Acessibilidade / Reportar erro

Intenções de fecundidade: uma revisão da literatura acerca da variável em países de renda alta e no Brasil

Fertility intentions: a literature review on high-income countries and Brazil

Intenciones de fecundidad: una revisión de la literatura sobre la variable en países de ingresos altos y en Brasil

Resumo

A literatura sobre intenções de fecundidade tem ganhado crescente relevância em estudos demográficos porque, sendo um determinante próximo da fecundidade, auxilia o entendimento do comportamento reprodutivo de diferentes populações. Contudo, esta literatura não foi ainda organizada segundo os principais e mais recorrentes aspectos dispersos na literatura. Estudos geralmente utilizam uma única característica acerca das intenções de fecundidade, seja por meio dos seus conceitos, das principais teorias ou de principais indicadores. Este trabalho possui, portanto, o objetivo de organizar e articular os principais e mais recorrentes aspectos presentes nos estudos sobre intenções de fecundidade. Ao longo da discussão, aprofunda-se na relação existente entre intenções de fecundidade e fecundidade observada. A princípio, foca-se nos países de renda alta, sobre e para os quais a literatura referente ao tema foi desenvolvida. Contudo, também são abordados países de renda média e fecundidade baixa, com ênfase no Brasil, para os quais a produção, especialmente a partir de uma abordagem teórica, ainda é incipiente.

Palavras-chave:
Intenções; Fecundidade; Revisão da literatura

Abstract

The literature on fertility intentions has gained increasing relevance in demographic studies because, as a close determinant of fertility, it helps understand the reproductive behavior of different populations. However, this literature has not yet been organized according to the main and most recurrent aspects covered. Studies generally use one single aspect of fertility intentions, whether through its concepts, main theories or main indicators. Therefore, the goal of this work is to organize and articulate the main and most recurrent aspects present in studies on fertility intentions. It begins by presenting the main concepts. Then, it discusses important theoretical approaches on the formation of fertility intentions, as well as its main determinants. Finally, it contextualizes fertility intentions (and their levels) in different scenarios. Throughout the discussion, for each topic presented, the paper delves deeper into the relationship between fertility intentions and observed fertility. Its first focus is on high-income countries covered in the literature on the subject. However, it also discusses middle-income countries with low fertility, focusing on Brazil, for which academic production, especially from a theoretical approach, is still incipient.

Keywords:
Intentions; Fertility; Literature review

Resumen

La literatura sobre las intenciones de fecundidad ha ganado relevancia en los estudios demográficos porque, al ser estas determinantes próximos de la fecundidad, ayudan a entender el comportamiento reproductivo de diferentes poblaciones. Sin embargo, esta literatura no se ha organizado según sus aspectos principales y más recurrentes. Así, los estudios trabaja en general sobre un solo aspecto de las intenciones de fecundidad, sea a través de sus conceptos, de sus principales teorías o de sus principales indicadores. El objetivo de este artículo es, por lo tanto, organizar y articular los principales y más recurrentes aspectos presentes en los estudios sobre intenciones reproductivas. Así, comienza presentando sus conceptos principales. Luego, discute importantes corrientes teóricas sobre la formación de intenciones de fecundidad y también analiza sus principales determinantes. Finalmente, contextualiza las intenciones de fecundidad (y sus niveles) en diferentes escenarios. A través de cada tema presentado, se profundiza en la relación entre las intenciones de fecundidad y la fecundidad observada en las poblaciones. Es para ello que se centra, en un primer momento, en los países de ingresos altos, sobre y para los cuales se elaboró la literatura sobre el tema. Sin embargo, también se analizan los países de ingresos medios y de baja fecundidad, con énfasis en Brasil, cuya producción, especialmente desde un enfoque teórico, es aún incipiente.

Palabras clave:
Intenciones; Fecundidad; Revisión de literatura

Introdução

O estudo das intenções de fecundidade tem ganhado cada vez mais espaço nas análises demográficas de diferentes países e contextos. Por serem consideradas importantes determinantes próximos da fecundidade, seu estudo auxilia compreender o comportamento reprodutivo, bem como possibilita investigar não apenas o efetivo alcance dessas intenções, mas também os motivos pelos quais, em determinadas situações, elas se diferem do número de filhos tidos. Além disso, num contexto de crescente prevalência de métodos contraceptivos e, portanto, de maior facilidade de implementação das intenções de fecundidade, elas se tornam também importantes subsídios para projeções da própria fecundidade. Igualmente, por serem relevantes preditores da fecundidade, a análise da associação existente entre intenções e outras variáveis sociodemográficas contribui para o entendimento da relação destas variáveis com a própria fecundidade observada (BONGAARTS, 2001BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.; BILLARI; PHILIPOV; TESTA, 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; PHILIPOV et al., 2009; KLOBAS, 2011KLOBAS, J. The theory of planned behaviour as a model of reasoning about fertility decisions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 47-54, 2011.; MILLER, 2011MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.; SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.; TESTA, 2014; SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014; RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.).

A maior parte da literatura apresenta intenções de fecundidade por meio de uma análise empírica, seja quantitativa (em maior grau) ou qualitativa. Para isso, e dependendo do objetivo desses trabalhos, são utilizados diferentes arcabouços teóricos para conceituar, justificar, embasar e/ou contextualizar suas análises, não havendo, no entanto, uma discussão conjunta acerca destes. Assim, o objetivo geral do presente estudo é organizar e articular os principais e mais recorrentes aspectos acerca de intenções de fecundidade dispersos na literatura. Primeiramente, são abordados os principais conceitos, a partir de ênfase nas diferenças existentes entre os termos mais recorrentes - por exemplo, intenções vs. desejos -, os quais, diversas vezes, são utilizados de forma errônea e/ou intercambiável (MILLER; SEVERY; PASTA, 2004MILLER, W. B.; SEVERY, L. J.; PASTA, D. J. A framework for modelling fertility motivation in couples. Population Studies, v. 58, n. 2, p. 193-205, 2004.; HIN et al., 2011HIN, S.; GAUTHIER, A.; GOLDSTEIN, J.; BÜHLER, C. Fertility preferences: what measuring second choices teaches us. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 131-156, 2011.; MILLER, 2011, BACHRACH; MORGAN, 2013BACHRACH, C. A.; MORGAN, S. P. A cognitive-social model of fertility intentions. Population and Development Review, v. 39, n. 3, p. 459-485, 2013.; BRINTON; LEE, 2016BRINTON, M.; LEE, D. J. Gender-role ideology, labor market institutions, and post-industrial fertility. Population and Development Review, v. 42, n. 3, p. 405-433, 2016.; PHILIPOV; BERNARDI, 2011PHILIPOV, D.; BERNARDI, L. Reproductive decisions: concepts and measurement in Austria, Germany and Switzerland. Comparative Population Studies, v. 36, n. 2-3, p. 495-530, 2011.). Também são discutidas as principais teorias por trás dos processos de formação das intenções de fecundidade (AJZEN, 1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.; KLOBAS, 2011KLOBAS, J. The theory of planned behaviour as a model of reasoning about fertility decisions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 47-54, 2011.; MILLER; SEVERY; PASTA, 2004), assim como seus principais condicionantes e determinantes (HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2005; PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006BILLARI, F. C.; LIEFBROER, A. C.; PHILIPOV, D. The postponement of childbearing in Europe: driving forces and implications. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, n. 1, 2006.; BILLARI; PHILIPOV; TESTA, 2009). O foco contextual/geográfico de discussão teórica deste trabalho está, primeiramente, nos países de fecundidade baixa e renda alta, sobre os quais há também maior produção acadêmica, quando se trata dos conceitos, teorias, condicionantes e determinantes das intenções de fecundidade (RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.). Porém, não se limitando apenas a este grupo de países, este estudo também discute intenções de fecundidade em países de renda média1 1 Este trabalho segue a classificação de países mais recente do Banco Mundial (HAMADEH; VAN ROMPAEY; METREAU; EAPEN, 2022). que igualmente possuem fecundidade baixa, com ênfase no Brasil, para os quais a discussão, especialmente a partir de um viés teórico, ainda é incipiente.

Ao longo dos aspectos revisados, este trabalho se aprofunda na relação existente entre intenções (e também ideais) de fecundidade e fecundidade observada (o número de filhos tidos propriamente dito). Discute-se a associação entre elas, além de como e porque se diferenciam. Essa análise segue com o contexto e possíveis causas dos gaps existentes entre intenções ou ideais de fecundidade e fecundidade observada. Esses gaps demonstram uma demanda não alcançada por filhos - quando os níveis de intenções ou ideais de fecundidade superam os níveis de fecundidade observada (CHESNAIS, 1996CHESNAIS, J. C. Fertility, family and social policy. Population and Development Review, v. 22, p. 729-739, 1996., 2000; GOLDSTEIN; LUTZ; TESTA, 2003GOLDSTEIN, J. R.; LUTZ, W.; TESTA, M. R. The emergence of sub-replacement family size ideals in Europe. Population Research and Policy Review, v. 2, n. 2, p. 479-496, 2003.; HARKNETT; HARTNETT, 2014HARKNETT, K.; HARTNETT, C. The gap between births intended and births achieved in 22 European countries. Population Studies: A Journal of Demography, v. 68, p. 265-282, 2014.; LIEFBROER, 2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.; MORGAN; TAYLOR, 2006MORGAN, S. P.; TAYLOR, M. G. Low fertility at the turn of the twenty-first century. Annual Review of Sociology, v. 32, p. 375-99, 2006.; PHILIPOV et al., 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.). Essa demanda não alcançada por filhos ocorre especialmente nos países de renda alta, mas também é verificada naqueles de renda média que possuem níveis similares de fecundidade (baixa), caso do Brasil. Ainda sobre essa discussão, o presente trabalho analisa a possibilidade de o referido gap entrar em uma tendência de queda - e, portanto, em uma tendência de redução da demanda não alcançada por filhos (GOLDSTEIN; LUTZ; TESTA, 2003; LUTZ; SKIRBEKK; TESTA, 2006; BILLARI; LIEFBROER; PHILIPOV, 2006BILLARI, F. C.; LIEFBROER, A. C.; PHILIPOV, D. The postponement of childbearing in Europe: driving forces and implications. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, n. 1, 2006.; LUTZ, 2007; TESTA, 2007).

A seguir, é feita a descrição das intenções de fecundidade, apresentando os principais conceitos presentes na literatura, teorias definidoras, importância de se estudá-las, bem como uma introdução sobre a relação das intenções com a fecundidade observada. Posteriormente, é discutida a forma com que variáveis de intenções (e também de desejos) de fecundidade são operacionalizadas em diferentes pesquisas/surveys. Discutem-se, ainda, as variáveis condicionantes e determinantes para o estudo das intenções de fecundidade e apresenta-se o contexto das intenções de fecundidade em populações de fecundidade baixa e renda alta, com foco na análise do gap existente entre intenções e fecundidade observada. Também é abordada a baixa fecundidade em contextos de menor nível de renda, com foco no Brasil. Por fim, são apresentadas as conclusões do estudo.

O que são intenções de fecundidade, qual arcabouço teórico as define e como elas se relacionam com a fecundidade observada?

Um problema recorrente em discussões acerca deste tema é a correta diferenciação entre intenções e desejos de fecundidade, termos que, por diversas vezes, são utilizados (erroneamente) de forma intercambiável (MILLER, 2011MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.; MILLER; PASTA, 1995). Tal situação pode ocorrer, por exemplo, devido aos diferentes significados que esses termos podem adquirir em diversas línguas, ou mesmo uma má definição desses conceitos no início de um estudo (MILLER, 2011). Miller e Pasta (1995MILLER, W. B.; PASTA, D. J. Behavioral intentions: which ones predict fertility behavior in married couples? Journal of Applied Social Psychology, v. 25, p. 530-555, 1995., p. 531, tradução nossa) ressaltam: “Usar desejos e intenções de forma intercambiável é ignorar uma importante distinção teórica”. Por isso, ao tratar do assunto, é importante discutir, de antemão, o que se denomina por “intenções de fecundidade” e como este conceito se difere de outros semelhantes.

A literatura que discute o tema possui uma distinção clara e recorrente no que tange aos conceitos de desejos vs. intenções. “Desejos de fecundidade” (fertility desires) possuem sinônimos frequentes, dentre eles “ideais de fecundidade” (fertility ideals) e “preferências de fecundidade”2 2 O termo preferências também é utilizado para se referir, de forma geral, a escolhas reprodutivas, seja com foco em intenções ou desejos/ideais. (fertility preferences) (HIN et al., 2011HIN, S.; GAUTHIER, A.; GOLDSTEIN, J.; BÜHLER, C. Fertility preferences: what measuring second choices teaches us. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 131-156, 2011.). Em essência, desejos, ideais, ou preferências de fecundidade buscam investigar o número ideal de filhos e, por consequência, o tamanho ideal de família. Estes desejos não consideram os diferentes obstáculos que podem impactar a fecundidade observada. Isto é, havendo condições perfeitas, qual seria o número ideal de filhos desejado (MILLER, 2011MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.)? Diversos obstáculos ou constrangimentos são frequentemente enfrentados pelas mulheres, em diferentes esferas de suas vidas, que podem impedi-las, por exemplo, de ter filhos ou o número de filhos que desejariam ter. Alguns potenciais dificultadores de realização dos desejos de fecundidade incluem a crescente participação feminina no mercado de trabalho (nesse caso, as mulheres podem ter menos filhos do que gostariam de ter) e a dificuldade de acesso a métodos contraceptivos (a qual vai no sentido oposto, podendo indicar que as mulheres têm mais filhos do que desejariam ter). Adicionalmente, Engelhardt (2004ENGELHARDT, H. Fertility intentions and Preferences: effects of structural and financial incentives and constraints in Austria. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2004. (Working Paper, 02/2004).) chama a atenção para o fato de os tamanhos ideais de família serem influenciados pelas normas sociais existentes. Isto é, são decorrentes, em grande medida, do que as sociedades impõem como comportamento padrão e também ideal.

Intenções de fecundidade, por outro lado, consideram os possíveis e distintos obstáculos presentes ao longo do curso de vida. Constituem, portanto, um “plano de ação” para se ter um filho (MILLER; SEVERY; PASTA, 2004MILLER, W. B.; SEVERY, L. J.; PASTA, D. J. A framework for modelling fertility motivation in couples. Population Studies, v. 58, n. 2, p. 193-205, 2004.) e se localizam num ponto intermediário entre o número ideal de filhos (sem qualquer obstáculo) e a fecundidade observada (MILLER, 2011; BACHRACH; MORGAN, 2013BACHRACH, C. A.; MORGAN, S. P. A cognitive-social model of fertility intentions. Population and Development Review, v. 39, n. 3, p. 459-485, 2013.; BRINTON; LEE, 2016BRINTON, M.; LEE, D. J. Gender-role ideology, labor market institutions, and post-industrial fertility. Population and Development Review, v. 42, n. 3, p. 405-433, 2016.; PHILIPOV; BERNARDI, 2011PHILIPOV, D.; BERNARDI, L. Reproductive decisions: concepts and measurement in Austria, Germany and Switzerland. Comparative Population Studies, v. 36, n. 2-3, p. 495-530, 2011.). Isto é, diferentemente dos desejos, medidas de intenções de fecundidade destacam se o indivíduo planeja, efetivamente, ter o primeiro ou próximo filho, tendo, por isso, maior poder preditivo da fecundidade observada do que os desejos de fecundidade (WESTOFF; RYDER, 1977WESTOFF, C. F.; RYDER, N. B. The predictive validity of reproductive intentions. Demography, v. 14, n. 4, p. 431-53, 1977.; SCHOEN et al., 1999SCHOEN, R.; ASTONE, N.; M.; KIM, Y. J., NATHANSON, C. A. Do fertility intentions affect fertility behaviours? Journal of Marriage and the Family, v. 61, n. 3, p. 790-799, 1999.; QUESNEL-VALLÉE; MORGAN, 2003). Sobre esse poder preditivo, vale ressaltar que intenções de ter o primeiro filho são distintas de intenções de ter o próximo filho. As primeiras tratam de intenções de se tornar mãe ou pai, ao passo que as últimas são afetadas por experiências prévias relacionadas à maternidade/paternidade (BILLARI; PHILIPOV; TESTA, 2009BILLARI, F. C.; PHILIPOV, D.; TESTA, M. R. Attitudes, norms and perceived behavioural control: explaining fertility intentions in Bulgaria. European Journal of Population/Revue Européenne de Démographie, v. 25, n. 4, p. 439-465, 2009.; TESTA, 2012b).

