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Editorial

É chegada a hora de abordar mais um importante tema relacionado às Artes da Cena e à temática da Presença. Neste número, propomos uma imersão no universo da Educação Somática. Como os demais, este número nos rendeu bastante trabalho, mas também muita satisfação pelo alcance do tema e pela singularidade e riqueza das abordagens propostas nos textos.

Nossa tarefa foi ainda mais difícil pela quantidade de textos submetidos, o que corroborou ainda mais para ratificar a importância do tema, sua potência e interesse no campo das Artes da Cena no Brasil e no mundo. Em função disso, escolhemos dedicar todo o número ao tema da Somática e, ao contrário do que normalmente fazemos, não apresentamos aqui senão três seções dedicadas à chamada de capa.

Nossa publicação propõe-se, assim, à difícil tarefa de disponibilizar e divulgar textos que envolvem importantes e atuais discussões relativas às práticas cênicas, seja do ponto de vista da prática artística, pedagógica ou da pesquisa da cena contemporânea. Tais práticas foram pensadas, sobretudo, a partir de uma visão interdisciplinar com todos os seus desdobramentos; por isso mesmo, queríamos, há algum tempo, tematizar a Educação Somática.

Para compor este número, contamos com os trabalhos de autores nacionais e estrangeiros que problematizaram o tema, aportando diferentes perspectivas e aproximações. Esses textos foram alocados em seções temáticas para que possamos situá-los na ampla discussão que a temática encerra.

Assim, iniciamos com a seção Epistemologias da Somática, que engloba quatro textos e principia pelo trabalho da professora Ciane Fernandes, da Universidade Federal da Bahia, Brasil, com o artigo intitulado Quando o Todo é mais que a Soma das Partes: somática como campo epistemológico contemporâneo. No texto, a autora discute alguns aspectos referentes à Somática na contemporaneidade a partir de suas bases técnicas e conceituais, esclarecendo premissas e aplicações, bem como equívocos e restrições. Ela problematiza diferentes aspectos que incluem desde as origens do campo: conceitual, histórico e técnico; passando pelas premissas e princípios comuns desenvolvidos por técnicas somáticas diversas; e chegando à institucionalização em cursos profissionalizantes e/ou acadêmicos, bem como a Somática como campo autônomo terapêutico, educativo, estético e de pesquisa.

As professoras Priscila Rosseto Costa e Márcia Strazzacappa, da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, trazem-nos, sob o título A Quem possa Interessar: a Educação Somática nas pesquisas acadêmicas, uma análise crítica sobre os diferentes campos de conhecimento em que estão sendo realizadas as produções científicas sobre Educação Somática. A partir de um levantamento amplo e bem fundamentado, realizado junto a diferentes bases de dados acadêmicas - como artigos de periódicos, trabalhos de conclusão de curso de graduação, dissertações e teses -, as autoras visam, sobretudo, ofertar subsídios para trabalhos futuros.

Proveniente da Universidade de Bolonha, na Itália, temos o texto Dando Forma ao Corpo Vivo: paradigmas do soma e da autoridade em escritos de Thomas Hanna, da professora Margherita De Giorgi. Esse artigo delineia alguns aspectos das estratégias discursivas adotadas por Thomas Hanna para legitimar a Somática - assim como seu próprio método - aos olhos da comunidade científica. A noção de soma e as representações de suas funções serão reconhecidas no âmago dessa questão. Para enfatizar o persistente risco de dogmatismo da retórica científica, assim como sua influência na configuração de discursos somáticos, a autora reporta-se, principalmente, à epistemologia radical de Isabelle Ginot e à perspectiva crítica de Martha Eddy.

As francesas Joanne Clavel, do Museu Nacional de História Natural, de Paris, França, e Isabelle Ginot, da Universidadde de Paris 8 Vincennes Saint-Denis, França, traçam sua discussão a partir do trabalho Por uma Ecologia da Somática? O texto das professoras versa sobre o parentesco conceitual e teórico entre a Somática e a Ecologia Científica a partir da definição de uma noção científica de Ecologia. As autoras procuram definir três conceitos-chave da Ecologia: o de potencial, que permite descrever, de forma inovadora, o modelo de relação entre sujeito e meio ambiente no âmbito da Somática; e os de diversidade e reciprocidade, a partir dos quais o artigo se revela como um convite e um programa para se pensar a respeito da integração da Somática ao paradigma ecológico científico, recorrendo aos atores da Somática para transformar suas práticas de acordo com uma ética ambiental.

Sob o título de Técnicas, Métodos e Abordagens Somáticas, a segunda seção deste número é constituída de cinco artigos.

