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Transtorno do desenvolvimento da coordenação: o desempenho escolar de adolescentes sob a percepção docente

Developmental Coordination Disorder: adolescents’ school performance from teachers’ perspective

Trastorno del Desarrollo de la Coordinación: el rendimiento escolar de los adolescentes desde la perspectiva del profesor

Resumo:

O transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) representa sério comprometimento na coordenação motora, que afeta negativamente as atividades de vida escolar. O desconhecimento sobre esse transtorno pode contribuir para o abandono e a exclusão do aluno no ambiente escolar. Por meio de caracterização com abordagem qualitativa, este estudo busca conhecer as percepções de professores sobre adolescentes com provável transtorno do desenvolvimento da coordenação (pTDC). Como técnica de coleta, utilizamos a entrevista narrativa e a examinamos por meio da análise textual do discurso. Participaram 11 professores do ensino fundamental - anos finais, atuantes nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Educação Física, e oito adolescentes (quatro identificados com pTDC e quatro livres dessa condição). A investigação foi realizada em quatro escolas da rede estadual de ensino da cidade de Manaus, Amazonas. Os achados indicam que os professores percebem comportamentos, ações e atitudes relacionadas ao pTDC, mas não intervêm ou auxiliam os adolescentes de forma efetiva por desconhecerem o fenômeno e os fatores a ele associados.

Palavras-chave:
percepção docente; transtornos da habilidade motora; educação inclusiva

Abstract:

Developmental Coordination Disorder (DCD) represents a significant impairment in motor coordination, which impacts negatively school life activities. Ignorance about this disorder might contribute to student dropout and exclusion in the school environment. Using characterization and adopting a qualitative approach, this work aims at understanding teacher’s perceptions of adolescents with probable Developmental Coordination Disorder (pDCD). Data collection techniques included narrative interviews, which were examined through textual discourse analysis. Eleven teachers from the final years of elementary school (who teach Portuguese, Mathematics and Physical Education) and eight adolescents (four identified with pDCD and four without such condition) participated. The investigation was carried out in four public schools in the city of Manaus, Amazonas. Findings indicate that teachers perceive behaviors, actions and attitudes related to pDCD, but do not effectively intervene or assist adolescents because they are unaware of the phenomenon and its associated factors.

Keywords:
teacher perception; motor skill disorders; inclusive education

Resumen:

El Trastorno del Desarrollo de la Coordinación (TDC) representa una alteración grave de la coordinación motora, que afecta negativamente a las actividades de la vida escolar. El desconocimiento de este trastorno puede contribuir para el abandono y a la exclusión del alumno en el ambiente escolar. Utilizando un enfoque cualitativo, este estudio busca conocer las percepciones de los profesores sobre los adolescentes con probable Trastorno del Desarrollo de la Coordinación (pTDC). Como técnica de recolección, se fueron utilizadas entrevistas narrativas y se analizaran mediante análisis del discurso textual. Los participantes fueron 11 profesores de la enseñanza primaria - últimos años que trabajaban las disciplinas de Lengua Portuguesa, Matemáticas y Educación Física, y 8 adolescentes (4 identificados con pTDC y 4 libres de esta condición). La investigación se llevó a cabo en cuatro escuelas estatales de la ciudad de Manaus (Brasil). Los resultados indican que los profesores perciben comportamientos, acciones y actitudes relacionadas con el pTDC, pero no intervienen ni ayudan eficazmente a los adolescentes porque desconocen el fenómeno y sus factores asociados.

Palabras clave:
percepción docente; trastornos de la motricidad; educación inclusiva

Introdução

O desenvolvimento humano é um processo contínuo de mudanças, que envolve momentos de estabilidade e instabilidade ao longo de todo o ciclo da vida (Papalia; Feldman, 2013PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.). Essas mudanças abrangem os três principais domínios do desenvolvimento: 1) cognitivo, que inclui padrões de mudança nas habilidades mentais; 2) psicossocial, que compreende padrões de mudança nas emoções, nos relacionamentos sociais e na personalidade; e 3) físico, que engloba o crescimento corporal e cerebral, bem como padrões de mudança nas habilidades sensoriais e motoras (Papalia; Feldman, 2013PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.).

Quando as mudanças nas habilidades motoras não ocorrem ou sofrem atrasos que prejudicam a interação entre o indivíduo e o seu ambiente, é possível que estejamos diante do transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) com consequentes perturbações no desempenho das atividades de vida diária - AVD - e das atividades de vida escolar - AVE (APA, 2013AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 74-77.).

