Consistência das informações sobre a provisão da fluoretação da água no Brasil

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a consistência dos dados sobre a provisão de fluoretação em municípios brasileiros com sistemas de abastecimento de água.

Métodos:

Foram comparados os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento referentes a 2017.

Resultados:

De 5.570 municípios no Brasil, 4.546 (81,6%) possuíam sistemas de água. A concordância entre as fontes foi de 84%, com Kappa de 0,668, indicando substancial concordância. Entretanto, as estimativas de provisão divergiram em média 8,1 pontos percentuais, variando de 1,2 ponto na região Centro-Oeste a 21,4 pontos na região Nordeste.

Conclusão:

Para superar essa inconsistência, é fundamental aprimorar as fontes de informação, garantindo dados mais confiáveis para as autoridades de saúde, saneamento e para a sociedade em geral.

Palavras-chave:
Política pública; Fluoretação da água; Vigilância em saúde; Abastecimento de água

ABSTRACT

Objective:

This study aimed to assess the consistency of data regarding the provision of fluoridation in Brazilian municipalities with water supply systems.

Methods:

Official data from the National Basic Sanitation Survey and the National Information System on Sanitation for 2017 were compared.

Results:

Out of 5,570 municipalities in Brazil, 4,546 (81.6%) had water supply systems. The agreement between data sources was 84%, with a Kappa of 0.668, indicating substantial agreement. However, the estimates of fluoridation provision exhibited an average discrepancy of 8.1 percentage points, ranging from 1.2 points in the Central-West region to 21.4 points in the Northeast region.

Conclusion:

To address these inconsistencies, it is essential to enhance information sources, ensuring more reliable data for health, sanitation authorities, and society at large.

Keywords:
Public policy; Water fluoridation; Health surveillance; Water supply

INTRODUÇÃO

A compreensão abrangente da saúde da população e a avaliação do impacto das políticas intersetoriais de saúde dependem fundamentalmente de dados consistentes relacionados aos determinantes de saúde. Esses determinantes constituem os alicerces para a formulação e implementação de políticas públicas que influenciam o estado de saúde das comunidades, abrangendo fatores socioeconômicos, ambientais, comportamentais e de acesso aos serviços de saúde¹.

Um desses determinantes é a oferta de água tratada e fluoretada. A fluoretação é uma estratégia de saúde pública comprovadamente eficaz na prevenção e redução da cárie dentária. Contudo, sua efetividade está intrinsecamente ligada à vigilância da qualidade da água para consumo em relação ao parâmetro fluoreto e depende de informações corretas sobre sua provisão. Garantir a efetividade da sua provisão é um passo fundamental para promover a saúde bucal em nível populacional e reduzir as desigualdades no acesso aos cuidados odontológicos². Isso é ainda mais crucial no Brasil, onde o gasto público em saúde bucal tem se limitado a 0,07% do produto interno bruto (PIB)³, enquanto, em alguns países europeus de economia equivalente, tem alcançado 0,12% do PIB⁴.

O objetivo foi avaliar a consistência das informações sobre a cobertura da fluoretação em municípios brasileiros com sistemas de abastecimento de água no ano de 2017, segundo duas fontes oficiais de informação.

MÉTODOS

Estudo descritivo utilizando dados oficiais de livre acesso para o ano de 2017 provenientes das seguintes fontes de informação:

1. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB)⁵: iniciativa conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o propósito de coletar informações das entidades executoras dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos municípios brasileiros. Este levantamento abrange dados cadastrais e operacionais sobre captação, coleta, tratamento, distribuição e cobrança desses serviços. A PNSB não apenas possibilita uma avaliação da oferta e qualidade dos serviços, mas também viabiliza a análise das condições ambientais, com suas implicações diretas na saúde e qualidade de vida da população.

2. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)⁶: base de dados mantida pela Secretaria de Saneamento, subordinada em 2017 ao Ministério do Desenvolvimento Regional, destinada a reunir informações institucionais, administrativas, operacionais, gerenciais, econômico-financeiras, contábeis e de qualidade relacionadas à prestação de serviços de água, esgotos e manejo de resíduos sólidos urbanos. Essa plataforma permite a utilização de seus indicadores como referência para comparações e orientação na medição do desempenho dos serviços. Os dados, coletados anualmente, são provenientes de prestadores de serviços ou órgãos municipais responsáveis pela gestão desses serviços, e a base de dados é completamente pública, disponibilizada gratuitamente em uma página eletrônica específica.

No princípio, foram abrangidos todos os 5.570 municípios brasileiros no escopo do estudo. Posteriormente, os municípios dotados de sistemas de abastecimento de água (SAA) foram categorizados em relação à provisão de fluoretação, sendo classificados em três categorias distintas: “sim”, indicando a provisão; “não”, indicando sua ausência; e “sem informação”, para casos em que não havia dados disponíveis.

A análise dos dados envolveu o processamento dos registros por meio do código do município e da sumarização da proporção de municípios que asseguram a provisão da política pública, segundo cada fonte de dados. Foi calculada, então, para o país e para cada região geográfica, a diferença da cobertura da provisão da estratégia (em pontos percentuais). Para avaliar a concordância entre as fontes de dados provenientes da PNSB e do SNIS, utilizou-se a concordância percentual, que varia de 0 a 100%, e a estatística Kappa, que varia de 0,0 a 1,0, juntamente com os intervalos correspondentes a 95% de confiança. Os valores foram interpretados com base nos seguintes critérios: 0,01 a 0,20 para ligeira concordância, 0,21 a 0,40 para concordância regular, 0,41 a 0,60 para concordância moderada, 0,61 a 0,80 para concordância substancial e 0,81 a 1,0 para concordância quase perfeita.

