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Invertendo o enfoque das “crises migratórias” para as “migrações de crise”: uma revisão conceitual no campo das migrações

From “migration crisis” to “crisis migration”: a conceptual review within the migration studies field

De “crisis migratoria” a “migraciones de crisis”: una revisión conceptual en el campo de estudios de las migraciones

Resumo

O presente artigo se propõe a debater um novo conceito no campo de estudos migratórios – as migrações de crise –, o qual traz à luz os processos, motivos e fatores vivenciados por populações afetadas por crises e que podem contribuir para processos migratórios de indivíduos, famílias e comunidades como um todo. Introduzindo diversas categorias correlatas – como a eventualidade, a imobilidade (ou enclausuramento) e a não escolha –, adota-se um direcionamento metodológico e conceitual que aponta para as crises como propulsoras das migrações. Dessa maneira, busca-se tensionar a ideia de que as migrações geram crises aos Estados-nação receptores de movimentos significativos de pessoas – a qual notavelmente se consolida pela disseminação do termo “crise migratória”, em especial, nos discursos políticos e midiáticos correntes. A delimitação do novo conceito proposto e da sua metodologia de estudo pautou-se pela revisão bibliográfica da literatura especializada na área, com foco em pesquisas recentes sobre as migrações de crise e suas implicações tanto na esfera local como na internacional. Ao final do texto, levantamos os desafios e as contribuições de tal conceito, envolvendo debates centrais no campo das migrações, inobstante questões teórico-metodológicas

Palavras-chave
Migrações de crise; Imobilidade; Crise migratória; Crise humanitária; Crise ambiental

Abstract

This article aims to debate a new concept within the migration studies field which is named “crisis migration”, shedding light on the processes, motives and factors that influence the movement of populations affected by crisis. Introducing other interrelated categories – such as eventuality, immobility and non-choice – , the article is guided by a methodological and conceptual perspective that understands crisis as a driver to migration. Therefore it seeks to defy the idea that migrations generate crisis to nation-states receiving large contingents of people. This idea has been consolidated by the term “migration crisis” especially disseminated in the midia and political discourses. Our discussion of the new concept was based on bibliographic review, focusing on recent researchs in respect to crisis migration and its unfoldings not only in the local but also in the international scenario. Finally, we bring about the challenges as well as the contributions of this concept, which involve unsolved central debates within the migration field.

Key words
Crisis migration; Immobility; Migratory crisis; Humanitarian crisis; Environmental crisis

Resumen

Este artículo tiene como objetivo discutir un nuevo concepto en el campo de los estudios migratorios, las migraciones de crisis, que saca a la luz los procesos, los motivos y los factores experimentados por las poblaciones afectadas por las crisis y que pueden contribuir a los procesos migratorios de las personas, las familias y comunidades en su conjunto. Al introducir varias categorías relacionadas, como eventualidad, inmovilidad (o confinamiento) y no elección, se adopta una dirección metodológica y conceptual que apunta a las crisis como motores de la migración. De esta manera, buscamos tensionar la idea de que la migración genera crisis en los Estados-nación que reciben movimientos significativos de personas, lo que se consolida notablemente por la difusión del término crisis migratoria, especialmente en los discursos políticos y mediáticos actuales. La delimitación del nuevo concepto propuesto y su metodología de estudio fue guiada por la revisión bibliográfica de la literatura especializada en el área, con un enfoque en investigaciones recientes sobre migraciones de crisis y sus implicaciones tanto a nivel local como internacional. Al final del texto, planteamos los desafíos y las contribuciones de dicho concepto, involucrando debates centrales en el campo de las migraciones, a pesar de los problemas teóricos y metodológicos que aún no se han superado suficientemente dentro de este.

Palabras clave
Migraciones de crisis; Inmovilidad; Crisis migratoria; Crisis humanitaria; Crisis ecológica

Introdução: invertendo o enfoque sobre “crise” no âmbito das migrações

Em termos geográficos, sociais e humanos, as migrações sempre estiveram presentes na história da humanidade. Apesar de tais deslocamentos estarem intrinsicamente conectados à natureza humana, à busca pela subsistência e por melhores condições de vida, sua intensificação no mundo globalizado vem atraindo a atenção para outras facetas desse fenômeno. Entre elas, sobressaem os números tidos como “ondas” que “inundam” os países de destino. Daí decorrem os olhares das sociedades receptoras sobre os imigrantes, os debates públicos a respeito dos processos de acolhida ou resistência aos mesmos, assim como os regimes de proteção – internacionais ou domésticos –, incluindo seus limites conceituais e de aplicação prática. Em todos esses casos, a discussão se fundamenta, sobretudo, pela interlocução com o Estado-nação, tido como ator central a partir do qual se identificam constrangimentos ou possíveis aberturas aos movimentos migratórios (CASTLES; HAAS; MILLER, 2014CASTLES, S.; HAAS, H. de; MILLER, M. The age of migration: international population movements in the modern world. New York: Palgrave MacMillan, 2014.).

Diante desse contexto, “crise migratória” consiste em um termo sistematicamente veiculado por discursos políticos e midiáticos1 1 A título de exemplificação, ver as seguintes matérias publicadas por diferentes veículos midiáticos: BBC BRASIL. ONU diz que crise migratória na Venezuela já está quase no nível de fluxo de refugiados no Mediterrâneo. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45307311>. Acesso em: 5 abr. 2020; EURONEWS. Crise migratória na Europa chegou ao fim. Disponível em: <https://pt.euronews.com/2019/03/07/crise-migratoria-na-europa-chegou-ao-fim>. Acesso em: 5 abr. 2020; ONU. Mais de 2 milhões de pessoas deixaram seus países só em 2017, alerta agência da ONU para refugiados. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/mais-de-2-milhoes-de-pessoas-deixaram-seus-paises-so-em-2017-onu-refugiados/>. Acesso em: 5 abr. 2020. A mobilização deste termo também se verifica no meio acadêmico, vide, por exemplo: imbuído da ideia de que processos migratórios impõem problemas aos países receptores, os quais precisam lidar com um contingente significativo de migrantes adentrando seus territórios. Problemas estes que seriam supostamente ameaçadores para a sociedade receptora, visto que imigrantes trazem consigo características sociais, culturais e colocam questões econômicas tidas como incovenientes aos países que os acolhem. A mobilização da perspectiva de “crise migratória” passa pela presunção de que os imigrantes seriam incapazes de se assimilarem à cultura local ou até mesmo que estes, ao chegarem em grandes números, desestabilizariam o perfil demográfico daquela sociedade e, portanto, alterariam de maneira irreversível sua identidade nacional. Nesse sentido, ao vincular crise aos migrantes, há uma concepção intrínseca a esta terminologia direcionada a associar imigrantes a um perigo, tratando-os como inimigos em potencial (VENTURA, 2017 apud MIGRAMUNDO, 2017MIGRAMUNDO. Crise migratória e crise de refugiados: termos xenofóbicos a serem combatidos. [S.l.] 2017. Disponível em: https://migramundo.com/crise-migratoria-e-crise-de-refugiados-termos-xenofobos-a-serem-combatidos/. Acesso em: 5 abr. 2020.
https://migramundo.com/crise-migratoria-...
). Além disso, existe uma lógica inculcada no sentido de culpabilizar pessoas e grupos inteiros, quando, na realidade, estes são vitimados por inúmeros processos combinados no que se convencionou denominar de local de origem.