No que tange especialmente aos contextos de fecundidade baixa, a investigação dos fatores e condições que formam as intenções auxilia entender os próprios níveis de fecundidade (PHILIPOV, 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; MORGAN; RACKIN, 2010MORGAN, S. P.; RACKIN, H. The correspondence between fertility intentions and behavior in the United States. Population and Development Review, v. 36, n. 1, p. 91-118, 2010.; SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.; KAPITÀNY; SPÉDER, 2012KAPITÀNY, B.; SPÉDER, Z. Realization, postponement or abandonment of childbearing intentions in four European countries. Population, v .67, p. 599-630, 2012.). Bongaarts (2001BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.) ressalta que, em contextos de grande disseminação e uso de métodos contraceptivos, caso especialmente dos países de renda alta e fecundidade baixa, descobertas acerca das intenções de fecundidade ajudam a compreender as singularidades do comportamento reprodutivo. Também nessa linha de relacionar intenções à fecundidade observada, Van Peer (2002) destaca o caráter interativo existente entre ambas, ao passo que intenções afetam diretamente o número de filhos tidos, mas esses filhos tidos também influenciam as intenções subsequentes.

Diante do exposto, as intenções são vistas pela literatura como um dos principais determinantes próximos da fecundidade observada (WESTOFF; RYDER, 1977WESTOFF, C. F.; RYDER, N. B. The predictive validity of reproductive intentions. Demography, v. 14, n. 4, p. 431-53, 1977.; SCHOEN et al., 1999SCHOEN, R.; ASTONE, N.; M.; KIM, Y. J., NATHANSON, C. A. Do fertility intentions affect fertility behaviours? Journal of Marriage and the Family, v. 61, n. 3, p. 790-799, 1999.; BONGAARTS, 2001BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.; PHILIPOV; BERNARDI, 2011PHILIPOV, D.; BERNARDI, L. Reproductive decisions: concepts and measurement in Austria, Germany and Switzerland. Comparative Population Studies, v. 36, n. 2-3, p. 495-530, 2011.; PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006BILLARI, F. C.; LIEFBROER, A. C.; PHILIPOV, D. The postponement of childbearing in Europe: driving forces and implications. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, n. 1, 2006.; HAYFORD, 2009HAYFORD, S. The evolution of fertility expectations over the life course. Demography, v. 46, n.4, p. 765-783, 2009.; BALBO; BILLARI; MILLS, 2012BALBO, N.; BILLARI, F. C.; MILLS, M. Fertility in advanced societies: a review of research. European Journal of Population, v. 29, n. 1, p. 1-38, 2012.; TESTA, 2012bTESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).; MATSUO; MATTHIJS, 2016MATSUO, H.; MATTHIJS, K. The impact of well-being on fertility intentions - an analysis based on the European Social Survey (2010). Research & Methods, v. 25, p. 17-46, 2016.; CIRITEL; DE ROSE; AREZZO, 2019CIRITEL, A. A.; DE ROSE, A.; AREZZO, M. F. Childbearing intentions in a low fertility context: the case of Romania. Genus, v. 75, n. 4, 2019.). Rinesi (2009RINESI, F. Fecondità attesa e realizzata delle madri italiane. 93f. thesis (PhD) - La Sapienza, University of Rome, 2009.), ao combinar dados de intenções de fecundidade de mães de um ou dois filhos com informações de registro civil, observou que as intenções foram os fatores de maior importância para o comportamento reprodutivo em ambas as transições para o segundo e terceiro filhos. Antes, Westoff e Ryder (1977WESTOFF, C. F.; RYDER, N. B. The predictive validity of reproductive intentions. Demography, v. 14, n. 4, p. 431-53, 1977.) e Hermalin et al. (1979HERMALIN, A. I.; FREEDMAN, R.; SUN, T.; CHANG, M. Do intentions predict fertility? The experience in Taiwan, 1967-1974. Studies in Family Planning, v.10, p. 75-95, 1979.) já haviam destacado as intenções de fecundidade como melhores preditoras do que outras variáveis, como parturição, intervalo de nascimento, educação, ocupação ou religião.

O poder preditivo das intenções mostra-se maior quando estas são de curto prazo, uma vez que os fatores contextuais tendem a apresentar menor volatilidade, além de haver menor espaço temporal para o aparecimento de possíveis novos obstáculos. Estas são chamadas e categorizadas como “intenções de curto prazo” (short-term intentions) e geralmente envolvem um período subsequente de três anos para implementação do plano reprodutivo. Já as chamadas “intenções gerais de longo prazo” (general long-term intentions), apesar de não possuírem um período de tempo definido, também são importantes determinantes próximos da fecundidade, com elevada capacidade preditiva (SCHOEN et al., 1999SCHOEN, R.; ASTONE, N.; M.; KIM, Y. J., NATHANSON, C. A. Do fertility intentions affect fertility behaviours? Journal of Marriage and the Family, v. 61, n. 3, p. 790-799, 1999.; QUESNEL-VALLÉE; MORGAN, 2003; LIEFBROER, 2005LIEFBROER, A. C. The impact of perceived costs and rewards of childbearing on entry into parenthood: evidence from a panel study. European Journal of Population, v. 21, n.4, p. 367-391, 2005.; PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.; HAYFORD, 2009HAYFORD, S. The evolution of fertility expectations over the life course. Demography, v. 46, n.4, p. 765-783, 2009.; PHILIPOV, 2009; PHILIPOV; BERNARDI, 2011; SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.; RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.).

É de grande relevância discutir a proximidade existente entre intenções e fecundidade observada e, portanto, destacar a capacidade preditiva das intenções de fecundidade. Por outro lado, é também importante ressaltar que há espaço para mudanças de comportamento, uma vez que o contexto de obstáculos existente pode mudar, o que, em última instância, altera a concretização daquele plano. As intenções de fecundidade não são, portanto, fixas, isto é, os indivíduos podem revisá-las conforme apareçam novos fatores ou mudanças ao longo do ciclo de vida, assim como também discute o modelo moving target da fecundidade (MORGAN, 2001MORGAN, S. P. Should fertility intentions inform fertility forecasts? In: US CENSUS BUREAU CONFERENCE: THE DIRECTION OF FERTILITY IN THE UNITED STATES. Proceedings […]. Washington, DC: 7 US Census Bureau, 2001. p. 153-178.). Em idades mais jovens, estas intenções tendem a apresentar maior volatilidade; à medida que os indivíduos alcançam idades mais elevadas e, portanto, maior certeza e segurança em relação aos principais eventos da vida, suas intenções passam também a apresentar maior estabilidade (IACOVOU; TAVARES, 2011IACOVOU, M.; TAVARES, L. P. Yearning, learning, and conceding: reasons men and women change their childbearing intentions. Population and Development Review, v. 37, n. 1, p. 89-123, 2011.; NÍ BHROLCHÁIN; BEAUJOUAN, 2011).

Para além desses principais conceitos, a literatura que envolve o tema também foca em explicar a formação das intenções de fecundidade a partir de distintas correntes teóricas. Uma forma interessante de iniciar essa discussão é retornando nas pré-condições de Coale (1973COALE, A. J. The demographic transition reconsidered. In: INTERNATIONAL POPULATION CONFERENCE. Proceedings […]. Liège, Belgium: Eds. Ordina, 1973.) para a transição da fecundidade. O autor discute o que ficou conhecido por RWA - ready (cálculo), willing (disposição) e able (conhecimento e acesso). Ready, primeira dessas três pré-condições, diz que a fecundidade deve estar dentro da escolha consciente e do cálculo individual e, portanto, deve ser parte das intenções de um determinado indivíduo. Obviamente, nascimentos (ou a falta deles) não decorrem apenas de escolhas conscientes. Controle imperfeito da fecundidade, seja por falta de conhecimento ou de acesso (Able), por falhas do próprio método utilizado, ou mesmo por falha humana no uso do método, pode acarretar nascimentos indesejados, em termos tanto de quantidade quanto de timing do nascimento. No sentido oposto, infecundidade decorrente, por exemplo, de adiamento da gravidez pode diminuir o número de filhos ou até impossibilitar a maternidade. No entanto, “em condições normais” e principalmente em populações com vasta disponibilidade de métodos contraceptivos (able), as intenções embasadas pelo modelo de racionalidade individual (ready) e permeadas por uma determinada disposição/motivação (willing) são os principais determinantes da fecundidade (HAYFORD, 2009HAYFORD, S. The evolution of fertility expectations over the life course. Demography, v. 46, n.4, p. 765-783, 2009.; MENCARINI; VIGNOLI; GOTTARD, 2015MENCARINI, L.; VIGNOLI, D.; GOTTARD, A. Fertility intentions and outcomes: implementing the theory of planned behavior with graphical models. Advances in Life Course Research. v. 23, p. 14-28, 2015.; MATSUO; MATTHIJS, 2016MATSUO, H.; MATTHIJS, K. The impact of well-being on fertility intentions - an analysis based on the European Social Survey (2010). Research & Methods, v. 25, p. 17-46, 2016.; AJZEN; KLOBAS, 2013AJZEN, I.; KLOBAS, J. Fertility intentions: an approach based on the theory of planned behavior. Demographic Research, v. 29, n. 8, p. 203-232, 2013.).

A proposição de Coale (1973COALE, A. J. The demographic transition reconsidered. In: INTERNATIONAL POPULATION CONFERENCE. Proceedings […]. Liège, Belgium: Eds. Ordina, 1973.), que insere a racionalidade individual em discussões de fecundidade, é importante para entender e introduzir as correntes teóricas a seguir. Assim como argumenta Testa (2012aTESTA, M. R. Couple disagreement about short-term fertility desires in Austria: effects on intentions and contraceptive behaviour. Demographic Research, v. 26, n. 3, p. 63-98, 2012a.), os recentes estudos demográficos utilizam, com maior recorrência, duas principais teorias como base de discussão acerca da formação das intenções de fecundidade. A primeira delas é a Teoria do Comportamento Planejado (TCP ou TPB, originalmente - Theory of Planned Behavior). Desenvolvida por Ajzen (1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.), essa teoria considera que as intenções são precursoras imediatas de um determinado comportamento. É um modelo geral, logo, utilizado para o estudo de diferentes tipos de intenções, que trata sobre como os indivíduos, inseridos num determinado contexto social e influenciados por diferentes percepções, tomam as suas decisões (AJZEN, 1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.; KLOBAS, 2011KLOBAS, J. The theory of planned behaviour as a model of reasoning about fertility decisions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 47-54, 2011.). Apesar da possibilidade de usos variados, devido à extensiva utilização dessa teoria no estudo das intenções de fecundidade, a TCP tem sido considerada na literatura demográfica um sinônimo de modelo de intenções de se ter um filho (KLOBAS, 2011).

A TCP propõe um pensamento psicossocial de escolhas e comportamentos racionais formado por três componentes. O primeiro é denominado “atitudes”, que correspondem aos custos e benefícios percebidos pelo próprio indivíduo no que tange ao comportamento reprodutivo. Trata-se da avaliação positiva ou negativa que um indivíduo possui sobre esse comportamento em questão. O segundo componente são as “normas subjetivas”, as quais correspondem à importância dada pelo indivíduo à aprovação ou desaprovação de pessoas próximas, como parentes e amigos, sobre determinado comportamento, isto é, referem-se à pressão social percebida pelo indivíduos. O terceiro componente constitui a “percepção de controle”, que compreende a extensão que um dado comportamento é percebido pelo indivíduo como sujeito ao seu próprio controle, isto é, o quão fácil ou difícil o indivíduo julga conseguir transformar suas intenções em efetivo comportamento (AJZEN, 1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.; PHILIPOV et al., 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; LEE; WANG, 2019LEE, J. N.; HWANG, M. J. Determinants on the number of children among married women in Korea. Journal of Population and Social Studies, v. 27, n. 1, p. 53-69, 2019.).

O modelo proposto por Ajzen (1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.) ainda discute que estes três componentes são moldados e influenciados por um background individual que inclui variáveis como idade, escolaridade, parturição, renda, além de outras características relacionadas a valores, personalidade e/ou experiências. A TCP postula, portanto, que os três componentes (atitudes, normas subjetivas e percepção de controle), influenciados por um background individual, formam as intenções de fecundidade, as quais, por sua vez, são indicativos do comportamento reprodutivo subsequente. Diante disso, fatores que influenciam intenções de fecundidade também influenciam a fecundidade observada, outro indicativo da relação próxima existente entre intenções de fecundidade e comportamento reprodutivo (PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.; PHILIPOV et al., 2009; RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.).

A segunda teoria, também bastante recorrente na literatura, é conhecida como TDIB (Traits-Desires-Intentions-Behavior). Ela surge como uma crítica/contraponto à TCP. Diferentemente desta última, o modelo desenvolvido por Miller (1994MILLER, W. B. Childbearing motivations, desires, and intentions: a theoretical framework. Genetic, Social, and General Psychological Monographs, v.120, n. 2, p. 223-258, 1994.) e Miller, Severy e Pasta (2004) afirma a necessidade de não considerar o comportamento um produto único da racionalização e do pensamento consciente. Por isso, a TDIB incorpora também processos não conscientes e automáticos, definindo o comportamento reprodutivo como a quarta e última etapa de uma sequência que se inicia com atributos/traços motivacionais (traits - T). Estes são características e disposições prévias, biológicas e não conscientes, que levam o indivíduo a sentir, pensar e se comportar de determinada maneira relacionada a ter ou não filhos.

Tais motivações, por sua vez, formam os desejos (desires - D), que, de forma convergente ao já discutido anteriormente, representam ideais do número de filhos na ausência de qualquer obstáculo (MILLER, 2011MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.). Por isso, não são traduzidas diretamente em ações, mas primeiramente transformadas em intenções. O terceiro estágio desse processo sequencial é representado exatamente por estas intenções (intentions - I), que retratam um compromisso consciente de agir de determinada forma para se obter um determinado objetivo em um dado momento do futuro. A quarta etapa é a concretização das três anteriores (behavior - B), tanto no sentido de ter um filho, quanto na direção de evitá-lo. Apesar das diferenças, a TDIB, assim como a TCP, apresenta as intenções de fecundidade como precursoras imediatas do comportamento reprodutivo (MILLER, 1994; MILLER; PASTA, 1995; MILLER; SEVERY; PASTA, 2004; MILLER, 2011).

