Acessibilidade / Reportar erro

Padrões de uso do tempo em cuidadores familiares de idosos com demências

Resumo

Objetivos:

Descrever padrões de uso do tempo por cuidadores familiares de idosos com demências e investigar relações entre esses padrões e características dos cuidadores, dos receptores de cuidados e do contexto do cuidado.

Método:

Cinquenta cuidadores participaram de uma entrevista sobre o tempo gasto em atividades obrigatórias do cuidado e da vida pessoal, discricionárias e de recuperação, ao longo de quatro períodos de seis horas de uma jornada de 24 horas; um questionário de atividades sociais, escalas de funcionalidade física e cognitiva dos idosos e inventário de sobrecarga em cuidadores familiares.

Resultados:

88,0% dos cuidadores eram mulheres; média de idade 57,9 (±11,2) anos; 45,92% do tempo dos cuidadores eram gastos em cuidados ao idoso; 36,92% em atividades discricionárias; 31,17% em atividades de recuperação e 25,67% em atividades obrigatórias da vida do cuidador. Quanto maior a dependência dos idosos, maior o tempo requerido para o cuidado, menor o tempo para si e maior a sobrecarga do cuidador.

Conclusão:

O nível de dependência dos idosos com demências relaciona-se com aumento do tempo despendido na provisão dos apoios e compete com a realização de outras atividades pelo cuidador. Habilidades de reorganização da agenda de cuidados e oferta de apoios formais podem reduzir a sobrecarga do cuidado sobre o bem-estar dos cuidadores.

Palavras-chave:
Tempo; Cuidadores; Dependência; Atividades Cotidianas; Assistência de Longa Duração; Doença de Alzheimer

Abstract

Objectives:

to describe patterns of use of time in family caregivers of elderly people with dementia, considering the characteristics of the caregivers, the care recipients and the context.

Method:

Fifty family caregivers of elderly people with intermediate and high levels of physical and cognitive disability participated in an interview about time spent on obligatory care activities over four periods of six hours during a 24-hour period. In addition, a questionnaire about social activities, scales of physical and cognitive functionality of the elderly and an inventory of burden in the family caregivers were applied.

Results:

88.0% of the caregivers were women, with a mean age of 57.9 (±11.2) years; 45.92% of the time of the caregivers was used in care activities, 36.92% in discretionary activities, 31.17% in recuperation, and 25.67% in the obligatory activities of the life of the caregiver. The greater the dependence, the longer the care, the less time for self-care and greater the caregivers’ subjective burden.

Conclusion:

The level of dependence of elderly persons affected by dementia results in an increase in caregiving time and competes with other activities performed by the caregiver. Reorganization of the use of time by family caregivers and provision of formal support can reduce the caregiving burden and benefit the well-being of caregivers.

Keywords:
Time; Caregivers; Dependency; Activities of Daily Living; Long-term Care. Alzheimer Disease

INTRODUÇÃO

Os primeiros estudos sobre uso do tempo pelo cuidador familiar foram realizados por Moss et al.11 Moss MS, Lawton MP, Kleban MH, Duhamel L. Time use of caregivers of impaired elders before and after institutionalization. J Gerontol [Internet]. 1993 [acesso em 22 set. 2015];48(3):102-11. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482826
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482...
, com base na metodologia time budgets, termo que pode ser livremente traduzido como “estimativas diárias de tempo despendido em atividades”. Corrente no âmbito das organizações industriais e comerciais, a metodologia era desconhecida no contexto do cuidado formal (proporcionado por profissionais) e informal (proporcionado por familiares ou outros voluntários) a idosos. Os autores criaram uma situação em que, por meio de uma “Entrevista sobre o dia anterior” (Yesterday Interview), eram obtidas informações sobre quando, onde, com quem, por quanto tempo e o que foi feito pelo cuidador no período de 24 horas anteriores à entrevista. Os dados eram registrados em matriz que cobria as 24 horas de um dia, subdivididas em 96 intervalos de 15 minutos, e, em seguida, eram tabulados, já dentro das seguintes classes criadas em estudo paralelo realizado por Moss e Lawton22 Moss MS, Lawton MP. Time budgets of older people: a window on four life styles. J Gerontol [Internet]. 1982 [acesso em 22 set. 2015];37(1):115-23. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geronj/37.1.115
http://doi.org/10.1093/geronj/37.1.115...
: atividades de ajuda instrumental, tais como limpeza da casa e preparo de alimentos, e de cuidados pessoais, tais como ajuda no banho e no uso do sanitário, ao idoso receptor de cuidados; atividades obrigatórias da vida do cuidador (autocuidado, trabalho e cuidado com a casa e a família) e atividades discricionárias da vida do cuidador (lazer ativo e passivo e descanso).

Pesquisas posteriores mostraram que cuidadores familiares dedicam maior tempo diário à proteção e à ajuda instrumental do que cuidadores formais33 Van den Berg B, Spauwen P. Measurement of informal care: an empirical study into the valid measurement of time spent on informal caregiving. Health Econ [Internet]. 2006 [acesso em 01 maio 2017];15(5):447-60. Disponível em: http://doi.org/10.1002/hec.1075
http://doi.org/10.1002/hec.1075...
,44 Oldenkamp M, Hagedoorn M, Slaets J, Stolk R, Wittek R, Smidt N. Subjective burden among spousal and adult-child informal caregivers of older adults: results from a longitudinal cohort study. BMC Geriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];16:1-22. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y
http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y...
. Em sua maioria, os cuidadores familiares são cônjuges ou filhas dos receptores de cuidados, não exercem trabalho remunerado fora da casa, têm baixa escolaridade, residem no mesmo domicilio do alvo de cuidados e são os únicos ou principais responsáveis pelo cuidado55 Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Fatores associados à satisfação com a vida em idosos cuidadores e não cuidadores. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017],19(8):3429-40. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1413-81232014198.13952013
http://doi.org/10.1590/1413-81232014198....

6 Bednarek A, Mojs E, Krawczyk-Wasielewska A, Głodowska K, Samborski W, Lisiński P, et al. Correlation between depression and burden observed in informal caregivers of people suffering from dementia with time spent on caregiving and dementia severity. Eur Rev Med Pharmacol Sci [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];20(1):59-63. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813454
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2681...
-77 Farina N, Page TE, Daley S, Brown A, Bowling A, Basset T, et al. Factors associated with the quality of life of family carers of people with dementia: A systematic review. Alzheimers Dememt [Internet]. 2017 [acesso em 22 set. 2017];13(5):572-81. Disponível em: http://doi.org/10.1016/j.jalz.2016.12.010
http://doi.org/10.1016/j.jalz.2016.12.01...
, eventualmente auxiliados por parentes e amigos. A presença desses cuidadores secundários tende a acarretar distorções nas estimativas de tempo dos cuidadores primários33 Van den Berg B, Spauwen P. Measurement of informal care: an empirical study into the valid measurement of time spent on informal caregiving. Health Econ [Internet]. 2006 [acesso em 01 maio 2017];15(5):447-60. Disponível em: http://doi.org/10.1002/hec.1075
http://doi.org/10.1002/hec.1075...
,88 Neubauer S, Holle R, Menn P, Grossfeld-Schmitz M, Graesel E. Measurement of informal care time in a study of patients with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2008 [acesso em 05 fev. 2017];20(6):1160-76. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610208007564
http://doi.org/10.1017/S1041610208007564...
. No Brasil, a atuação de empregadas domésticas no cuidado a idosos dependentes tende a ser vista como parte dos afazeres domésticos, o que se constitui em outra fonte de distorção99 Camarano AA, Kanso K. Como as famílias brasileiras estão lidando com os idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras?: a visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano AA, editora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 93-112..