Pretende-se, então, no presente artigo, revisar o conceito das “migrações de crise”, com o propósito de contestar a ideia de “crise migratória”, comumente utilizada sem a devida problematização por parte de atores estatais, reverberada por atores não estatais e reafirmada pela mídia em escala internacional. Mais do que uma mera mudança na posição dos termos, tal conceito parte do princípio de que dinâmicas migratórias são constitutivas da história dos seres humanos e que, portanto, migrantes não seriam em si um problema para as sociedades que os acolhem. A reavaliação sobre o foco dos estudos migratórios verte-se, assim, para os fatores que influenciam o deslocamento em massa de pessoas, acarretando o abandono de seus países de origem (CASTLES; HAAS; MILLER, 2014; MCADAM, 2014MCADAM, J. The concept of crisis migration. Forced Migration Review, n. 45, p. 10-11, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/mcadam. Acesso em: 5 abr. 2020.; MARTIN et al., 2014MARTIN, S.; WEERASINGHE, S.; TAYLOR, A. (ed.). Humanitarian crises and migration: causes, consequences and responses. New York: Routledge, 2014.; BETTS, 2013BETTS, A. Survival migration: failed governance and the crisis of displacement. Ithaca: Cornell University Press, 2013.).

Nos termos de “migração de crise”, tais fatores são altamente nocivos e desestabilizadores de tal modo a não permitirem outra alternativa senão o deslocamento. Para determinados grupos impactados pelas crises, a migração não é sequer uma opção, em virtude de vulnerabilidades particularmente em populações atingidas que impedem a materialização da transposição fronteiriça. Logo, o aporte das “migrações de crise” abrange tanto aqueles que se movem supostamente por reunir condições para partir quanto os que ficam em razão da ausência destas e de meios externos à sua escolha, o que resulta por determinar a sua permanência no território (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.; MARTIN et al., 2014MARTIN, S.; WEERASINGHE, S.; TAYLOR, A. What is crisis migration? Forced Migration Review, n. 45, p. 5-9, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/martin-weerasinghe-taylor. Acesso em: 5 abr. 2020.; BETTS, 2013BETTS, A. Survival migration: failed governance and the crisis of displacement. Ithaca: Cornell University Press, 2013.). Dessa forma, este novo referencial aponta para a importância de serem consideradas igualmente outras categorias correlatas, tais como a eventualidade, a imobilidade (ou enclausuramento) e a não escolha.

Assim, a proposta deste artigo é refletir sobre a contribuição teórica, metodológica e conceitual da temática das migrações de crise para o campo dos estudos migratórios. Especialmente no contexto nacional, em termos tanto da produção acadêmica na área como do agravamento dos discursos políticos anti-imigração2 2 <www.seer.ufrgs.br/RevistaPerspectiva/article/download/80349/47153>. Acesso em: 5 abr. 2020. que aqui ressonam e são reforçados pela mídia, entende-se assaz necessário avançar nessa discussão. Nossa intenção é tentar desmontar a noção sobre o termo “crise” como algo gerado pelos movimentos migratórios, o que equivale a dizer: pelos próprios migrantes refugiados. Para tanto, inicia-se o texto situando o novo conceito em relação ao campo de estudos. Em seguida, adentra-se propriamente a conceituação das migrações de crise, debatendo o seu vínculo com crises humanitárias e desastres naturais, além da temática do enclausuramento ou da imobilidade imposta nestes contextos. Por fim, encerra-se o artigo com os aspectos enriquecedores trazidos por este conceito ao campo e os desafios que ainda hoje nele persistem.

Situando “migrações de crise” à luz do campo de estudos migratórios

Compreender os movimentos migratórios partindo da concepção de “migração de crise” implica aprofundar a complexidade dos processos sociais, econômicos, políticos, ambientais vivenciados pelas populações afetadas por crises. Ressalta-se que aqueles que migram usufruem de condições, ainda que mínimas, para assim proceder – fato abundantemente comprovado pela literatura da área. Isso significa não serem os mais pobres a conseguirem migrar, mas sim os que possuem recursos básicos para custeio da viagem e instalação no país de destino – não somente em termos econômicos, como também passando por conexões com pessoas ou obtenção de informações sobre o local no qual pretendem se estabelecer (CASTLES; HAAS; MILLER, 2014; SASSEN, 2010SASSEN, S. Sociologia da globalização. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010., 2016).

De outro lado, os que permanecem, embora sejam igualmente ou até mais vulneráveis, não gozam das mesmas condições e tornam-se, portanto, o grupo mais atingido pelas crises. É relevante pontuar com isso que a maior parte da população nessas situações de crise não pode exercer o seu direito de migrar – reconhecidamente, aliás, como um direito humano, conforme previsto no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.; VENTURA, 2016VENTURA, D. Migrar é um direito. Economia Colaborativa, n. 236, 2016. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/9732_NOVAS+MIGRACOES. Acesso em 5 abr. 2020.).

Inevitavelmente, debater a “crise” inerente aos processos migratórios leva à discussão sobre crises humanitárias e desastres ambientais. As primeiras acionam a responsabilidade dos atores envolvidos no espectro humanitário – como órgãos da Organização das Nações Unidas, assim como ONGs – Organizações Não Governamentais –, além dos próprios Estados-nação. Já os segundos engendram cada vez mais grandes movimentações de pessoas.3 3 Ver: MIGRAMUNDO. Países anti-PactoGlobal para Migração chegam a prender solicitantes de refúgio. Disponível em: <https://migramundo.com/paises-anti-pacto-global-para-migracao-chegam-a-prender-solicitantes-de-refugio/>. Acesso em: 5 abr. 2020. E ainda: EURONEWS. Discurso anti-imigração cresce na corrida para as eleições europeias. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vJpGKdBFfRA>. Acesso em: 5 abr. 2020. Inobstante as inúmeras definições no meio acadêmico nessa seara, abarcando termos desde “deslocados ambientais” a “refugiados climáticos”, fato é que ainda inexiste proteção jurídica institucionalizada internacionalmente para estes grupos (OIM, 2018OIM – Organização Internacional das Migrações. World migration report 2018. Geneva, 2018. Disponível em: https://www.iom.int/sites/default/files/country/docs/china/r5_world_migration_report_2018_en.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.
https://www.iom.int/sites/default/files/...
; JUBILUT et al., 2018JUBILUT, L. L.; RAMOS, E. P.; CLARO, C. de A. B.; CAVEDON-CAPDEVILLE, F. de S. (ed.). Refugiados ambientais. Roraima: Editora UFRR, 2018. Disponível em: ufrr.br/editora/index.php/editais?download=401:refugiados-ambientais. Acesso em: 5 abr. 2020.; ACNUR, 2017; COHEN, 2014COHEN, R. Lessons from the development of the Guiding Principles on Internal Displacement. Forced Migration Review, n. 45, p. 12-14, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/cohen. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Entre as categorias de migrantes considerados forçados – logo, que não teriam escolha ou vontade de se deslocar, fazendo-o compulsoriamente –, os tratados internacionais preveem especificamente as dos refugiados e apátridas. Conforme a definição da Convenção de Genebra de 1951, refugiado é a pessoa que apresenta “fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opiniões políticas” (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/script...
). Como se pode notar, a figura do refugiado foi edificada no contexto histórico do pós-guerra e da incipiente Guerra Fria, de tal forma a privilegiar os aspectos de perseguição sofrida essencialmente por questões políticas (SAMADDAR, 2016SAMADDAR, R. Human migration as crisis of Europe. Alternatives: International Journal, 2016. Disponível em: https://www.alterinter.org/?Human-Migration-as-Crisis-of-Europe. Acesso em: 5 abr. 2020.
https://www.alterinter.org/?Human-Migrat...
; JUBILUT, 2007JUBILUT, L. L. Direito internacional dos refugiados e o ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Ed. Método, 2007.).

Além disso, a Convenção priorizou um enfoque individualista: a decisão sobre o reconhecimento do estatuto de refugiado incide sobre aquele indivíduo que solicitou refúgio (tornando-se solicitante de refúgio). Alinhada à categoria de refugiado, encontra-se a de apátrida:4 4 A respeito das estatísticas e projeções sobre deslocamentos de pessoas por questões ambientais, ver OIM (2018). aquele que não possui ou foi destituído do vínculo de nacionalidade com seu país de origem (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/script...
; JUBILUT, 2007JUBILUT, L. L. Direito internacional dos refugiados e o ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Ed. Método, 2007.).

