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Tumor de Brenner Benigno e Maligno na mesma Paciente: Relato de Caso

Brenner´s Benign and Malignant Tumor: A Case Report

Resumos

Na grande maioria das vezes, o tumor de Brenner é pequeno, unilateral e benigno. Seu diagnóstico só pode ser confirmado após o exame anatomopatológico, que microscopicamente apresenta ninhos ou colunas de células epiteliais de transição numa matriz fibromatosa. As células epiteliais apresentam sulco longitudinal característico de "grão de café" e podem apresentar transformação carcinomatosa. É descrito o caso de paciente menopausada com sangramento vaginal, com massa abdominal palpável, submetida a tratamento cirúrgico, com diagnóstico histopatológico de tumor de Brenner bilateral, sendo maligno de um lado e benigno do outro. Atualmente está com 3 anos de sobrevida, sem sinais de recorrência da doença após tratamento cirúrgico exclusivo.

Ovário; Tumor de Brenner; Hiperplasia de endométrio


Brenner's tumor is small, unilateral and benign. Its diagnosis can only be confirmed by the anatomomicopathological examination, that on microscopy presents nests or columns of transition epithelial cells in a fibromatous matrix. The epithelial cells present a characteristic longitudinal "coffee bean" furrow and can undergo carcinomatous transformation. We present a case of a menopausal patient with vaginal bleeding, and a palpable abdominal mass. She was submitted to surgical treatment (total hysterectomy, bilateral oophorectomy and omentectomy) with the histopathological diagnosis of Brenner's bilateral tumor, being malignant on one side and benign on the other. After surgical treatment she is now alive for three years and free of disease.

Ovary; Ovary tumor; Endometrial hyperplasia


Relato de Caso

Tumor de Brenner Benigno e Maligno na mesma Paciente: Relato de Caso

Brenner´s Benign and Malignant Tumor: A Case Report

Antônio Chambô Filho, Danielle Chambô, Fabio Leal Laignier Borges, Luiz Calice Cintra, Rolney Scardini

RESUMO

Na grande maioria das vezes, o tumor de Brenner é pequeno, unilateral e benigno. Seu diagnóstico só pode ser confirmado após o exame anatomopatológico, que microscopicamente apresenta ninhos ou colunas de células epiteliais de transição numa matriz fibromatosa. As células epiteliais apresentam sulco longitudinal característico de "grão de café" e podem apresentar transformação carcinomatosa. É descrito o caso de paciente menopausada com sangramento vaginal, com massa abdominal palpável, submetida a tratamento cirúrgico, com diagnóstico histopatológico de tumor de Brenner bilateral, sendo maligno de um lado e benigno do outro. Atualmente está com 3 anos de sobrevida, sem sinais de recorrência da doença após tratamento cirúrgico exclusivo.

PALAVRAS-CHAVE: Ovário: câncer. Tumor de Brenner. Hiperplasia de endométrio.

Introdução

O primeiro caso de tumor de Brenner maligno foi publicado em 1945, por von Numers1. Em 1971, Roth et al.2,3 identificaram um tumor de Brenner proliferativo, correspondente a uma neoplasia de malignidade limítrofe.

Os tumores de Brenner são neoplasias fibroepiteliais constituídas de tecido derivado do estroma ovariano e por células epiteliais, poliédricas ou redondas, do tipo urotelial ou de transição4,5. Essas células contêm um pequeno núcleo em fenda ou em forma de "grão de café", podendo haver grupamentos dessas células e configurar estruturas denominadas nichos ou ninhos6. Os nichos epiteliais podem formar glândulas ou cistos, revestidos de células planas, cubóides ou cilíndricas; às vezes há células escamosas6.

Os tumores de Brenner representam de 2 a 3% de todos os tumores ovarianos6. A maioria destes tumores de Brenner são benignos; 2 a 5% são malignos ao passo que outros 2 a 5% apresentam histologia limitrofe6. São classificados como malignos quando além do componente benigno do tumor de Brenner, ou seja, nicho de epitélio de transição em meio ao estroma fibroso, apresentam carcinoma de células de transição1. Há transformação carcinomatosa com aparecimento de células escamosas ou de células de transição. Quando somente o componente maligno é visto, o tumor é considerado carcinoma de células transicionais de ovário, portanto mais agressivo que tumor de Brenner. Quando há associação com carcinoma mucinoso, o tumor deve ser considerado misto, dependendo da quantidade de elementos brennerianos5.

