta, criou estratégias de sobreviver e resistir ao sistema dominante. Essas estratégias passam desde a criação de gestos, códigos não-verbais, até às práticas artístico-culturais: como a dança, o canto e o batuque. Assim, as estratégias de resistência, além de serem entendidas como atos de transgressão, tornaram-se modos de agir, ritualizar e enfrentar o sistema colonial.

Sobre o ato de resistir, o pesquisador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Júlio Tavares (2012TAVARES, Júlio. Dança de Guerra: arquivo e arma. Belo Horizonte: Nandyala, 2012., p. 81), afirma: “[...] resistir implicava uma ação estratégica que relacionava o corpo e dele fazia principal ponto de referência diante do mundo exterior”. O corpo, como irá defender Tavares, torna-se arquivo e arma. E aqui, abro um espaço para dialogar com o autor. Se considerarmos a complexidade das práticas corporais presentes na capoeira e na dança dos orixás, iremos observar uma gama de movimentos, códigos relacionados à mitologia africana, ao saber ancestral e à necessidade de sobreviver em um território que impõe uma língua e uma cultura do colonizador.

A necessidade de resistir e a busca de religar-se às práticas culturais ceifadas do continente africano compõem, a meu ver, uma complexa dramaturgia da diáspora africana no território brasileiro, em que arte, religiosidade e ação política se entrelaçam. Mais uma vez, para citar Tavares, o corpo será elemento potente. Nas palavras do autor: “[...] o corpo torna-se possuidor de um sistema de signos com o qual se procura simbolizar o mundo a partir dos gestos e movimentos corporais, bem como da energia por ele emanada” (Tavares, 2012, p. 83).

Sendo o teatro um espaço para o encontro e a busca de práticas corporais que transmutem os significados imersos no cotidiano, ouso dizer que, nesse ponto, as práticas artísticas e culturais criadas a partir do contexto diaspórico são ações políticas, modos de agir no mundo, respostas éticas e confrontais para intervir e transgredir o saber colonial imposto, e também nos trazem aspectos teatrais a serem investigados, constituintes de uma dramaturgia da resistência.

Considerações

Neste artigo busquei uma percepção crítica da construção da personagem negra e destaquei para isso os estudos científicos naturalistas difundidos, principalmente, ao longo do século XIX. Os paradigmas raciais apresentados fundamentaram o racismo científico e produziram inúmeros estereótipos no imaginário social, ao reforçar a cor da pele como um critério para classificar e legitimar as posturas e as condutas éticas e morais.

A polarização - inferior e superior - produzida pela tabela de classificação racial de Lineu sustentou um modo de pensar na sociedade e justificou a posição colonial de exploração e escravização dos diversos grupos étnicos do continente africano. Outro aspecto, discutido ao longo deste texto, é a necessidade de rever a história do teatro, concentrada em uma única narrativa.

No campo teatral, a problemática desenvolvida foi sobre a representação estigmatizada, ou seja, sustentada por padrões raciais que justificam e/ou limitam a ação dramática da personagem negra à sua condição imposta pelo sistema escravocrata. Ainda na área do teatro, penso que os desafios de uma produção dramatúrgica afro-brasileira encontram-se na urgência de desconstruir e construir referências que apresentem a personagem negra como elemento dramático potente, ao mesmo tempo em que se faz necessário enfrentar os limites de uma estrutura dramática.

Ao decorrer do artigo insisti na questão ideológica que atravessa a representação da personagem negra. Penso que esse ponto traz para o debate a necessidade de repensar a arte teatral como um espaço político que produziu historicamente personagens marcadas por uma herança naturalista. Como afirma Leda Maria Martins (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 43):

Através dessas marcas constantes na dramatização da persona negra, a convencionalização [sic] teatral repete um discurso do saber que se propõe como verdade. E é como saber e como verdade que esse discurso faz circular o poder estruturante e modelador das relações raciais no Brasil, legitimando, no estatuto das personagens, o estatuto das práticas de domínio social.

A afirmação da autora dialoga com os argumentos levantados neste texto, em que a representação de paradigmas na cena teatral reforça uma série de significados pejorativos, definindo, além de uma condição social, o lugar e a voz da personagem negra no palco. Ao compreender, portanto, o teatro como lugar de criação de imagens, espaço da representação, se faz necessário um esforço para criar outros significados, fabricar outras semânticas para esse signo negro produzido pela dramaturgia brasileira. A autora ainda alerta para o “[...] valor de significância negativo para o signo negro” (Martins, 1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 43). Esses valores pejorativos, enunciados na esfera da representação, constituem um processo de objetificação do signo negro, tornando-o produto de discursos hegemônicos.

Nesse sentido, concordo com Leda Maria Martins (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 43) ao enfatizar que “[...] a fala do negro nunca é a sua voz e, menos ainda, o seu discurso”. Logo, não será por acaso que artistas, intelectuais e militantes negros irão reivindicar no teatro o espaço de fala, isto é, retirar a personagem negra da zona do “indizível” - para utilizar o termo da autora (Martins, 1995). Trata-se de perceber o poder da produção de narrativas dramáticas e históricas.

