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A importância do professor Américo Piquet Carneiro para a saúde no Brasil

No início de setembro deste ano de 2019, completará 110 anos do nascimento de Américo Piquet Carneiro, um cearense que veio para o Rio de Janeiro aos cinco anos de idade, concluiu sua graduação em medicina em 1934 na Faculdade Nacional de Medicina e conduziu sua trajetória de médico, professor e fabricante de sonhos tão crescentemente coletivos que, quase todos, tornaram-se realidades. Quem teve o privilégio de conviver com o Professor Piquet - como era carinhosamente chamado por todos -, especialmente nos últimos anos de sua vida, haverá de recordar seus derradeiros sonhos: a implantação do Núcleo de Atenção ao Idoso no âmbito do Hospital Universitário Pedro Ernesto e a estruturação da Universidade Aberta da Terceira Idade (UNATI), no âmbito de sua querida UERJ. Em relação ao NAI, embrião da UNATI, todos os que conhecem os Hospitais de Ensino das universidades públicas, quase sempre mergulhados em crises, sabem como é difícil conquistar um espaço físico para implantar um serviço novo, mais difícil seria alocar pessoal que, no caso, complicava mais ainda pelo pioneirismo multiprofissional e interdisciplinar que o projeto propunha. E todo esse processo liderado por um professor aposentado há mais de dez anos, já com mais de 80 anos de idade, cujo bordão de convencimento era “o que irá acontecer no ano 2025 no Brasil, quando este terá a sexta população mundial de idosos, ultrapassando os 30 milhões”. Mesmo na condição de “Professor Emérito”, o que para muitos constitui apenas mais um título honorifico de reconhecimento da universidade que o aposentou, para o Professor Piquet essa condição era apenas um passaporte para fabricar mais sonhos...e fabricou!... O Núcleo de Atenção ao Idoso nasceu!... Nasceu como uma frágil plantinha entre árvores frondosas, agregando emoções e corações, regadapela esperança de jovens profissionais e as expectativas de idosos que ensinaram a esses jovens, a cada dia, como a vida é encontro! Em seguida, expandir esse sonho para a Universidade, com o Projeto da UNATI, um salto mais complexo, espaços talvez mais fáceis, talvez não! A idade mais avançada, o vigor mais reduzido, entretanto, a coragem e a fé, mantidas! Américo Piquet Carneiro não viu a UNATI ser inaugurada, faleceu alguns meses antes, mas os ingredientes e arranjos para sua implantação estavam todos devidamente selecionados e orquestrados por ele.

Como ele conseguia isso?!... Como conseguiu a transferência do Hospital Pedro Ernesto - que seria a “cereja do bolo” da rede hospitalar de uma Secretaria de Saúde do recém-criado Estado da Guanabara - para uma jovem Universidade que estava mudando de nome pela terceira vez? Como ele conseguiu a construção, para a transferência das cadeiras básicas, do prédio que hoje leva seu nome, garantindo também fisicamente o vínculo com o Hospital? Como ele idealizou e implantou um Ambulatório de Medicina Integral em uma época em que a tônica era a especialização precoce? Como ele conseguiu fazer a travessia, com muita dor, mas sem perder a serenidade, durante um dos momentos mais tristes da Faculdade que dirigia, que foi o da morte de Luiz Paulo e de ferimentos em vários outros estudantes, no dia 22 outubro de 1968? Como ele conseguiu idealizar e criar o Instituto de Medicina Social no momento mais sombrio do regime militar? Poderíamos continuar enumerando outros feitos como a incorporação, à então Universidade do Estado da Guanabara, da Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo, a criação do Curso de Ciências Biológicas e do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, os primeiros mestrados na área da saúde, à conquista da atual Policlínica Piquet Carneiro, o que apenas ampliaria nossa perplexidade frente a uma pessoa que conseguiu efetuar tudo isso em uma geração, sem ostentar poder, sem explicitamente mobilizar políticos, sem cobrar de ex-alunos e pacientes que ocupavam cargos, sem elevar a voz, sem jamais demonstrar mágoas ou ressentimentos ante às dificuldades que se apresentavam, que não foram poucas?!... Dada a diversidade e multiplicidade das ações, é quase impossível uma resposta direta. Talvez possamos pensar em algumas hipóteses baseadas em seu modo de se apresentar no mundo. Primeiro, os livros! A grande maioria dos que conviveram com ele comenta que ele quase sempre andava com livros, e frequentemente distribuía livros como um agricultor lança sementes ao solo, sem indagar se nascerão ou não!... Em segundo lugar, o conhecimento! Sua quase obsessão pela necessidade de se buscar novos conhecimentos, desde uma época em que Imunologia ainda era um mero apêndice da Microbiologia em livro-texto, propondo inclusive a sanitaristas o necessário conhecimento de imunologia, assim como, oncologistas e geriatras estudassem mais os processos inflamatórios, além de sua insistência sobre um melhor conhecimento da estrutura do tecido conjuntivo. E, por último, a ação! Ação que foi uma constante em sua vida, um agir silencioso e paciente, com objetivos francos e transparentes, ação cuja característica essencial era empoderar as pessoas, do mais graduado epígono ao mais humilde funcionário, da mais midiática autoridade ao mais anônimo servidor, todos pareciam ficar com a mesma sensação de pertencimento, fazendo parte de uma rede onde todos detinham a mesma importância e o mesmo poder para alcançar um objetivo que passava a ser de cada um e de todos. Mas, como ele conseguia fazer com que leitura, conhecimento e ação se tornassem uma equação tão eficaz? Talvez, pela capacidade de diálogo que se expressava por uma atitude sempre bondosa de se dirigir às pessoas, de ouvi-las com atenção, talvez pela capacidade de se entregar a uma causa, do dom de si mesmo, talvez pela fé que ia muito além da religiosa - que ele trazia consigo também - fé que tinha nas pessoas, no sentimento de que todas têm no fundo de seu ser, o desejo e a intenção de realizar coisas que sejam maiores que elas mesmas e que ultrapassem seu existir...

Francisco Barbosa Neto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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