Ainda que a Convenção tenha sido modificada nos anos 1960 pelo Protocolo de 1967, apenas foram excluídas a reserva temporal – que limitava sua aplicação a eventos anteriores a 1951, demarcando assim que este instrumento havia sido pensado para solucionar as questões decorrentes da II Guerra Mundial – e a reserva geográfica – que delimitava o reconhecimento do estatuto de refugiado apenas a pessoas de origem europeia, o que atestava o caráter eurocêntrico desta definição. Contudo, vale ressalvar: países que já tivessem adotado a reserva geográfica – a exemplo do Brasil – poderiam mantê-la, mesmo que se comprometendo posteriormente com o referido Protocolo (MOREIRA, 2012MOREIRA, J. B. Política em relação aos refugiados no Brasil (1947-2010). Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2012.).

A ampliação da definição de refugiado – que teve sua gênese calcada por uma visão fundamentalmente eurocêntrica, como mencionado anteriormente – partiu de outras regiões do globo, uma vez que os motivos até então especificados não se adequavam às experiências ali vivenciadas. Da mesma forma, a perspectiva individualizada também se revelava insuficiente para administrar grandes contingentes solicitando refúgio após processos de descolonização, lutas pela independência e ditaduras militares. Destaca-se aqui a Declaração de Cartagena de 1984, aplicável na região latino-americana, a qual estendeu a categoria de refugiado a pessoas suscetíveis a massiva violação de direitos humanos em seus países de origem (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
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; SAMADDAR, 2016SAMADDAR, R. Human migration as crisis of Europe. Alternatives: International Journal, 2016. Disponível em: https://www.alterinter.org/?Human-Migration-as-Crisis-of-Europe. Acesso em: 5 abr. 2020.
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). A inserção desse novo motivo para o reconhecimento da condição de refugiado diante do cenário regional partiu do entendimento de que tais movimentos não seriam mais provocados somente por guerras convencionalmente entre Estados ou perseguições de caráter político.

Nesse escopo, é essencial salientar que as denominadas guerras civis são atualmente mais numerosas do que os conflitos interestatais, reforçando os questionamentos à definição clássica estabelecida na Convenção de 1951, cujos motivos acabam por engessar o estatuto de refugiado, ao legimitimar apenas os deslocamentos originados por perseguições ligadas a motivações políticas (COHEN, 2014COHEN, R. Lessons from the development of the Guiding Principles on Internal Displacement. Forced Migration Review, n. 45, p. 12-14, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/cohen. Acesso em: 5 abr. 2020.). É nesse sentido, portanto, que as migrações de crise merecem ser compreendidas: estando imbricadas em processos decorrentes do acirramento de conflitos internos, marcados por extrema violência, nos países de origem (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Merecem destaque, assim, as dimensões humanitária e ambiental que perpassam tais migrações, por constituírem rupturas capazes de movimentar um grande contingente de pessoas – embora estas categorias não estejam formalmente estipuladas nem na definição tradicional da Convenção de 1951 nem no conceito expandido da Declaração de Cartagena de 1984 (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
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). Somente a partir das novas configurações das dinâmicas migratórias, faz-se possível entender o estágio particular dos desafios que vivenciamos na atual conjuntura global (SASSEN, 2016SASSEN, S. Três migrações emergentes: uma mudança histórica. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 13, n. 23, p. 29-42, 2016.).

Isso porque as denominadas “migrações de crise” são inerentes também aos processos de aprofundamento do capitalismo transnacional, os quais transbordam seus efeitos gerando novos fenômenos ou agravando os já presentes. Encarnando o capitalismo a faceta neoliberal, Samaddar (2016) elucida que “crise” passa a ser seu próprio modo de existência. A contínua busca por maiores recursos e produção de riquezas, a partir da dominação ou interferência em outras nações, provoca sérios desdobramentos socioeconômicos, ambientais e humanitários, além de conflitos mundo afora. Tais contextos de violência no âmbito doméstico não raro se acirram ou resultam de intervenções externas – ainda que nomeadas como “humanitárias” –, as quais mascaram interesses econômicos, políticos ou geoestratégicos perseguidos por potências ocidentais (SAMADDAR, 2016SAMADDAR, R. Human migration as crisis of Europe. Alternatives: International Journal, 2016. Disponível em: https://www.alterinter.org/?Human-Migration-as-Crisis-of-Europe. Acesso em: 5 abr. 2020.
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; CHIMNI, 2018CHIMNI, B. S. The global refugee crisis: towards a just response. Bonn: Stiftung Entwicklung und Frieden/Development and Peace Foundation, 2018. (Global Trends Analysis). Disponível em: https://www.sef-bonn.org/fileadmin/SEF-Dateiliste/04_Publikationen/GT-A/2018/GT-A_2018-03_en.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.).

É inegável que a exploração em nível global e a reestruturação do capital e, consequentemente, do mundo do trabalho repercutem nas migrações em escala internacional, independentemente de qual categoria migratória se assuma – a exemplo de solicitande de refúgio ou migrante voluntário (SASSEN, 2010SASSEN, S. Sociologia da globalização. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.). Num mundo globalizado, o capital é livre para se dirigir às localidades onde acumule mais lucro. Em contrapartida, as pessoas não gozam de plena liberdade de locomoção – apesar de ser este um direito internacionalmente previsto, como já citado anteriormente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 –, ao se depararem com diversas barreiras físicas, jurídicas ou mesmo simbólicas. Como bem traduz Feldman-Bianco (2018FELDMAN-BIANCO, B. O Brasil frente ao regime global do controle das migrações: direitos humanos, securitização e violências. Travessia – Revista do Migrante, v. XXXI, n. 83, p. 11-36, 2018., p. 16), “na globalização contemporânea, enquanto os movimentos de capital, signos e a comunicação virtual aparentam dissolver fronteiras, certos fluxos de pessoas, produtos e lugares são historicamente foco de políticas restritivas e de controle”.

A esse respeito, ao analisar a chamada “crise migratória” ou “de refugiados” no Mediterrâneo entre 2015 e 2016, Samaddar (2016) levanta pertinentes indagações: seria a migração uma crise? Ou a migração aparece como uma crise da Europa nesta conjuntura particular? Aqui poder-se-ia adicionar: em que medida países europeus e ocidentais contribuem consideravelmente para as situações críticas nestes países de onde migrantes e refugiados provêm? E, ainda, seria esta crise atinente ao próprio instituto de refúgio – como defendido neste texto – em vez de provocada por migrantes refugiados?

Assim, cabe aos estudos migratórios reorientar o seu referencial de análise, dando ênfase aos processos que desencadeiam as chamadas “migrações de crise”, afastando-se da perspectiva centralizada nos Estados-nação e nas supostas consequências das mesmas para as sociedades de acolhimento. Tal reorientação sucita o questionamento acerca de categorias fixas na área, a exemplo dos conceitos de escolha, compulsoriedade e imobilidade. Vale ressaltar que o debate sobre escolha/voluntariedade versus compulsoriedade/força é farto e profícuo nos estudos migratórios, por ser constitutivo do próprio campo e de sua cisão com os estudos sobre refugiados (GLICK-SCHILLER; BASCH; BLANC-SZANTON, 1992GLICK-SCHILLER, N.; BASCH, L.; SZANTON-BLANC, C. (ed.). Towards a transnational perspective on migration: race, class, ethnicity and nationalism reconsidered. New York: The New York Academy of Sciences, 1992., 1994GLICK-SCHILLER, N.; BASCH, L.; SZANTON-BLANC, C. From immigrant to transmigrant: theorizing transnational migration. Anthropological Quarterly, v. 68, n. 1, p. 48-63, 1995.; SASSEN, 2010SASSEN, S. Sociologia da globalização. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.; VAN HEAR et al., 2009VAN HEAR, N.; BRUBAKER, R.; BESSA, T. Managing mobility for human development: the growing silence of mixed migration. Human Development Reports. United Nations Development Programme, 2009. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/content/managing-mobility-human-development. Acesso em: 5 abr. 2020.
http://hdr.undp.org/en/content/managing-...
).