Obviamente, a concepção de que intenções de fecundidade se reduzem a cursos de ações altamente planejados nem sempre será aplicada a todo indivíduo. Compreensões de mundo guiadas, por exemplo, por fatalismo podem dificultar a consciência e o pleno controle acerca de eventos demográficos, dentre eles, a fecundidade (HAYFORD; AGADJANIAN, 2011HAYFORD, S.; AGADJANIAN, V. Uncertain future, non-numeric preferences, and the fertility transition: A case study of rural Mozambique. Etude de la Population Africaine, v. 25, n. 2, p. 419-439, 2011.; VAN DE WALLE, 1992VAN DE WALLE, E. Fertility transition, conscious choice, and numeracy. Demography, v. 29, n. 4, p. 487-502, 1992.). Ademais, é possível que o sentimento de imprevisibilidade decorrente das dificuldades do dia a dia torne complexa a formação de autoconhecimento acerca de diferentes processos, como carreira profissional e formação de família, o que acaba por reduzir a percepção de protagonismo dos indivíduos em relação a si mesmos (HAYFORD, 2009; JOHNSON-HANKS et al., 2011JOHNSON-HANKS, J. A.; BACHRACH, C. A.; MORGAN, S. P.; KOHLER, H-P. Understanding family change and variation: toward a theory of conjunctural action. Dordrecht, The NetherlandsSpringer, 2011.). Adicionalmente, ainda que o conceito de racionalidade seja o pilar básico de formulação da TCP, a própria teoria, em um dos componentes de seu tripé (percepção de controle), discute que um determinado comportamento é também definido a partir da extensão que o mesmo é percebido como de seu controle (AJZEN, 1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.; PHILIPOV et al., 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; LEE; WANG, 2019LEE, J. N.; HWANG, M. J. Determinants on the number of children among married women in Korea. Journal of Population and Social Studies, v. 27, n. 1, p. 53-69, 2019.). De forma ainda mais enfática, o modelo TDIB adiciona o seu “T” (traits) motivado exatamente pela necessidade de se discutir o processo de decisão individual como algo que não seja integralmente racional e consciente (MILLER, 1994MILLER, W. B. Childbearing motivations, desires, and intentions: a theoretical framework. Genetic, Social, and General Psychological Monographs, v.120, n. 2, p. 223-258, 1994.; MILLER; PASTA, 1995; MILLER; SEVERY; PASTA, 2004; MILLER, 2011).

Portanto, as intenções de fecundidade podem (e devem) ser analisadas a partir de um conjunto que engloba não só racionalidade, mas também macrocontextos e normas sociais e culturais vigentes (BASTEN; SOBOTKA; ZEMAN, 2013BASTEN, S.; SOBOTKA; T.; ZEMAN, K. Future fertility in low fertility countries. Vienna: Vienna Institute of Demography (VID), Austrian Academy of Sciences, 2013. (Working Paper, n. 5/2013).). Ainda assim, principalmente em populações de renda e escolaridade mais elevadas, racionalidade tende a ser questão central na formação das intenções de fecundidade (AJZEN, 1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.; HAYFORD, 2009HAYFORD, S. The evolution of fertility expectations over the life course. Demography, v. 46, n.4, p. 765-783, 2009.; HAYFORD; AGADJANIAN, 2011; MILLER, 2011MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.; VAN DE WALLE, 1992VAN DE WALLE, E. Fertility transition, conscious choice, and numeracy. Demography, v. 29, n. 4, p. 487-502, 1992.).

Medidas de intenções de fecundidade versus medidas de desejos de fecundidade

Nessa seção, apresentam-se as medidas utilizadas para investigar as intenções e os desejos de fecundidade, bem como as várias nuances que essas diferentes variáveis (em conjunto com suas opções de respostas) carregam consigo.

Hin et al. (2011HIN, S.; GAUTHIER, A.; GOLDSTEIN, J.; BÜHLER, C. Fertility preferences: what measuring second choices teaches us. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 131-156, 2011.) destacam que, em 1936, perguntou-se nos Estados Unidos: “What is the ideal size of family? Husband, wife and _____ children”,3 3 Tradução livre dos autores: “Qual é o tamanho ideal de família? Marido, esposa e ________ filhos”. questão encontrada em Gallup e Robinson (1938GALLUP, G.; ROBINSON, C. American Institute of Public Opinion surveys, 1935- 1938. Public Opinion Quarterly, v. 2, n. 3, p. 373-398, 1938., p. 394). As primeiras medidas identificadas na literatura focam, portanto, em desejos, não em intenções. De forma genérica, desejos são investigados da seguinte forma: “What is your ideal number of children?”4 4 Tradução livre dos autores: “Qual o seu número ideal de filhos?” Já um exemplo comum de pergunta sobre intenções de fecundidade seria: “Do you plan to have a(nother) child?”5 5 Tradução livre dos autores: “Você planeja ter um (ou próximo) filho?” (HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008HEILAND, F.; PRSKAWETZ, A.; SANDERSON, W. Are individuals’ desired family sizes stable? Evidence from west German panel data. European Journal of Population, v. 24, n. 2, p. 129-156, 2008.). Segundo os autores, medidas sobre desejos são voltadas a investigações acerca do tamanho de família preferencial, ao passo que intenções buscam capturar a escolha do indivíduo a respeito do primeiro filho ou do filho subsequente, em consonância, novamente, com os conceitos discutidos anteriormente (HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008).

Medidas sobre desejos e ideais de fecundidade podem ser obtidas a partir de questões que focam em visões tanto gerais (ampliadas) quanto individuais (HIN et al., 2011HIN, S.; GAUTHIER, A.; GOLDSTEIN, J.; BÜHLER, C. Fertility preferences: what measuring second choices teaches us. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 131-156, 2011.; TESTA, 2012bTESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).). Os ideais gerais buscam entender o que o indivíduo acredita ser um número ideal para o contexto de família e sociedade no qual ele está inserido, podendo ser captados a partir da seguinte questão: “Generally speaking, what do you think is the ideal number of children for a family?”6 6 Tradução livre dos autores: “De um modo geral, qual você acha que é o número ideal de filhos para uma família?” Já os ideais de cunho individual focam naquilo que o(a) respondente considera ideal para si mesmo, e possuem o seguinte modelo de pergunta: “And for you personally, what would be the ideal number of children you would like to have or would have liked to have had?”7 7 Tradução livre dos autores: “E para você pessoalmente, qual seria o número ideal de filhos que você gostaria de ter ou gostaria de ter tido?” (OECD, 2022; TESTA, 2012b). Ocorre que, mesmo a partir de uma questão pensada com o objetivo de se obter o ideal individual (pessoal), diferentes autores reforçam que medidas sobre ideais, comparadas às variáveis de intenções, tendem a refletir, em maior grau, as normas sociais vigentes (ENGELHARDT, 2004ENGELHARDT, H. Fertility intentions and Preferences: effects of structural and financial incentives and constraints in Austria. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2004. (Working Paper, 02/2004).; HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008HEILAND, F.; PRSKAWETZ, A.; SANDERSON, W. Are individuals’ desired family sizes stable? Evidence from west German panel data. European Journal of Population, v. 24, n. 2, p. 129-156, 2008.; HIN et al., 2011). Em contrapartida, intenções captam, em maior medida, as próprias escolhas do indivíduo, uma vez considerados as possíveis restrições, os obstáculos e as limitações. Por levarem em conta tais restrições (socioeconômicas e biológicas), medidas de intenções são determinantes mais próximos da fecundidade se comparadas às variáveis de ideais (HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008).

Ainda sobre a diferença acerca de medidas de intenções e ideais, cabe destacar o gap existente entre ambos os tipos, bem como os gaps entre ideais e fecundidade observada e intenções e fecundidade observada. O primeiro deles, gap ideais-intenções, demonstra como e em que medida as restrições, os obstáculos e as limitações (discutidos anteriormente) podem distanciar as intenções (a posteriori) dos desejos formados a priori. O gap entre ideais e fecundidade observada provê um valor aproximado do quanto os desejos reprodutivos foram, de fato, concretizados. Já o gap entre intenções e fecundidade observada reflete o número de filhos adicionais efetivamente planejados para o futuro (TESTA, 2012bTESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).).

Trazendo para o contexto de inquéritos atuais, um exemplo recorrente de questão sobre desejos de fecundidade pode ser encontrado no questionário padrão do Demographic and Health Survey (DHS), o qual pergunta a mulheres e homens sem filho (ICF, 2019): “If you could choose exactly the number of children to have in your whole life, how many would that be?”8 8 Tradução livre dos autores: “Se você pudesse escolher exatamente o número de filhos que teria em toda a sua vida, quantos seriam?” - quesito número 813 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão). Já para os respondentes com ao menos um filho, pergunta: “If you could go back to the time you did not have any children and could choose exactly the number of children to have in your whole life, how many would that be?”9 9 Traducão livre dos autores: “Se você pudesse voltar no tempo para o momento em que não tinha nenhum filho e pudesse escolher exatamente o número de filhos que você teria em toda a sua vida, quantos seriam?” - quesito número 813 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão). Tais questões recebem valores numéricos como possíveis respostas e, na comparação com perguntas sobre intenções, essas medidas de desejos não só possuem menor capacidade de prever a fecundidade (tendo em vista a discussão apresentada anteriormente), como também estão sujeitas a outros tipos de viés. O principal deles é comumente chamado de racionalização (rationalization). Trata-se de uma revisão pós-ocorrência do evento, isto é, respondentes que, porventura, tenham tido filhos não desejados podem acabar ajustando o número de filhos desejado para cima. A partir do momento em que o filho já nasceu, por mais que ele não tenha sido desejado a priori, o(a) entrevistado(a) adequa a sua resposta de forma a “racionalizar” a presença desse filho em sua família. Esse tipo de racionalização tende a ocorrer com maior frequência nos países de fecundidade mais elevada. Entretanto, tal categoria de viés pode ocorrer também no sentido contrário. É possível que respondentes declarem um número ideal menor, tendo em vista que não atingiram, até aquele momento, o tamanho de família desejado. Essa segunda direção do viés de racionalização possui maior probabilidade de ocorrência nos países de fecundidade baixa (BONGAARTS, 1990BONGAARTS, J. The measurement of wanted fertility. Population and Development Review, v. 16, n. 3, p. 487- 506, 1990.; 1992; HAKKERT, 2003HAKKERT, R. Fecundidad deseada y no deseada en América Latina, con particular referencia a algunos aspectos de género. In: CELADE/CEPAL (Org.). La fecundidad en América Latina: ¿Transición o revolución? Santiago de Chile: Celade/Cepal, 2003. p. 267-288.). Outra limitação desse tipo de pergunta refere-se à possibilidade de uma resposta não numérica. Especialmente em países de menor renda, é possível encontrar, com alguma frequência, respostas como “o que Deus quiser”, ou “tantos quanto possível” (BONGAARTS, 1990).

Os questionários do DHS também perguntam se o(a) respondente deseja ter um ou outro filho no futuro (ICF, 2019).10 10 Now I have some questions about the future. Would you like to have (a/another) child, or would you prefer not to have any (more) children? Ou, na tradução livre dos autores: “Agora tenho algumas perguntas sobre o futuro. Você gostaria de ter (um/próximo) filho, ou preferiria não ter (mais) filhos?” - quesito número 804 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão). Nesse caso, existem seis possíveis tipos de resposta: sim, deseja ter (o primeiro ou próximo filho); não deseja; ainda não se decidiu; esterilizada(o) (o(a) próprio(a) respondente ou seu(sua) parceiro(a)); se declara infecunda(o); e nunca fez sexo. Portanto, para além de uma categorização dicotômica (sim ou não), o DHS também considera outros possíveis cenários, dentre eles a própria indecisão do(a) respondente ou questões de infertilidade. Tais possibilidades de respostas adicionais são importantes para incluir maior nível de incerteza no que tange às preferências de fecundidade (KLERMAN, 2000KLERMAN, L. V. The intendedness of pregnancy: a concept in transition. Maternal and Child Health Journal, v. 4, n. 3, p. 155-162, 2000.; SANTELLI et al., 2003SANTELLI, J.; ROCHAT, R.; HATFIELD-TIMAJCHY, K.; GILBERT, B. C.; CURTIS, K.; CABRAL, R.; HIRSCH, J. S.; SCHIEVE, L. The measurement and meaning of unintended pregnancy. Perspectives on Sexual and Reproductive Health, v. 35, n. 2, p. 94-101, 2003.).

As medidas de intenções de fecundidade, independentemente da redação literal das perguntas, possuem um ponto em comum: investigar a efetiva e concreta intenção acerca do primeiro filho ou do filho subsequente (MILLER; PASTA, 1995MILLER, W. B.; PASTA, D. J. Behavioral intentions: which ones predict fertility behavior in married couples? Journal of Applied Social Psychology, v. 25, p. 530-555, 1995.; HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008HEILAND, F.; PRSKAWETZ, A.; SANDERSON, W. Are individuals’ desired family sizes stable? Evidence from west German panel data. European Journal of Population, v. 24, n. 2, p. 129-156, 2008.). Davidson e Jaccard (1979DAVIDSON, A. R.; JACCARD, J. J. Variables that moderate the attitude-behavior relation: results of a longitudinal survey. Journal of Personality and Social Psychology, v. 37, p. 1364-1376, 1979.) utilizam o termo “pretender” (verbo “to intend”, em inglês), formato seguido por grande parte dos trabalhos, o que revela, portanto, que esse tipo de redação parece ser o mais adequado para se estudar o tema em questão (RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.). De fato, utilizar na própria redação da questão o termo “pretender” (“to intend”) direciona o pensamento dos indivíduos para uma escolha mais planejada. O Generations and Gender Survey (GGS) possui um exemplo desse tipo de variável (GAUTHIER; CABAÇO; EMERY, 2018GAUTHIER, A.; CABAÇO, S.; EMERY, T. Generations and gender survey study profile. Longitudinal and Life Course Studies, v. 9, n. 4, p. 456-465, 2018.): “Do you intend to have a/another child during the next three years?”11 11 Tradução livre dos autores: “Você pretende ter um/outro filho nos próximos três anos?” - quesito número 6.22 da seção “Intentions to Have Children” do questionário completo da primeira onda (wave 1). Por limitar o período de três anos, esta medida é considerada de curto prazo (short-term intentions) e, portanto, possui maior poder preditivo da fecundidade observada em comparação com uma variável de longo prazo (SCHOEN et al., 1999SCHOEN, R.; ASTONE, N.; M.; KIM, Y. J., NATHANSON, C. A. Do fertility intentions affect fertility behaviours? Journal of Marriage and the Family, v. 61, n. 3, p. 790-799, 1999.; QUESNEL-VALLÉE; MORGAN, 2003; RAYBOULD; SEAR, 2020). O GGS oferece ao(à) respondente quatro principais possibilidades de resposta: definitivamente não; provavelmente não; provavelmente sim; definitivamente sim. Além disso, o(a) entrevistado(a) pode responder “não sabe” ou se recusar a responder (GAUTHIER; CABAÇO; EMERY, 2018). Tais alternativas possibilitam analisar a variável de intenções de fecundidade para além de uma categorização binária, considerando, por conseguinte, maior grau de incerteza e também ambivalência geralmente presentes em questões dessa natureza (KLERMAN, 2000KLERMAN, L. V. The intendedness of pregnancy: a concept in transition. Maternal and Child Health Journal, v. 4, n. 3, p. 155-162, 2000.; SANTELLI et al., 2003SANTELLI, J.; ROCHAT, R.; HATFIELD-TIMAJCHY, K.; GILBERT, B. C.; CURTIS, K.; CABRAL, R.; HIRSCH, J. S.; SCHIEVE, L. The measurement and meaning of unintended pregnancy. Perspectives on Sexual and Reproductive Health, v. 35, n. 2, p. 94-101, 2003.). Ainda assim, o uso de termos como “definitivamente” e “provavelmente” pode não ser suficiente para captar a completa extensão de incerteza em variáveis desse tipo. Com o intuito de se aprofundar nesses variados níveis de incerteza e no caráter ambivalente deste tipo de questão, uma solução complementar trata da inserção de questões que perguntem acerca do significado do conceito de intenções e qual a relação desse significado com os sentimentos sobre filhos e comportamento reprodutivo (KLERMAN, 2000).

Determinantes e condicionantes das intenções de fecundidade

Nessa seção, são discutidos os fatores nos níveis micro, meso e macro, que, de alguma forma, estão relacionados ou influenciam as intenções de fecundidade. São abordados, dentre outros, determinantes como: escolaridade, renda, idade, parturição e conjugalidade, no nível micro; interação social, no nível meso; e incerteza econômica, na escala macro.