A alta prevalência de alunos com TDC nos primeiros anos de vida escolar nos contextos internacional (Girish; Raja; Kamath, 2016GIRISH, S.; RAJA, K.; KAMATH, A. Prevalence of developmental coordination disorder among mainstream school children in India. Journal of Pediatric Rehabilitation Medicine, Amsterdam, v. 9, n. 2, p. 107-116, May 2016.), nacional (Santos; Vieira, 2013SANTOS, V. A. P.; VIEIRA, J. L. L. Prevalência de desordem coordenativa desenvolvimental em crianças com 7 a 10 anos de idade. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 233-242, abr. 2013. ; Silva; Beltrame, 2013SILVA, J.; BELTRAME, T. S. Indicativo de Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação de escolares com idade entre 7 e 10 anos. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 35, n. 1, p. 3-14, jan./mar. 2013.; Valentini; Clark; Whitall, 2015VALENTINI, N. C.; CLARK, J. E.; WHITALL, J. Developmental co-ordination disorder in socially disadvantaged Brazilian children. Child: Care, Health and Development, [S. l.], v. 41, n. 6, p. 970-979, Nov. 2015. ) e amazonense, especificamente no Norte do Brasil (Souza et al., 2007SOUZA, C. et al. O teste ABC do movimento em crianças de ambientes diferentes. Revista Portuguesa de Ciência do Desporto, Porto, Portugal, v. 7, n. 1, p. 36-47, jan./abr. 2007.; Santos et al., 2015SANTOS, J. O. L. et al. Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: um desafio oculto no cotidiano escolar manauara. Revista Amazônida, Manaus, v. 20, n. 2, p. 1-15, jul./dez. 2015. ; Cabral, 2018CABRAL, G. C. F. Prevalência de crianças com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: um saber necessário para inclusão educacional no contexto amazônico. 2018. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2018.), levou-nos a refletir sobre: os efeitos negativos desse transtorno na vida escolar de adolescentes; como esses alunos são percebidos por seus professores; e quais abordagens são adotadas para minimizar os impactos negativos nas AVE.

Transtorno do desenvolvimento da coordenação

O TDC é um distúrbio comum e crônico que afeta 6% dos escolares (APA, 2013AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 74-77.; Blank et al., 2019BLANK, R. et al. International clinical practice recommendations on the definition, diagnosis, assessment, intervention, and psychosocial aspects of Developmental Coordination Disorder. Developmental Medicine & Child Neurology, [London], v. 61, n. 3, p. 242-285, Mar. 2019. ). Pelo menos 2% de todos os indivíduos com inteligência típica experimentam consequências graves na vida cotidiana, incluindo a produtividade acadêmica, e outros 3% têm um grau de comprometimento funcional nas AVD ou nas AVE (Lingam et al., 2012LINGAM, R. et al. Mental health difficulties in children with Developmental Coordination Disorder. Pediatrics, [S. l.], v. 129, n. 4, p. 882-891, Apr. 2012.). No entanto, o TDC é pouco reconhecido pelos profissionais da saúde e, principalmente, da educação (Missiuna; Rivard; Barlett, 2006MISSIUNA, C.; RIVARD, L.; BARLETT, D. Exploring assessment tools and the target of intervention for children with Developmental Coordination Disorder. Physical & Occupational Therapy in Pediatrics, [S. l.], v. 26, n. 1-2, p. 71-89, 2006.; Wilson et al., 2013WILSON B. N. et al. Further validation of the Developmental Coordination Disorder questionnaire. Calgary, Canada: University of Calgary, 2013.).

As dificuldades motoras advindas do TDC são descritas como um sério comprometimento no desenvolvimento da coordenação motora, que não é explicável unicamente em termos de retardo intelectual, global ou qualquer transtorno neurológico congênito ou adquirido - a não ser aquela que possa estar implícita na anormalidade da coordenação (Pulzi; Rodrigues, 2015PULZI, W.; RODRIGUES, G. M. Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 21, n. 3, p. 433-444, jul./set. 2015.).

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5, quatro critérios devem ser atendidos para se obterem a identificação e o diagnóstico do TDC. Quando um desses critérios não é atendido, recomenda-se a utilização do termo “provável TDC” - pTDC (Smits-Engelsman et al., 2015SMITS-ENGELSMAN, B. et al. Diagnostic criteria for DCD: past and future. Human Movement Science, Amsterdam, v. 42, p. 293-306, Aug. 2015.).