O tempo dedicado ao cuidado em atividades básicas de vida diária (ABVD) e em atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e o tempo gasto em supervisão aumentam proporcionalmente ao agravamento da demência1010 Taylor DH Jr, Kuchibhatla M, Østbye T. Trajectories of caregiving time provided by wives to their husbands with dementia. Alzheimer Dis Assoc Disord [Internet]. 2008 [acesso em 05 fev. 2017];22(2):131-6. Disponível em: http://doi.org/10.1097/WAD.0b013e31815bebba
http://doi.org/10.1097/WAD.0b013e31815be...
,1111 Hajek A, Brettschneider C, Ernst A, Posselt T, Wiese B, Prokein J, et al. Longitudinal predictors of informal and formal caregiving time in community-dwelling dementia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];51(4):607-16. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7
http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7...
. Assim, à medida que aumenta o número de pessoas afetadas pela demência na população, crescem as demandas por tempo de cuidados informais e pela criação de redes de suporte informal1212 Alzheimer’s Disease International. World Alzheimer Report: the global impact of dementia: an analysis of prevalence, incidence, cost and trends [Internet]. London: ADI; 2015 [acesso em 19 nov. 2015]. Disponível em: http://www.alz.co.uk/research/world-report-2015
http://www.alz.co.uk/research/world-repo...
.

O tempo dedicado às atividades obrigatórias de cuidado restringe a participação dos cuidadores informais em atividades discricionárias, entre elas as atividades sociais realizadas fora de casa, por exemplo, atividades religiosas e trabalho, assim como as realizadas dentro de casa, por exemplo, leitura, comunicação com amigos e parentes por meio de redes sociais. Duas das queixas mais recorrentes de cuidadores familiares são a privação da vida social e o senso de ter perdido controle sobre ela1313 Carvalho EB, Neri AL. Uso do tempo por cuidadores familiares de idosos com demência: revisão integrativa. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [acesso em 11 jun. 2018];71(Suppl 2):893-904. Disponível em: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0268
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-02...
. As atividades obrigatórias de cuidado são as que mais consomem tempo1414 Wimo A, Jonsson L, Zbrozek A. The Resource Utilization in Dementia (RUD) instrument is valid for assessing informal care time in community-living patients with dementia. J Nutr Health Aging [Internet]. 2010 [acesso em 22 set. 2017];14(8):685-90. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2
http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2...
,1515 Vaingankar JA, Chong SA, Abdin E, Picco L, Jeyagurunathan A, Zhang Y, et al. Care participation and burden among informal caregivers of older adults with care needs and associations with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];28(2):221-31. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
http://doi.org/10.1017/S104161021500160X...
, gerando insatisfação pela restrição do tempo para atividades pessoais, domésticas e sociais1616 Feldman HH, Van Baelen B, Kavanagh SM, Torfs KE. Cognition, function, and caregiving time patterns in patients with mild-to-moderate Alzheimer disease: a 12-month analysis. Alzheimer Dis Assoc Disord [Internet]. 2005 [acesso em 22 set. 2017];19(1):29-36. Disponível em: http://doi.org/10.1097/01.wad.0000157065.43282.bc
http://doi.org/10.1097/01.wad.0000157065...
e são as mais associadas a sintomas depressivos e à avaliação de escassez de suporte social1717 Stevens AB, Coon D, Wisniewski S, Vance D, Arguelles S, Belle S, et al. Measurement of leisure time satisfaction in family caregivers. Aging Ment Health [Internet]. 2004 [acesso em 22 set. 2017];8(5):450-9. Disponível em: http://doi.org/10.1080/13607860410001709737.
http://doi.org/10.1080/13607860410001709...
. Os cuidadores percebem as restrições em atividades de lazer como estressantes e onerosas, mas sua participação em atividades sociais em grupo atenua os efeitos negativos da prestação de cuidados1818 Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];7(2):230-48. Disponível em: http://doi.org/10.1111/aphw.12046
http://doi.org/10.1111/aphw.12046...
.

A sobrecarga objetiva dos cuidadores familiares de idosos com demência está associada à progressão da doença, à dependência física e cognitiva, a problemas neuropsiquiátricos do receptor de cuidados e ao grande número de horas necessárias para cuidados diretos e supervisão1111 Hajek A, Brettschneider C, Ernst A, Posselt T, Wiese B, Prokein J, et al. Longitudinal predictors of informal and formal caregiving time in community-dwelling dementia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];51(4):607-16. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7
http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7...
,1919 Hughes TB, Black BS, Albert M, Gitlin LN, Johnson DM, Lyketsos CG, et al. Correlates of objective and subjective measures of caregiver burden among dementia caregivers: Influence of unmet patient and caregiver dementia-related care needs. Int Psychogeriatr [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];26(11):1875-83. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610214001240
http://doi.org/10.1017/S1041610214001240...
,2020 Kraijo H, Van Exel J, Brouwer W. The perseverance time of informal carers for people with dementia: results of a two-year longitudinal follow-up study. BMC Nurs [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];14:56. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12912-015-0107-5
http://doi.org/10.1186/s12912-015-0107-5...
. A sobrecarga subjetiva do cuidador associa-se com depressão, sofrimento emocional, senso de não atendimento de necessidades, e restrição do tempo diário para o autocuidado, a participação social, os compromissos familiares e o trabalho remunerado44 Oldenkamp M, Hagedoorn M, Slaets J, Stolk R, Wittek R, Smidt N. Subjective burden among spousal and adult-child informal caregivers of older adults: results from a longitudinal cohort study. BMC Geriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];16:1-22. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y
http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y...
,1515 Vaingankar JA, Chong SA, Abdin E, Picco L, Jeyagurunathan A, Zhang Y, et al. Care participation and burden among informal caregivers of older adults with care needs and associations with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];28(2):221-31. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
http://doi.org/10.1017/S104161021500160X...
,2121 Haro JM, Kahle-Wrobleski K, Bruno G, Belger M, Dell’Agnello G, Dodel R, et al. Analysis of burden in caregivers of people with Alzheimer’s disease using self-report and supervision hours. J Nutr Health Aging [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];18(7):677-84. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0.
http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0...
. Intervenções clínicas, psicossociais e educacionais orientadas ao gerenciamento do tempo de cuidados podem mitigar o impacto do cuidado a idosos com demência sobre o bem-estar dos cuidadores.

Atualmente, não há dados brasileiros sobre as agendas temporais de dedicação a atividades obrigatórias do cuidado, da vida pessoal e familiar e de atividades discricionárias, em cuidadores familiares de idosos com demências. Bauab e Emmel2222 Bauab JP, Emmel MLG. Mudanças no cotidiano de cuidadores de idosos em processo demencial. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];17(2):339-52. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000200011
http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000...
focalizaram o uso do tempo por cuidadores formais, mas esses respondem a pautas motivacionais e afetivas diferentes das que presidem o desempenho do cuidado no contexto familiar.

O manejo do tempo por cuidadores familiares de idosos com dependências físicas e cognitivas é importante elemento na determinação da qualidade do cuidado, do bem-estar dos idosos receptores de cuidados e do bem-estar dos cuidadores familiares. O uso de metodologia válida contribui para a fidedignidade de dados cujo conhecimento pode reverter-se em benefícios à qualidade nesses três domínios. Este estudo teve como objetivos descrever padrões de uso do tempo em cuidadores de idosos com demências e investigar relações entre esses padrões e características dos cuidadores, dos receptores de cuidados e do contexto.