Começando pelo nível micro, uma das variáveis que recebem mais atenção é a escolaridade. De forma geral, Heiland, Prskawetz e Sanderson (2005) mostram que ideais de fecundidade mais elevados estão associados a maiores níveis de escolaridade na Alemanha. Os autores discutem esses resultados chamando a atenção para o fato de o gap entre número ideal de filhos e fecundidade observada ser maior entre aqueles com maior escolaridade. Dados do Eurobarometer Survey de 2006 e 2011 confirmam o mesmo padrão de associação para diferentes países europeus. Mulheres com maiores níveis de escolaridade possuem intenções de fecundidade mais elevadas do que suas contrapartes. Em consonância, mulheres em contextos nos quais investimentos em capital humano e na família tendem a ser alternativas paralelas, e não incompatíveis, tendem a apresentar maiores intenções de fecundidade (TESTA, 2014TESTA, M. R. On the positive correlation between education and fertility intentions in Europe: individual-and country-level evidence. Advances in Life Course Research, v. 21, p. 28-42, 2014.). Esse resultado sugere que as intenções são, de fato, racionalizadas e consideram os obstáculos.

De forma similar, estudos que tratam da associação entre intenções de fecundidade e equidade de gênero na família mostram, em sua maioria, que, em contextos de maior compatibilidade entre as esferas pública (trabalho e educação) e privada (da família e do domicílio), isto é, de maior participação masculina no ambiente doméstico, as mulheres possuem maior probabilidade de ter intenções pelo próximo filho (MENCARINI; TANTURRI, 2004MENCARINI, L.; TANTURRI, M. L. Time use, family role-set and childbearing among Italian working women. Genus, v. 60, p. 111-137, 2004.; TAZI-PREVE; BICHLBAUER; GOUJON, 2004TAZI-PREVE, I. M.; BICHLBAUER, D.; GOUJON, A. Gender trouble and its impact on fertility intentions. Yearbook of Population Research in Finland, v. 40, p. 5-24, 2004.; BRINTON; LEE, 2016BRINTON, M.; LEE, D. J. Gender-role ideology, labor market institutions, and post-industrial fertility. Population and Development Review, v. 42, n. 3, p. 405-433, 2016.; FREJKA; GOLDSCHEIDER; LAPPEGARD, 2018FREJKA, T.; GOLDSCHEIDER, F.; LAPPEGÅRD, T. The two-part gender revolution, women’s second shift and changing cohort fertility. Comparative Population Studies, v. 43, p. 99-130, 2018.). Nesse mesmo sentido, Mencarini, Vignoli e Gottard (2015MENCARINI, L.; VIGNOLI, D.; GOTTARD, A. Fertility intentions and outcomes: implementing the theory of planned behavior with graphical models. Advances in Life Course Research. v. 23, p. 14-28, 2015.) discutem que mulheres com maior escolaridade possuem maiores oportunidades no mercado de trabalho e maior poder de barganha no domicílio, o que estimula uma maior divisão do trabalho doméstico não remunerado entre os parceiros e, consequentemente, aumenta as intenções de fecundidade.

Outro importante e recorrente determinante das intenções de fecundidade é a situação econômica da família. É possível discutir esse ponto sob a luz da teoria microeconômica da fecundidade (BECKER, 1960BECKER, G. S. An economic analysis of fertility. In: COALE, A. J.; GILLE, H.; JOHNSON, G. C.; KISER, C. V. (Ed.). Demographic and economic change in developed countries. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1960. p. 209-240., 1981, 1991), segundo a qual a demanda por filhos é função tanto das preferências por filhos quanto dos custos monetários, de oportunidades e da renda. Os custos que envolvem os filhos, como alimentação, vestuário e educação, aumentam não só com a elevação dos preços desses bens, mas também devido ao fato de os casais passarem a prover maior qualidade de vida aos seus filhos. Tendo em vista que qualidade e quantidade possuem elasticidade12 12 Alteração em uma determinada variável, dada a variação em outra variável (BECKER, 1991). positiva com a renda, a intenção pelo próximo filho reflete o cálculo dos indivíduos sobre aquele que seria o número ótimo de filhos, isto é, o maior número de filhos com a mais elevada qualidade (considerando ainda um contexto econômico de interesses competitivos). Portanto, rendas mais altas elevam as preferências por filhos (quantidade) ao mesmo tempo que aumentam a qualidade almejada para esses filhos. Entretanto, qualidade é mais elástica com a renda do que quantidade, isto é, a variação da renda provoca uma variação maior na qualidade do que na quantidade - daí a explicação econômica para a queda da fecundidade (BECKER, 1960; LEE, 2015LEE, R. Becker and the demographic transition. Journal of Demographic Economics, v. 81, n. 1, p. 67-74, 2015.).

Além do provimento de maior qualidade aos filhos, é preciso considerar os crescentes custos de oportunidades para as mulheres, o que, em conjunto, produz uma histórica associação negativa entre renda e intenções de fecundidade ou fecundidade observada (BECKER, 1960BECKER, G. S. An economic analysis of fertility. In: COALE, A. J.; GILLE, H.; JOHNSON, G. C.; KISER, C. V. (Ed.). Demographic and economic change in developed countries. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1960. p. 209-240.; LEE, 2015LEE, R. Becker and the demographic transition. Journal of Demographic Economics, v. 81, n. 1, p. 67-74, 2015.). Apesar disso, é importante ressaltar que estudos recentes têm encontrado e discutido um enfraquecimento dessa histórica associação negativa, assim como uma reversão dessa associação, isto é, o surgimento de uma associação positiva em contextos de elevada renda (MYRSKYLÄ; KOHLER; BILLARI, 2009MYRSKYLÄ, M.; KOHLER, H. P.; BILLARI, F. C. Advances in development reverse fertility declines. Nature, v. 460, p. 741-743, 2009.; THÉVENON; LUCI-GREULICH, 2014; FOX; KLÜSENER; MYRSKYLÄ, 2019).

A literatura também discute a relação entre intenções e um conjunto de variáveis demográficas, dentre elas, parturição. Tendo em vista que o nascimento de um filho provoca mudanças nas circunstâncias e nos planos individuais, intenções devem ser investigadas em ordens de parturição específicas. A percepção dos indivíduos muda com o nascimento do primeiro ou do filho subsequente, sendo que as experiências com esse(s) filho(s) influenciam as respostas (UDRY, 1983UDRY, J. R. Do couples make fertility plans one birth at a time? Demography, v. 20, n. 2, p. 117-128, 1983.; ENGELHARDT, 2004ENGELHARDT, H. Fertility intentions and Preferences: effects of structural and financial incentives and constraints in Austria. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2004. (Working Paper, 02/2004).; KODZI; JOHNSON; CASTERLINE, 2012KODZI, I. A.; JOHNSON, D. R.; CASTERLINE, J. B. To have or not to have another child: life cycle, health and cost considerations of Ghanaian women. Social Science & Medicine, v. 74, n. 7, p. 966-72, 2012.). Thomson (1997THOMSON, E. Couple childbearing desires, intentions, and births. Demography, v. 34, n. 3 p. 343-54, 1997.) encontra uma associação inversa entre intenções de fecundidade e parturição.

Idade é outra importante variável demográfica para entender intenções de fecundidade. Philipov, Spéder e Billari (2006PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.) observaram, para Bulgária e Hungria, que intenções de ter o primeiro ou segundo filho se relacionam negativamente com idade. De forma semelhante, ao investigar a Holanda, Liefbroer (2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.) verificou que ocorre um ajuste para baixo nas intenções com o avançar da idade. Com esse mesmo padrão de associação, outros estudos mostram que adultos na casa dos 30 anos possuem intenções ou ideais menores do que aqueles com 20 anos (QUESNEL-VALLÉE; MORGAN, 2003; RÉGNIER-LOILIER, 2006RÉGNIER-LOILIER, A. Influence of own sib ship size on the number of children desired at various times of life: the case of France. Population (english edition), v. 61, n. 3, p. 165-194, 2006.; TESTA; GRILLI, 2006TESTA M. R.; GRILLI, L. The influence of childbearing regional contexts on ideal family size in Europe. Population (English edition), v. 61, p. 109-138, 2006.; HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2008HEILAND, F.; PRSKAWETZ, A.; SANDERSON, W. Are individuals’ desired family sizes stable? Evidence from west German panel data. European Journal of Population, v. 24, n. 2, p. 129-156, 2008.). A queda dessas intenções à medida que a idade avança relaciona-se à discussão sobre moving target e curso de vida, uma vez que os indivíduos estão sujeitos a mudanças em, por exemplo, uniões, carreira, trabalho e/ou escolaridade. Além disso, fertilidade é inversamente proporcional à idade, o que também impacta o cálculo consciente das mulheres e dos casais (RÉGNIER-LOILIER, 2006; LIEFBROER, 2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.).

Kodzi, Johnson e Casterline (2012KODZI, I. A.; JOHNSON, D. R.; CASTERLINE, J. B. To have or not to have another child: life cycle, health and cost considerations of Ghanaian women. Social Science & Medicine, v. 74, n. 7, p. 966-72, 2012.) discutem que as intenções de ter o primeiro ou o próximo filho ou não mais ter filhos tendem a ser formadas, em maior medida, dentro dos casamentos e uniões. Em relação, portanto, à situação conjugal, Engelhardt (2004ENGELHARDT, H. Fertility intentions and Preferences: effects of structural and financial incentives and constraints in Austria. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2004. (Working Paper, 02/2004).) observou, com dados da Áustria, que mulheres nunca casadas possuem ideais de família menores do que as casadas ou divorciadas/separadas. Liefbroer (2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.) mostra que mulheres casadas na Holanda têm intenções mais elevadas do que as que coabitam ou que não possuem parceiro. De forma semelhante, na Itália, Régnier-Loilier e Vignoli (2011) verificaram que mulheres casadas querem um maior número de filhos do que aquelas em coabitação.

No nível meso, a discussão sobre determinantes das intenções de fecundidade perpassa por interação social. De uma forma ou de outra, interação social acaba por provocar a tendência de o indivíduo compartilhar das crenças dos grupos nos quais ele se insere. Há tanto a necessidade de esse indivíduo reforçar o seu senso de identidade, como a existência de uma pressão por parte desses grupos, de forma direta ou indireta (ROSSIER; BERNARDI, 2009ROSSIER, C.; BERNARDI, L. Social interaction effects on fertility: intentions and behaviors. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 467-485, 2009.).

Alguns estudos demonstram empiricamente como processos de interação social se relacionam a intenções de fecundidade. Com base na Teoria do Comportamento Planejado (TCP), Billari, Philipov e Testa (2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).) observaram que a pressão exercida por grupos considerados relevantes influencia as intenções por filhos das mulheres. Balbo e Mills (2011BALBO, N.; MILLS, M. The influence of the family network on the realization of fertility intentions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 179-206, 2011.) também mostram que a pressão social, proveniente principalmente dos familiares e amigos mais próximos, está associada a intenções pelo segundo ou terceiro filho. Colegas de trabalho (HENSVIK; NILSSON, 2010HENSVIK, L.; NILSSON, P. Business, buddies and babies: social ties and fertility at work. Uppsala: IFAU, 2010. (Working Paper 2010:9).) e vizinhos (BLOOM et al., 2008BLOOM, D. E.; CANNING, D.; GÜNTER, I.; LINNEMAYR, S. Social interactions and fertility in developing countries. Harvard School of Public Health, 2008. (Working Paper, n. 34).) também podem influenciar as intenções e o comportamento reprodutivo dos indivíduos.

Igualmente relacionado à interação social está o conceito de capital social, que trata dos diferentes tipos de recursos aos quais os indivíduos adquirem acesso por meio das relações pessoais. Encontrou-se para a Rússia (PHILIPOV, 2002PHILIPOV, D. Fertility in times of discontinuous societal change: the case of Central and Eastern Europe. Rostock: MPIDR - Max Planck Institute for Demographic Research, 2002. (Working Paper, 2002-24).), Bulgária, Hungria (PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006BILLARI, F. C.; LIEFBROER, A. C.; PHILIPOV, D. The postponement of childbearing in Europe: driving forces and implications. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, n. 1, 2006.) e Polônia (BÜHLER; FRATZCAK, 2007BÜHLER, C.; FRATCZAK, E. Learning from others and receiving support: the impact of personal networks on fertility intentions in Poland. European Societies, v. 9, n. 3, p. 359-382, 2007.) uma associação positiva entre capital social (medido por diferentes recursos econômicos e emocionais) e intenções de fecundidade ou fecundidade observada. O auxílio informal da rede familiar pode ser também entendido como um tipo de recurso adquirido por meio das relações pessoais e, portanto, de capital social. Alguns estudos mostram que o auxílio informal dos familiares possui o efeito de aumentar as intenções de fecundidade entre as mulheres (FIORI, 2011FIORI, F. Do childcare arrangements make the difference? A multilevel approach to the intention of having a second child in Italy. Population Space and Place, v. 17, n. 5, p. 579-596, 2011.; FIORI, 2013; YU; KUO, 2017YU, W.; KUO, J. C. L. Another work-family interface: work characteristics and family intentions in Japan. Demographic Research, v. 36, p. 391-426, 2017.). Tanskanen e Rotkirch (2014TANSKANEN, A. O.; ROTKIRCH, A. The impact of grandparental investment on mothers’ fertility intentions in four European countries. Demographic Research, v. 31, n. 1, p. 1-26, 2014.), ao analisarem especificamente o suporte no cuidado dos filhos e o suporte emocional das avós e dos avôs às mães, constataram que maior suporte nessas duas esferas aumenta as intenções pelo segundo e pelo terceiro filho na França, Noruega e Bulgária.

Já no nível macro, a incerteza econômica influencia as intenções por filhos. Pessoas inseridas em sociedades que enfrentam condições de incerteza podem optar por adiar o nascimento de um filho até que as condições se tornem mais estáveis (BLOSSFELD et al., 2005BLOSSFELD, H.-P.; KLIJZING, E.; MILLS, M.; KURZ, K. Globalisation, uncertainty, and youth in society. London: Routledge, 2005.; PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.; SOBOTKA; BILLARI; KOHLER, 2010SOBOTKA, T.; BILLARI, F. C.; KOHLER, H.-P. The return of late childbearing in developed countries: causes, trends and implications. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2010.). Nesse meio tempo, novas circunstâncias e/ou obstáculos podem levar essas pessoas a revisarem suas intenções prévias, o que remete ao conceito do moving target (MORGAN, 2001MORGAN, S. P. Should fertility intentions inform fertility forecasts? In: US CENSUS BUREAU CONFERENCE: THE DIRECTION OF FERTILITY IN THE UNITED STATES. Proceedings […]. Washington, DC: 7 US Census Bureau, 2001. p. 153-178.). Estudos mostram que a insegurança quanto à manutenção do emprego (ou diminuição dos salários) possui efeito negativo nas intenções de fecundidade (UNDESA, 2008; SOBOTKA; BILLARI; KOHLER, 2010; KUHNT; TRAPPE, 2016).

Indicadores de bem-estar social são relacionados aos domínios que incluem saúde, longevidade, trabalho e emprego, educação e formação de uniões. E, de forma contrária à incerteza econômica, fatores relacionados ao bem-estar social possuem efeito de aumentar as intenções de fecundidade em países europeus. Além disso, quanto maiores a parturição e a idade, mais elevados são os efeitos de indicadores ou ações de bem-estar nas intenções. Matsuo e Matthijs (2016MATSUO, H.; MATTHIJS, K. The impact of well-being on fertility intentions - an analysis based on the European Social Survey (2010). Research & Methods, v. 25, p. 17-46, 2016.) discutem que políticas voltadas ao bem-estar da família podem influenciar positivamente nos níveis de fecundidade.