Para a identificação e o diagnóstico do TDC, é necessário ter atenção a quatro critérios definidos pelo manual:

A aprendizagem e execução de habilidades motoras coordenadas estão substancialmente abaixo do esperado dada a idade cronológica da pessoa e oportunidade para aquisição e uso das habilidades motoras. As dificuldades manifestam-se por “desajeitamento” (por exemplo, deixar cair ou bater em objetos), bem como lentidão e imprecisão do desempenho de habilidades motoras, por exemplo, pegar um objeto, usar uma tesoura ou talheres, caligrafia, andar de bicicleta e participar de esporte. Os déficits nas habilidades motoras mencionados no critério A interferem significativa e perceptivamente nas atividades de vida diária adequada à idade cronológica (por exemplo, autocuidado e automanutenção), na produtividade acadêmica/escolar, nas atividades pré-profissionais e profissionais, de lazer e de jogos. Os primeiros sintomas acontecem no período inicial de desenvolvimento. Os déficits nas habilidades motoras não são explicados por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou deficiência visual e não são atribuíveis a condição neurológica que afeta o movimento (por exemplo, distrofia muscular, paralisia cerebral ou doença degenerativa). (APA, 2013AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 74-77., p. 74).

Desse modo, a percepção do docente quanto às dificuldades dos escolares com TDC passa a ter um papel fulcral na minimização dos efeitos do transtorno nas AVE.

Percepção docente

No contexto escolar, a percepção irá definir o método de ensino do professor de acordo com a observação acerca da linguagem e das atitudes dos alunos. O olhar perceptivo do professor sobre o processo de aprendizagem é importante, pois sua postura e sua atitude podem ajudar ou prejudicar o desenvolvimento e a aprendizagem do estudante, principalmente se este apresentar algum transtorno de aprendizagem (Drouet, 1995DROUET, R. C. R. Distúrbios da aprendizagem. São Paulo: Ática , 1995. ; Chauí, 2000CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. ).

Os professores devem estar preparados, principalmente quanto à identificação de alunos que necessitam de atendimento escolar especializado em razão das dificuldades cognitivas e comportamentais relacionadas ao processo de aprendizagem, bem como das complicações decorrentes de transtornos motores (Porath, 1996PORATH, M. Affective and motivational considerations in the assessment of gifted learners. Roeper Review, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 13-17, May 1996.), como o TDC, que impacta negativamente a vida dos estudantes - sobretudo na fase da adolescência - durante a realização de atividades na sala de aula e nos intervalos escolares (Missiuna; Rivard; Barlett, 2003MISSIUNA, C.; RIVARD, L.; BARLETT, D. Early identification and risk management of children with Developmental Coordination Disorder. Pediatric Physical Therapy, [Los Angeles, USA], v. 15, n. 1, p. 32-38, 2003. ).

Entendemos que, se os professores acreditarem que incluir significa quebrar barreiras e que cruzar fronteiras permite trocas no processo de construção do conhecimento, eles promoverão, de fato, os direitos propostos pela educação inclusiva (EI). Assim, este estudo objetivou investigar qual a percepção dos professores sobre o desempenho escolar de adolescentes com pTDC.

Metodologia

Esta pesquisa é classificada como de caracterização com abordagem qualitativa (Volpato, 2007VOLPATO, G. Bases teóricas para redação científica: por que seu artigo foi negado? São Paulo: Cultura Acadêmica; Vinhedo: Scripta, 2007.) e foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Os dados empregados são oriundos de uma dissertação de mestrado 1 1 Percepção docente sobre o desempenho escolar de adolescentes com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação, de Samia Darcila Barros Maia. .

O objetivo geral deste estudo foi conhecer a percepção dos professores sobre o desempenho escolar de adolescentes com provável TDC. Para atingir esse propósito, traçamos os seguintes objetivos específicos: 1) identificar a percepção dos professores sobre os adolescentes com pTDC em relação ao seu desempenho em tarefas de Matemática; 2) determinar a percepção de professores sobre adolescentes com pTDC quanto ao seu desempenho em tarefas de Língua Portuguesa; 3) descrever a percepção de professores sobre adolescentes com pTDC considerando seu desempenho em tarefas de habilidades motoras.

Participantes

Participaram da investigação 11 professores do ensino fundamental - anos finais (6º ao 9º ano), responsáveis pelas seguintes disciplinas escolares: Língua Portuguesa (LP), Matemática (MA) e Educação Física (EF). As duas primeiras disciplinas (LP e MA) foram escolhidas por comporem a base de avaliação externa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e ocuparem maior carga horária semanal; logo, com mais oportunidades de observação do desempenho escolar dos estudantes. Já a disciplina de EF possibilita aos docentes a observação dos alunos quanto à manifestação de diversos comportamentos, em especial do domínio motor.

Utilizamos os seguintes critérios de inclusão: a) professores do ensino fundamental - anos finais; b) professores que atuavam no local da pesquisa há pelo menos um ano; e c) professores que ministravam aulas para adolescentes com identificação de pTDC. Excluímos os substitutos ou auxiliares, aqueles que lecionavam de forma complementar as disciplinas e os que não possuíam pós-graduação.