Ao longo do texto, fiz considerações e aproximações sobre as teorias naturalistas produzidas no campo científico e o movimento naturalista que invade o fazer teatral. Essa perspectiva orientou muitas teorias teatrais acerca da encenação, confundindo-se - por vezes - com outro movimento histórico teatral, o realismo. De maneira geral, minhas provocações caminharam para uma percepção da estigmatização da personagem negra. Esse ponto é crucial para que o debate na área teatral sobre os efeitos do racismo se aprofunde como tópico integrante tanto do fazer teatral quanto das teorias teatrais.

Durante o texto, busquei, além de ressaltar a tensão histórico-social, perceber os desafios estruturais presentes na dramaturgia - principalmente, ao privilegiar o texto na cena. Nesse sentido, os aspectos formais dramáticos, fundamentados a partir dos postulados aristotélicos das três unidades de tempo, espaço e ação, fomentaram um debate e uma prática teatral sobre a égide do texto.

O que apresento neste artigo é que a insivibilidade da personagem negra está atravessada por uma ausência de uma representação teatral, isto é, estar na cena teatral como potência dramática; e uma tensão provocada por aspectos formais, em que a estrutura dramática orienta um tipo de encenação. Assim, teríamos as seguintes tensões: (1) a invisibilidade de narrativas históricas e dramáticas no contexto teatral; (2) os paradigmas e estereótipos presentes na composição de personagens negras e (3) as perspectivas epistemológicas adotadas nas teorias teatrais.

Penso que essas tensões citadas estão atreladas ao processo de colonização. Logo, a concentração de narrativas históricas a partir de uma única perspectiva configuraria uma posição colonial, no sentido de expropriar saberes, desconstituí-los de seus contextos: histórico, cultural e social. Para Kabengele Munanga (2012MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012., p. 27): “[...] a dominação colonial da África resultou da expansão de dois imperialismos: o do mercado, que se apropriou da terra, dos recursos e dos homens; o da história, que se apossou de um espaço conceitual novo: o homem não histórico”.

Por fim, diante da complexidade política-social, compreendo que cabe ainda, dentro da área teatral, investigações sobre as particularidades estéticas afro-diaspóricas e um processo de visibilidade de teorias teatrais que questionem o saber hegemônico, compreendendo a história e cultura afro-brasileira não como tema transversal, mas como tópico integrante do fazer teatral.