De forma geral, as evidências no nível macro mostram que a oferta de serviços facilitadores institucionais auxiliam os casais a colocarem em prática suas intenções de fecundidade (SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.; THÉVENON; LUCI-GREULICH, 2014). Exemplo disso é discutido por Régnier-Loilier e Vignoli (2011) em estudo que mostra uma diferença entre dois contextos. Na França, país com maior presença de políticas públicas e oferta de serviços, é possível observar maior convergência entre intenções de fecundidade e fecundidade observada do que na Itália, onde há menor nível de suporte institucional nessa área.

Intenções e desejos de fecundidade (e sua relação com fecundidade observada) no contexto de países de renda alta

Apesar dos níveis de fecundidade abaixo da reposição, grande parte dos países de renda alta apresenta “dois filhos” como ideal de fecundidade (two-child fertility ideal) (BONGAARTS, 2001BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.; GOLDSTEIN; LUTZ; TESTA, 2003GOLDSTEIN, J. R.; LUTZ, W.; TESTA, M. R. The emergence of sub-replacement family size ideals in Europe. Population Research and Policy Review, v. 2, n. 2, p. 479-496, 2003.; ALONSO, 2004ALONSO, F. G. The uneven distribution of family responsibilities between women and men, and its link with low fertility: some evidence for European Union countries from Eurobarometer data. Centre d’Estudis Demogràfics, 2004. (Papers de Demografia, n. 253).; HAGEWEN; MORGAN, 2005HAGEWEN, K. J.; MORGAN, S. P. Intended and ideal family size in the United States, 1970-2002. Population and Development Review, v. 31, p. 507-527, 2005.; MORGAN; TAYLOR, 2006; TESTA, 2012b; SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014SOBOTKA, T.; BEAUJOUAN, E. Two is best? The persistence of a two-child family ideal in Europe. Vienna Institute of Demography, 2014. (Working Papers, 3).): “Nas últimas décadas, um ideal de dois filhos tornou-se quase universal entre as mulheres na Europa, com os países que costumavam exibir um tamanho ideal de família maior convergindo ao longo do tempo para uma norma de dois filhos” (SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014, p. 391, tradução nossa). Além da preferência por “dois filhos”, Alonso (2004ALONSO, F. G. The uneven distribution of family responsibilities between women and men, and its link with low fertility: some evidence for European Union countries from Eurobarometer data. Centre d’Estudis Demogràfics, 2004. (Papers de Demografia, n. 253).) e Testa (2012) mostram que “três filhos” é a segunda opção mais reportada. Comparando os países membros da União Europeia, Alonso (2004) ainda destaca a distinção de dois grupos. Áustria e Alemanha compreendem uma área com baixos ideais de fecundidade, ao passo que países escandinavos e França formam um grupo com ideais mais elevados. Além de Áustria e Alemanha, Testa (2012) ressalta os ideais mais baixos entre países do leste e sul da Europa, comparados aos do norte e oeste.

A Base de Dados da Família da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou OECD Family Database (OECD, 2022), realiza o trabalho de compilação de diversos indicadores transnacionais sobre estrutura da família e outros diferentes tópicos, dentre eles, o tamanho ideal individual de família. A Tabela 1, a partir dos dados compilados do Eurobarometer Survey de 2011, apresenta o número médio ideal individual de filhos para a população de 15 a 39 anos, segundo sexo e país.13 13 Calculado a partir da seguinte questão: “And for you personally, what would be the ideal number of children you would like to have or would have liked to have had?” Tradução dos autores: “E para você pessoalmente, qual seria o número ideal de filhos que você gostaria de ter ou gostaria de ter tido?”

TABELA 1
Número médio ideal individual de filhos entre a população de 15 a 39 anos, por sexo Países selecionados - 2011

Condizente com a literatura apresentada até aqui (GOLDSTEIN; LUTZ; TESTA, 2003GOLDSTEIN, J. R.; LUTZ, W.; TESTA, M. R. The emergence of sub-replacement family size ideals in Europe. Population Research and Policy Review, v. 2, n. 2, p. 479-496, 2003.; ALONSO, 2004ALONSO, F. G. The uneven distribution of family responsibilities between women and men, and its link with low fertility: some evidence for European Union countries from Eurobarometer data. Centre d’Estudis Demogràfics, 2004. (Papers de Demografia, n. 253).; HAGEWEN; MORGAN, 2005HAGEWEN, K. J.; MORGAN, S. P. Intended and ideal family size in the United States, 1970-2002. Population and Development Review, v. 31, p. 507-527, 2005.; MORGAN; TAYLOR, 2006; TESTA, 2012b; SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014SOBOTKA, T.; BEAUJOUAN, E. Two is best? The persistence of a two-child family ideal in Europe. Vienna Institute of Demography, 2014. (Working Papers, 3).), de forma geral, é possível observar que em cada um dos países, em média, o número ideal individual fica em torno de 2,1 filhos. E, tendo em vista que a Tabela 1 apresenta países com níveis de fecundidade abaixo da reposição (UNITED NATIONS, 2022), é importante destacar que, em alguma medida, os desejos reprodutivos não foram concretizados nos países e período analisados, o que denota, portanto, a existência do gap entre ideais e fecundidade observada (TESTA, 2012b). Ademais, as mulheres possuem um tamanho ideal de família pouco maior que o dos homens (2,22 vs. 2,12), assim como também reportado por Testa (2012bTESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).). Por fim, de forma semelhante ao observado por Alonso (2004ALONSO, F. G. The uneven distribution of family responsibilities between women and men, and its link with low fertility: some evidence for European Union countries from Eurobarometer data. Centre d’Estudis Demogràfics, 2004. (Papers de Demografia, n. 253).), os países escandinavos estudados e a França apresentam ideais mais elevados do que Alemanha e Áustria (destaque para a Áustria com a menor média da Tabela 1).

A OECD Family Database (OECD, 2022), também a partir dos dados do Eurobarometer Survey de 2011, produz o levantamento do tamanho médio final da família pretendido (mean ultimately intended family size), indicador que reflete a intenção de fecundidade final do indivíduo, ao somar o número de filhos nascidos vivos e a intenção por filho naquele momento. A Tabela 2 expõe, para cada país (mulheres entre 25 e 39 anos), o número médio de filhos tidos na data da pesquisa, o número médio de filhos ainda pretendidos/planejados e a soma dos dois, isto é, a intenção final (ultimately intended).

TABELA 2
Média de filhos tidos, intenção e intenção final de mulheres entre 25 e 39 anos Países selecionados - 2011

Analisando os mesmos 27 países, de uma forma geral, o número de filhos tidos por mulheres entre 25 e 39 anos naquele momento varia entre 1 e 1,5. A média de todos os países é igual a 1,29. Países mais ao norte e oeste da Europa (incluindo, por exemplo, Finlândia, Dinamarca, França, Bélgica, Irlanda e Reino Unido) tendem a apresentar maior número de filhos tidos do que países do sul, centro ou leste europeus (dentre eles, Itália, Grécia, Romênia, Polônia, Eslováquia e República Tcheca). Quanto às intenções, em média, o conjunto desses países pretende ter 0,82 filho adicional. Já a intenção final média do conjunto de países equivale a 2,11 filhos. Também condizente com os demais indicadores e literatura até aqui abordados, Áustria e Alemanha apresentam baixas intenções finais (assim como países do sul da Europa - Itália, Espanha e Portugal). Já países nórdicos e França registram valores mais elevados.

Esse indicador de intenções finais de fecundidade, que na média se encontra acima do nível de reposição e em qualquer dos países analisados está muito próximo dos dois filhos, denota a existência do gap entre intenções e fecundidade observada. Este gap, em conjunto ao gap entre ideais e fecundidade observada (discutido a partir da Tabela 1), aponta para a denominada “demanda não alcançada por filhos” (ou, no original, unmet demand for children) - quando níveis de fecundidade observada são inferiores aos níveis de intenções ou ideais. Trabalhos como os de Morgan e Taylor (2006MORGAN, S. P.; TAYLOR, M. G. Low fertility at the turn of the twenty-first century. Annual Review of Sociology, v. 32, p. 375-99, 2006.), Liefbroer (2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.), Philipov et al. (2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).) e Sobotka (2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.) discutem a demanda não alcançada por filhos (unmet demand for children) por meio do gap entre intenções e fecundidade observada; já outros como os de Chesnais (1996CHESNAIS, J. C. Fertility, family and social policy. Population and Development Review, v. 22, p. 729-739, 1996., 2000), Goldstein, Lutz e Testa (2003GOLDSTEIN, J. R.; LUTZ, W.; TESTA, M. R. The emergence of sub-replacement family size ideals in Europe. Population Research and Policy Review, v. 2, n. 2, p. 479-496, 2003.), Harknett e Hartnett (2014HARKNETT, K.; HARTNETT, C. The gap between births intended and births achieved in 22 European countries. Population Studies: A Journal of Demography, v. 68, p. 265-282, 2014.) e Carvalho, Wong e Miranda-Ribeiro (2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.) abordam a demanda não alcançada por filhos a partir do gap entre ideais e fecundidade observada - por isso, em que pese a distinção conceitual entre estes gaps e também entre os próprios conceitos de intenções e ideais (discutida anteriormente), vale ressaltar que a referida demanda não alcançada por filhos possui recorrência na literatura em ambas as análises de intenções e ideais.

Apesar das evidências concernentes a uma demanda não alcançada por filhos, a denominada “hipótese da armadilha da baixa fecundidade” (low fertility trap hypothesis) (LUTZ; SKIRBEKK; TESTA, 2006TESTA M. R.; GRILLI, L. The influence of childbearing regional contexts on ideal family size in Europe. Population (English edition), v. 61, p. 109-138, 2006.; LUTZ, 2007) discute a possibilidade de observarmos uma convergência entre intenções ou ideais de fecundidade e fecundidade observada - a qual se daria por meio de uma queda das intenções e dos ideais. De forma geral, essa hipótese propõe que prolongados e persistentes níveis de fecundidade baixa produzem um contexto no qual a reversão desses níveis passa a ser cada vez mais difícil. Primeiro, simplesmente em razão do componente de estrutura etária, isto é, baixas taxas de fecundidade produzem um menor quantitativo de mulheres em idades reprodutivas, o que, por sua vez, acarreta menor número de nascimentos subsequentes. O segundo mecanismo dessa “armadilha” é um dos que podem explicar a queda do gap e consequente convergência entre intenções ou ideais e fecundidade observada. Ele refere-se às consequências econômicas de uma população cada vez mais envelhecida, que, com menor população economicamente ativa, aumenta as chances de observar decrescimento de seus indicadores econômicos. Além disso, a seguridade social dos mais jovens se torna cada vez mais ameaçada, o que, por conseguinte, aumenta o hiato entre aspirações e retornos de ordens econômica e de bem-estar dessas coortes mais jovens. Em termos de fecundidade, esse contexto pode produzir adiamento ou até mesmo diminuição do número de filhos. Isto é, intenções ou ideais existentes a priori podem ser reduzidos em função de um cenário de maior dificuldade para o alcance das aspirações (LUTZ; SKIRBEKK; TESTA, 2006; LUTZ, 2007).

O terceiro mecanismo, chamado de “sociológico”, também possui um argumento para a queda das intenções ou ideais e consequente convergência com a fecundidade observada. Segundo ele, a partir do processo de socialização e aprendizado social, coortes mais jovens serão cada vez mais influenciadas por experiências e situações nas quais está presente um reduzido número de crianças - por exemplo, irmãos, primos, sobrinhos, etc. Se então estas coortes são cercadas por ambientes de poucas crianças, a imagem de um filho tende a perder importância no que elas vivenciam e consideram como uma vida desejável (LUTZ; SKIRBEKK; TESTA, 2006TESTA M. R.; GRILLI, L. The influence of childbearing regional contexts on ideal family size in Europe. Population (English edition), v. 61, p. 109-138, 2006.; LUTZ, 2007). O ESHRE Capri Workshop Group (2010) fornece como exemplo ilustrativo deste terceiro mecanismo o contexto de política de filho único vigente por anos na China: “Depois de décadas de política do filho único, as jovens afirmam que nunca viram um casal com mais de um filho e que simplesmente não conseguem imaginar que alguém queira ter mais de um filho − embora agora em Xangai o governo as permita ter mais de um filho” (ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP, 2010, p. 594, tradução nossa).

Por fim, Sobotka (2009SOBOTKA, T. Sub-replacement fertility intentions in Austria. European Journal of Population, v. 25 n. 4, p. 387-412, 2009.) exemplifica a atuação da “hipótese da armadilha da baixa fecundidade” na Áustria:

Uma combinação de baixas taxas de fecundidade e baixo tamanho desejado da família sugere que a Áustria constitui um exemplo de uma sociedade em que várias décadas de baixa fecundidade podem ter engendrado uma preferência por famílias pequenas e, possivelmente, também uma alta preferência por não ter filhos (SOBOTKA, 2009SOBOTKA, T. Sub-replacement fertility intentions in Austria. European Journal of Population, v. 25 n. 4, p. 387-412, 2009., p. 388, tradução nossa).

Portanto, segundo o exposto, com o avançar dos anos e com o “auxílio” desses mecanismos, seria possível observar uma tendência de convergência entre intenções ou ideais e fecundidade observada, por meio não do aumento da fecundidade, mas sim da diminuição dos primeiros.

De todo modo, embora exista a possibilidade de convergência, a maior parte das mulheres ainda parece pretender ou desejar dois filhos, tanto em termos de diferentes subgrupos, quanto analisando os países a nível macro (PHILIPOV, 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).; SOBOTKA, 2009SOBOTKA, T. Sub-replacement fertility intentions in Austria. European Journal of Population, v. 25 n. 4, p. 387-412, 2009.; SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014): “nenhuma das pesquisas analisadas sugere um declínio no tamanho médio ideal da família para níveis consideravelmente abaixo da reposição - ou seja, abaixo de 1,9 filho por mulher” (SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014, p. 408, tradução nossa). Como também demonstram as Tabelas 1 e 2, a maioria dos países ainda apresenta ideais ou intenções de pelo menos dois filhos. E, mesmo naqueles com níveis abaixo dessa marca, os ideais ou intenções permanecem muito próximos de 2, isto é, acima de 1,9 ou 1,8 - com exceção da Áustria, país que parece se demonstrar uma exceção (SOBOTKA, 2009; TESTA, 2012bTESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).). Corroborando este ponto, Sobotka e Beaujouan (2014SOBOTKA, T.; BEAUJOUAN, E. Two is best? The persistence of a two-child family ideal in Europe. Vienna Institute of Demography, 2014. (Working Papers, 3).) mostram que a preferência por dois filhos também é característica de países não europeus de renda alta e fecundidade baixa, dentre eles, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Japão, Coreia do Sul e Taiwan. São destacados possíveis motivos para a preferência por dois filhos, dentre os quais estão adequar-se à norma social, prover companhia ao primeiro filho e ter um filho de cada sexo (SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014).

Portanto, a prevalência da preferência por dois filhos, aliada à fecundidade abaixo do nível de reposição, denota a permanência da demanda não alcançada por filhos. Políticas e medidas, por meio de um suporte institucional e estatal, que facilitem os casais, especialmente as mulheres, terem o primeiro ou próximo filho são possíveis mecanismos de aumento da fecundidade (LIEFBROER, 2009LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.; PHILIPOV, 2009PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).). Além de suporte institucional, o arcabouço teórico que trata de equidade de gênero e fecundidade indica que o aumento da equidade na esfera privada (da família), isto é, maior participação masculina na realização das tarefas domésticas, aumenta as intenções e a fecundidade (MCDONALD, 2000MCDONALD, P. Gender equity in theories of fertility transition. Population and Development Review, v. 6, n. 3, p. 427-439, 2000.a; GOLDSCHEIDER; BERNHARDT; LAPPEGÅRD, 2015GOLDSCHEIDER, F.; BERNHARDT, E.; LAPPEGÅRD, T. The gender revolution: a framework for understanding changing family and demographic behavior. Population and Development Review, v. 41 n. 2, p. 207-239, 2015.; ESPING-ANDERSEN; BILLARI, 2015ESPING-ANDERSEN, G.; BILLARI, F. Re-theorizing family demographic change. Population and Development Review, v. 41, n. 1, p. 1-31, 2015.; RAYBOULD; SEAR, 2020RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.). Trata-se de possíveis soluções para lidar com a demanda não alcançada por filhos, com consequente aumento da fecundidade.