MÉTODO

Participantes

Foi realizado um estudo descritivo com amostra de conveniência composta por 50 cuidadores familiares de idosos com demência, que estavam em atendimento no Núcleo de Atenção Médica Integrada da Universidade de Fortaleza (NAMI/UNIFOR) e no serviço de apoio da Associação Brasileira de Alzheimer - Regional Ceará (ABRAz-CE) e que aceitaram participar da pesquisa, no período maio-julho de 2017. Os critérios de inclusão dos cuidadores foram: ter 50 anos ou mais; ser cônjuge, filho(a) ou outro(a) parente de um idoso com diagnóstico de demência realizado por médico e constante do prontuário do paciente; residir com o idoso receptor de cuidados e ser o principal responsável pelo cuidado. Os critérios de exclusão foram: comprometimentos cognitivos, sensoriais, de compreensão e de comunicação, que inviabilizassem a participação dos cuidadores na entrevista, conforme o julgamento de três recrutadores treinados (duas alunas de um curso de especialização em Gerontologia e a pesquisadora). Os cuidadores foram recrutados em contatos face-a-face realizados por ocasião do comparecimento aos serviços e por telefone, sempre com a anuência dos seus dirigentes.

Variáveis e medidas

Uso do tempo: Para a medida da variável dependente foi organizada uma entrevista semiestruturada, nos moldes da “Entrevista sobre o dia anterior” proposta por Moss et al.11 Moss MS, Lawton MP, Kleban MH, Duhamel L. Time use of caregivers of impaired elders before and after institutionalization. J Gerontol [Internet]. 1993 [acesso em 22 set. 2015];48(3):102-11. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482826
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482...
. Foi elaborado um roteiro em que as atividades do cuidador, agrupadas nas classes obrigatórias do cuidado e obrigatórias da vida do cuidador, discricionárias e de recuperação, foram apresentadas em uma matriz de tempo impressa, com quatro períodos de seis horas cada um (manhã, tarde, noite e madrugada), com marcação de cada hora. Em oferta de cuidado aos idosos foram listados: cuidados físicos (dar banho, dar comida, dar remédio, levar ao banheiro, vestir e arrumar); apoio social e emocional (ler, conversar, rezar junto e fazer companhia para/com eles, ajudar a arrumar os próprios pertences). As atividades pertinentes à vida do cuidador incluíram: autocuidado (alimentação, higiene, beleza e exercícios físicos dentro e fora de casa) e vida familiar (atividades domésticas; tomar conta de netos; fazer compras para consumo diário; cozinhar, lavar, passar, varrer, cuidar de animais e plantas). As atividades discricionárias compreenderam: vida pessoal (lazer, arte, artesanato e religiosas, TV, ler, jogar paciência, rezar e meditar) e vida social (dentro de casa, incluindo telefonar, conversar, escrever e-mails e receber visitas, e fora de casa, incluindo visitas, reuniões, restaurantes, cinema, igreja e shoppings a passeio; cursos e palestras). Em atividades de recuperação foram consignados descanso e sono.

Contextualização da prestação de cuidados no ambiente familiar: Por meio de itens de autorrelato, foram investigadas a idade e o sexo dos idosos receptores de cuidados; grau de parentesco entre os cuidadores e os idosos com dependências (cônjuge, progenitor, sogro ou sogra, avô/avó, ou outro parente); presença de ajuda prática e de ajuda de empregada doméstica e acompanhantes diurno, noturno e em fins de semana, e disponibilidade de apoio formal, em domicílio (desempenhado por profissionais). Todos os itens eram de natureza dicotômica.

Condições de dependência dos idosos receptores de cuidados: Foram investigados junto aos cuidadores: o principal diagnóstico médico dos idosos receptores de cuidados (um item aberto), seu nível de dependência física, por meio do questionário de atividades funcionais de Pfeffer2323 Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol [Internet]. 1982 [acesso em 16 out. 2015];37(3):323-9. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323
http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323...

24 Sanchez MAS, Correa PCR, Lourenço RA. Cross-cultural adaptation of the “Functional Activities Questionnaire - FAQ” for use in Brazil. Dement Neuropsychol [Internet]. 2011 [acesso em 16 out. 2015];5(4):322-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN05040010
http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN0...
-2525 Dutra MC, Ribeiro RS, Pinheiro SB, Melo GF, Carvalho GA. Acurácia e confiabilidade do questionário de Pfeffer para a população idosa brasileira. Dement Neuropsychol [Internet]. 2015 [acesso em 19 nov. 2015];9(2):176-83. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92000012
http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92...
e seu nível de dependência cognitiva, por meio do Clinical Dementia Rating (CDR)2626 Morris JC. The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology [Internet]. 1993 [acesso em 16 out. 2015];43(11):2412-4. Disponível em: http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a...
-2727 Montaño MBM, Ramos LR. Validade da versão em português da Clinical Dementia Rating. Rev Saúde Pública [Internet]. 2005 [acesso em 16 set 2015];39(6):912-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600007
http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000...
. Esses dois instrumentos escalares são comumente aplicados em informantes substitutos, em casos em que a dependência do idoso prejudica sua capacidade de responder. A escala de Pfeffer é composta por 10 itens que avaliam funcionalidade com base na independência para desempenhar atividades instrumentais de vida diária (controlar as próprias finanças; fazer compras; esquentar água e apagar o fogo; preparar refeições; manter-se atualizado; assistir notícias e discuti-las; manter-se orientado andando pela vizinhança; lembrar-se de compromissos; cuidar de sua própria medicação e ficar sozinho em casa2424 Sanchez MAS, Correa PCR, Lourenço RA. Cross-cultural adaptation of the “Functional Activities Questionnaire - FAQ” for use in Brazil. Dement Neuropsychol [Internet]. 2011 [acesso em 16 out. 2015];5(4):322-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN05040010
http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN0...
. Cada item é pontuado de 0 (independência) a 3 (dependência), de forma que valores mais altos indicam maior dependência. Foi demonstrada sua confiabilidade e reprodutibilidade do instrumento, em comparação com a escala original, em estudo psicométrico envolvendo idosos brasileiros2525 Dutra MC, Ribeiro RS, Pinheiro SB, Melo GF, Carvalho GA. Acurácia e confiabilidade do questionário de Pfeffer para a população idosa brasileira. Dement Neuropsychol [Internet]. 2015 [acesso em 19 nov. 2015];9(2):176-83. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92000012
http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92...
. A CDR compreende seis categorias cognitivo-comportamentais: memória, orientação, julgamento ou solução de problemas, relações comunitárias, atividades no lar ou de lazer e cuidados pessoais. Cada categoria pode receber de 0 a 3 pontos (0 = nenhuma alteração; 0,5 = demência questionável; 1 = demência leve; 2 = demência moderada e 3 = demência grave), exceto para a categoria cuidados pessoais, que não recebe pontuação 0,5. A categoria memória tem maior peso na pontuação2626 Morris JC. The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology [Internet]. 1993 [acesso em 16 out. 2015];43(11):2412-4. Disponível em: http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a...
,2727 Montaño MBM, Ramos LR. Validade da versão em português da Clinical Dementia Rating. Rev Saúde Pública [Internet]. 2005 [acesso em 16 set 2015];39(6):912-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600007
http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000...
. A classificação final do CDR é obtida pela análise das classificações por categorias, seguindo um conjunto de regras elaboradas e validadas por Morris2626 Morris JC. The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology [Internet]. 1993 [acesso em 16 out. 2015];43(11):2412-4. Disponível em: http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a...
. O instrumento não comporta notas de corte estabelecidas com base em desempenho populacional, pois os resultados dos idosos são comparados à pontuação que obtiveram no passado.