Ao fazermos um balanço de teorias já consolidadas na área de migrações, nota-se que há explicações de caráter “macro” com perspectivas estrutural ou sistêmica, segundo as quais pesariam fatores de constrangimento socioeconômicos, históricos, políticos, culturais ou de outro teor sobre a decisão de migrar tomada por indivíduos, famílias e grupos. A teoria do sistema-mundo de Wallerstein (1996WALLERSTEIN, I. The inter-state structure of the modern world-system. In: SMITH, S.; BOOTH, K.; ZALEWSKI, M. (ed.). International theory: positivism and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 87-107.), nessa linha, concebe as migrações a partir da divisão social do trabalho estruturada globalmente entre centro, periferia e semiperiferia. De maneira semelhante, a teoria do sistema migratório5 5 Acerca do fenômeno da apatridia, há a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 e a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961 (ACNUR, 2015). Dentro da literatura que trata do tema, sugere-se a leitura da obra da filósofa Hannah Arendt (2012), que abordou magistralmente a questão, focando mais especificamente o contexto histórico após a I e II Guerras Mundiais. advoga a formação de um sistema estável ao conectar espaços em que passa a existir o intercâmbio de bens, capitais e pessoas entre certos países ou regiões (MASSEY et al., 1993MASSEY, D. et al. Theories of international migration: a review and appraisal. Population and Development Review, v. 19, n. 3, p. 431-466, 1993.).

Por sua vez, a teoria da causação cumulativa argumenta que, ao longo do tempo, a migração internacional, vista como um processo em que diversos fatores se acumulam, tende a se sustentar, fazendo com que novos movimentos se tornem mais prováveis. A partir desse entendimento, cada ato migratório alteraria o contexto social em que as decisões subsequentes por migrar fossem tomadas (MASSEY et al., 1993MASSEY, D. et al. Theories of international migration: a review and appraisal. Population and Development Review, v. 19, n. 3, p. 431-466, 1993.; DE HAAS, 2010DE HAAS, H. Migrantion and development: a theoretical perspective. International Migration Review, v. 44, n. 1, p. 227-264, 2010.). Já a teoria institucional6 6 Sugere-se aqui a leitura da obra de Kritz e Zlotnik (1992). lança luz sobre o papel de instituições, organizações e empreendedores que promovem a entrada legal ou irregular de migrantes em dados países, contribuindo para a institucionalização do movimento migratório internacional, o qual passa a se manter independentemente das razões que o originaram – tal qual ocorre com a causação cumulativa, como visto antes (MASSEY et al., 1993MASSEY, D. et al. Theories of international migration: a review and appraisal. Population and Development Review, v. 19, n. 3, p. 431-466, 1993.).

Todavia, tais abordagens teóricas, ao privilegiarem as forças externas que operam sobre os processos decisórios pela migração, pecam ao não articularem devidamente a agência no plano individual, familiar ou coletivo. Com isso, perde-se a percepção sobre os elementos volitivos e as margens de escolha – inclusive em termos da decisão por não migrar ou mesmo a decisão por migrar sem que o ato possa ser consumado, como será discutido no bojo das “migrações de crise”. Tampouco são apropriadamente considerados outros aspectos motivadores do deslocamento – como questões ambientais e humanitárias. Por último, é imperativo questionar, ainda, a ideia de estabilidade que marca diversas correntes teóricas tradicionais no campo de estudos migratórios entre os locais de origem e destino dos migrantes.

Nesse sentido, entendemos que a proposição do conceito de “migrações de crise” requer metodologicamente que os deslocamentos sejam abordados a partir da perspectiva transnacional, seguindo Glick-Schiller, Basch e Blanc-Szanton (1992, 1995). Colocavam as autoras, já nos anos 1990, a relevância de se compreender migrações pela ótica transnacionalista, a fim de transcender a primazia metodológica relegada ao Estado-nação e, para tanto, cunharam uma nova nomenclatura com o termo “transmigrante”. Dessa maneira, buscaram contestar as convencionais categorias espaciais de “origem” e “destino”, rechaçando a ideia de que processos migratórios sejam estáticos, refletindo um movimento determinado linearmente pela lógica de um “ciclo migratório” com início, meio e fim (GLICK-SCHILLER; BASCH; BLANC-SZANTON, 1992, 1995; DE HAAS, 2010DE HAAS, H. Migrantion and development: a theoretical perspective. International Migration Review, v. 44, n. 1, p. 227-264, 2010.).

Na mesma esteira, pensamos que a teoria das redes migratórias igualmente mereceria olhar para movimentos migratórios guiando-se pelo transnacionalismo, haja vista que Massey (1993, p. 448) as define como “conjuntos de laços interpessoais que ligam migrantes, migrantes anteriores e não migrantes nas áreas de origem e destino, mediante vínculos de parentesco, amizade e conterraneidade”. Com isso, resta nítida a importância de se articular origem e destino de forma dinâmica e inter-relacionada, como fazem Glick-Schiller, Basch e Blanc-Szanton (1995), ao analisarem processos identitários de migrantes em redes transnacionais. Além disso, tal teoria contribuiu em muito ao tomar não só os indivíduos quanto suas relações como unidades de análise, mapeando, assim, suas redes de relacionamento (TRUZZI, 2008TRUZZI, O. Redes em processos migratórios. Tempo Social, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 200-218, 2008.).

Tecidas essas considerações em relação ao campo de estudos migratórios, a revisão da literatura que será feita a seguir teve como recorte autoras e autores internacionalmente renomados na área e pesquisas recentemente publicadas em revistas de referência relativas à temática das migrações de crise. Enfocaram-se particularmente os trabalhos de: Jane McAdam (2014), que procura definir o conceito de “migrações de crise”; Richard Black e Michael Collyer (2014), destacando a dimensão da “imobilidade forçada” e a conexão com questões ambientais; Alexander Betts (2013), que joga luz à governança global sobre tal fenômeno – o qual denomina como migração de sobrevivência; Susan Martin, Sanjula Weerasinghe e Abbie Taylor (2014), que apresentam a relação das crises sobretudo com o espectro humanitário; e, ainda, Olivier Clochard (2007), que explora os limites tênues entre proteção e ilegalidade, baseando-se nos contextos francês e europeu.

Conceituando “migrações de crise”: o nexo com crises humanitárias e desastres ambientais

O ponto de partida deste texto, como salientado, foi um termo comumente empregado e pouco problematizado denominado “crise migratória”, a qual seria uma sucessão de deslocamentos massivos de populações que se direcionam precariamente e de maneira irregular a outros países. Em virtude do expressivo contingente de pessoas, estes, por sua vez, envidam esforços a fim de solucionar o que é atribuído como um problema (VENTURA, 2017 apud MIGRAMUNDO, 2017MIGRAMUNDO. Crise migratória e crise de refugiados: termos xenofóbicos a serem combatidos. [S.l.] 2017. Disponível em: https://migramundo.com/crise-migratoria-e-crise-de-refugiados-termos-xenofobos-a-serem-combatidos/. Acesso em: 5 abr. 2020.
https://migramundo.com/crise-migratoria-...
). Reconhecida a existência de uma crise, a tendência da resposta estatal é criar ou mobilizar uma série de dispositivos para restringir ou até mesmo obstar o direito humano de migrar. Partem daí inúmeras tentativas políticas para conter os movimentos migratórios, retendo as populações na origem ou em espaços de trânsito – os quais podem se tornar de fato seus destinos finais (SASSEN, 2016SASSEN, S. Três migrações emergentes: uma mudança histórica. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 13, n. 23, p. 29-42, 2016.; VENTURA, 2016VENTURA, D. Migrar é um direito. Economia Colaborativa, n. 236, 2016. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/9732_NOVAS+MIGRACOES. Acesso em 5 abr. 2020.). Contudo, o problema crucial envolvido nesta terminologia, além de culpabilizar e penalizar pessoas, é omitir os processos mais densamente enraizados para se compreender porque elas migram (ou tentam fazê-lo).