Fecundidade, intenções e desejos de fecundidade em países de renda média - com ênfase no Brasil

A discussão sobre intenções ou desejos de fecundidade nos países de renda alta mostra que o interesse está, em grande parte, na investigação do gap existente entre estas medidas e fecundidade observada. A mesma discussão não se encontra em estágio tão avançado em países de menores níveis de renda que também possuem baixa fecundidade.14 14 Vale ressaltar que há uma vasta produção acadêmica preocupada em analisar outro tipo de gap, o do contexto de países de renda média ou baixa que possuem fecundidade alta, nos quais as mulheres têm mais filhos do que declaram como ideal, ou seja, uma demanda não alcançada por controle da fecundidade (CASTERLINE; SINDING, 2000; BRADLEY; CASTERLINE, 2014). Ao abordar aqui tais países, o presente estudo está particularmente interessado no Brasil, que, como demonstrado a seguir, se assemelha aos países de renda alta no que tange às baixas taxas de fecundidade e demanda não alcançada por filhos.

Uma breve apresentação do contexto de fecundidade mostra que as regiões da América do Sul, Central e Caribe experimentaram um intenso e rápido declínio das taxas de fecundidade, saindo de um patamar que variava de 5 a quase 7 filhos por mulher em 1950-1955 para uma taxa de fecundidade total (TFT) entre 2 e 2,5 em 2010-2015. Argentina, Uruguai e Cuba formam um grupo considerado de exceção, pois já nas décadas de 1950 e 1960 as mulheres tinham, em média, de 2,5 a 4 filhos. Entre 2010 e 2015, além do Brasil, países como Cuba, Porto Rico, Costa Rica, Chile, Uruguai e Colômbia apresentavam níveis de fecundidade abaixo do nível de reposição (GUZMAN, 1989GUZMAN, J. M. Fertility transition in Latin America. IPPF Medical Bulletin, v. 23, n. 5, p. 1-3, 1989.; JUÁREZ; GAYET, 2015JUÁREZ, F.; GAYET, C. Fertility transition: Latin America and the Caribbean. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, 2015. p. 68-72.; UNITED NATIONS, 2022).

Vale ainda ressaltar que estas regiões possuem maior heterogeneidade nos níveis de fecundidade entre os seus países se comparadas às regiões com países de renda elevada. Enquanto o grupo de países destacado no parágrafo anterior apresenta fecundidade abaixo do nível de reposição, outros como Guatemala, Haiti e Bolívia registram TFTs acima de 3 (UNITED NATIONS, 2022). Além disso, os países destas regiões tendem a ter (em maior ou menor medida) as seguintes características: maior heterogeneidade nos níveis de fecundidade segundo estrato socioeconômico e escolaridade; menor ritmo de queda da fecundidade entre as adolescentes; e formação de família que tende a ocorrer comparativamente em idades mais jovens (CAVENAGHI; ALVES, 2011CAVENAGHI, S.; ALVES, J. Diversity of childbearing behaviour in the context of below-replacement fertility in Brazil. New York: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, 2011. (Population Division, Expert Paper, n. 8).; ROSERO-BIXBY; CASTRO-MARTÍN; MARTÍN-GARCÍA, 2009ROSERO-BIXBY, L.; CASTRO-MARTÍN, T.; MARTÍN-GARCÍA, T. Is Latin America starting to retreat from early and universal childbearing? Demographic Research, v. 20, n. 9, p. 169-194, 2009.; CEPAL, 2012; JUAREZ et al., 2013JUAREZ, F.; SINGH, S.; MADDOW-ZIMET, I.;WULF, D. Unintended pregnancy and induced abortion in Mexico: causes and consequences. New York: Guttmacher Institute, 2013. Disponível em: http://www.guttmacher.org/pubs/Unintended-Pregnancy-Mexico.pdf. Acesso em: ago. 2021.
http://www.guttmacher.org/pubs/Unintende...
).

Especificamente sobre o Brasil, assim como ocorreu nos demais países latino-americanos, o processo de transição da fecundidade se deu numa maior velocidade se comparado ao observado nos países de renda alta (REHER, 2011REHER, D. S. Economic and social implications of the demographic transition. Population and Development Review, v. 37, p. 11-3, 2011.). O Brasil passou a mostrar mudanças relevantes, tanto em nível quanto em estrutura, principalmente a partir dos primeiros anos da década de 1960 (CARVALHO; GARCIA, 2003CARVALHO, J. A. M.; GARCIA, R. A. O envelhecimento da população brasileira: um enfoque demográfico. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 3, p. 725-733, 2003.). A TFT brasileira se mantinha por volta dos 6 filhos no período pré-1960, declinando até atingir níveis inferiores a 3 na década de 1990 e a 2,3 em 2000. Em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) estimou a fecundidade abaixo do nível de reposição - em torno de 1,8 filho por mulher. A fecundidade permaneceu em queda e chegou à média de 1,7 filho entre 2010 e 2015 (ARILHA; BERQUÓ, 2009ARILHA, M.; BERQUÓ, E. Cairo +15: trajetórias globais e caminhos brasileiros em saúde reprodutiva e direitos reprodutivos. In: ARILHA, M.; BERQUÓ, E. Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo. Campinas, SP: Fundo de População das Nações Unidas, 2009.; GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.; UNFPA, 2018; UNITED NATIONS, 2022). O Brasil também apresenta elevada heterogeneidade segundo estrato socioeconômico e escolaridade, com menores níveis de fecundidade entre as mulheres mais escolarizadas e de maior percentil de renda (MIRANDA-RIBEIRO; GARCIA, 2012MIRANDA-RIBEIRO, A.; GARCIA, R. Transições da fecundidade no Brasil: uma análise à luz dos diferenciais por escolaridade. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais [...]. Águas de Lindóia-SP: Abep, 2012. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/ xviii/anais/files/400.pdf.
http://www.abep.nepo.unicamp.br/ xviii/a...
; COUTINHO; GOLGHER, 2018COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.). Por fim, ainda que o processo de transição da fecundidade tenha ocorrido de forma heterogênea entre as cinco grandes regiões do país, os dados mais recentes mostram taxas muito próximas entre elas, confirmando uma tendência de convergência dos níveis de fecundidade segundo características demográficas e socioeconômicas no país (UNFPA, 2018).

Em estágios iniciais da fecundidade, quando estes países de média renda ainda registravam altas taxas de fecundidade, a preocupação estava direcionada a analisar a incidência de nascimentos acima do desejado, isto é, uma discrepância positiva (BONGAARTS, 2001BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.). Porém, com o transcorrer da transição, tendo estes países atingido níveis baixos de fecundidade, há indícios recentes de gap negativo, isto é, da referida demanda não alcançada por filhos, como demonstrado pelas evidências a seguir. Para países como México, Paraguai, República Dominicana, Haiti e Colômbia, estudos mostram que uma proporção considerável de mulheres termina o período reprodutivo com um número de filhos menor do que o que consideram ideal. Em alguns casos, inclusive, esse padrão é recorrente não só entre os níveis socioeconômicos mais elevados, mas também entre as demais classes sociais (CHACKIEL; SCHKOLNIK, 2003CHACKIEL, J.; SCHKOLNIK, S. América Latina: los sectores rezagados en la transición de la fecundidad. In: CELADE/CEPAL (Org.). La fecundidad en América Latina: ¿Transición o revolución? Santiago de Chile: Celade/Cepal, 2003. p. 51-74.; PERI; PARDO, 2008PERI, A.; PARDO, I. Nueva evidencia sobre la hipótesis de la doble insatisfacción en Uruguay: ¿Cuán lejos estamos de que toda la fecundidad sea deseada? In: WONG, L. R. (Org.). Población y salud sexual y reproductiva en América Latina. Rio de Janeiro: Alap, 2008. p. 55-88 (Serie Investigaciones, n. 4).; WONG, 2009WONG, L. L. R. Evidences of further decline of fertility in Latina America: reproductive behavior and some thoughts on the consequences on the age structure. In: CAVENAGHI, S. M. (Org.). Demographic transformations and inequalities in Latin America: historical trends and recent patterns. Rio de Janeiro: Alap, 2009. (Serie Investigaciones, n. 8).).

No caso específico do Brasil, dados do DHS de 1996 e da PNDS de 2006 mostram uma mudança de padrões. Em 1996, a TFT brasileira se encontrava por volta de 2,5 filhos por mulher, ao passo que a fecundidade desejada (tamanho ideal de família) ficava em apenas 2,2 filhos - havendo, notadamente, uma discrepância por excesso (positiva). Com o aumento do acesso a métodos contraceptivos modernos, os dados da PNDS de 2006 constataram uma inversão desse padrão, qual seja, TFT por volta de 1,8 filho por mulher e um número desejado por filhos igual a 2,09 - logo, uma demanda não alcançada por filhos (GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.; CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.; COUTINHO; GOLGHER, 2018COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.; UNFPA, 2018). Esse gap possui maior prevalência entre mulheres que residem em áreas urbanas e nas regiões Sul e Sudeste, além de se apresentar também mais frequentemente entre as mulheres com maiores níveis de escolaridade (GONZÁLEZ, 2015). Um estudo qualitativo que investiga os homens também identificou a existência de demanda não alcançada por filhos (CARVALHO; MIRANDA-RIBEIRO, 2017).

Isto posto, de forma semelhante ao contexto dos países de renda alta, o Brasil apresenta fecundidade baixa e menor do que as preferências reprodutivas, as quais revelam, por sua vez, o mesmo padrão normativo de dois filhos por mulher (GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.; CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.; COUTINHO; GOLGHER, 2018COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.; UNFPA, 2018): “na situação de baixa fecundidade (abaixo do nível de reposição), e com uma TFT que continua diminuindo, uma parcela das mulheres brasileiras não estaria conseguindo implementar suas preferências reprodutivas” (GONZÁLEZ, 2015, p. 15).

Além disso, se, no passado, as mulheres com níveis de escolaridade mais elevados possuíam ideais de fecundidade menores do que mulheres com menor escolaridade, o contexto recente mostra o contrário, isto é, ideais mais elevados entre as de maior escolaridade (COUTINHO; GOLGHER, 2018COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.). Este resultado está em consonância com trabalhos apresentados na seção anterior, os quais também mostram maiores ideais e intenções de fecundidade entre as mulheres que atingem níveis de escolaridade mais elevados nos países de alta renda (HEILAND; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2005; PHILIPOV; SPÉDER; BILLARI, 2006PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.; RINESI, 2009RINESI, F. Fecondità attesa e realizzata delle madri italiane. 93f. thesis (PhD) - La Sapienza, University of Rome, 2009.; TESTA, 2014TESTA, M. R. On the positive correlation between education and fertility intentions in Europe: individual-and country-level evidence. Advances in Life Course Research, v. 21, p. 28-42, 2014.). Portanto, outra similaridade entre os contextos brasileiro e de países de renda elevada.

Vale destacar, no entanto, que, apesar de a média nacional apontar para uma demanda não alcançada por filhos, os contextos brasileiro e latino-americano em geral, assim como já discutido, possuem particularidades e heterogeneidades em relação aos seus subgrupos populacionais. Há uma parcela de mulheres com discrepância positiva, isto é, com nascimentos e gravidezes indesejados, principalmente entre as mais jovens (CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.; VIGNOLI, 2017VIGNOLI, J. R. Fecundidad no deseada entre las adolescentes latinoamericanas. Un aumento que desafía la salud sexual y reproductiva y el ejercicio de derechos. Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (CELADE), División de Población de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2017. (Série Populación y Desarrollo).). Tal cenário ocorre também em países de renda alta, porém, em uma escala menor (SOBOTKA, 2011SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.). No Brasil, essa discrepância positiva tem maior concentração nas regiões Norte e Nordeste e entre as mulheres de menor escolaridade e condição socioeconômica (CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016).

Portanto, em diferentes países com média renda e fecundidade abaixo do nível de reposição, como é o caso do Brasil, é preciso que se direcione o olhar para a demanda não alcançada por filhos, fenômeno que, na média, mais se observa atualmente. Porém, é também importante não esquecer que subgrupos populacionais de estratos socioeconômicos inferiores, especialmente entre as mulheres mais jovens, permanecem apresentando fecundidade indesejada e, portanto, seguem demandando meios de regulação da fecundidade (GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.; CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.; VIGNOLI, 2017VIGNOLI, J. R. Fecundidad no deseada entre las adolescentes latinoamericanas. Un aumento que desafía la salud sexual y reproductiva y el ejercicio de derechos. Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (CELADE), División de Población de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2017. (Série Populación y Desarrollo).; COUTINHO; GOLGHER, 2018COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.; UNFPA, 2018).

Por fim, é fundamental ressaltar a necessidade de novos inquéritos e bases de dados por meio dos quais seja possível atualizar os indicadores relativos a ideais ou intenções de fecundidade no Brasil. A literatura mais recente sobre o tema, na ausência desses dados, tem focado, com maior frequência, em estudos qualitativos (CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.; CARVALHO; MIRANDA-RIBEIRO, 2017; SIMÃO; COUTINHO; GUEDES, 2020SIMÃO, A. B.; COUTINHO, R. Z.; GUEDES, G. R. Desejo por filhos entre mulheres de alta escolaridade: conflitos, mudanças e permanências. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 37, p. 1-23, 2020.) - o que, por conseguinte, dificulta conclusões passíveis de generalização (SIMÃO; COUTINHO; GUEDES, 2020). Ou, quando são propostas investigações quantitativas, são utilizados conjuntos de dados que carregam consigo certa dose de defasagem temporal, como, por exemplo, DHS de 1996 e PNDS de 2006 (GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.; CARVALHO, 2019). Adicionalmente, estudos que focam neste tema, sejam eles qualitativos ou quantitativos, geralmente discutem centros urbanos de maior porte, deixando de fora a maior parte da população que vive em menores centros, os quais, por sua vez, concentram um mais elevado potencial de queda nos níveis de fecundidade (SIMÃO; COUTINHO; GUEDES, 2020). Vale ainda ressaltar que a produção acadêmica sobre preferências gerais de fecundidade no Brasil tende a se concentrar mais em desejos (ideais) do que em intenções, o que parece ser decorrente, sobretudo, da baixa (ou quase ausente) disponibilidade de informação sobre as últimas.

A mensuração e discussão, portanto, acerca das intenções e dos desejos no Brasil sofrem de limitações, o que produz lacunas sobre o entendimento desses fenômenos e outros eventos correlacionados. Potencialmente, uma vez disponíveis informações mais recentes, há espaço e necessidade de estudos que investiguem o cenário atual, de forma a discutir, por exemplo, se, em face de novas dinâmicas sociais e familiares, há evidências de aumento da demanda não alcançada por filhos. Também, se naqueles subgrupos em que prevalece fecundidade indesejada, há diminuição da mesma, ou até reversão do fenômeno, logo, presença de demanda não alcançada por filhos. Ademais, para além de trabalhos que utilizem dados representativos do total da população brasileira, são também importantes estudos qualitativos que deem maior enfoque às intenções de fecundidade e investiguem, por conseguinte, como (e em quais circunstâncias) estas têm convergido ou divergido do efetivo comportamento reprodutivo.