Débora Pereira Bolsanello, da Universidade de Quebec em Montreal, no Canadá, por exemplo, discute a pertinência do método Pilates ao campo da Educação Somática sob o instigante título Pilates é um Método de Educação Somática? A autora coloca em perspectiva o impacto do marketing - que vende o método Pilates como uma atividade de fitness - e as pesquisas acadêmicas realizadas sobre a aplicação do método no tratamento de diferentes disfunções, bem como seu papel na construção da estética da dança contemporânea.

É do ponto de vista da interdisciplinaridade que o professor Marcilio Souza Vieira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil, pensa as abordagens somáticas. Sob o título de Abordagens Somáticas do Corpo na Dança, o autor relaciona a Educação Somática a um campo interdisciplinar que se interessa pela consciência do corpo e seu movimento e que se propõe a uma descoberta pessoal de seus próprios movimentos, de suas próprias sensações. Para propor essa reflexão, o autor parte de uma abordagem fenomenológica pautada nos estudos de Merleau-Ponty, tomando como técnica de pesquisa a descrição merleaupontyana.

Com efeito, Paloma Bianchi e Sandra Meyer Nunes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, também do Brasil, em sua abordagem, partem do princípio de que a Educação Somática articula questões próximas aos estudos da percepção, tanto nas ciências cognitivas como na filosofia. A partir daí, elas desenvolvem o artigo A Coordenação Motora como Dispositivo para a Criação: uma abordagem somática na dança contemporânea, no qual problematizam a possibilidade de ampliação da área de atuação da Somática para transbordar sua função inicial de manutenção da saúde e melhora da qualidade técnica para habitar o campo da pesquisa e da criação em dança. As autoras pautaram-se em alguns princípios do estudo da coordenação motora de Béziers e Piret para apontar seus possíveis desdobramentos no processo de investigação e criação em dança via percepção.

O professor Odilon José Roble, da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil, também elegeu a relação entre o método Pilates e o campo da Educação Somática. Sob o título de Uma Interpretação Estética do Método Pilates: seus princípios e convergências com a Educação Somática, o autor discute os princípios e convergências entre o método Pilates e a Educação Somática em uma abordagem estético-filosófica das obras originais de Joseph Pilates. Para Roble, é tácito que o método pode contribuir de modo efetivo ao artista da cena, e são propostas algumas relações nesse sentido.

A professora Marie Bardet, da Universidade de Paris 8, na França, propõe retomar certos aspectos teóricos e práticos do método Feldenkrais, compreendendo-o como método somático que pretende deslocar a perspectiva do trabalho corporal sobre um corpo-objeto para a de uma educação centrada na atenção pelo movimento. Sob o título de A Atenção através do Movimento: o método Feldenkrais como disparador de um pensamento sobre a atenção, Bardet faz um estudo filosófico de tal deslocamento, discutindo seus efeitos conceituais e concretos a partir de uma tripla caracterização dessa atenção (awareness): dinâmica, diferencial e tendencial. Cada uma dessas características foi estudada a partir de exemplos concretos da prática, de citações de textos de Feldenkrais e da retomada de uma referência fundadora: a lei de Weber-Fechner.

Na última seção, Somática, Poéticas e Educação, apresentamos os dois últimos textos deste número. A professora Patrícia de Lima Caetano, da Universidade Federal do Ceará, Brasil, com o seu texto Por uma Estética das Sensações: o corpo intenso dos Bartenieff Fundamentals e do Body-Mind Centering(r) , discute conceitos e propostas metodológicas que abordam um estudo teórico e prático acerca do corpo, entendendo-o como matéria expressiva em constante mutação e processo de reinvenção. Para tanto, tece uma aproximação de duas abordagens somáticas, os Bartenieff Fundamentals(tm) e o Body-Mind Centering(r) . O intuito da autora foi o de perceber como essas abordagens possibilitam a construção de um corpo intensivo que engendra uma estética das sensações.

Para finalizar essa seção, temos uma análise que se debruça sobre um precioso relato de experiência da professora Heloisa Corrêa Gravina, da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil, sob o título de Eu tenho um Corpo, eu sou um Corpo: abordagens somáticas do movimento na graduação em dança. Nesse artigo, a autora parte de sua experiência com abordagens somáticas do movimento no curso de Bacharelado em Dança da Universidade Federal de Santa Maria para propor uma discussão acerca das implicações pedagógicas e artísticas dessa escolha. Ela explicita seu ponto de vista como professora e artista, bem como sua compreensão do uso das abordagens somáticas na dança, e convida a uma incursão na experiência dos alunos.

Com esse leque de possibilidades, procuramos cumprir nosso objetivo: incitar as temáticas emergentes na pesquisa em Artes da Cena. Desejamos uma boa leitura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015
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