Sobrecarga percebida em decorrência da prestação de cuidados: Foi avaliada por meio da escala de Zarit2828 Zarit SH, Reever KE, Bach-Peterson J. Relatives of the impaired elderly: correlates of feelings of burden. Gerontologist [Internet]. 1980 [acesso em 15 out. 2015];20(6):649-55. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649
http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649...
,2929 Scazufca M. Versão brasileira da escala Burden interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de indivíduos com doenças mentais. Rev Bras Psiquiatr [Internet]. 2002 [acesso em 15 out. 2015];24(1):12-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000...
, composta por 22 itens com cinco pontos cada um (0 = nunca a 4 = sempre), os quais avaliam a sobrecarga percebida pelo cuidador com relação à saúde, à vida pessoal e social, à situação financeira, ao bem-estar emocional e às relações interpessoais. O instrumento gera um escore total que varia de 0 a 88. No Brasil, Scazufca2929 Scazufca M. Versão brasileira da escala Burden interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de indivíduos com doenças mentais. Rev Bras Psiquiatr [Internet]. 2002 [acesso em 15 out. 2015];24(1):12-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000...
realizou a tradução e a validação semântico-cultural do instrumento valendo-se dos dados obtidos em amostras de cuidadores de pessoas idosas com distúrbios de humor e outros distúrbios psiquiátricos. O índice alfa de Cronbach, indicador da consistência interna, foi de 0,87. A distribuição dessas pontuações foi dividida por tercis (≤ 32, 33 a 56 e ≥ 57 pontos), indicando sobrecarga baixa, moderada e alta.

Atividades sociais desempenhadas fora de casa pelos cuidadores: Foram avaliadas por oito itens dicotômicos elaborados especificamente para essa pesquisa: (a) Ir ao cabelereiro, à manicure, à fisioterapia ou à ginástica, ou para fazer compras para si; (b) Ir à igreja ou ao templo para rituais religiosos ou participar de atividades ou grupos ligados à religião; (c) Participar de reuniões sociais e de festas; (d) Ir a eventos culturais, tais como shows, concertos, e exposições, ir ao cinema e ao teatro; (e) Participar de reuniões de diretorias ou conselhos ou desenvolver atividades políticas; (f) Fazer algum curso ou participar de grupo de convivência; (g) Fazer viagens curtas (um dia ou um fim de semana); (h) Fazer visitas.

Características sociodemográficas dos cuidadores: sexo (masculino ou feminino); idade indicada pela data de nascimento; status conjugal (casado, viúvo, solteiro, divorciado); desempenho de trabalho remunerado (sim ou não) e anos de escolaridade (em resposta à pergunta “Até que ano de escola o(a) senhor(a) estudou?”).

Procedimentos

O aceite formal de participação foi realizado mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), redigido de acordo com as exigências da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas em 06/04/2017, por meio do parecer nº 2.003.545.

Os dados foram coletados em entrevistas individuais face a face presididas por um entre três entrevistadores treinados, realizadas na ABRAz-CE (36,0%), no NAMI/UNIFOR (62,0%) e nos domicílios de uma parcela de cuidadores que alegou não poder afastar-se de casa (2,0%). Todos participaram de sessão única com duração média de 62 (±9,2) minutos. Cerca de 30% desse tempo foi dedicado a avaliações que eram do interesse de outras investigações e que não foram inseridas nessa pesquisa.

Os resultados do teste de normalidade de Shapiro-Wilk aplicado à amostra sugeriram que fossem utilizados testes não-paramétricos. Para comparar as frequências das variáveis categóricas segundo categorias de interesse foram utilizados o teste qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher. Para comparar distribuições das variáveis ordinais foram usados o teste U de Mann-Whitney para duas amostras independentes e o teste de Kruskal-Wallis para três ou mais amostras independentes. Para comparar o tempo gasto pelos cuidadores nos quatro tipos de atividades, foram adotados os testes de Friedman e de Wilconxon para amostras relacionadas. Foram feitas análises de correlação de postos (Spearman) entre as distribuições das estimativas de tempo diário em cada classe de atividade, os resultados dos cuidadores na escala de sobrecarga e as pontuações atribuídas aos idosos nas escalas Pfeffer e CDR. Foi aferida a consistência interna das escalas, com adoção do alfa de Cronbach como indicador.

RESULTADOS

A maioria dos cuidadores era constituída por mulheres, por adultos e por indivíduos casados. A média de idade foi 57,9 (±11,2) anos; 78,0% tinham nove ou mais anos de escolaridade; e 77,6% não exerciam trabalho remunerado (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos cuidadores. Fortaleza, CE, 2017.

A idade média dos receptores de cuidados foi 79,6 (±7,5) anos. A maior parte era de progenitores, mas 32,6% eram cônjuges dos cuidadores. O tempo médio de cuidado desde o seu início foi de 40,3 (±23,6) meses. A maioria dos cuidadores contava com ajuda prática não remunerada (principalmente de outros familiares) e apenas 18,0% contavam com ajuda remunerada, na maioria dos casos, proveniente de uma empregada doméstica (77,0%), ou de um acompanhante diurno (12,1%) ou de fins de semana (10,9%). Apenas 4,0% contavam com apoio domiciliar formal privado. Em média, os cuidadores realizavam 2,9 atividades sociais fora de casa, e a maioria realizava de 1 a 3 dessas atividades. Oitenta e quatro por cento dos cuidadores relataram que o principal problema de saúde do idoso era demência do tipo Alzheimer; os demais (16,0%) informaram que eram doenças cerebrovasculares. Concomitantemente, parte dos receptores de cuidados tinham doenças cardiovasculares (12,0%), diabetes mellitus (10,0%), doença de Parkinson (4,0%), artrose ou reumatismo (2,0%) ou imobilidade (2,0%). A maioria dos receptores de cuidados pontuou no nível intermediário da escala de Pfeffer, 32,0% no terço superior e 22,0% no terço inferior da distribuição. A distribuição das pontuações na CDR seguiu tendência similar: 22,0% pontuaram para demência questionável ou leve e 78,0% para demência moderada a grave. A maioria dos cuidadores obteve pontuação moderada (33-56) ou grave (≥ 57) na escala de sobrecarga. As escalas de independência funcional2323 Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol [Internet]. 1982 [acesso em 16 out. 2015];37(3):323-9. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323
http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323...

24 Sanchez MAS, Correa PCR, Lourenço RA. Cross-cultural adaptation of the “Functional Activities Questionnaire - FAQ” for use in Brazil. Dement Neuropsychol [Internet]. 2011 [acesso em 16 out. 2015];5(4):322-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN05040010
http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN0...
-2525 Dutra MC, Ribeiro RS, Pinheiro SB, Melo GF, Carvalho GA. Acurácia e confiabilidade do questionário de Pfeffer para a população idosa brasileira. Dement Neuropsychol [Internet]. 2015 [acesso em 19 nov. 2015];9(2):176-83. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92000012
http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92...
, de estadiamento da demência2626 Morris JC. The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology [Internet]. 1993 [acesso em 16 out. 2015];43(11):2412-4. Disponível em: http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a...
,2727 Montaño MBM, Ramos LR. Validade da versão em português da Clinical Dementia Rating. Rev Saúde Pública [Internet]. 2005 [acesso em 16 set 2015];39(6):912-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600007
http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000...
e de sobrecarga percebida2828 Zarit SH, Reever KE, Bach-Peterson J. Relatives of the impaired elderly: correlates of feelings of burden. Gerontologist [Internet]. 1980 [acesso em 15 out. 2015];20(6):649-55. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649
http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649...
,2929 Scazufca M. Versão brasileira da escala Burden interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de indivíduos com doenças mentais. Rev Bras Psiquiatr [Internet]. 2002 [acesso em 15 out. 2015];24(1):12-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000...
mostraram alta confiabilidade interna, indicadas por alfas (Cronbach) de 0,935, 0,947 e 0,872, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização do contexto do cuidado. Fortaleza, CE, 2017.