Foram relatados tumores de Brenner de outra localização. Rashid e Fox7 relataram um caso de tumor de Brenner da vagina em mulher pós-menopausada que se apresentou como pólipo vaginal que foi ressecado.

Johnson et al.8, relataram um caso de carcinoma escamoso metastático de colo uterino estádio IIB para um tumor de Brenner ovariano.

Relato do Caso

D.C.S., 60 anos, parda, menopausada há 8 anos, gesta X para X. Chegou ao Serviço de Ginecologia da Santa Casa de Misericórdia de Vitória em setembro de 1999 com queixa de sangramento vaginal. Ao exame, observava-se vagina e colo atróficos, sangramento de moderada intensidade fluindo pelo orifício externo do colo. Ao exame ginecológico, o útero estava aumentado de volume, palpável na altura da cicatriz umbilical e com contornos mal definidos.

À ultra-sonografia abdominal observou-se útero com volume de 246 cm3 e massa sólida delimitada de 936 cm3 junto à parede posterior. Os ovários não eram visualizados e o endométrio apresentava espessura de 4 mm.

Outros exames como hemograma, provas de função hepática e renal normais, assim como radiografia de tórax.

A conduta foi laparotomia exploradora, durante a qual foi feito o lavado peritoneal com coleta de líquido. Foi observada tumoração ovariana esquerda com cerca de 25 cm de diâmetro e tumoração ovariana direita com cerca de 10 cm de diâmetro. O útero apresentava tamanho e aspecto normais. Foi efetuada histerectomia total, salpingooforectomia bilateral e omentectomia (Figura 1). O diagnostico histológico foi tumor de Brenner de 6,5 cm no ovário direito e tumor de Brenner maligno de 22 cm no ovário esquerdo (Figura 2), e ausência de comprometimento neoplásico da trompa uterina e do omento. O líquido peritoneal não apresentava células neoplásicas o estadiamento patológico foi pT1.



No pós-operatório a paciente foi encaminhada ao Serviço de Oncologia Clínica, onde foi submetida à prova de função renal e hepática, radiografia de tórax e tomografia computadorizada de abdome e pelve, sem nenhum sinal de metástase. Optou-se por acompanhamento trimestral, com realização desta propedêutica no primeiro ano e semestral após segundo ano. Não foi realizada quimioterapia, devido à baixa eficácia para este tumor. A paciente encontra-se em acompanhamento há 3 anos, sem sinais de evolução da doença.

Discussão

Os tumores de Brenner são de origem fibroepitelial, e são compostos por nichos de um epitélio de transição (semelhante aos que revestem a bexiga) infiltrando um estroma fibroso denso9. Em aumento de 1000 vezes, estas células epitelióides revelam disposição em "grãos de café" causada por um sulco longitudinal dos núcleos3.

Menos freqüentemente, os nichos contêm microcistos ou espaços glandulares revestidos por células colunares que secretam mucina. Por motivos não esclarecidos, os tumores de Brenner são encontrados algumas vezes nos cistoadenomas mucinosos. Classicamente os tumores de Brenner são benignos e endocrinologicamente inertes, mas nas últimas décadas tem aumentado o número de sua versão maligna e associação com hiperplasia endometrial pós-menopausa10 e outros associados a virilização6.

As formas malignas são freqüentemente sólidas ou, ainda, císticas com áreas sólidas. Podem apresentar diferenciação escamosa nos blocos sólidos de células que infiltram o estroma. Para seu diagnostico é fundamental amostragem histológica rica para tentar identificar o componente benigno ou "borderline" do tumor de Brenner e assim concluir o diagnóstico3. Na ausência do componente de Brenner a neoplasia será considerada carcinoma de células transicionais de ovário, que junto ao adenocarcinoma pouco diferenciado são os principais diagnósticos diferenciais5.

Como são geralmente pequenos, unilaterais (bilateralidade em 10% dos casos) e benignos, não apresentam manifestações clínicas e são geralmente achados cirúrgicos inesperados. Os maiores podem pesar até 25 kg, com sintomas semelhantes aos dos grandes fibromas11. Ocorrem geralmente em mulheres na quinta e sexta década. Sua remoção é suficiente em caso de tumor de Brenner benigno, porém em casos malignos, a histerectomia com ooforectomia bilateral é preferida12.