Conforme o Quadro 1, cada escola contribuiu com três professores (exceto a Escola 4, da qual um professor se recusou a participar). Para proteger as identidades, todos os participantes foram descritos como do sexo masculino.

Quadro 1
Relação de participantes por escola e zona

Participaram também, de forma indireta, oito alunos do ensino fundamental - anos finais, sendo quatro com indicativo severo de provável TDC, os quais foram escolhidos a partir de uma amostra de 400 estudantes de 11 a 14 anos que responderam a um questionário para reconhecimento de adolescentes com pTDC, realizado pelo Laboratório de Desenvolvimento Motor Humano (LECOMH). Esta pesquisa atendeu aos critérios A e B do DSM-5.

Local da pesquisa

Escolhemos quatro escolas da rede pública estadual de ensino situadas nas regiões leste, norte, sul e oeste da cidade de Manaus, Amazonas.

Instrumento de coleta das informações

Utilizamos a entrevista narrativa não estruturada como instrumento de coleta das informações, na qual o entrevistador, após fazer a pergunta, concede tempo indeterminado ao participante para respondê-la (Moraes; Galiazzi, 2011MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2011. (Coleção Educação em Ciências).).

Procedimentos

Após a identificação dos estudantes com e sem pTDC, escolheu-se uma dupla composta por um adolescente com pTDC e um adolescente livre dessa condição, matriculados no mesmo ano, turno e turma, para cada uma das quatro escolas.

Como o foco do nosso estudo foi a percepção do professor, questionamos aos docentes sobre pares de estudantes expostos aos mesmos estímulos e condições escolares durante as entrevistas. Como resultado, chegamos a uma amostra de oito adolescentes que contribuíram indiretamente para esta investigação.

Acreditamos ser fundamental entrevistar professores sobre adolescentes com pTDC e sobre os não acometidos pela condição, sendo estes últimos um grupo de controle, para fortalecer a credibilidade dos relatos coletados.

Em um primeiro momento, a questão geradora indagaria a percepção do professor acerca dos dois adolescentes, simultaneamente: “Como é o desempenho dos alunos X e Y na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades deles?”. No entanto, após a realização do estudo-piloto, decidimos entrevistar os professores acerca de cada adolescente separadamente. Ressaltamos que, para evitar qualquer viés ou influência nas respostas dos entrevistados, eles não foram informados a respeito de qual adolescente tinha pTDC, mas foram informados que a entrevista seria acerca do desempenho escolar dos alunos.

Nesse percurso, chegamos às seguintes questões geradoras: 1) Como está o desempenho do aluno X na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades dele?; e 2) Como está o desempenho do aluno Y na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades dele?

Para a execução da entrevista narrativa, seguimos as orientações de Moraes e Galiazzi (2011MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2011. (Coleção Educação em Ciências).). A entrevista foi realizada em dia, local e horário acordados com os entrevistados, individualmente, com filmagem e gravação de áudio, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

No início, os professores receberam um formulário de apoio contendo informações sobre o adolescente: nome, turma e turno escolar que frequentava. Com o docente de posse da ficha de apoio, líamos a primeira questão. A duração média das entrevistas foi de 40 minutos, sendo que, na fase final (a fala final), as filmagens foram interrompidas e foi realizada uma conversa mais informal, incluindo os agradecimentos.

Análise de dados

Os textos gerados pelas narrativas dos participantes foram analisados por meio da análise textual do discurso (ATD), a qual tenta construir um metatexto descritivo e interpretativo por meio do conjunto de textos produzidos durante a coleta de informações (Moraes; Galiazzi, 2011MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2011. (Coleção Educação em Ciências).). A etapa seguinte foi a interpretação, que, segundo os autores, é um exercício de construção e expressão, um aprofundamento seguido da construção do metatexto, que denominaremos de “discussão de resultados” (Figura 1).

Figura 1
Projeto de análise de dados

Ao finalizarmos as etapas, obtivemos o metatexto, que nos permitiu interpretar e discutir os achados deste estudo acerca das percepções dos professores sobre os adolescentes com pTDC.

Resultados e discussão

Com base no conceito de percepção de Chauí (2000CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. ) - uma observação seguida de uma atitude -, respondemos à nossa questão de pesquisa afirmando que os professores percebiam comportamentos, ações e atitudes relacionadas ao pTDC, mas não intervinham, orientavam ou ajudavam os alunos de forma eficaz, em razão do desconhecimento do fenômeno e dos fatores a ele associados.

Em seguida à pergunta geradora da entrevista “Como está o desempenho do aluno na sua disciplina e em que momento você percebe as dificuldades dele?”, as respostas dos professores foram transcritas e separadas em três categorias: 1) percepção inicial do adolescente (Quadros 2, 3, 4 e 5); 2) a que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Quadros 6, 7, 8 e 9); e 3) atitudes tomadas em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Quadros 10, 11, 12 e 13).

Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente

Quadro 2
Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente (Escola 1) Escola 1

Quadro 3
Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente (Escola 2) Escola 2

Quadro 4
Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente (Escola 3) Escola 3

Quadro 5
Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente (Escola 4) Escola 4

Falta de atenção, ausência de concentração, agitação, dificuldade no manuseio de materiais e inquietação foram expressões utilizadas pelos professores para descrever os alunos com pTDC (Missiuna et al., 2007MISSIUNA, C. et al. A trajectory of troubles: parents' impressions of the impact of Developmental Coordination Disorder. Physical & Occupational Therapy in Pediatrics, [S. l.], v. 27, n. 1, p. 81-101, 2007. ).

Segundo Goulardins et al. (2015GOULARDINS, J. B. et al. Attention deficit hyperactivity disorder and developmental coordination disorder: two separate disorders or do they share a common etiology. Behavioural Brain Research, Amsterdam, v. 292, p. 484-492, Oct. 2015.), os indivíduos com TDC apresentam graus variados de déficit motor desde a infância, podendo ou não se combinarem com outros transtornos, como déficit de atenção, linguagem, aprendizagem e questões psicossociais, mas a característica comum entre eles é variável: lentidão, menor acuidade motora e dificuldade em aprender habilidades motoras típicas da infância, como atividades práticas nas aulas de Educação Física.

Ao descreverem o Aluno 3, os professores notaram ilegibilidade de sua caligrafia, irritação e tristeza com sua limitação, condição que pode levar a uma baixa autopercepção de suas habilidades. A discalculia, transtorno que pode coocorrer no TDC (Visser, 2003VISSER, J. Developmental Coordination Disorder: a review of research on subtypes and comorbidities. Human Movement Science , Amsterdam, v. 22, n. 4-5, p. 479-493, Nov. 2003. ), também foi mencionada.

A coocorrência de dificuldades de aprendizagem e outros transtornos com transtorno motor não é incomum em indivíduos com TDC, assim como falta de atenção; hiperatividade (Piek; Pitcher; Hay, 1999PIEK, J. P.; PITCHER, T. M.; HAY, D. A. Motor coordination and kinaesthesis in boys with attention deficit-hyperactivity disorder. Developmental Medicine & Child Neurology, [London], v. 41, n. 3, p. 159-165, Mar. 1999. ; Dewey et al., 2002DEWEY, D. et al. Developmental Coordination Disorder: associated problems in attention, learning, and psychosocial adjustment. Human Movement Science, Amsterdam, v. 21, n. 5-6, p. 905-918, Dec. 2002.); dislexia (Geuze; Kalverboer, 1994GEUZE, R. H.; KALVERBOER, A. F. Tapping a rhythm: a problem of timing for children who are clumsy and dyslexic? Adapted Physical Activity Quarterly, [S. l.], v. 11, n. 2, p. 203-213, 1994.); transtorno de linguagem (Hill; Brown, 2013HILL, E. L.; BROWN, D. Mood impairments in adults previously diagnosed with Developmental Coordination Disorder. Journal of Mental Health, London, v. 22, n. 4, p. 334-340, Aug. 2013.); dificuldade de aprendizagem (Polatajko; Fox; Missiuna, 1995POLATAJKO, H.; FOX, M.; MISSIUNA, C. An international consensus on children with Developmental Coordination Disorder. Canadian Journal of Occupational Therapy, [S. l.], v. 62, n. 1, p. 3-6, Apr. 1995. ); problemas perceptivos motores e questões sociais e afetivas (Piek; Pitcher; Hay, 1999PIEK, J. P.; PITCHER, T. M.; HAY, D. A. Motor coordination and kinaesthesis in boys with attention deficit-hyperactivity disorder. Developmental Medicine & Child Neurology, [London], v. 41, n. 3, p. 159-165, Mar. 1999. ).

O Aluno 3 evita participar de aulas práticas de Educação Física, possivelmente por dificuldades com atividades com bola, com situações em que há comparação de desempenho e jogos em equipe, atividades que são desagradáveis para quem tem TDC (Henderson; Sugden; Barnett, 2007HENDERSON, S. E.; SUGDEN, D. A.; BARNETT, A. L. Movement assessment battery for children. 2nd. ed. London: Harcourt Assessment, 2007.).