Os cuidadores relataram que ocupavam, em média, 11,02 horas do dia prestando cuidados diretos ao idoso, 8,86 horas em atividades discricionárias, 6,16 horas em atividades obrigatórias de sua própria vida, tais como cuidados à casa; 7,48 horas, em média, eram dedicadas ao descanso ou a atividades de recuperação. Ou seja, os cuidadores despendiam de 45,92% do seu tempo diário em atividades de cuidado aos idosos, 36,92% em atividades discricionárias, 25,67% em atividades obrigatórias da sua própria vida e 31,17% em atividades de recuperação. Os dados evidenciam simultaneidade na realização das atividades. Os cuidadores usavam mais tempo no cuidado direto ao idoso e em atividades obrigatórias da vida do cuidador nos períodos da manhã e da tarde. As atividades discricionárias eram realizadas principalmente à noite. Nas madrugadas, os cuidadores passavam a maior parte do tempo se recuperando. Pequena parte do tempo das manhãs e das tardes era dedicada ao descanso. Tanto no total de horas de cuidado ao longo de um dia quanto no tempo diário proporcionalmente reservado aos vários tipos de atividades, as que alcançaram valores mais altos foram as de cuidados ao idoso e as discricionárias. Na Tabela 3, apresentam-se os resultados das comparações entre os valores do tempo diário dedicados às diferentes classes de atividades. Foi adotado procedimento de penalização estatística (correção de Bonferroni) para o teste de Wilcoxon, com o intuito de diminuir a chance de ocorrência de diferenças significativas ao acaso.

Tabela 3
Agenda de tempo diário dedicado ao desempenho de atividades obrigatórias, discricionárias e de recuperação, por cuidadores familiares de idosos com dependências físicas e cognitivas. Fortaleza, CE, 2017.

Foram comparadas as durações das atividades, considerando as características dos cuidadores, as condições do contexto do cuidado e as características dos idosos receptores de cuidados. As mulheres, os cuidadores que não trabalhavam e os que não contavam com ajuda remunerada cuidavam por mais horas no período da manhã do que os cuidadores homens e do que os cuidadores que trabalhavam. Os cuidadores de idosos que não eram nem cônjuges e nem filhos passavam mais tempo em atividades discricionárias do que os que cuidavam dos pais ou do cônjuge. Os cuidadores de progenitores relataram despender mais tempo do que os cuidadores de cônjuges e de outros parentes em atividades obrigatórias de sua própria vida. Os cuidadores de progenitores passavam mais tempo provendo cuidados do que os que cuidavam de cônjuges ou outros parentes. No período da tarde, os que cuidavam dos progenitores e os que eram responsáveis por idosos com mais incapacidade física e cognitiva cuidavam por um tempo significativamente maior do que os que cuidavam do cônjuge ou de outros parentes e os que cuidavam de idosos mais independentes. Os cuidadores com menor sobrecarga percebida passavam mais tempo descansando do que seus iguais com maior sobrecarga (Tabela 4).

Tabela 4
Agendas diárias de uso do tempo conforme características dos cuidadores, condições do contexto do cuidado e características dos idosos receptores de cuidado. Fortaleza, CE, 2017.

Embora os indicadores de correlação não tenham sido elevados, observou-se que quanto mais alta a pontuação em sobrecarga dos cuidadores e quanto mais altos os escores dos idosos receptores de cuidados nas escalas Pfeffer e CDR, maior o tempo despendido pelos cuidadores em atividades de cuidado direto aos idosos. Não foram observadas outras correlações estatisticamente significativas (Tabela 5).

Tabela 5
Correlações entre os valores de uso do tempo, sobrecarga dos cuidadores e funcionalidade física e cognitiva dos receptores de cuidados. Fortaleza, CE, 2017.

DISCUSSÃO

Este estudo investigou relações entre uso do tempo por cuidadores familiares de idosos com demência, considerando um conjunto de circunstâncias sob as quais ocorre o cuidado. Os cuidadores eram principalmente mulheres, que residiam e cuidavam de progenitores e cônjuges com dependência física e cognitiva de moderada a grave. Relataram que a maior parte do seu tempo diário era gasto em atividades obrigatórias de cuidados aos idosos e em atividades de cuidados com a família, a casa e consigo mesmos, principalmente, no período da manhã. Em seguida vinham as atividades discricionárias, realizadas primariamente à noite e, por último, as atividades de recuperação, que ocorriam principalmente de madrugada. Pela manhã e à tarde, os cuidadores dedicavam significativamente mais horas ao cuidado do idoso do que às atividades discricionárias e às atividades obrigatórias voltadas à sua casa, à sua família e ao autocuidado. Nas madrugadas, foi despendido significativamente mais tempo em atividades de recuperação e de cuidado ao idoso do que em atividades obrigatórias da vida do cuidador e em atividades de autocuidado. Quanto maior a dependência dos alvos de cuidados, maior o tempo dedicado ao cuidado e maior a sobrecarga percebida dos cuidadores.

Por força de determinismos culturais e históricos que emparelham a amostra deste estudo com as de outros trabalhos realizados no Brasil e no exterior, a amostra era essencialmente feminina, com 50 anos ou mais, composta por filhas e cônjuges dos alvos de cuidados, com os quais residiam e dos quais eram os principais cuidadores55 Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Fatores associados à satisfação com a vida em idosos cuidadores e não cuidadores. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017],19(8):3429-40. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1413-81232014198.13952013
http://doi.org/10.1590/1413-81232014198....
,66 Bednarek A, Mojs E, Krawczyk-Wasielewska A, Głodowska K, Samborski W, Lisiński P, et al. Correlation between depression and burden observed in informal caregivers of people suffering from dementia with time spent on caregiving and dementia severity. Eur Rev Med Pharmacol Sci [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];20(1):59-63. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813454
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2681...
,3030 Custodio N, Wheelock A, Thumala D, Slachevsky A. Dementia in Latin America: Epidemiological evidence and implications for public policy. Front Aging Neurosc [Internet]. 2017 [acesso em 22 set. 2017];9:1-20. Disponível em: http://doi.org/10.3389/fnagi.2017.00221
http://doi.org/10.3389/fnagi.2017.00221...
. Mesmo em países com maior tradição de cuidados formais aos idosos do que o Brasil, os cuidadores familiares são os principais responsáveis pelo cuidado diário e pela supervisão de idosos com demências1313 Carvalho EB, Neri AL. Uso do tempo por cuidadores familiares de idosos com demência: revisão integrativa. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [acesso em 11 jun. 2018];71(Suppl 2):893-904. Disponível em: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0268
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-02...
. Replicando uma característica de coorte, que não necessariamente se repete em outros países, a maioria não exercia trabalho remunerado3131 Leite BS, Camacho ACLF, Joaquim FL, Gurgel JL, Lima TR, Queiroz RS. A vulnerabilidade dos cuidadores de idosos com demência: estudo descritivo transversal. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [acesso em 11 jun. 2018];70(4):714-20. Disponível em: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0579
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-05...
. Espelhando a influência dos locais onde os idosos foram recrutados, o nível de escolaridade da amostra era mais alto do que o da população geral da mesma idade, hoje, no Brasil e em Fortaleza, estado do Ceará3232 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua 2016: 51% da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino fundamental completo. Agência de Notícias do IBGE [Internet]. 21 dez. 2017 [acesso em 11 jun. 2018]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
.