De quem estamos falando, então, quando nos referimos a “migrantes de crise”? São pessoas fugindo da fome (ou da insegurança alimentar), da seca – entre outros fenômenos ambientais (que igualmente podem ocasionar fome) – e de conflitos armados internos ou interestatais, entre outras situações de graves violações de direitos humanos e marcadas por profunda violência. Portanto, são indivíduos e coletividades que se movem para resguardar essencialmente suas vidas e sua sobrevivência, condições mínimas – não plenamente dignas – para subsistir, em cenários das maiores adversidades, derivados de atividades humanas ou não, que podem se desenvolver de forma lenta ou imediata (MARTIN et al., 2014; BETTS, 2013BETTS, A. Survival migration: failed governance and the crisis of displacement. Ithaca: Cornell University Press, 2013.). Interessante notar que há aqui uma relação direta com o conceito de migração de sobrevivência de Betts (2013) – o qual será abordado adiante –, assim como Sassen (2016) vai na mesma linha de entendimento.

Dessa forma, as migrações de crise devem ser consideradas a partir da combinação arraigada e bastante complexa de vulnerabilidades que remetem a dimensões ambientais, políticas e econômicas, as quais podem ser desencadeadas por uma crise, mas não são causadas necessariamente por esta. Assim, embora o processo migratório seja carregado per se de incertezas, interessa desvendar os processos subjacentes a ele que transformam um evento natural em uma situação de crise. A eventualidade é um traço importante, pois concretamente a crise impacta populações já sistematicamente afetadas por desigualdades sociais, políticas e econômicas. Contudo, a eventualidade não está no cerne da questão, mas sim a pressão súbita e profunda que esta provoca sobre pessoas ou comunidades, não lhes restando outra alternativa senão migrar – ou, ainda, ensejando uma crise aguda que impede a emigração mesmo daqueles que assim o desejam. Desse modo, torna-se imperativo lançar luz sobre aspectos mais estruturais que acometem países e regiões (MCADAM, 2014MCADAM, J. The concept of crisis migration. Forced Migration Review, n. 45, p. 10-11, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/mcadam. Acesso em: 5 abr. 2020.).

A gênese das crises humanitárias é marcada por eventos que geralmente produzem privações significativas a pessoas e comunidades de maneira abrupta e repentina, configurando um longo período de violação de direitos humanos. Como descrito anteriormente, ameaças reais ou percebidas às vidas ou à integridade física de indivíduos e grupos geram forte pressão de maneira iminente sobre os mesmos, movendo-os em busca de segurança rumo a outros países (MARTIN et al., 2014). Estas crises de caráter humanitário também se articulam à perspectiva de prevenção do risco, a qual enseja o movimento massivo de pessoas, sendo ainda mais latentes para populações incapazes de migrar. Potencialmente, a imobilidade migratória aflige muito mais aqueles que ficaram, haja vista que continuarão tendo suas vidas, segurança ou subsistência em perigo (MARTIN et al., 2014; BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Além das eventualidades, há de se ter em conta, portanto, a imobilidade migratória como importante dimensão das migrações de crise, dada a inexistência de mecanismos institucionalizados para a proteção dos que não se deslocaram. Paralelamente ao regime de proteção dos refugiados, o conceito de deslocados internos refere-se à movimentação dentro do território doméstico – ou seja, sem transposição fronteiriça interestatal (COHEN, 2014COHEN, R. Lessons from the development of the Guiding Principles on Internal Displacement. Forced Migration Review, n. 45, p. 12-14, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/cohen. Acesso em: 5 abr. 2020.). Nesse sentido, tal definição conceitual não aborda a imobilidade em si, que cria diretamente um tipo de enclausuramento dentro do qual as populações atingidas são forçosamente impelidas a remanescer. Assim, devido às condições de vulnerabilidade, populações inteiras não podem se mover – interna ou transnacionalmente – para fazer frente às crises humanitárias (MARTIN et al., 2014; BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Susan Martin, Sanjula Weerasinghe e Abbie Taylor (2014) elucidam bem como as crises humanitárias relacionam-se às migrações: de maneira direta, as crises geram deslocamento, compelindo indivíduos e coletividades a migrarem em função de eventos que estão além do seu controle. Daí existirem aqueles que se antecipam e migram prevendo futuros danos às suas vidas e, ainda, os realocados, igualmente afetados por essas mesmas circunstâncias, mas que não puderam migraram por razões físicas, financeiras, de saúde ou outras razões imobilizantes. Por “crise humanitária”, as autoras entendem situações marcadas por ameaça generalizada à vida, segurança, integridade física, saúde ou subsistência básica, as quais indivíduos, famílias e comunidades inteiras não têm condições de enfrentar por si sós (MARTIN et al., 2014).

Ao vislumbrar que a própria preservação destas pessoas e populações encontra-se em jogo, Betts (2013, p. 4-5) prefere utilizar o termo “migração de sobrevivência”,7 7 Um estudo partindo da perspectiva institucional e enfocando redes migratórias é o de Guilmoto e Sandron (2001). aludindo a “pessoas que estão fora de seu país de origem devido à ameaça para acessar uma solução ou remédio doméstico”. Ou seja, o autor considera o contexto de pessoas que não se enquadram propriamente na categoria de refugiado, embora o conceito por ele formulado não seja aplicável aos deslocados internos ou aos enclausurados. Com isso, há o fator complicador de que o cruzamento de fronteiras tenha sido concretizado para que se possa reconhecer um migrante buscando a sobrevivência. Como diversos autores apontam, nem sempre isso ocorrerá na realidade (MARTIN et al., 2014; BLACK, COLLYER, 2014; CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Têm-se como exemplos de crises humanitárias nos anos 1990 as situações enfrentadas no Sri Lanka, na Bósnia e na Somália, nas quais os que mais necessitavam de ajuda estavam enclausurados, ou seja, precisamente não conseguiram fugir dos conflitos (BLACK, COLLYER, 2014). Aqueles que puderam acessar a mobilidade transformaram-se em refugiados ou deslocados internos, assumindo esta ou aquela categoria migratória. Tal diferença é primordial para as migrações de crise, já que os últimos estão cobertos por um regime de proteção pautado pela ação humanitária de atores internacionais e do sistema ONU, enquanto os primeiros, pelo regime protetivo mais consolidado internacionalmente. Na realidade, inexiste um regime calcado em convenções, pactos ou protocolos, havendo apenas o documento intitulado “Princípios Orientadores sobre Deslocamento Interno” elaborado no âmbito da ONU. De todo modo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados tem assumido a assistência e proteção a populações deslocadas internamente (ACNUR, 2019).

É notória a articulação entre crises humanitárias e movimentações massivas de pessoas, compondo, desse modo, as migrações de crise. Recentemente, no entanto, especialistas têm procurado incluir o fator ambiental como potencial propulsor destes movimentos (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.). A discussão também é fértil na área das migrações forçadas, ao abordar o reconhecimento deste elemento como motivo para a concessão de refúgio aos deslocados em razão de catástrofes naturais (terremotos, maremotos, secas, etc.) (JUBILUT et al., 2018JUBILUT, L. L.; RAMOS, E. P.; CLARO, C. de A. B.; CAVEDON-CAPDEVILLE, F. de S. (ed.). Refugiados ambientais. Roraima: Editora UFRR, 2018. Disponível em: ufrr.br/editora/index.php/editais?download=401:refugiados-ambientais. Acesso em: 5 abr. 2020.). A título de ilustração, este arcabouço teórico-conceitual foi empregado por Baeninger e Peres (2017BAENINGER, R.; PERES, R. G. Migração de crise: a migração haitiana para o Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 119-143, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-30982017000100119&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 5 abr. 2020.) para compreender a recente migração haitiana para o Brasil.