Nas impressões iniciais dos docentes sobre o Aluno 5, notamos sinais de ciclo de autoexclusão e irritação, que provavelmente são causados por dificuldades motoras. Eles relataram o envolvimento do adolescente em brigas, atitude que pode mascarar sentimentos de insatisfação e fracasso, comuns em adolescentes com TDC (Piek; Pitcher; Hay, 1999PIEK, J. P.; PITCHER, T. M.; HAY, D. A. Motor coordination and kinaesthesis in boys with attention deficit-hyperactivity disorder. Developmental Medicine & Child Neurology, [London], v. 41, n. 3, p. 159-165, Mar. 1999. ). Crianças com TDC apresentam maior índice de introversão, baixa competência física, comportamento social negativo e alto nível de ansiedade (Schoemaker; Kalverboer, 1994SCHOEMAKER, M. M.; KALVERBOER, A. F . Social and affective problems of children who are clumsy: how early do they begin? Adapted Physical Activity Quarterly, [S. l.], v. 11, n. 2, p. 130-140, 1994. ), o que suscita a possibilidade de amplificação desses sentimentos e comportamentos na adolescência.

Carvajal (1998CARVAJAL, G. Tornar-se adolescente: a aventura de uma metamorfose: uma visão psicanalítica da adolescência. São Paulo: Cortez, 1998.) define a adolescência como um período de instabilidade hormonal e emocional causada pela busca de aceitação e pela necessidade de inserção em um grupo. O autor destaca que, na adolescência, as opiniões do ciclo familiar deixam de ser tão importantes quanto as do ciclo de amigos e que o peso e a necessidade de aceitação em determinados grupos da mesma faixa etária logo se tornam maiores.

Os adolescentes demonstraram uma variedade de comportamentos associados ao pTDC em todos os relatos transcritos. A baixa capacidade deles de ler, copiar textos, usar tesouras, organizar o próprio material escolar e concluir tarefas em sala de aula no tempo exigido reflete negativamente em sua participação nas atividades da vida escolar (Huau; Velay; Jover, 2015HUAU, A.; VELAY, J. L.; JOVER, M. Graphomotor skills in children with Developmental Coordination Disorder (DCD): handwriting and learning a new letter. Human Movement Science, Amsterdam, v. 42, p. 318-332, Aug. 2015.).

Como consequência, apresentam desempenho escolar pior do que seus pares da mesma idade cronológica. Assim, identificamos que, ao se referirem aos aspectos comportamentais dos adolescentes, os professores percebiam as dificuldades, mas as atribuíam apenas ao desinteresse dos alunos e de seus familiares pelos estudos.

Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente

Quadro 6
Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Escola 1)

Quadro 7
Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Escola 2)

Quadro 8
Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Escola 3)

Quadro 9
Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Escola 4)

Ao refletir sobre a que ou a quem atribuía o comportamento dos adolescentes, apenas um professor fez menção ao déficit de atenção, sugerindo avaliação médica como forma de confirmação de sua suspeita. Outro professor (EF) atribuiu as dificuldades de seus alunos ao excesso de peso. Lembramos que essa característica pode ser uma das consequências do TDC, pois os adolescentes são mais propensos a adotar hábitos de vida sedentários em razão dos transtornos motores (Allison et al., 2007ALLISON, K. R. et al. The decline in physical activity among adolescent students: a cross-national comparison. Canadian Journal of Public Health, Toronto, Canada, v. 98, n. 2, p. 97-100, Mar./Apr. 2007.).

A maioria dos professores atribuiu o mau desempenho dos adolescentes às suas famílias. Segundo Oliveira e Marinho-Araújo (2010OLIVEIRA, C. B. E.; MARINHO-ARAÚJO, C. M. A relação família-escola: intersecções e desafios. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 27, n. 1, p. 99-108, jan./mar. 2010.), o bom desempenho dos alunos é resultado de uma “boa” dinâmica familiar. Assim, essa abordagem focaliza os determinantes psicológicos presentes na estrutura familiar como os principais responsáveis pelas congruências e dissonâncias entre objetivos e valores nas duas instituições. Tais determinantes estão relacionados ao funcionamento familiar em termos da capacidade da família em ser flexível para lidar com as demandas da vida cotidiana, demonstrar proximidade afetiva e engajar-se na comunicação profunda entre seus membros.

A interação dos fatores que definem a dinâmica familiar se manifesta em maiores ou menores níveis de funcionalidade na relação família-escola (Wagner; Tronco; Armani, 2011WAGNER, A.; TRONCO, C.; ARMANI, A. B. Os desafios da família contemporânea: revisitando conceitos. In: WAGNER, A. (Org.). Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto Alegre: Artmed , 2011. p. 19-35. ). No entanto, as concepções de senso comum, vistas no discurso dos docentes, tendem a dicotomizar as relações familiares em normais e patológicas e, consequentemente, presumir resultados no desempenho escolar dos adolescentes. Isso indica que a família tanto apoiou quanto foi responsabilizada pelo sucesso escolar de seus filhos (Oliveira; Marinho-Araújo, 2010OLIVEIRA, C. B. E.; MARINHO-ARAÚJO, C. M. A relação família-escola: intersecções e desafios. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 27, n. 1, p. 99-108, jan./mar. 2010.).