Foi observada maior dedicação de tempo ao cuidado de progenitores do que de cônjuges, provavelmente porque os progenitores eram mais velhos e, consequentemente, tinham a saúde física e mental mais comprometida do que os parceiros conjugais. Em sua maioria, os alvos de cuidados apresentavam demência moderada a grave e nível intermediário de dependência funcional. Os dados replicam os de Hajek et al.1111 Hajek A, Brettschneider C, Ernst A, Posselt T, Wiese B, Prokein J, et al. Longitudinal predictors of informal and formal caregiving time in community-dwelling dementia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];51(4):607-16. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7
http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7...
e Haro et al.2121 Haro JM, Kahle-Wrobleski K, Bruno G, Belger M, Dell’Agnello G, Dodel R, et al. Analysis of burden in caregivers of people with Alzheimer’s disease using self-report and supervision hours. J Nutr Health Aging [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];18(7):677-84. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0.
http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0...
, em que o tempo de prestação de cuidados pelo cuidador informal aumenta proporcionalmente com o aumento da gravidade da demência. Os autores afirmam que o tempo de cuidado pode variar em função das necessidades do receptor de cuidados, do estágio da doença e das circunstâncias do cuidador e da sobrecarga. Consideram, também, que todas as categorias de tempo de cuidado informal relacionados à assistência em ABVD, AIVD e supervisão relacionam-se com a gravidade da demência, bem como com o tempo total de cuidados.

As atividades discricionárias, que envolvem principalmente o lazer e a sociabilidade são as primeiras a serem perdidas para a dedicação mais integral ao cuidado, gerando senso de perda de liberdade de privacidade no cuidador familiar. Schüz et al.1818 Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];7(2):230-48. Disponível em: http://doi.org/10.1111/aphw.12046
http://doi.org/10.1111/aphw.12046...
observaram que cuidadores que percebiam restrição nas atividades de lazer sofriam mais os efeitos do estresse e do ônus do cuidado sobre sua saúde mental. Observaram relações entre estresse e sobrecarga, com repercussões sobre sintomas depressivos e de ansiedade, e menor satisfação com a vida, as quais podem ser atenuadas por meio da participação em atividades sociais em grupos. Os cuidadores informais de idosos com demência podem se beneficiar de atividades de lazer, em especial de atividades sociais e de grupos de autoajuda.

Considerando que a maioria dos cuidadores era formada por pessoas com nível socioeconômico relativamente elevado para os padrões da cidade e, principalmente, considerando a cultura local, foi excessivamente reduzido o número de cuidadores que relatou contar com a ajuda de uma empregada doméstica para a prestação de cuidados. Embora não contratados para cuidar, o que terá ensejado a resposta negativa, na prática essas pessoas realizam tarefas de cuidado como uma extensão ou como uma decorrência natural de suas funções. A provável falta de capacitação desses profissionais, em geral mulheres de baixa renda e baixa escolaridade, aliada à escassez de serviços de suporte formal, ratifica a cultura do aproveitamento dos serviçais domésticos em atividades de cuidado99 Camarano AA, Kanso K. Como as famílias brasileiras estão lidando com os idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras?: a visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano AA, editora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 93-112. e contribui para postergar o tratamento justo e consequente da questão da profissionalização do cuidado a idosos no contexto familiar.

Os dados do presente estudo replicam outros da literatura sobre a sobrecarga subjetiva e objetiva associada ao tempo destinado ao cuidado de familiares com demência, considerando as características sociodemográficas, o contexto do cuidado e o número de horas gastas em prestação de cuidados. A maioria dos cuidadores era formada por mulheres que cuidavam de idosos com dependência física e cognitiva, por mulheres e homens que gastavam mais horas em cuidar do que no cuidado de si próprios, e por pessoas que careciam de mais tempo de descanso e de tempo dedicado a si mesmos44 Oldenkamp M, Hagedoorn M, Slaets J, Stolk R, Wittek R, Smidt N. Subjective burden among spousal and adult-child informal caregivers of older adults: results from a longitudinal cohort study. BMC Geriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];16:1-22. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y
http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y...
,1515 Vaingankar JA, Chong SA, Abdin E, Picco L, Jeyagurunathan A, Zhang Y, et al. Care participation and burden among informal caregivers of older adults with care needs and associations with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];28(2):221-31. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
http://doi.org/10.1017/S104161021500160X...
,1919 Hughes TB, Black BS, Albert M, Gitlin LN, Johnson DM, Lyketsos CG, et al. Correlates of objective and subjective measures of caregiver burden among dementia caregivers: Influence of unmet patient and caregiver dementia-related care needs. Int Psychogeriatr [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];26(11):1875-83. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610214001240
http://doi.org/10.1017/S1041610214001240...
,3333 Shahly V, Chatterji S, Gruber MJ, Al-Hamzawi A, Alonso J, Andrade LH, et al. Cross-national differences in the prevalence and correlates of burden among older family caregivers in the World Health Organization World Mental Health (WMH) Surveys. Psychol Med [Internet]. 2013 [acesso em 22 set. 2017];43(4):865-79. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S0033291712001468
http://doi.org/10.1017/S0033291712001468...
. O tempo dedicado ao cuidado de um idoso com demência se desdobra em um cotidiano dividido por múltiplas tarefas e papéis, que absorvem o tempo do cuidador e que tendem a gerar insatisfação e sobrecarga. Pereira e Soares3434 Pereira LSM, Soares SM. Fatores que influenciam a qualidade de vida do cuidador familiar do idoso com demência. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];20(12):3839-51. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1413-812320152012.15632014
http://doi.org/10.1590/1413-812320152012...
observaram alta prevalência de depressão e de má qualidade do sono em cuidadores de pacientes idosos com diagnóstico de doenças de Alzheimer e Parkinson.

Comparando-se o tempo diário gasto nas atividades realizadas nos quatro períodos do dia, verifica-se que os cuidadores investiam tempo, em primeiro lugar, em atividades de cuidado e, em segundo lugar, em atividades discricionárias em parte realizadas ao mesmo tempo que as tarefas de cuidados ao idoso e de cuidados ao lar. Ainda assim, as atividades discricionárias foram significativamente mais frequentes do que as atividades de cuidado doméstico e de autocuidado e do que as atividades de recuperação. Existe sobreposição entre tarefas de cuidado aos idosos, de tarefas domésticas e pessoais do cuidador, de tarefas de supervisão e de tarefas realizadas concorrentemente por outros familiares e por cuidadores profissionais. A falta de precisão dos dados a esse respeito pode camuflar informações sobre sobrecarga objetiva e subjetiva e sobre as necessidades não atendidas dos cuidadores familiares de idosos com demência.

De acordo com as pesquisas de Wimo et al.1414 Wimo A, Jonsson L, Zbrozek A. The Resource Utilization in Dementia (RUD) instrument is valid for assessing informal care time in community-living patients with dementia. J Nutr Health Aging [Internet]. 2010 [acesso em 22 set. 2017];14(8):685-90. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2
http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2...
, Novelli et al.3535 Novelli MMPC, Nitrini R, Caramelli P. Cuidadores de idosos com demência: perfil sociodemográfico e impacto diário. Rev Ter Ocup [Internet]. 2010 [acesso em 22 set. 2017];21(2):139-47. Disponível em: http://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i2p139-147
http://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v...
, Vaingankar et al.1515 Vaingankar JA, Chong SA, Abdin E, Picco L, Jeyagurunathan A, Zhang Y, et al. Care participation and burden among informal caregivers of older adults with care needs and associations with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];28(2):221-31. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
http://doi.org/10.1017/S104161021500160X...
e Bauab e Emmel2222 Bauab JP, Emmel MLG. Mudanças no cotidiano de cuidadores de idosos em processo demencial. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];17(2):339-52. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000200011
http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000...
, o tempo obrigatório de cuidado prevalece sobre o tempo gasto em outras atividades, inclusive em prejuízo do autocuidado e das atividades discricionárias. É como se os cuidadores fossem oprimidos pelo papel de cuidador, tornando-se reféns da sua dedicação. Em face disto, a questão a ser respondida é se as sociedades continuarão a responsabilizar exclusivamente a família pelo cuidado aos idosos com dependência física e cognitiva. Se por um lado temos o cuidador que tem a grata possibilidade de cuidar dos seus idosos e, ao fazê-lo, realiza uma tarefa evolutiva de alto valor moral e ético, por outro, o cuidador torna-se uma vítima silenciosa da prestação de cuidados.

