Resumos
O nódulo da "Irmã Maria José" é tumor metastático que acomete a cicatriz umbilical e pode ser a primeira evidência de neoplasia intra-abdominal disseminada. Os autores relatam o caso de uma paciente com o nódulo da "Irmã Maria José" no qual o diagnóstico do tumor primário só foi possível por meio dos testes imuno-histoquímicos da lesão biopsiada da pele.
Nódulo umbilical; Nódulo da Irmã Maria José; Metástase cutânea; Ovário
The umbilical metastatic tumoral nodule, Sister Mary Joseph's nodule, is a rare clinical sign indicative of disseminated intra-abdominal tumor, and may be the first evidence of malignancy. The authors report a case of a patient with umbilical metastatic nodule in whom the diagnosis of the primary tumor was possible by immunohistochemistry of the lesion biopsy.
Umbilical metastatic tumor; Sister Mary Joseph's nodule; Ovarian neoplasms
RELATO DE CASO
Nódulo umbilical metastático (nódulo da Irmã Maria José): um sinal de alerta para tumoração maligna intra-abdominal - relato de caso
Sister Mary Joseph's nodule: a warning sign for intra-abdominal malignant tumors. A case report
Homero Soares FogaçaI; Vera Lúcia Antunes ChagasII; Yolanda Faia Manhães TolentinoI; Vinicius Costa de Medeiros RibeiroI; Lia Laura Lewes XimenesIII
IDepartamento de Medicina Interna, Serviço de Gastroenterologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
IIDepartamento de Patologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
IIIInstituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Homero Soares Fogaça Av. Francisco Alves, 196 - I. Governador 21940-260 - Rio de Janeiro - RJ E-mail: fogacas@openlink.com.br
RESUMO
O nódulo da "Irmã Maria José" é tumor metastático que acomete a cicatriz umbilical e pode ser a primeira evidência de neoplasia intra-abdominal disseminada. Os autores relatam o caso de uma paciente com o nódulo da "Irmã Maria José" no qual o diagnóstico do tumor primário só foi possível por meio dos testes imuno-histoquímicos da lesão biopsiada da pele.
Palavras-chave: Nódulo umbilical. Nódulo da Irmã Maria José. Metástase cutânea. Ovário: carcinoma.
ABSTRACT
The umbilical metastatic tumoral nodule, Sister Mary Joseph's nodule, is a rare clinical sign indicative of disseminated intra-abdominal tumor, and may be the first evidence of malignancy. The authors report a case of a patient with umbilical metastatic nodule in whom the diagnosis of the primary tumor was possible by immunohistochemistry of the lesion biopsy.
Keywords: Umbilical metastatic tumor. Sister Mary Joseph's nodule. Ovarian neoplasms.
Introdução
O primeiro relato de tumoração umbilical por câncer foi feito em 1846 por Walshe (Shetty)1 e o epônimo "Nódulo de Irmã Maria José" foi utilizado posteriormente para lesão metastática para cicatriz umbilical por Bailey2. A Irmã Maria José, assistente que trabalhava no Hospital St Mary em Rochester, Minnesota, entre 1889 e 1939, observou a relação existente entre o nódulo umbilical e a presença de tumor maligno intra-abdominal1,3-5.
O Nódulo de "Irmã Maria José", pequeno nódulo endurecido na região umbilical, podendo ser proeminente ou não, é, às vezes, o primeiro ou único sinal de neoplasia maligna1,3,5-8. Os tumores que mais freqüentemente cursam com nódulo umbilical metastático se originam no trato gastrointestinal (estômago5, cólon6,9-11, pâncreas7 e intestino delgado12), no trato gênito-urinário (ovário13, endométrio14, colo uterino15 e rim16). Mais raramente podemos encontrar metástase umbilical decorrente de linfoma17,18, e câncer de mama19 e do tumor carcinóide20. A via de disseminação pode ser hematogênica, linfática ou por contigüidade1,3,4. A avaliação histopatológica do nódulo pode ser feita por biópsia excisional ou aspiração por agulha1,3-5,13,21. A metástase cutânea para região umbilical freqüentemente está associada com rápida progressão da doença neoplásica, levando ao óbito em poucos meses, raramente com sobrevida excedendo 5 anos1,3,7,12,13. No diagnóstico diferencial deve ser excluído hérnia umbilical, infecção local com granuloma piogênico e tumor primário maligno ou benigno da região umbilical.
Relato do Caso
Mulher, 69 anos, branca, com história de há aproximadamente 6 meses ter iniciado quadro de dor abdominal mal caracterizada, localizada em hipogástrio, aumento da circunferência abdominal, constipação intestinal e perda de 6 kg no período. Há 2 meses observou o aparecimento nodulação umbilical indolor. Procurou atendimento no ambulatório de Gastroenterologia, sendo internada em 20 de março de 1999 para investigação diagnóstica.
Ao exame físico apresentava-se em mau estado geral, emagrecida, com aumento do volume abdominal. À palpação do abdome foi evidenciada volumosa massa de limites imprecisos, consistência cística, indolor, que ocupava as regiões mesogástrica, hipogástrica e flanco esquerdo. Na cicatriz umbilical havia um nódulo de aproximadamente 1,0 cm de diâmetro, com consistência elástica e de coloração acastanhada.