Conclusão

Este artigo é uma revisão teórica acerca de intenções de fecundidade em contextos de baixa fecundidade, com especial foco nos países de renda alta e no Brasil. Foi realizada uma vasta pesquisa da literatura que discute intenções de fecundidade, a qual ganha crescente relevância em estudos populacionais em razão de sua relação próxima com a fecundidade observada. A análise das intenções de fecundidade auxilia a compreensão da relação entre fecundidade observada e diferentes variáveis sociodemográficas, assim como, por ser um importante preditor da fecundidade, contribui para o desenvolvimento de projeções desta componente demográfica.

Quando se trata da discussão sobre intenções de fecundidade, alguns estudos limitam-se a apresentar os principais conceitos; outros, enfatizam as correntes teóricas ou os principais determinantes; há ainda aqueles que dedicam tempo apenas à contextualização dos diferenciais geográficos ou regionais. Porém, não se encontrou um trabalho que discuta, de forma analítica, os principais aspectos constantes na literatura. O presente estudo possui tal propósito, isto é, o de contribuir para o referencial teórico sobre o tema, discutindo os tópicos mais recorrentes, com foco na relação existente entre intenções (e também ideais) de fecundidade e fecundidade observada. O contexto de discussão da literatura está centrado, primariamente, em países de renda elevada e fecundidade baixa, para os quais a literatura foi desenvolvida. Contudo, para além destes, o presente trabalho analisa o contexto de intenções de fecundidade em países de média renda que possuem níveis de fecundidade igualmente baixos, com especial foco no Brasil.

Foram discutidas as diferenças entre intenções e desejos (ideais) de fecundidade, apresentando exemplos e argumentos acerca das vantagens de se usar o primeiro conceito em relação ao segundo no que se refere à predição da fecundidade. Foram também abordadas as principais teorias que discutem o processo de formação das intenções de fecundidade, assim como seus principais determinantes. Ao longo dessa análise, focou-se em discutir a relação entre intenções (e ideais) de fecundidade e fecundidade observada, questão presente em um sem número de produções acadêmicas voltadas para a fecundidade e temas correlatos. A partir dessa relação, foram discutidos os gaps entre intenções e fecundidade observada e ideais e fecundidade observada. Ainda que possam existir mecanismos (vide a hipótese da armadilha da baixa fecundidade) que sugiram uma redução desses gaps, permanece o cenário de prevalência de uma demanda não alcançada por filhos em países de fecundidade baixa, tanto os de renda alta, como os de menor renda, dentre os quais figura o Brasil.