Não foi possível mensurar o tempo de tarefas concorrentes, nem tampouco o tempo das empregadas domésticas e dos serviços formais, o que terá provavelmente causado uma superestimativa das horas dedicadas ao cuidado. Esse problema foi focalizado por Neubauer et al.88 Neubauer S, Holle R, Menn P, Grossfeld-Schmitz M, Graesel E. Measurement of informal care time in a study of patients with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2008 [acesso em 05 fev. 2017];20(6):1160-76. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610208007564
http://doi.org/10.1017/S1041610208007564...
, que calculou em 14% a distorção acarretada pela desconsideração da ação de outros cuidadores no cenário doméstico. Embora não existam dados quantitativos a respeito, no Brasil, a atuação de empregadas domésticas no cuidado a idosos dependentes tende a ser vista como parte dos afazeres domésticos99 Camarano AA, Kanso K. Como as famílias brasileiras estão lidando com os idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras?: a visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano AA, editora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 93-112..

Os resultados não são propriamente novos e nem surpreendentes. É compreensível que quanto mais alto o nível de dependência do alvo do cuidado, maior a dedicação de horas ao seu cuidado e maior a sobrecarga dos cuidadores. As principais limitações do estudo realizado são: ausência de maior variabilidade dos níveis de dependência física e cognitiva dos receptores de cuidado; falta de quantificação e qualificação da ajuda obtida de empregadas domésticas e de outras fontes de apoio; não quantificação do tempo diário e semanal dedicado a trabalho remunerado e ausência de registro sobre o tipo de ocupação exercida pelos cuidadores.

Deve ser valorizado o fato de esta investigação ser a primeira pesquisa realizada no Brasil a oferecer dados que promovem a compreensão de como os cuidadores familiares de idosos com demência usam seu tempo e sobre como este uso covaria não somente com o grau de dependência física e cognitiva dos receptores de cuidados, como também com as características dos cuidadores e das famílias, e com as normas sociais de sexo e de idade vigentes em um dado momento histórico. Merece realce, igualmente, a abertura de uma nova e objetiva perspectiva para a consideração de critérios de contratação e de remuneração de cuidadores profissionais domiciliares de idosos, um tema cuja consideração já tarda em muito, considerando a realidade do envelhecimento no país.

CONCLUSÃO

Este estudo mostrou que quanto maior a dependência física e cognitiva de idosos receptores de cuidado, maior o tempo diário dedicado ao cuidado, menor o tempo que o cuidador familiar dedica a si e à sua família e maior o seu senso de sobrecarga associada à prestação de cuidados. O conhecimento produzido poderá auxiliar os profissionais que trabalham com a população idosa a ampliar o foco das intervenções educacionais e de apoio psicossocial a cuidadores informais de idosos para além da ênfase no estresse dos cuidadores e na necessidade de oferecer-lhes continência afetiva. A nova perspectiva que deriva dos dados relatados inclui a realização de intervenções com foco no desenvolvimento de habilidades de planejamento e organização do tempo diário dedicado ao cuidado do idoso; a introdução de atividades discricionárias suficientes para atender aos interesses dos cuidadores e a inclusão de atividades de lazer e descanso e de atividades de ligadas à vida da família e do cuidador. Inclui motivar e treinar os cuidadores a delegar tarefas, a obter e aceitar ajuda informal e formal e a acionar mecanismos formais de ajuda. São aspectos sensíveis do cenário atual do cuidado familiar a idosos, cada vez mais importantes nos anos vindouros, quando o número de idosos com demências crescerá de forma acentuada, em virtude do aumento da longevidade da população. Cuidar das circunstâncias do cuidado, entre elas o tempo dedicado às tarefas de apoio a um idoso com dependências físicas e cognitivas, poderá propiciar melhora do bem-estar físico e psicológico dos cuidadores familiares, beneficiando não somente a eles, mas também aos que recebem seus cuidados.