A migração de crise se desenvolve em resposta a um risco perceptível ou uma catástrofe natural que transforma um acaso em uma necessidade urgente. Indubitavelmente, os desastres ambientais são capazes de ocasionar insegurança e perigos de tal maneira que vão minando as condições de vida local, o que traz à tona a urgência da emigração. Muito mais do que escolhas propriamente ditas, a situação de crise desencadeia uma gama de não escolhas, já que, para ter condições mínimas de se deslocar, são necessários os meios físicos, financeiros, familiares propícios para que o movimento de fato aconteça (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Os desastres ambientais são categoricamente evidenciados nos estudos sobre as migrações de crise, ao estimularem a mobilidade de pessoas e, ao mesmo tempo, imporem a chamada imobilidade migratória (ou enclausuramento). Black e Collyer (2014, p. 54) reiteram que catástrofes naturais têm tamanha influência, sendo provável que a migração “se torne menos em vez de mais prevalecente no contexto da mudança climática”. Tais catástrofes infligem àqueles que ficaram as piores consequências da crise, já que o deslocamento em massa de populações inteiras resulta posteriormente na falta de mão de obra e até mesmo na ausência de provisão familiar nas regiões de origem. Em suma, embora os deslocamentos possam vir a integrar a estratégia de alguns para o enfrentamento do desastre, nem sempre as possibilidades de mobilidade estarão disponíveis a todos acometidos pelas crises. O fenômeno da imobilidade passou a ganhar, assim, cada vez maior proeminência nas pesquisas sobre as migrações de crise.

Imobilidade: uma nova dimensão para os estudos das migrações de crise

A imobilidade é o termo utilizado para designar os impedidos de migrar por razões físicas, etárias, financeiras, familiares, de saúde ou gênero, diante do agravamento das condições de subsistência nestes locais. Richard Black e Michael Collyer (2014, p. 52) apresentam o conceito como “o enclausuramento daqueles que perderam o controle sobre a decisão de migrar em razão de um perigo potencial”. Pode-se perceber aqui que a discussão envereda para o binômio escolha e voluntariedade em oposição a compulsoriedade e força, tão central aos estudos migratórios, como já indicado.

Os autores reforçam que o pressuposto para identificar a imobilidade involuntária deve ser a necessidade de se deslocar (substituindo a escolha), assumindo o caráter de compulsoriedade. A distinção gira em torno do medo fundamentado frente aos desdobramentos da crise, caso o deslocamento não se efetive. A característica fundamental da imobilidade dos enclausurados é, logo, a necessidade urgente, pressentida e iminente de migrar, mas que não pode ocorrer, dadas as restrições que abarcam desde o ambiente onde se encontram (violento e/ou devastado) até as políticas restritivas implementadas por Estados. Exemplos emblemáticos da imobilidade imposta pela perspectiva estatal são a detenção e deportação de pessoas em situação de trânsito, assim como a vigilância massiva e consequente obstaculização da entrada em países ricos (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.).

O acirramento de tais constrições políticas cada vez mais frequentes nos países do norte global vem colocando em xeque a eficácia do regime de proteção aos refugiados – configurando o que Clochard (2007) e Chimni (2018) nomeiam como mecanismos “de não-entrada”. Clochard (2007) parte do reconhecimendo do Estado francês em utilizar o recrudescimento da vigilância nas fronteiras externas como meio para diminuir o número de pedidos de asilo8 8 Outras/os autoras/es da literatura nacional sobre migrações igualmente seguem este entendimento, tais como Correa et al. (2015) e Silva e Abrahão (2018). na França – de maneira que o mesmo sofreu uma drástica redução, não porque os deslocamentos perderam fôlego ou porque as crises “desapareceram”, mas sim porque se implementaram, de antemão, políticas impeditivas de acesso ao direito de asilo.

A ocasião da mais recente denominada “crise migratória do Mediterrâneo” evidenciou a negligência acerca do enclausuramento de migrantes nos países periféricos. Milhares de pessoas foram impedidas de migrar para outro país e também de retornar, o que sucitou abusos, confinamentos, aprisionamentos e outras violações a direitos fundamentais das mais diversas ordens. Em termos de governança institucional, as políticas que visavam a queda do número de pedidos de asilo em nada mudaram os fatores que originaram as migrações de crise. Havia, de um lado, uma grande massa de deslocados se movimentando em função da expectativa de proteção e, de outro, uma instituição orientada a reduzir, preventivamente, o reconhecimento do estatuto de refugiado como forma de “solucionar” a entrada de imigrantes em situação irregular no território europeu. O resultado foi a explosão do número de pessoas tolhidas do direito de solicitar asilo. Pessoas estas enclausuradas numa situação de total insegurança jurídica, tornando-se mais suscetíveis às repressões estatais, por não terem sido reconhecidas nem como refugiados, nem como solicitantes, nem por outra categoria migratória (ACNUR, 2018ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Desperate journeys: refugees and migrants arriving in Europe and at Europe border’s. [S.l.] 2018. Disponível em: https://www.unhcr.org/desperatejourneys/. Acesso em: 5 abr. 2020.
ttps://www.unhcr.org/desperatejourneys/...
).

As políticas preventivas para controlar a imigração, ensejando, assim, o enclausuramento ou impedimento da mobilidade nos espaços de trânsito, expressam as maneiras pelas quais os Estados contribuem para as crises. Ao declarar que os esforços devem ser direcionados à redução da liberdade nas fronteiras externas e nos territórios de trânsito, autoridades governamentais “enclausuram” os migrantes de crise, aprisionando-os nestes locais, sem lhes garantir qualquer segurança jurídica, como apontado anteriormente (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.). Por conseguinte, pessoas que já tiveram seus direitos mais fundamentais ameaçados ou efetivamente desrespeitados nos países de origem estão sujeitas a sofrerem novas violações nesses contextos.

Segundo Clochard (2007), a imobilidade deliberada por parte do Estado – agindo por meio das autoridades migratórias – nos locais de trânsito, ao impor vigilância e repressão, tem como finalidade coibir que deslocados busquem asilo nos territórios vistos como destinos almejados. Desse modo, o Estado contribui para o enclausuramento não só pela detenção propriamente dita, mas também por limitar o acesso a este direito, previsto no artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e pela consequente sensação de insegurança e incerteza imposta a milhares de pessoas. Além disso, para o autor, a proposta de recrudescimento nas fronteiras incorpora uma visão maniqueísta das migrações, ao apagar que muitos indivíduos fogem por perseguições e temores diversos não especificados pelo regime relativo a refugiados (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.). Não à toa há apenas 0,3% da população mundial sob a categoria de refugiado, sendo que ao menos 80% dos migrantes forçados se deslocam atualmente no eixo Sul-Sul. Obstáculos ao acesso ao refúgio fazem com que, atualmente, a maior parte dos deslocados ocupe as categorias de “deslocado interno” ou “solicitante de refúgio”, em detrimento de “refugiado” (ACNUR, 2019; CHIMNI, 2018CHIMNI, B. S. The global refugee crisis: towards a just response. Bonn: Stiftung Entwicklung und Frieden/Development and Peace Foundation, 2018. (Global Trends Analysis). Disponível em: https://www.sef-bonn.org/fileadmin/SEF-Dateiliste/04_Publikationen/GT-A/2018/GT-A_2018-03_en.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.).

A concepção de que um alto número de imigrantes causa uma pressão migratória – tida como um “fardo” ou “encargo” aos sistemas públicos de educação, saúde ou habitação – capaz de desestabilizar a sociedade receptora embasa o discurso sobre migrantes como “falsos solicitantes de asilo ou refugiados”, “imigrantes econômicos” ou apresentando “demandas de asilo infundadas” (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.; CHIMNI, 2018CHIMNI, B. S. The global refugee crisis: towards a just response. Bonn: Stiftung Entwicklung und Frieden/Development and Peace Foundation, 2018. (Global Trends Analysis). Disponível em: https://www.sef-bonn.org/fileadmin/SEF-Dateiliste/04_Publikationen/GT-A/2018/GT-A_2018-03_en.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.). Retomando as categorias migratórias, cabe enfatizar que apátridas e solicitantes de refúgio – devido ao fundado temor de perseguição à sua vida, integridade física ou segurança, o qual motivou o deslocamento – não podem ser extraditados, nem devolvidos ao seu Estado de origem, ainda que tenham entrado de forma “irregular” no país de destino (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/script...
).