Seria importante separação dos tumores de células transicionais em tumores de Brenner e carcinomas de células transicionais, diferenciando estes últimos da forma maligna do tumor de Brenner, diante das diferenças no comportamento biológico. Os tumores de Brenner, por sua vez, como os epiteliomas, subdividem-se em forma benigna, de baixo potencial de malignidade, e maligna13. Os carcinomas de células transicionais são morfologicamente similares aos correspondentes do trato urinário e não apresentam componente do tipo Brenner na lesão. Podem coexistir com áreas de diferenciação serosa, endometrióide ou indiferenciada, que devem ser inferiores a 50% na composição neoplásica13. O carcinoma de células transicionais, desde que se respeitem seus critérios histológicos diagnósticos, são mais sensíveis às drogas quimioterápicas usualmente utilizadas em neoplasias ovarianas12. Apresentam-se freqüentemente em estádios mais avançados do que o tumor de Brenner maligno e têm evolução clínica mais agressiva. Nestes blastomas é importante a avaliação histológica das metástases. Em neoplasias metastáticas com predomínio do componente de células transicionais a sobrevida de 5 anos livre de doença ocorre em 56% dos casos, comparando com os 7% das pacientes cujas metástases mostram outros tipos histológicos13.

Os tumores de Brenner apresentam histogênese ainda controversa, gerando várias explicações, como a de Meyer, que acredita que eles se originem do epitélio superficial dos restos de Walthard. Estas são coleções das chamadas células indiferentes, que se apresentam sob forma de placas escamosas ou de pequenos grupos de ácinos glandulares, na superfície ou logo abaixo dela no ovário, trompa ou nos ligamentos uterinos2,4,11,13.

O tumor de Brenner maligno pode se apresentar como produtor de hormônio, segundo Joh et al.9, que observaram hiperestrogenismo em mulher de 79 anos, em cujo soro e urina pré-operatórios se encontravam altos índices de estrogênios e baixo índice de hormônio luteinizante (LH) e de hormônio folículo-estimulante (FSH); histologicamente, hiperplasia endometrial atípica sugeria a presença de hiperestrogenismo. A redução em soro e urina dos níveis de estrogênio e o aumento no soro do LH e das concentrações de FSH depois da remoção do tumor com diagnóstico de tumor de Brenner confirmaram que o tumor estava sintetizando estrogênio9.

Em alguns casos é observada associação com hiperplasia pós-menopausa do endométrio e adenocarcinoma, o que reforça a necessidade de propedêutica endometrial nestes casos13.

A histerectomia total mais salpingooforectomia bilateral representa o principal tratamento dos tumores de Brenner benignos e dos malignos confinados aos ovários. Alguns estudos mostraram que a radioterapia não melhora o prognóstico, enquanto a quimioterapia não teve sucesso para este tipo histológico em estádios avançados. A sobrevida de 5 anos em pacientes com tumor de Brenner maligno é rara, sendo de 65% no estádio I e 35% no estádio II12.

ABSTRACT

Brenner's tumor is small, unilateral and benign. Its diagnosis can only be confirmed by the anatomomicopathological examination, that on microscopy presents nests or columns of transition epithelial cells in a fibromatous matrix. The epithelial cells present a characteristic longitudinal "coffee bean" furrow and can undergo carcinomatous transformation. We present a case of a menopausal patient with vaginal bleeding, and a palpable abdominal mass. She was submitted to surgical treatment (total hysterectomy, bilateral oophorectomy and omentectomy) with the histopathological diagnosis of Brenner's bilateral tumor, being malignant on one side and benign on the other. After surgical treatment she is now alive for three years and free of disease.

KEYS WORD: Ovary: Brenner´s malignant tumor. Ovary tumor. Endometrial hyperplasia.

Recebido em: 9/5/2000

Aceito com modificações em: 3/6/2002

Correspondência:

Antônio Chambô Filho

R. Constante Sodré 1027, ap.301 – Praia do Canto

29055-420 – Vitória – ES

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  • 2. Roth LM, Dalllenbach-Hellweg G, Czernobilsky B. Ovarian Brenner tumors. I. Metaplastic, proliferating, and of low malignant potential. Cancer 1985; 56:582-91.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2003
  • Data do Fascículo
    Out 2002

Histórico

  • Aceito
    03 Jun 2002
  • Recebido
    09 Maio 2000
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