Referências

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  • LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
  • MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995.
  • MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.
  • MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB - Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, Niterói, UFF, n. 5, p. 15-34, 2004.
  • MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
  • NEVES, Marcia das. A Concepção de Raça Humana em Raimundo Nina Rodrigues. Revista Filosofia e História da Biologia, São Paulo, v. 3, p. 241-261, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf >. Acesso em: 21 jan. 2015.
    » http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf
  • PALLOTINI, Renata. Dramaturgia: a construção da personagem. 2. ed. São Paulo: Perspectiva , 2013.
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  • ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998.
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  • SANTOS, Joel Rufino dos. A História do Negro no Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2014.
  • SZONDI, Peter. Teoria do Drama Burguês. São Paulo: Cosac Naify , 2004.
  • TAVARES, Júlio. Dança de Guerra: arquivo e arma. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.
  • 15
    Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    Um exemplo foi o I Colóquio Internacional do Afro Contemporâneo nas Artes Cênicas, realizado e sediado pelo Instituto de Artes da UNESP – Universidade Estadual Paulista, realizado de 31 de março a 04 de abril de 2016. Mais informações sobre como foi o evento e a programação, acessar a página: <http://coloquioafrocontemporaneo.blogspot.com.br/p/programaca.html>. Acesso em: 21 jan. 2016.
  • 2
    Para citar alguns: o professor e pesquisador Júlio Tavares que publicou Dança de Guerra (2012TAVARES, Júlio. Dança de Guerra: arquivo e arma. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.), um material sobre a capoeira no território brasileiro e um debate sobre o corpo e as estratégias de resistência; a professora e pesquisadora Leda Maria Martins, com o livro Cena em sombras (1995)MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995.; o historiador Joel Rufino dos Santos com publicações como A história do negro no teatro brasileiro (2014)SANTOS, Joel Rufino dos. A História do Negro no Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2014. e a historiadora Miriam Garcia Mendes com a publicação de A personagem negra no teatro brasileiro (1982)MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982..
  • 3
    Conferência feita por Adichie em julho de 2009 e disponibilizada na plataforma do TED. Para assistir, acesse: <https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br>. Acesso em: 21 jan. 2016.
  • 4
    Ainda que, em alguns momentos o dramaturgo utilize uma série de estratégias narrativas formais para problematizar a visão sociodeterminista da época, é possível notar em algumas falas de “Helmer” (marido de Nora), uma visão naturalista que este tem sobre sua esposa. Destaco também que, embora, possamos interpretar a decisão de Nora ao final da peça como um ato de rebeldia ou contestação diante das atribuições machistas de seu marido e seu pai, há, na peça de Ibsen, a meu ver, uma tensão entre um pensamento naturalista (em que as condições sociais e naturais justificam o comportamento humano) e uma possível crítica aos padrões econômico-sociais de uma classe burguesa.
  • 5
    É o caso, por exemplo, dos textos teatrais de Cuti (Luiz Silva), escritor negro nascido em São Paulo que em suas peças segue uma estrutura dramática, apresentando temas relacionados ao racismo.
  • 6
    Por estrutura dramática, me refiro às características do gênero dramático, fundamentadas principalmente pelas três unidades: ação, tempo e lugar. Consultar referências como Peter Szondi (2004SZONDI, Peter. Teoria do Drama Burguês. São Paulo: Cosac Naify , 2004.) e Anatol Rosenfeld (1985)ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva , 1985. indicadas no artigo.
  • 7
    Compreendo que durante um período da história do teatro, principalmente no decorrer do século XX, pedagogos do teatro, como Constantin Stanislásvki, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba e Peter Brook buscaram em suas práticas teatrais princípios orientais e africanos para construir um teatro ritual, ou uma Antropologia Teatral – no caso de Barba. Entretanto, é interessante questionar a utilização e apropriação dessas práticas e perceber até que ponto se manteve uma posição colonial ou mesmo uma generalização das práticas culturais. Dito de outro momento, o que observei em alguns princípios da Antropologia Teatral é um deslocamento dos significados histórico-culturais desses grupos, em que prevalece, de certa maneira, a visão ocidental. Assim, o teatro balinês, o teatro japonês, o teatro africano são contados a partir de narrativas e práticas ocidentais. Embora não esteja no campo teatral, indico o estudo profundo e dedicado de Edward Said em seu livro Orientalismo (2007), cujas contribuições caminham no sentido de questionar essas narrativas genéricas, construindo um bloco cultural homogêneo.
  • 8
    An example was the 1st International Colloquium of the Contemporary Black in Performing Arts, performed and hosted by UNESP (Universidade Estadual Paulista) Arts Institute from March 31st to April 4th 2016. More information about how the event developed and the program, please access: <http://coloquioafrocontemporaneo.blogspot.com.br/p/programaca.html>. Accessed: 21 January 2016.
  • 9
    To mention a few: professor and researcher Júlio Tavares, who published Dança de Guerra [War dance] (2012TAVARES, Júlio. Dança de Guerra: arquivo e arma. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.), a material about capoeira in the Brazilian territory and a debate about the body and resistance strategies; professor and researcher Leda Maria Martins, with the book Cena em sombras [Scene in shadows] (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995.); the historian Joel Rufino dos Santos, with publications such as A história do negro no teatro brasileiro [The history of blacks in the Brazilian Theatre] (2014SANTOS, Joel Rufino dos. A História do Negro no Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2014.); and the historian Miriam Garcia Mendes, with the publication A personagem negra no teatro brasileiro [The black character in the Brazilian Theatre] (1982MENDES, Miriam Garcia. A Personagem Negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1982.).
  • 10
    Conference presented by Adichie in July 2009 and provided on TED platform. To watch it, please visit: <https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br>. Accessed: 21 January 2016.
  • 11
    Though, in some moments, the playwright uses a series of formal narrative strategies to problematize the social-deterministic vision of the period, it is possible to note, in some lines of “Helmer” (Nora’s husband), a neutralist vision that he has about his wife. I also highlight that, although we may interpret Nora’s decision in the play’s ending as a rebelliousness or contestation act in face of the sexist attributions of her husband and father, in my opinion regarding Ibsen’s play, there’s a tension between a neutralist thought (in which the social and natural conditions justify the human behavior) and a possible criticism to the economic-social standards of a bourgeois class.
  • 12
    For instance, it’s the case of Cuti’s (Luiz Silva) theatrical texts, a black writer born in São Paulo who suggests a dramatic structure in his plays, presenting themes related to racism.
  • 13
    I understand that during a period of the theatre history, especially along the 20th century, theater pedagogues, such as Constantin Stanislásvki, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba and Peter Brook, searched for eastern and African principles in their theatrical practices to build a ritual theatre or a Theatrical Anthropology – on Barba’s case. However, it is interesting to question the use and appropriation of these practices and realize to what extent a colonial position or even a generalization of the cultural practices were kept. So-called from another moment, what I observed in some principles of the Theatrical Anthropology, is a displacement of the historical-cultural meanings of these groups, in which prevails, in a certain way, the western vision. Thus, the Balinese theatre, Japanese theatre and the African theatre are narrated from western narratives and practices. Although this is not within the theatrical field, I indicate the deepen and dedicate study of Edward Said in his book Orientalismo [Orientalism] (2007), whose contributions walk in the sense of questioning these generic narratives, constructing a homogenic cultural block.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2016
  • Aceito
    06 Fev 2017
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