Ao olharmos mais de perto os relatos dos professores, percebemos que as características associadas às dificuldades dos adolescentes não foram atribuídas ao pTDC, e, sim, ao desleixo, à preguiça adolescente e à falta de envolvimento da família. Essa atitude por parte dos professores revela o desconhecimento do fenômeno e de como suas características afetam os adolescentes com essa condição. Por outro lado, afirmamos que o desconhecimento sobre o fenômeno TDC não os exime da assistência a esses adolescentes, muito menos justifica a transferência dessa responsabilidade para a escola e os familiares dos alunos.

Historicamente, a escola tem apresentado um modelo de educação que privilegia uma minoria; ao mesmo tempo, tem reforçado um processo de inclusão legitimado pelas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. E, apesar do processo de democratização, esse modelo de educação tem se mostrado ambíguo, pois os mesmos sistemas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola e da sociedade.

Entender os conceitos de educação inclusiva (EI) e educação especial (EE) não é uma tarefa simples. A EE é destinada ao público-alvo da educação especial (ex.: alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação), enquanto a educação inclusiva visa a todos (ex.: alunos que não conseguiram concluir a educação básica na idade certa e, por esse motivo, optaram pela educação de jovens e adultos; alunos indígenas, quilombolas, do campo, alunos público-alvo da educação especial, alunos com dificuldades de aprendizagem, entre outros). Dessa forma, consideramos pertinente tratar estudantes com TDC como um público integrante da educação inclusiva, conforme as Diretrizes do MEC (Brasil. MEC, 1997BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental. Brasília, DF: MEC, 1997.) e Farias (2020FARIAS, L. R. L. C. Caracterização do desempenho escolar de adolescentes com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. 2020. 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2020.), Cabral (2018CABRAL, G. C. F. Prevalência de crianças com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: um saber necessário para inclusão educacional no contexto amazônico. 2018. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2018.), Lafayette (2020LAFAYETTE, E. S. S. Autoconceito em adolescentes com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. 2020. 93 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2020.), Morais (2020MORAIS, L. C. Habilidades sociais de adolescentes com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: um estudo à luz da educação inclusiva. 2020. 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2020.), Rodrigues (2019RODRIGUES, R. S. Caracterização do desempenho escolar de crianças com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação. 2019. 113 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2019.) e Souza (2018SOUZA, M. I. A. Caracterização de desempenho motor de pré-escolares: luxo ou necessidade para o processo de inclusão? 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2018.).

O desconhecimento do TDC no contexto escolar favorece a desassistência e promove a exclusão de adolescentes. Isso nos leva às ideias de Stainback e Stainback (1999STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed , 1999. ), que definem a EI como a prática de incluir “todos”, independentemente de talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural, em escolas e salas de aula em que suas necessidades são atendidas.

No entanto, acreditamos que o simples conhecimento do TDC não garante que atitudes efetivas sejam adotadas pelos docentes, pois eles próprios reconhecem suas dificuldades no atendimento aos alunos público-alvo da EE e da EI, bem como àqueles com pTDC, o que demonstra limitação na concretude da EI para todos os seus alunos e mostra, também, a ausência de políticas públicas voltadas para essa população.

Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares

Quadro 10
Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Escola 1)

Quadro 11
Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Escola 2)

Quadro 12
Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Escola 3)

Quadro 13
Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Escola 4)

No que se refere à tomada de atitudes, observamos que os professores frequentemente terceirizaram as responsabilidades, há falta de envolvimento pedagógico/familiar e de compromisso para a tomada de atitudes que possam minimizar tais dificuldades dos adolescentes. Esses fatores confirmam a invisibilidade dos transtornos motores no contexto escolar e a negligência quanto à assistência a adolescentes, ignorando suas dificuldades escolares e violando seus direitos constitucionais.

Os professores relataram a troca de informações sobre o desempenho dos adolescentes entre os colegas em busca de sugestões de melhorias na metodologia de ensino e a superlotação das turmas como barreiras para o atendimento às necessidades educacionais dos adolescentes. Alegaram ter encaminhado observações referentes às dificuldades dos adolescentes e à sua situação escolar, em termos de comportamentos e notas, à direção da escola e ao apoio pedagógico. No entanto, não receberam nenhum feedback sobre os casos.