Porém, pessoas deslocadas que não se enquadram nessas categorias jurídicas são postas à margem de qualquer proteção institucional, encontrando-se, assim, numa condição fortemente precária, caracterizada como um limbo jurídico.9 9 Na literatura internacional, de modo geral, asilo e refúgio são utilizados de forma intercambiante. Na América Latina, estes institutos são considerados juridicamente diversos em função de tratados distintos. Segundo Jubilut (2007), o refúgio teria teor humanitário, enquanto o asilo, político. Há também a visão de que o asilo seria uma categoria mais ampla que engloba, entre outras, a do refúgio. Em que pesem as divergências a esse respeito, utilizaremos o termo “asilo” em respeito à língua original em que o texto de Clochard foi publicado (francês). À guisa de exemplo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados tem se valido da categoria refugee-like situation – a qual designa uma situação análoga à do refúgio (ou asilo), mas não se configura juridicamente como tal (ACNUR, 2019ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Global trends: forced displacement in 2018. [S.l.] 2019. Disponível em: https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.
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).

Como é necessário se submeter aos trâmites legais para regularizar a situação migratória – seja pelo reconhecimento da condição de refugiado, seja por outro estatuto protetivo no país receptor –, as políticas adotadas cerceiam o direito de pedir asilo de tal modo que os solicitantes, uma vez em solo estrangeiro, sentem temor sobre as práticas do processo. O afastamento do solicitante da esfera jurídica também configura um tipo de enclausuramento, já que a clandestinidade passa a ser um fato para os que temem os desdobramentos legais (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Tendo em vista que a autorização de permanência em território estrangeiro finda após a negação do pedido de asilo, o decréscimo do número de demandas pode significar também que inúmeros imigrantes não quiseram acessar esta via em função dos empecilhos colocados. Ao mesmo tempo, a vivência clandestina se acirra em função da queda nas concessões dos pedidos, aprofundando as condições de vulnerabilidade experenciadas pelos migrantes. Nesses casos, o enclausuramento promovido pelo Estado tolhe até mesmo a importância que a escolha teria no processo. Trata-se de um quadro que constrange o usufruto da proteção legal assegurada pelo direito ao asilo, acarretando, portanto, na verdade, uma não escolha (CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illegalité. EchoGéo, v. 2, p. 1-10, 2007. Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696. Acesso em: 5 abr. 2020.).

“Enclausuramento” compreende, assim, uma significação que não se resume às capacidades reunidas pelo indivíduo – sobre querer ou necessitar se mover frente à situação de crise –, envolvendo também políticas perpetradas pelo Estado. A questão se complexifica ainda mais quando considerados, além dos que não são capazes de migrar, os que não querem migrar. Enquanto os primeiros precisam fazê-lo, mas enfrentam barreiras geográficas, econômicas, políticas, sociais e ambientais ao deslocamento, os segundos mantêm ainda uma margem de escolha entre partir ou permanecer. Isso não significa não terem sido afetados igualmente pela crise, mas que a percepção sobre a urgência de migrar é inconstante e variável entre os sujeitos que vivenciam estes contextos (BLACK, COLLIER, 2014).

Desse modo, como distinguir aqueles que optam por não partir daqueles que não concretizam a migração por repressões implantadas pelo Estado? Como afirmam Black e Collyer (2014, p. 55), a problemática gira em torno das condições capazes de retirar os atingidos pela situação de crise:

O problema não é as pessoas estarem no lugar errado em relação à mudança climática ou outras crises. O problema é que as pessoas estão no lugar errado e não conseguem fazer nada a respeito. A questão mais urgente é identificar como as respostas existentes podem reduzir a probabilidade de os indivíduos ficarem presos em situações de crise.

A partir do arcabouço das migrações de crise, ressalta-se assim a necessidade de um engajamento internacional em relação aos enclausurados na imobilidade – os quais estão capturados numa posição de ainda maior invisibilidade. Políticas direcionadas a essas populações não são óbvias, diante da dificuldade de discernir aqueles que escolhem permanecer em local de crise daqueles que não podem migrar. A elaboração de políticas direcionadas aos que pretendem permanecer assume tamanha complexidade que, em 1993, Sadako Ogata – à época Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados – foi amplamente criticada por introduzir a noção do “direito de permanecer” durante a 49ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos em Genebra. A declaração foi vista com maus olhos por, implicitamente, poder abrir procedente à restrição de circulação, ou seja, ao impedimento ao deslocamento (UNHCR, 1993 apud BLACK; COLLYER, 2014). Fato é que, segundo Black e Collyer (2014), a conceituação dessas duas categorias pode objetivamente diferenciar a proteção frente a populações de crise, uma vez que aqueles que decidem permanecer não devem ser realocados ou retirados de seu local sem seu consentimento.

Os autores evocam, assim, a necessidade de uma mudança metodológica nas teorias de migrações, que deveria lançar luz sobre três categorias – ainda pouco exploradas – acerca da tomada (ou não) de decisão no contexto da (i)mobilidade: os espaços migratórios, os ativos locais e a causalidade cumulativa. Isso implicaria avaliar a condição migratória – se de fato a pessoa tem a alternativa de emigrar ou se restará numa situação de imobilidade –, as circunstâncias vivenciadas no local de origem – o que diz respeito às perspectivas de subsistência e acesso a bens básicos na vida cotidiana –, somadas a todos os processos que impactam tais localidades de forma inter-relacionada. Contudo, a literatura especializada se encontra em momento inaugural na investigação do tema, tornando as categorias não totalmente definidas, de maneira que a elaboração de políticas específicas às populações em imobilidade parece ainda estar longe de ser realidade (BLACK; COLLYER, 2014BLACK, R.; COLLYER, M. Populations ‘trapped’ at times of crisis. Forced Migration Review, n. 45, p. 52-55, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/black-collyer. Acesso em: 5 abr. 2020.).

Em que pese a dificuldade de sua delimitação conceitual na literatura, importa refletir sobre: quais as soluções viáveis para as chamadas migrações de crise? Betts (2014BETTS, A. The global governance of crisis migration. Forced Migration Review, n. 45, p. 76-69, 2014. Disponível em: www.fmreview.org/crisis/betts. Acesso em: 5 abr. 2020.) defende que, a despeito da ausência de um regime internacional específico para tratar essa questão, é possível recorrer à criatividade para acionar instrumentos já existentes a fim de que funcionem melhor e possam dar encaminhamento a migrantes de crises. Isso porque, como já mencionado anteriormente, tanto o regime de proteção a refugiados quanto o dos deslocados internos não demonstram contemplar especialmente os enclausurados ou imobilizados. Tampouco aparenta haver disposição ou “vontade política” por parte de governos no sentido de rever – quanto mais ampliar – o escopo da definição de refugiado no mundo contemporâneo. Por iniciativa do ACNUR, estava em curso uma proposta voltada a fortalecer os compromissos assumidos frente à Convenção de 1951 pelos seus Estados-membros, dado que sua revisão necessitaria da anuência de todos aqueles que a ratificaram – empreitada que não se mostra factível atualmente. Contudo, após consulta ao site disponibilizado pela agência da ONU, observa-se que a iniciativa denominada Convention Plus não apresenta documentos ou feitos registrados desde 2005 – pouco depois do contexto dos atentados de 11 de setembro de 2001, portanto (ACNUR, 2005ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Convention Plus. [S.l.] 2005. Disponível em: https://www.unhcr.org/convention-plus.html. Acesso em: 5 abr. 2020.
https://www.unhcr.org/convention-plus.ht...
).