Referências

  • AJZEN, I.; KLOBAS, J. Fertility intentions: an approach based on the theory of planned behavior. Demographic Research, v. 29, n. 8, p. 203-232, 2013.
  • AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, p. 179-211, 1991.
  • ALONSO, F. G. The uneven distribution of family responsibilities between women and men, and its link with low fertility: some evidence for European Union countries from Eurobarometer data. Centre d’Estudis Demogràfics, 2004. (Papers de Demografia, n. 253).
  • ARILHA, M.; BERQUÓ, E. Cairo +15: trajetórias globais e caminhos brasileiros em saúde reprodutiva e direitos reprodutivos. In: ARILHA, M.; BERQUÓ, E. Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo. Campinas, SP: Fundo de População das Nações Unidas, 2009.
  • BACHRACH, C. A.; MORGAN, S. P. A cognitive-social model of fertility intentions. Population and Development Review, v. 39, n. 3, p. 459-485, 2013.
  • BALBO, N.; MILLS, M. The influence of the family network on the realization of fertility intentions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 179-206, 2011.
  • BASTEN, S.; SOBOTKA; T.; ZEMAN, K. Future fertility in low fertility countries. Vienna: Vienna Institute of Demography (VID), Austrian Academy of Sciences, 2013. (Working Paper, n. 5/2013).
  • BALBO, N.; BILLARI, F. C.; MILLS, M. Fertility in advanced societies: a review of research. European Journal of Population, v. 29, n. 1, p. 1-38, 2012.
  • BECKER, G. S. An economic analysis of fertility. In: COALE, A. J.; GILLE, H.; JOHNSON, G. C.; KISER, C. V. (Ed.). Demographic and economic change in developed countries. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1960. p. 209-240.
  • BECKER, G. S. A note on restaurant pricing and other examples of social influences on price. Journal of Political Economy, v. 99, p. 1109-1116, 1991.
  • BECKER, G. S. A treatise on the family. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1981.
  • BILLARI, F. C.; LIEFBROER, A. C.; PHILIPOV, D. The postponement of childbearing in Europe: driving forces and implications. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, n. 1, 2006.
  • BILLARI, F. C.; PHILIPOV, D.; TESTA, M. R. Attitudes, norms and perceived behavioural control: explaining fertility intentions in Bulgaria. European Journal of Population/Revue Européenne de Démographie, v. 25, n. 4, p. 439-465, 2009.
  • BLOOM, D. E.; CANNING, D.; GÜNTER, I.; LINNEMAYR, S. Social interactions and fertility in developing countries. Harvard School of Public Health, 2008. (Working Paper, n. 34).
  • BLOSSFELD, H.-P.; KLIJZING, E.; MILLS, M.; KURZ, K. Globalisation, uncertainty, and youth in society. London: Routledge, 2005.
  • BONGAARTS, J. Do reproductive intentions matter? International Family Planning Perspectives, v. 18, n. 3, p. 102-108, 1992.
  • BONGAARTS, J. Fertility and reproductive preferences in post-transitional societies. Population and Development Review, v. 27, p. 260-281, 2001.
  • BONGAARTS, J. The measurement of wanted fertility. Population and Development Review, v. 16, n. 3, p. 487- 506, 1990.
  • BRADLEY, S.; CASTERLINE, J. B. Understanding unmet need: history, theory, measurement. Studies in Family Planning, v. 45, n. 2, p. 123-150, 2014.
  • BRINTON, M.; LEE, D. J. Gender-role ideology, labor market institutions, and post-industrial fertility. Population and Development Review, v. 42, n. 3, p. 405-433, 2016.
  • BÜHLER, C.; FRATCZAK, E. Learning from others and receiving support: the impact of personal networks on fertility intentions in Poland. European Societies, v. 9, n. 3, p. 359-382, 2007.
  • CARVALHO, A. A. Demand for contraception in Brazil in 2006: contribution to the implementation of fertility preferences. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, n. 10, p. 3879-3888, 2019.
  • CARVALHO, A. A.; MIRANDA-RIBEIRO, P. As preferências de fecundidade e o planejamento por filhos: discussões a partir de relatos de homens unidos de uma capital e de uma região de fronteira no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11 & WOMEN’S WORLDS CONGRESS, 13. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.
  • CARVALHO, A. A.; WONG, L. L. R.; MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población, v. 8, p. 83-106, 2016.
  • CARVALHO, J. A. M.; GARCIA, R. A. O envelhecimento da população brasileira: um enfoque demográfico. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 3, p. 725-733, 2003.
  • CASTERLINE, J. B.; SINDING, S. Unmet need for family planning in developing countries and implications for population policy. Population and Development Review, v. 26, n. 4, p. 691-723, 2000.
  • CAVENAGHI, S.; ALVES, J. Diversity of childbearing behaviour in the context of below-replacement fertility in Brazil. New York: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, 2011. (Population Division, Expert Paper, n. 8).
  • CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Panorama actual y perspectivas futuras de la fecundidad en América Latina. Panorama social de América Latina 2011. Santiago de Chile: Naciones Unidas, 2012. p. 81-105. Disponível em: http://www.cepal.org/publicaciones/xml/1/45171/PSE2011-Panorama-Socialde-America-Latina.pdf Acesso em: ago. 2021.
    » http://www.cepal.org/publicaciones/xml/1/45171/PSE2011-Panorama-Socialde-America-Latina.pdf
  • CHACKIEL, J.; SCHKOLNIK, S. América Latina: los sectores rezagados en la transición de la fecundidad. In: CELADE/CEPAL (Org.). La fecundidad en América Latina: ¿Transición o revolución? Santiago de Chile: Celade/Cepal, 2003. p. 51-74.
  • CHESNAIS, J. C. Determinants of below replacement fertility. Population Bulletin of the United Nations, v. 40, p. 126-136, 2000.
  • CHESNAIS, J. C. Fertility, family and social policy. Population and Development Review, v. 22, p. 729-739, 1996.
  • CIRITEL, A. A.; DE ROSE, A.; AREZZO, M. F. Childbearing intentions in a low fertility context: the case of Romania. Genus, v. 75, n. 4, 2019.
  • COALE, A. J. The demographic transition reconsidered. In: INTERNATIONAL POPULATION CONFERENCE. Proceedings […]. Liège, Belgium: Eds. Ordina, 1973.
  • COUTINHO, R.; GOLGHER, A. Modelling the proximate determinants of fertility for Brazil: the advent of competing preferences. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, 2018.
  • DAVIDSON, A. R.; JACCARD, J. J. Variables that moderate the attitude-behavior relation: results of a longitudinal survey. Journal of Personality and Social Psychology, v. 37, p. 1364-1376, 1979.
  • ENGELHARDT, H. Fertility intentions and Preferences: effects of structural and financial incentives and constraints in Austria. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2004. (Working Paper, 02/2004).
  • ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP. Europe the continent with the lowest fertility. Human Reproduction Update, v. 16, n. 6, p. 590-602, 2010.
  • ESPING-ANDERSEN, G.; BILLARI, F. Re-theorizing family demographic change. Population and Development Review, v. 41, n. 1, p. 1-31, 2015.
  • FIORI, F. Do childcare arrangements make the difference? A multilevel approach to the intention of having a second child in Italy. Population Space and Place, v. 17, n. 5, p. 579-596, 2011.
  • FIORI, F.; RINESI, F.; PINNELLI, A.; PRATI, S. Economic insecurity and the fertility intentions of Italian women with one child. Population Research and Policy Review, v. 32, n. 3, p. 373-413, 2013.
  • FOX, J.; KLÜSENER, S.; MYRSKYLÄ, M. Is a positive relationship between fertility and economic development emerging at the sub-national regional level? Theoretical considerations and evidence from Europe. European Journal of Population, v. 35, p. 487-518, 2019.
  • FREJKA, T.; GOLDSCHEIDER, F.; LAPPEGÅRD, T. The two-part gender revolution, women’s second shift and changing cohort fertility. Comparative Population Studies, v. 43, p. 99-130, 2018.
  • GALLUP, G.; ROBINSON, C. American Institute of Public Opinion surveys, 1935- 1938. Public Opinion Quarterly, v. 2, n. 3, p. 373-398, 1938.
  • GAUTHIER, A.; CABAÇO, S.; EMERY, T. Generations and gender survey study profile. Longitudinal and Life Course Studies, v. 9, n. 4, p. 456-465, 2018.
  • GOLDSCHEIDER, F.; BERNHARDT, E.; LAPPEGÅRD, T. The gender revolution: a framework for understanding changing family and demographic behavior. Population and Development Review, v. 41 n. 2, p. 207-239, 2015.
  • GOLDSTEIN, J. R.; LUTZ, W.; TESTA, M. R. The emergence of sub-replacement family size ideals in Europe. Population Research and Policy Review, v. 2, n. 2, p. 479-496, 2003.
  • GONZÁLEZ, M. A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero. 2015. 114f. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2015.
  • GUZMAN, J. M. Fertility transition in Latin America. IPPF Medical Bulletin, v. 23, n. 5, p. 1-3, 1989.
  • HAGEWEN, K. J.; MORGAN, S. P. Intended and ideal family size in the United States, 1970-2002. Population and Development Review, v. 31, p. 507-527, 2005.
  • HAKKERT, R. Fecundidad deseada y no deseada en América Latina, con particular referencia a algunos aspectos de género. In: CELADE/CEPAL (Org.). La fecundidad en América Latina: ¿Transición o revolución? Santiago de Chile: Celade/Cepal, 2003. p. 267-288.
  • HAMADEH, N.; VAN ROMPAEY, C.; METREAU, E.; EAPEN, S. G. New World Bank country classifications by income level: 2022-2023. World Bank Blogs, 2022. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/opendata/new-world-bank-country-classifications-income-level-2022-2023#:~:text=Region,-Include%20Values&text=The%20World%20Bank%20assigns%20the,the%20previous%20year%20(2021) Acesso em: dez. 2022.
    » https://blogs.worldbank.org/opendata/new-world-bank-country-classifications-income-level-2022-2023#:~:text=Region,-Include%20Values&text=The%20World%20Bank%20assigns%20the,the%20previous%20year%20(2021)
  • HARKNETT, K.; HARTNETT, C. The gap between births intended and births achieved in 22 European countries. Population Studies: A Journal of Demography, v. 68, p. 265-282, 2014.
  • HAYFORD, S.; AGADJANIAN, V. Uncertain future, non-numeric preferences, and the fertility transition: A case study of rural Mozambique. Etude de la Population Africaine, v. 25, n. 2, p. 419-439, 2011.
  • HAYFORD, S. The evolution of fertility expectations over the life course. Demography, v. 46, n.4, p. 765-783, 2009.
  • HEILAND, F.; PRSKAWETZ, A.; SANDERSON, W. Are individuals’ desired family sizes stable? Evidence from west German panel data. European Journal of Population, v. 24, n. 2, p. 129-156, 2008.
  • HENSVIK, L.; NILSSON, P. Business, buddies and babies: social ties and fertility at work. Uppsala: IFAU, 2010. (Working Paper 2010:9).
  • HERMALIN, A. I.; FREEDMAN, R.; SUN, T.; CHANG, M. Do intentions predict fertility? The experience in Taiwan, 1967-1974. Studies in Family Planning, v.10, p. 75-95, 1979.
  • HIN, S.; GAUTHIER, A.; GOLDSTEIN, J.; BÜHLER, C. Fertility preferences: what measuring second choices teaches us. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 131-156, 2011.
  • IACOVOU, M.; TAVARES, L. P. Yearning, learning, and conceding: reasons men and women change their childbearing intentions. Population and Development Review, v. 37, n. 1, p. 89-123, 2011.
  • ICF. Demographic and health survey interviewer’s manual. Rockville, Maryland, 2019.
  • JOHNSON-HANKS, J. A.; BACHRACH, C. A.; MORGAN, S. P.; KOHLER, H-P. Understanding family change and variation: toward a theory of conjunctural action. Dordrecht, The NetherlandsSpringer, 2011.
  • JUÁREZ, F.; GAYET, C. Fertility transition: Latin America and the Caribbean. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, 2015. p. 68-72.
  • JUAREZ, F.; SINGH, S.; MADDOW-ZIMET, I.;WULF, D. Unintended pregnancy and induced abortion in Mexico: causes and consequences. New York: Guttmacher Institute, 2013. Disponível em: http://www.guttmacher.org/pubs/Unintended-Pregnancy-Mexico.pdf Acesso em: ago. 2021.
    » http://www.guttmacher.org/pubs/Unintended-Pregnancy-Mexico.pdf
  • KAPITÀNY, B.; SPÉDER, Z. Realization, postponement or abandonment of childbearing intentions in four European countries. Population, v .67, p. 599-630, 2012.
  • KLERMAN, L. V. The intendedness of pregnancy: a concept in transition. Maternal and Child Health Journal, v. 4, n. 3, p. 155-162, 2000.
  • KLOBAS, J. The theory of planned behaviour as a model of reasoning about fertility decisions. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 47-54, 2011.
  • KODZI, I. A.; JOHNSON, D. R.; CASTERLINE, J. B. To have or not to have another child: life cycle, health and cost considerations of Ghanaian women. Social Science & Medicine, v. 74, n. 7, p. 966-72, 2012.
  • KUHNT, A. K.; TRAPPE, H. Easier said than done: childbearing intentions and their realization in a short-term perspective. Rostock, Germany: Max Planck Institute for Demographic Research, 2013. (Working Paper, 2013/018).
  • LEE, J. N.; HWANG, M. J. Determinants on the number of children among married women in Korea. Journal of Population and Social Studies, v. 27, n. 1, p. 53-69, 2019.
  • LEE, R. Becker and the demographic transition. Journal of Demographic Economics, v. 81, n. 1, p. 67-74, 2015.
  • LIEFBROER, A. C. Changes in family size intentions across young adulthood: a life course perspective. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 363-386, 2009.
  • LIEFBROER, A. C. The impact of perceived costs and rewards of childbearing on entry into parenthood: evidence from a panel study. European Journal of Population, v. 21, n.4, p. 367-391, 2005.
  • LUTZ, W. Adaptation versus mitigation policies on demographic change in Europe. Vienna Yearbook for Population Research, v. 5, p. 19-26, 2007.
  • LUTZ, W.; SKIRBEKK, V.; TESTA, M. R. The low-fertility trap hypothesis: forces that may lead to further postponement and fewer births in Europe. Vienna Yearbook of Population Research, v. 4, p. 167-192, 2006.
  • MATSUO, H.; MATTHIJS, K. The impact of well-being on fertility intentions - an analysis based on the European Social Survey (2010). Research & Methods, v. 25, p. 17-46, 2016.
  • MCDONALD, P. Gender equity in theories of fertility transition. Population and Development Review, v. 6, n. 3, p. 427-439, 2000.
  • MENCARINI, L.; VIGNOLI, D.; GOTTARD, A. Fertility intentions and outcomes: implementing the theory of planned behavior with graphical models. Advances in Life Course Research. v. 23, p. 14-28, 2015.
  • MENCARINI, L.; TANTURRI, M. L. Time use, family role-set and childbearing among Italian working women. Genus, v. 60, p. 111-137, 2004.
  • MILLER, W. B. Childbearing motivations, desires, and intentions: a theoretical framework. Genetic, Social, and General Psychological Monographs, v.120, n. 2, p. 223-258, 1994.
  • MILLER, W. B. Differences between fertility desires and intentions: implications for theory, research and policy. Vienna Yearbook of Population Research, v. 9, p. 75-98, 2011.
  • MILLER, W. B.; PASTA, D. J. Behavioral intentions: which ones predict fertility behavior in married couples? Journal of Applied Social Psychology, v. 25, p. 530-555, 1995.
  • MILLER, W. B.; SEVERY, L. J.; PASTA, D. J. A framework for modelling fertility motivation in couples. Population Studies, v. 58, n. 2, p. 193-205, 2004.
  • MIRANDA-RIBEIRO, A.; GARCIA, R. Transições da fecundidade no Brasil: uma análise à luz dos diferenciais por escolaridade. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais [...]. Águas de Lindóia-SP: Abep, 2012. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/ xviii/anais/files/400.pdf
    » http://www.abep.nepo.unicamp.br/ xviii/anais/files/400.pdf
  • MORGAN, S. P. Should fertility intentions inform fertility forecasts? In: US CENSUS BUREAU CONFERENCE: THE DIRECTION OF FERTILITY IN THE UNITED STATES. Proceedings […]. Washington, DC: 7 US Census Bureau, 2001. p. 153-178.
  • MORGAN, S. P.; RACKIN, H. The correspondence between fertility intentions and behavior in the United States. Population and Development Review, v. 36, n. 1, p. 91-118, 2010.
  • MORGAN, S. P.; TAYLOR, M. G. Low fertility at the turn of the twenty-first century. Annual Review of Sociology, v. 32, p. 375-99, 2006.
  • MYRSKYLÄ, M.; KOHLER, H. P.; BILLARI, F. C. Advances in development reverse fertility declines. Nature, v. 460, p. 741-743, 2009.
  • NÍ BHROLCHÁIN, M.; BEAUJOUAN, E. How real are reproductive goals? Uncertainty and the construction of fertility preferences. ESRC Centre for Population Change, Dec. 2015. (Working Paper, 73).
  • OECD - Organisation for Economic Co-operation and Development. OECD Family Database, 2022. Disponível em: https://www.oecd.org/social/family/database.htm Acesso em: jul. 2021.
    » https://www.oecd.org/social/family/database.htm
  • PERI, A.; PARDO, I. Nueva evidencia sobre la hipótesis de la doble insatisfacción en Uruguay: ¿Cuán lejos estamos de que toda la fecundidad sea deseada? In: WONG, L. R. (Org.). Población y salud sexual y reproductiva en América Latina. Rio de Janeiro: Alap, 2008. p. 55-88 (Serie Investigaciones, n. 4).
  • PHILIPOV, D.; BERNARDI, L. Reproductive decisions: concepts and measurement in Austria, Germany and Switzerland. Comparative Population Studies, v. 36, n. 2-3, p. 495-530, 2011.
  • PHILIPOV, D. Fertility intentions and outcomes: the role of policies to close the gap. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 355-361, 2009.
  • PHILIPOV, D. Fertility in times of discontinuous societal change: the case of Central and Eastern Europe. Rostock: MPIDR - Max Planck Institute for Demographic Research, 2002. (Working Paper, 2002-24).
  • PHILIPOV, D.; THÉVENON, O.; KLOBAS, J.; BERNARDI, L.; LIEFBROER, A. C. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO): a state of the art review. European Commission within the Seventh Framework Programme under the Socio-economic Sciences and Humanities Theme, 2009. (Working Paper).
  • PHILIPOV, D.; SPÉDER, Z.; BILLARI, F. C. Soon, later, or ever? The impact of anomie and social capital on fertility intentions in Bulgaria (2002) and Hungary (2001). Population Studies, v. 60, n. 3, p. 289-308, 2006.
  • QUESNEL-VALLEE, A.; MORGAN, P. Missing the target? Correspondence of fertility intentions and behavior in the U.S. Population Research and Policy Review, v. 22, p. 497- 525, 2003.
  • RAYBOULD, A.; SEAR, R. Children of the (gender) revolution: a theoretical and empirical synthesis of how gendered division of labour influences fertility. Population Studies, v. 75, n. 2, p. 169-190, 2020.
  • RÉGNIER-LOILIER, A. Influence of own sib ship size on the number of children desired at various times of life: the case of France. Population (english edition), v. 61, n. 3, p. 165-194, 2006.
  • REGNIER-LOILIER, A.; VIGNOLI, D. Fertility intentions and obstacles to their realization in France and Italy. Population-E, v. 66, n. 2, p. 361-390, 2011.
  • REHER, D. S. Economic and social implications of the demographic transition. Population and Development Review, v. 37, p. 11-3, 2011.
  • RINESI, F. Fecondità attesa e realizzata delle madri italiane. 93f. thesis (PhD) - La Sapienza, University of Rome, 2009.
  • ROSERO-BIXBY, L.; CASTRO-MARTÍN, T.; MARTÍN-GARCÍA, T. Is Latin America starting to retreat from early and universal childbearing? Demographic Research, v. 20, n. 9, p. 169-194, 2009.
  • ROSSIER, C.; BERNARDI, L. Social interaction effects on fertility: intentions and behaviors. European Journal of Population, v. 25, n. 4, p. 467-485, 2009.
  • SANTELLI, J.; ROCHAT, R.; HATFIELD-TIMAJCHY, K.; GILBERT, B. C.; CURTIS, K.; CABRAL, R.; HIRSCH, J. S.; SCHIEVE, L. The measurement and meaning of unintended pregnancy. Perspectives on Sexual and Reproductive Health, v. 35, n. 2, p. 94-101, 2003.
  • SCHOEN, R.; ASTONE, N.; M.; KIM, Y. J., NATHANSON, C. A. Do fertility intentions affect fertility behaviours? Journal of Marriage and the Family, v. 61, n. 3, p. 790-799, 1999.
  • SIMÃO, A. B.; COUTINHO, R. Z.; GUEDES, G. R. Desejo por filhos entre mulheres de alta escolaridade: conflitos, mudanças e permanências. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 37, p. 1-23, 2020.
  • SOBOTKA, T.; BEAUJOUAN, E. Two is best? The persistence of a two-child family ideal in Europe. Vienna Institute of Demography, 2014. (Working Papers, 3).
  • SOBOTKA, T.; BILLARI, F. C.; KOHLER, H.-P. The return of late childbearing in developed countries: causes, trends and implications. Vienna: Vienna Institute of Demography, 2010.
  • SOBOTKA, T. Reproductive decision-making in a macro-micro perspective (REPRO). Synthesis and policy implications. European Demographic Research Papers 1. Vienna: Vienna Institute of Demography of the Austrian Academy of Sciences, 2011.
  • SOBOTKA, T. Sub-replacement fertility intentions in Austria. European Journal of Population, v. 25 n. 4, p. 387-412, 2009.
  • TANSKANEN, A. O.; ROTKIRCH, A. The impact of grandparental investment on mothers’ fertility intentions in four European countries. Demographic Research, v. 31, n. 1, p. 1-26, 2014.
  • TAZI-PREVE, I. M.; BICHLBAUER, D.; GOUJON, A. Gender trouble and its impact on fertility intentions. Yearbook of Population Research in Finland, v. 40, p. 5-24, 2004.
  • TESTA, M. R. Childbearing preferences and family issues in Europe: evidence from the Eurobarometer 2006 Survey. Vienna Yearbook of Population Research, v. 5, p. 357-379, 2007.
  • TESTA, M. R. Couple disagreement about short-term fertility desires in Austria: effects on intentions and contraceptive behaviour. Demographic Research, v. 26, n. 3, p. 63-98, 2012a.
  • TESTA, M. R. Family sizes in Europe: evidence from the 2011 Eurobarometer Survey Contents. Vienna : Vienna Institute of Demography, 2012b. (Working Paper, 2012-2).
  • TESTA, M. R. On the positive correlation between education and fertility intentions in Europe: individual-and country-level evidence. Advances in Life Course Research, v. 21, p. 28-42, 2014.
  • TESTA M. R.; GRILLI, L. The influence of childbearing regional contexts on ideal family size in Europe. Population (English edition), v. 61, p. 109-138, 2006.
  • THÉVENON, O.; LUCI-GREULICH, A. The impact of family policy packages on fertility trends in developed countries. European Journal of Population, v. 29, n. 4, p. 387-416, 2013.
  • THOMSON, E. Couple childbearing desires, intentions, and births. Demography, v. 34, n. 3 p. 343-54, 1997.
  • UDRY, J. R. Do couples make fertility plans one birth at a time? Demography, v. 20, n. 2, p. 117-128, 1983.
  • UNDESA - United Nations Department of Economic and Social Affairs. World economic and social survey 2008. Overcoming economic insecurity. Disponível em: https://www.un.org/en/development/desa/news/policy/wess-2008.shtml Acesso em: 2021.
    » https://www.un.org/en/development/desa/news/policy/wess-2008.shtml
  • UNFPA - Fundo de População das Nações Unidas. Fecundidade e dinâmica da população brasileira. Brasília: UNFPA, 2018. Disponível em: unfpa.org.br. Acesso em: ago. 2021.
  • UNITED NATIONS. Data Portal. Populations Division, 2022. Disponível em: https://population.un.org/dataportal/. Acesso em: ago. 2021.
    » https://population.un.org/dataportal
  • VAN DE WALLE, E. Fertility transition, conscious choice, and numeracy. Demography, v. 29, n. 4, p. 487-502, 1992.
  • VAN PEER, C. Desired and achieved fertility. In: KLIJZING, E.; CORIJN, M. (Ed.). Dynamics of fertility and partnership in Europe: insights and lessons from comparative research. New York and Geneva: United Nations, 2002. v. 2, p. 117-141.
  • VIGNOLI, J. R. Fecundidad no deseada entre las adolescentes latinoamericanas. Un aumento que desafía la salud sexual y reproductiva y el ejercicio de derechos. Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (CELADE), División de Población de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2017. (Série Populación y Desarrollo).
  • WESTOFF, C. F.; RYDER, N. B. The predictive validity of reproductive intentions. Demography, v. 14, n. 4, p. 431-53, 1977.
  • WONG, L. L. R. Evidences of further decline of fertility in Latina America: reproductive behavior and some thoughts on the consequences on the age structure. In: CAVENAGHI, S. M. (Org.). Demographic transformations and inequalities in Latin America: historical trends and recent patterns. Rio de Janeiro: Alap, 2009. (Serie Investigaciones, n. 8).
  • YU, W.; KUO, J. C. L. Another work-family interface: work characteristics and family intentions in Japan. Demographic Research, v. 36, p. 391-426, 2017.
  • 1
    Este trabalho segue a classificação de países mais recente do Banco Mundial (HAMADEH; VAN ROMPAEY; METREAU; EAPEN, 2022HAMADEH, N.; VAN ROMPAEY, C.; METREAU, E.; EAPEN, S. G. New World Bank country classifications by income level: 2022-2023. World Bank Blogs, 2022. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/opendata/new-world-bank-country-classifications-income-level-2022-2023#:~:text=Region,-Include%20Values&text=The%20World%20Bank%20assigns%20the,the%20previous%20year%20(2021). Acesso em: dez. 2022.
    https://blogs.worldbank.org/opendata/new...
    ).
  • 2
    O termo preferências também é utilizado para se referir, de forma geral, a escolhas reprodutivas, seja com foco em intenções ou desejos/ideais.
  • 3
    Tradução livre dos autores: “Qual é o tamanho ideal de família? Marido, esposa e ________ filhos”.
  • 4
    Tradução livre dos autores: “Qual o seu número ideal de filhos?”
  • 5
    Tradução livre dos autores: “Você planeja ter um (ou próximo) filho?”
  • 6
    Tradução livre dos autores: “De um modo geral, qual você acha que é o número ideal de filhos para uma família?”
  • 7
    Tradução livre dos autores: “E para você pessoalmente, qual seria o número ideal de filhos que você gostaria de ter ou gostaria de ter tido?”
  • 8
    Tradução livre dos autores: “Se você pudesse escolher exatamente o número de filhos que teria em toda a sua vida, quantos seriam?” - quesito número 813 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão).
  • 9
    Traducão livre dos autores: “Se você pudesse voltar no tempo para o momento em que não tinha nenhum filho e pudesse escolher exatamente o número de filhos que você teria em toda a sua vida, quantos seriam?” - quesito número 813 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão).
  • 10
    Now I have some questions about the future. Would you like to have (a/another) child, or would you prefer not to have any (more) children? Ou, na tradução livre dos autores: “Agora tenho algumas perguntas sobre o futuro. Você gostaria de ter (um/próximo) filho, ou preferiria não ter (mais) filhos?” - quesito número 804 da seção 8 do questionário das mulheres (fase 7 do questionário padrão).
  • 11
    Tradução livre dos autores: “Você pretende ter um/outro filho nos próximos três anos?” - quesito número 6.22 da seção “Intentions to Have Children” do questionário completo da primeira onda (wave 1).
  • 12
    Alteração em uma determinada variável, dada a variação em outra variável (BECKER, 1991BECKER, G. S. A note on restaurant pricing and other examples of social influences on price. Journal of Political Economy, v. 99, p. 1109-1116, 1991.).
  • 13
    Calculado a partir da seguinte questão: “And for you personally, what would be the ideal number of children you would like to have or would have liked to have had?” Tradução dos autores: “E para você pessoalmente, qual seria o número ideal de filhos que você gostaria de ter ou gostaria de ter tido?”
  • 14
    Vale ressaltar que há uma vasta produção acadêmica preocupada em analisar outro tipo de gap, o do contexto de países de renda média ou baixa que possuem fecundidade alta, nos quais as mulheres têm mais filhos do que declaram como ideal, ou seja, uma demanda não alcançada por controle da fecundidade (CASTERLINE; SINDING, 2000CASTERLINE, J. B.; SINDING, S. Unmet need for family planning in developing countries and implications for population policy. Population and Development Review, v. 26, n. 4, p. 691-723, 2000.; BRADLEY; CASTERLINE, 2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2022
  • Aceito
    02 Mar 2023
Associação Brasileira de Estudos Populacionais Rua André Cavalcanti, 106, sala 502., CEP 20231-050, Fone: 55 31 3409 7166 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editor@rebep.org.br