RESULTADOS

Dos 5.570 municípios brasileiros, 4.546 possuíam SAA. Na Figura 1, é mostrado o fluxo dos dados ao cruzarmos as informações de ambas as fontes. De acordo com informações da PNSB, a fluoretação da água era provida em 69,4% (3.154) dos municípios com SAA, enquanto, por meio do SNIS, 61,3% (2.788) recebiam o benefício, uma discrepância de 8,1 pontos percentuais (Tabela 1) com significativa variação entre as regiões geográficas brasileiras (1,2 pp. para o Centro-Oeste a 21,4 pp. para o Nordeste). A concordância percentual foi 84,1%, com valores inferiores nas regiões Norte (78,7%) e Nordeste (67,1%). A estatística Kappa foi 0,668 (IC 95%: 0,648-0,689), significando uma concordância substancial. Esse valor foi inferior a 0,61 nas regiões Norte, Nordeste e Sul.

Figura 1
Fluxo dos dados nas fontes de informação.

Tabela 1
Cobertura da provisão da fluoretação de municípios com sistemas de abastecimento de água segundo fontes oficiais de informação em 2017 e as regiões geográficas. Diferença em pontos percentuais e valores de concordância.

Municípios com SAA	Cobertura da fluoretação			Dif. pp.	CP	Kappa	LI	LS	Significado
	PNSB		SNIS
Brasil	4.546	69,4	61,3	8,1	84,1	0,668	0,648	0,689	Substancial
Norte	287	18,8	17,4	1,4	78,7	0,540	0,442	0,638	Moderada
Nordeste	1.168	37,9	16,5	21,4	67,1	0,324	0,278	0,371	Regular
Sudeste	1.616	88,3	84,8	3,5	92,6	0,692	0,646	0,738	Substancial
Sul	1.049	94,6	89,7	4,9	90,2	0,338	0,252	0,424	Regular
Centro-Oeste	426	55,9	54,7	1,2	86,6	0,751	0,696	0,806	Substancial

• SAA: sistemas de abastecimento de água; PNSB: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, 2017; SNIS: Sistema Nacional de Informação de Saneamento; Dif. pp.: Diferença percentual; CP: Concordância percentual; LI: Limite inferior; LS: Limite superior.

DISCUSSÃO

A consistência da informação sobre a provisão da fluoretação de sistemas de abastecimento de água foi substancial para o país como um todo. Entretanto, nas regiões Norte e Nordeste, a concordância percentual foi inferior. Acresce que a diferença na cobertura da estratégia entre as fontes de informação alcançou mais de 20 pontos percentuais na região Nordeste. Em ambas as fontes, os dados tomaram por base a declaração dos prestadores dos serviços de abastecimento de água, não sendo possível adotar uma delas como referência em relação à outra. Os resultados sugerem a necessidade de combinar a declaração do prestador com outro tipo de dado e demonstram que há importante espaço para aprimoramento da informação sobre a provisão da estratégia e sobre a gestão intersetorial da política pública.

A concordância percentual mede a concordância total sem levar em consideração a concordância atribuída ao acaso. Com base nesse critério, as regiões Norte e Nordeste apresentaram valores inferiores ao valor obtido para o país. A estatística Kappa mede a concordância para além daquela esperada pelo acaso e é afetada pela assimetria com que a concordância e a discordância ocorrem entre as fontes de informação. Por isso, o valor obtido para a região Sul não deve ser motivo de preocupação dado que 922 municípios dos 1.049 com SAA pertencentes à região eram providos pela política pública, segundo ambas as fontes de informação. Do mesmo modo, os valores superiores da estatística Kappa obtidos para a região Centro-Oeste devem ser examinados levando em consideração que 225 municípios dos 426 com SAA pertencentes à região eram beneficiados, segundo as fontes de informação comparadas. Enquanto, nesta região, a simetria dos valores tende a aproximar o valor da estatística Kappa do valor da concordância percentual, naquela região, a assimetria tende a afastar os valores⁷.

Estudos sobre a consistência da informação são mais esclarecedores com uma maior variedade de dados disponíveis. Uma importante limitação é a falta de dados da coleta direta de amostras de água na rede de distribuição dos SAA nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Respectivamente, apenas 1,0, 13,9 e 9,6% dos municípios nessas regiões tinham registros da vigilância sanitária sobre a concentração de fluoreto nos SAA⁸. A disponibilidade desses registros permitiria confrontar os dados autodeclaratórios fornecidos pelas duas fontes de informação.

O estudo permitiu concluir que, embora a consistência da informação sobre a fluoretação dos sistemas de abastecimento de água seja substancial nacionalmente, há uma discrepância de 8,1 pontos percentuais nos níveis municipais, chegando a mais de 20 pontos percentuais de inconsistência no Nordeste. Esses resultados destacam a necessidade de melhorar as informações sobre a estratégia e a gestão da política pública. O aparentemente simples processo de medição representa um desafio significativo para as autoridades de saneamento, sobretudo na região Nordeste, onde os recursos hídricos são limitados e a precisão dos procedimentos de controle dos sistemas de abastecimento de água deve ser tão rigorosa quanto em outras regiões.

• Fonte de financiamento: O estudo não teve financiamento específico. Anna Laura Santos Doalto recebeu bolsa de iniciação científica do CNPq e Paulo Frazão é pesquisador 1D do CNPq. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  23 Out 2023
• Revisado
  20 Fev 2024
• Aceito
  22 Fev 2024