Chimni (2018, p. 23) igualmente cogita mecanismos para gerir estes movimentos migratórios, privilegiando como ponto de partida o diálogo genuíno e inclusivo estabelecido entre todos os atores envolvidos. Em sua conclusão, o estudioso indiano afirma que “Refugiados são produtos da patologia do sistema internacional; o que, portanto, requer reformas sistêmicas”. E mais: adotar mecanismos de “não entrada” pelos países ricos com vistas a deslocar o “encargo” para os países pobres criará uma crise em si mesma. Todavia, ao que tudo indica, a projeção é de que crises de diversas naturezas e proporções persistam mundo afora, inobstante a dificuldade de defini-las. Tanto é assim que o ACNUR (2020) elenca atualmente ao menos 11 situações emergenciais no globo, localizadas no/a: Burundi, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Iraque, Síria, Nigéria, Sudão do Sul, Yemen, Rohingya, Europa e Venezuela. Logo, não há indícios de que o diálogo possa resultar, no momento ou no futuro próximo, em políticas mais humanas – senão humanitárias – para as migrações e, principalmente, para os sujeitos que encarnam na pele tais processos.

Reflexões finais

Como podemos ver, a conceituação das “migrações de crise” enfrenta desafios em termos de sua delimitação – em especial do que compõe propriamente o espectro de “crise” –, além de metodológicos – como aferi-la e operacionalizar tal conceito na prática. Por ser uma proposta teórica recentemente discutida na área de estudos migratórios, constata-se que ainda há muito a se avançar. O que pretendemos aqui destacar é a importância desse debate conceitual, entre outras dimensões nele implicadas, bem como suas contribuições para o próprio campo.

Em primeiro lugar, implicitamente, tal conceito ajuda a reverter o enfoque de um discurso que trata os imigrantes como um problema e, nesse sentido, intenciona depositar culpa sobre pessoas e grupos que, em realidade, foram acometidos por acontecimentos de extrema violência e violações de direitos em seus países de origem por múltiplos fatores combinados. Nesse sentido, há um impacto sensível quanto às disputas discursivas em torno de migrantes, dos processos migratórios, dos olhares construídos sobre estes por parte de comunidades diversas que deveriam ser – mas nem sempre são – acolhedoras.

Acrescente-se que a concepção de “migrações de crise” toca em questões ainda não suficientemente superadas no campo de estudos migratórios. Uma delas é a fronteira erigida entre migrações forçadas e voluntárias, opondo violência ou compulsoriedade à vontade ou voluntariedade. Cada vez mais tem restado patente a enorme dificuldade em se trabalhar com um divisor de águas tão bem traçado, posto que a realidade imposta às pessoas que migram parece destoar de condições assim precisamente demarcadas. O difícil discernimento sobre noções de escolha (ou não escolha) e voluntariedade (ou involuntariedade) sobressai como desafio permanente ao campo. Soma-se a este a distinção metodológica em tratar o Estado-nação não apenas como ator central para a compreensão das migrações como locus por excelência onde estas se dão – delineando, com isso, origem (partida), destino (chegada) e a categoria intermediária de trânsito. A complexidade com que os movimentos migratórios ocorrem na atualidade vem a contestar essa classificação, posto que, a exemplo das populações enclausuradas, o destino é o confinamento no local (ou espaço) de origem ou trânsito. Por fim, a concretização do ato de migrar como um direito humano e o acesso a categorias jurídicas das migrações tidas como forçadas – em especial a do refugiado ou ao menos a de solicitante de refúgio – ainda se colocam como consideráveis óbices àqueles que anseiam ou tentam se deslocar.

Esperamos ter, ainda que de maneira incipiente, contribuído para enriquecer o debate não somente na esfera conceitual, metodológica, mas igualmente epistemológica nos estudos migratórios – dadas as implicações práticas que reverberam a partir de construções científicas, políticas e jurídicas. E, ainda mais: lançar luz sobre migrantes enquanto sujeitos humanos e em quais circunstâncias pessoas de fato migram ou ficam imobilizadas nas condições das mais adversas.

Notes

  • 1
    A título de exemplificação, ver as seguintes matérias publicadas por diferentes veículos midiáticos: BBC BRASIL. ONU diz que crise migratória na Venezuela já está quase no nível de fluxo de refugiados no Mediterrâneo. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45307311>. Acesso em: 5 abr. 2020; EURONEWS. Crise migratória na Europa chegou ao fim. Disponível em: <https://pt.euronews.com/2019/03/07/crise-migratoria-na-europa-chegou-ao-fim>. Acesso em: 5 abr. 2020; ONU. Mais de 2 milhões de pessoas deixaram seus países só em 2017, alerta agência da ONU para refugiados. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/mais-de-2-milhoes-de-pessoas-deixaram-seus-paises-so-em-2017-onu-refugiados/>. Acesso em: 5 abr. 2020. A mobilização deste termo também se verifica no meio acadêmico, vide, por exemplo:
  • 2
    <www.seer.ufrgs.br/RevistaPerspectiva/article/download/80349/47153>. Acesso em: 5 abr. 2020.
  • 3
    Ver: MIGRAMUNDO. Países anti-PactoGlobal para Migração chegam a prender solicitantes de refúgio. Disponível em: <https://migramundo.com/paises-anti-pacto-global-para-migracao-chegam-a-prender-solicitantes-de-refugio/>. Acesso em: 5 abr. 2020. E ainda: EURONEWS. Discurso anti-imigração cresce na corrida para as eleições europeias. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vJpGKdBFfRA>. Acesso em: 5 abr. 2020.
  • 4
    A respeito das estatísticas e projeções sobre deslocamentos de pessoas por questões ambientais, ver OIM (2018).
  • 5
    Acerca do fenômeno da apatridia, há a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 e a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961 (ACNUR, 2015ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Coletânea de instrumentos de proteção nacional e internacional de refugiados e apátridas. [S.l.] 2015. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas. Acesso em: 5 abr. 2020.
    http://www.acnur.org/t3/fileadmin/script...
    ). Dentro da literatura que trata do tema, sugere-se a leitura da obra da filósofa Hannah Arendt (2012ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), que abordou magistralmente a questão, focando mais especificamente o contexto histórico após a I e II Guerras Mundiais.
  • 6
    Sugere-se aqui a leitura da obra de Kritz e Zlotnik (1992KRITZ, M.; LIM, L. L.; ZLOTNIK, H. International migration systems: a global approach. Oxford: Clarendon Press, 1992.).
  • 7
    Um estudo partindo da perspectiva institucional e enfocando redes migratórias é o de Guilmoto e Sandron (2001GUILMOTO, C. Z.; SANDRON, F. The internal dynamics of migration networks in developing countries. Population: an English Selection, v. 13, n. 2, p. 135-164, 2001.).
  • 8
    Outras/os autoras/es da literatura nacional sobre migrações igualmente seguem este entendimento, tais como Correa et al. (2015CORREA, M. A. S. et al. Migração por sobrevivência: soluções brasileiras. REMHU, v. XXIII, n. 44, p. 221-236, 2015.) e Silva e Abrahão (2018SILVA, J. C. J.; ABRAHÃO, B. A. Migração pela sobrevivência: o caso dos venezuelanos em Roraima. In: JUBILUT, L. et al. (org.). Migrantes forçad@s: conceitos e contextos. Roraima: Ed. UFRR, 2018. p. 636-661.).
  • 9
    Na literatura internacional, de modo geral, asilo e refúgio são utilizados de forma intercambiante. Na América Latina, estes institutos são considerados juridicamente diversos em função de tratados distintos. Segundo Jubilut (2007), o refúgio teria teor humanitário, enquanto o asilo, político. Há também a visão de que o asilo seria uma categoria mais ampla que engloba, entre outras, a do refúgio. Em que pesem as divergências a esse respeito, utilizaremos o termo “asilo” em respeito à língua original em que o texto de Clochard foi publicado (francês).
  • 10
    A esse respeito, recomenda-se o exame do caso francês a partir do trabalho de Reis (2006REIS, R. R. Migrações: casos norte-americano e francês. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 59-74, 2006.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2020
  • Aceito
    15 Out 2020
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