REFERENCES

  • 1
    Moss MS, Lawton MP, Kleban MH, Duhamel L. Time use of caregivers of impaired elders before and after institutionalization. J Gerontol [Internet]. 1993 [acesso em 22 set. 2015];48(3):102-11. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482826
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8482826
  • 2
    Moss MS, Lawton MP. Time budgets of older people: a window on four life styles. J Gerontol [Internet]. 1982 [acesso em 22 set. 2015];37(1):115-23. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geronj/37.1.115
    » http://doi.org/10.1093/geronj/37.1.115
  • 3
    Van den Berg B, Spauwen P. Measurement of informal care: an empirical study into the valid measurement of time spent on informal caregiving. Health Econ [Internet]. 2006 [acesso em 01 maio 2017];15(5):447-60. Disponível em: http://doi.org/10.1002/hec.1075
    » http://doi.org/10.1002/hec.1075
  • 4
    Oldenkamp M, Hagedoorn M, Slaets J, Stolk R, Wittek R, Smidt N. Subjective burden among spousal and adult-child informal caregivers of older adults: results from a longitudinal cohort study. BMC Geriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];16:1-22. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y
    » http://doi.org/10.1186/s12877-016-0387-y
  • 5
    Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Fatores associados à satisfação com a vida em idosos cuidadores e não cuidadores. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017],19(8):3429-40. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1413-81232014198.13952013
    » http://doi.org/10.1590/1413-81232014198.13952013
  • 6
    Bednarek A, Mojs E, Krawczyk-Wasielewska A, Głodowska K, Samborski W, Lisiński P, et al. Correlation between depression and burden observed in informal caregivers of people suffering from dementia with time spent on caregiving and dementia severity. Eur Rev Med Pharmacol Sci [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];20(1):59-63. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813454
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813454
  • 7
    Farina N, Page TE, Daley S, Brown A, Bowling A, Basset T, et al. Factors associated with the quality of life of family carers of people with dementia: A systematic review. Alzheimers Dememt [Internet]. 2017 [acesso em 22 set. 2017];13(5):572-81. Disponível em: http://doi.org/10.1016/j.jalz.2016.12.010
    » http://doi.org/10.1016/j.jalz.2016.12.010
  • 8
    Neubauer S, Holle R, Menn P, Grossfeld-Schmitz M, Graesel E. Measurement of informal care time in a study of patients with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2008 [acesso em 05 fev. 2017];20(6):1160-76. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610208007564
    » http://doi.org/10.1017/S1041610208007564
  • 9
    Camarano AA, Kanso K. Como as famílias brasileiras estão lidando com os idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras?: a visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano AA, editora. Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido? Rio de Janeiro: IPEA; 2010. p. 93-112.
  • 10
    Taylor DH Jr, Kuchibhatla M, Østbye T. Trajectories of caregiving time provided by wives to their husbands with dementia. Alzheimer Dis Assoc Disord [Internet]. 2008 [acesso em 05 fev. 2017];22(2):131-6. Disponível em: http://doi.org/10.1097/WAD.0b013e31815bebba
    » http://doi.org/10.1097/WAD.0b013e31815bebba
  • 11
    Hajek A, Brettschneider C, Ernst A, Posselt T, Wiese B, Prokein J, et al. Longitudinal predictors of informal and formal caregiving time in community-dwelling dementia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];51(4):607-16. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7
    » http://doi.org/10.1007/s00127-015-1138-7
  • 12
    Alzheimer’s Disease International. World Alzheimer Report: the global impact of dementia: an analysis of prevalence, incidence, cost and trends [Internet]. London: ADI; 2015 [acesso em 19 nov. 2015]. Disponível em: http://www.alz.co.uk/research/world-report-2015
    » http://www.alz.co.uk/research/world-report-2015
  • 13
    Carvalho EB, Neri AL. Uso do tempo por cuidadores familiares de idosos com demência: revisão integrativa. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [acesso em 11 jun. 2018];71(Suppl 2):893-904. Disponível em: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0268
    » http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0268
  • 14
    Wimo A, Jonsson L, Zbrozek A. The Resource Utilization in Dementia (RUD) instrument is valid for assessing informal care time in community-living patients with dementia. J Nutr Health Aging [Internet]. 2010 [acesso em 22 set. 2017];14(8):685-90. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2
    » http://doi.org/10.1007/s12603-010-0316-2
  • 15
    Vaingankar JA, Chong SA, Abdin E, Picco L, Jeyagurunathan A, Zhang Y, et al. Care participation and burden among informal caregivers of older adults with care needs and associations with dementia. Int Psychogeriatr [Internet]. 2016 [acesso em 22 set. 2017];28(2):221-31. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
    » http://doi.org/10.1017/S104161021500160X
  • 16
    Feldman HH, Van Baelen B, Kavanagh SM, Torfs KE. Cognition, function, and caregiving time patterns in patients with mild-to-moderate Alzheimer disease: a 12-month analysis. Alzheimer Dis Assoc Disord [Internet]. 2005 [acesso em 22 set. 2017];19(1):29-36. Disponível em: http://doi.org/10.1097/01.wad.0000157065.43282.bc
    » http://doi.org/10.1097/01.wad.0000157065.43282.bc
  • 17
    Stevens AB, Coon D, Wisniewski S, Vance D, Arguelles S, Belle S, et al. Measurement of leisure time satisfaction in family caregivers. Aging Ment Health [Internet]. 2004 [acesso em 22 set. 2017];8(5):450-9. Disponível em: http://doi.org/10.1080/13607860410001709737
    » http://doi.org/10.1080/13607860410001709737
  • 18
    Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];7(2):230-48. Disponível em: http://doi.org/10.1111/aphw.12046
    » http://doi.org/10.1111/aphw.12046
  • 19
    Hughes TB, Black BS, Albert M, Gitlin LN, Johnson DM, Lyketsos CG, et al. Correlates of objective and subjective measures of caregiver burden among dementia caregivers: Influence of unmet patient and caregiver dementia-related care needs. Int Psychogeriatr [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];26(11):1875-83. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S1041610214001240
    » http://doi.org/10.1017/S1041610214001240
  • 20
    Kraijo H, Van Exel J, Brouwer W. The perseverance time of informal carers for people with dementia: results of a two-year longitudinal follow-up study. BMC Nurs [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];14:56. Disponível em: http://doi.org/10.1186/s12912-015-0107-5
    » http://doi.org/10.1186/s12912-015-0107-5
  • 21
    Haro JM, Kahle-Wrobleski K, Bruno G, Belger M, Dell’Agnello G, Dodel R, et al. Analysis of burden in caregivers of people with Alzheimer’s disease using self-report and supervision hours. J Nutr Health Aging [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];18(7):677-84. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0
    » http://doi.org/10.1007/s12603-014-0036-0
  • 22
    Bauab JP, Emmel MLG. Mudanças no cotidiano de cuidadores de idosos em processo demencial. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2014 [acesso em 22 set. 2017];17(2):339-52. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000200011
    » http://doi.org/10.1590/S1809-98232014000200011
  • 23
    Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol [Internet]. 1982 [acesso em 16 out. 2015];37(3):323-9. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323
    » http://doi.org/10.1093/geronj/37.3.323
  • 24
    Sanchez MAS, Correa PCR, Lourenço RA. Cross-cultural adaptation of the “Functional Activities Questionnaire - FAQ” for use in Brazil. Dement Neuropsychol [Internet]. 2011 [acesso em 16 out. 2015];5(4):322-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN05040010
    » http://doi.org/10.1590/S1980-57642011DN05040010
  • 25
    Dutra MC, Ribeiro RS, Pinheiro SB, Melo GF, Carvalho GA. Acurácia e confiabilidade do questionário de Pfeffer para a população idosa brasileira. Dement Neuropsychol [Internet]. 2015 [acesso em 19 nov. 2015];9(2):176-83. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92000012
    » http://doi.org/10.1590/1980-57642015DN92000012
  • 26
    Morris JC. The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology [Internet]. 1993 [acesso em 16 out. 2015];43(11):2412-4. Disponível em: http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
    » http://doi.org/10.1212/WNL.43.11.2412-a
  • 27
    Montaño MBM, Ramos LR. Validade da versão em português da Clinical Dementia Rating. Rev Saúde Pública [Internet]. 2005 [acesso em 16 set 2015];39(6):912-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600007
    » http://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600007
  • 28
    Zarit SH, Reever KE, Bach-Peterson J. Relatives of the impaired elderly: correlates of feelings of burden. Gerontologist [Internet]. 1980 [acesso em 15 out. 2015];20(6):649-55. Disponível em: http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649
    » http://doi.org/10.1093/geront/20.6.649
  • 29
    Scazufca M. Versão brasileira da escala Burden interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de indivíduos com doenças mentais. Rev Bras Psiquiatr [Internet]. 2002 [acesso em 15 out. 2015];24(1):12-7. Disponível em: http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
    » http://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
  • 30
    Custodio N, Wheelock A, Thumala D, Slachevsky A. Dementia in Latin America: Epidemiological evidence and implications for public policy. Front Aging Neurosc [Internet]. 2017 [acesso em 22 set. 2017];9:1-20. Disponível em: http://doi.org/10.3389/fnagi.2017.00221
    » http://doi.org/10.3389/fnagi.2017.00221
  • 31
    Leite BS, Camacho ACLF, Joaquim FL, Gurgel JL, Lima TR, Queiroz RS. A vulnerabilidade dos cuidadores de idosos com demência: estudo descritivo transversal. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [acesso em 11 jun. 2018];70(4):714-20. Disponível em: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0579
    » http://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0579
  • 32
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua 2016: 51% da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino fundamental completo. Agência de Notícias do IBGE [Internet]. 21 dez. 2017 [acesso em 11 jun. 2018]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo
    » https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo
  • 33
    Shahly V, Chatterji S, Gruber MJ, Al-Hamzawi A, Alonso J, Andrade LH, et al. Cross-national differences in the prevalence and correlates of burden among older family caregivers in the World Health Organization World Mental Health (WMH) Surveys. Psychol Med [Internet]. 2013 [acesso em 22 set. 2017];43(4):865-79. Disponível em: http://doi.org/10.1017/S0033291712001468
    » http://doi.org/10.1017/S0033291712001468
  • 34
    Pereira LSM, Soares SM. Fatores que influenciam a qualidade de vida do cuidador familiar do idoso com demência. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2015 [acesso em 22 set. 2017];20(12):3839-51. Disponível em: http://doi.org/10.1590/1413-812320152012.15632014
    » http://doi.org/10.1590/1413-812320152012.15632014
  • 35
    Novelli MMPC, Nitrini R, Caramelli P. Cuidadores de idosos com demência: perfil sociodemográfico e impacto diário. Rev Ter Ocup [Internet]. 2010 [acesso em 22 set. 2017];21(2):139-47. Disponível em: http://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i2p139-147
    » http://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i2p139-147
  • Financiamento:

    Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), por meio de bolsa de doutorado (processo nº 01P-3489/2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2018
  • Aceito
    15 Abr 2019
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com