Tiba (1998TIBA, I. Ensinar aprendendo: como superar os desafios do relacionamento professor/aluno em tempos de globalização. 4. ed. São Paulo: Gente, 1998., p. 164) está correto quando diz que “a escola deve informar os pais sobre o significado de sua participação. Um dos principais motivadores para que eles estudem é o interesse em acompanhar os estudos dos filhos”. Segundo o autor, deve-se destacar a importância da participação da família e a força que ela tem no âmbito da garantia indiscriminada dos direitos de todos os alunos, independentemente de qual seja sua deficiência ou dificuldade escolar.

No que diz respeito à proteção dos direitos educacionais dos alunos, de maneira geral ou para grupos específicos, como pessoas com deficiência, transtornos do desenvolvimento ou transtornos motores, todos eles são defendidos por leis que, em sua maioria, decorreram do envolvimento e da manifestação dos familiares. Acreditamos e enfatizamos a importância de refletir sobre o papel da família na garantia de melhorias na qualidade do ensino dos alunos, bem como de reconhecer a força de sua voz e suas atitudes para sustentar a inclusão do adolescente com pTDC na escola.

É necessário demonstrar que, quando os professores encontravam dificuldades, procuravam auxílio, entretanto, muitas vezes, isso resultava em abstenção, delegando responsabilidades e decisões à coordenação pedagógica e aos familiares dos adolescentes. Isso nos permitiu refletir sobre a importância da comunicação entre essas três esferas (coordenação pedagógica, professores e famílias) na busca de melhorias que beneficiem e ajudem não só os alunos com transtornos motores, mas todos aqueles com dificuldades escolares, independentemente da causa.

Notamos que as percepções dos docentes acerca do desempenho de adolescentes com pTDC em tarefas de Matemática indicaram alunos com dificuldades em operações básicas, interpretação de resolução de problemas e baixo desempenho escolar. Diante do desconhecido, os professores, por unanimidade, eximiram-se da responsabilidade pelas dificuldades dos adolescentes, atribuindo-as à família e aos próprios alunos, mas não à condição de pTDC.

Em relação ao desempenho dos adolescentes com pTDC em tarefas de Língua Portuguesa, verificamos, na fala de todos os professores, a dificuldade que os alunos apresentavam para copiar conteúdo do quadro-negro e ler, o que foi atribuído à preguiça, ao desinteresse e à desorganização destes, bem como à falta de envolvimento dos responsáveis com a vida escolar das crianças.

Quanto ao desempenho em tarefas motoras de adolescentes com pTDC, com base nos depoimentos dos docentes, entendemos o constante relato de autoexclusão, da parte dos alunos, descrita pelos professores de Educação Física como apenas falta de interesse pela disciplina e pela prática de esportes.

Conclusão

Concluímos que os professores conseguem perceber as diversas ações, reações, atitudes e comportamentos dos adolescentes com pTDC, no entanto, o desconhecimento do TDC e dos fatores a ele relacionados parecem dificultar a tomada de decisão e a implementação de ações interventivas que sejam efetivas para auxiliá-los em suas necessidades cognitivas, afetivas, sociais e motoras.

O desconhecimento sobre o TDC mostra a diferença de papéis que os domínios do comportamento humano ocupam no contexto escolar, em especial o motor e o cognitivo. Enquanto o primeiro é negligenciado, o segundo é superdimensionado, o que evidencia a “ignorância” sobre a interdependência entre esses domínios, necessária para um bom desempenho escolar.

Por outro lado, conhecer o fenômeno e os aspectos que o cercam é insuficiente para os docentes. É fundamental que haja uma combinação de ações envolvendo os atores escolares, a formação de redes de apoio e a participação ativa da família. Como o domínio motor é desvalorizado no contexto escolar, os transtornos motores são ignorados, assumidos como um problema menor, e essa situação pode causar sérias complicações afetivas e sociais a partir da adolescência.

Até que a EI chegue a esses adolescentes, eles continuarão a enfrentar as altas demandas provenientes dos diferentes ambientes que frequentam com seus recursos pessoais limitados, o que alimenta seus sentimentos de fracasso e aumenta o número daqueles que abandonam o ambiente escolar.

Este estudo nos proporcionou, também, refletir acerca da importância da inserção dessa temática (TDC), e de outras mais, na formação inicial de docentes, possivelmente com uma abordagem mais intensa e transversal; outrossim, acreditamos no benefício da formação continuada, com a promoção de cursos de capacitação, de aperfeiçoamento, de especialização etc.

Agradecimentos

A realização deste estudo foi possível em virtude do fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por financiar o Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas (PPGE/Ufam), e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), na concessão de bolsa de mestrado.

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  • 1
    Percepção docente sobre o desempenho escolar de adolescentes com provável Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação, de Samia Darcila Barros Maia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    18 Out 2023
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