No mesmo dia da internação, a paciente foi submetida à ultra-sonografia de abdome total sendo evidenciado ascite e massa cística ocupando o flanco esquerdo e hipogástrio. Foi imediatamente submetida à tomografia computadorizada contrastada (contraste oral e venoso) que mostrou também ascite e uma infiltração cutânea da região umbilical (Figura 1) que tinha solução de continuidade com a massa cística na região hipogástrica, sendo o aspecto sugestivo de tumor de ovário.
A paciente foi então submetida à biópsia excisional da lesão umbilical. A macroscopia do material de biópsia media 1 cm de diâmetro, com coloração acastanhada e consistência firme-elástica. Aos cortes evidenciavam-se numerosos cistos preenchidos por substância brancacenta homogênea. Este fragmento foi submetido à coloração com hematoxicilina-eosina e levado à análise imuno-histoquímica. O diagnóstico histopatológico foi de adenocarcinoma metastático, com provável origem em ovário. A neoplasia, que comprometia desde a hipoderme até o terço superior da derme, era representada por pequenos maciços celulares e por estruturas papilíferas com células pseudoestratificadas, de núcleos vesiculosos e pleomórficos, com nucléolos proeminentes e ocasionais mitoses, às quais associavam-se numerosos focos de calcificação freqüentemente de padrão psamomatoso (Figura 2A, 2B). A avaliação imuno-histoquímica foi realizada utilizando-se a técnica de avidina-biotina-peroxidase com anticorpos monoclonais dirigidos ao CA-125 e ao CEA22. A imunorreatividade para o CA-125 foi observada predominantemente na região apical e na superfície luminal das membranas celulares que compõem as projeções papilares (Figura 2C). Não houve imunorreatividade para o CEA.
A paciente veio a falecer cerca de 12 horas após a admissão e o diagnóstico de adenocarcinoma ovariano metastático foi retrospectivo, após ter sido liberado o laudo da análise imuno-histoquímica do nódulo umbilical.
Discussão
O nódulo da "Irmã Maria José" sugere a existência de neoplasia intra-abdominal disseminada1-5,23,24. Este nódulo é achado raro ao exame físico e pode ser o primeiro sinal de neoplasia intra-abdominal avançada e geralmente não mais passível de ressecção. A observação do nódulo da "Irmã Maria José" deve ser considerada indicador de neoplasia intra-abdominal cuja origem pode ser principalmente o trato gastrointestinal (52%) ou ginecológico (28%). Em 40% dos casos o nódulo pode significar recidiva de neoplasias previamente ressecadas25. Os tumores que mais comumente cursam com este tipo de metástase cutânea são: ovário na mulher e estômago e cólon no homem1,4,5.
Ainda que possamos encontrar corpos psamomatosos na análise histopatológica de outros carcinomas papilares como, carcinoma papilar da tireóide e no carcinoma papilar de células renais, o adenocarcinoma de ovário foi sugerido como sendo a origem da metástase umbilical devido aos achados nos métodos de imagem com a observação de psamomas relacionados a projeções papilíferas na histologia. Corpos psamomatosos são freqüentemente encontrados no carcinoma de ovário seroso e caracterizam este tipo de tumor26, ocorrendo em intensidade variada tanto nos tumores limítrofes quanto nos francamente malignos27.
A hipótese de adenocarcinoma de ovário metastático foi reforçada pela positividade do anticorpo anti-CA-125, verificada à imuno-histoquímica, nas células neoplásicas. A presença deste antígeno pode ser observada em 90% dos pacientes com adenocarcinoma de ovário, principalmente naqueles do tipo seroso20,28,29. Neste tipo de tumor ovariano existe importante correlação entre a positividade do teste imuno-histoquímico e os níveis séricos elevados de CA-12530, que não conseguimos determinar em virtude do óbito ter ocorrido precocemente.
No caso relatado, o nódulo cutâneo umbilical metastático ("Nódulo da Irmã Maria José") e a positividade do anti-CA-125 no teste imuno-histoquímico, juntamente com os métodos de imagem (ultra-sonografia e tomografia computadorizada) nos possibilitou, ainda que retrospectivamente, fazer o diagnóstico de adenocarcinoma de ovário metastático.
Enfatizamos a necessidade da avaliação criteriosa e cuidadosa de qualquer lesão umbilical e a sua correlação com o diagnóstico histopatológico. No caso de malignidade, o uso de técnicas de imuno-histoquímica pode auxiliar na definição da origem do sítio primário da neoplasia.
Agradecimentos
Ivana Höfke e Antonia Mesquita pela assistência na técnica de imuno-histoquímica.
Recebido em: 8/1/2003
Aceito com modificações em: 2/6/2003
- 1. Shetty MR. Metastatic tumors of the umbilicus: a review 1830-1989. J Surg Oncol 1990; 45:212-5.
- 2. Bailey H. Semiologia quirúrgica. 13a ed. Barcelona: Toray; 1963. p.376-7.
- 3. Schneider V, Smyczek B. Sister Mary Joseph's nodule: diagnosis of umbilical metastases by fine needle aspiration. Acta Cytol 1990; 34:555-8.
- 4. Requena Caballero L, Vazquez Lopez F, Requena Caballero C, et al. Metastatic umbilical cancer : Sister Mary Joseph's nodule: report of two cases. J Dermatol Surg Oncol 1988; 14:664-7.
- 5. Samitz MH. Umbilical metastasis from carcinoma of the stomach. Sister Joseph's nodule. Arch Dermatol 1975; 111:1478-9.
- 6. Zeligman I, Schwilm A. Umbilical metastasis from carcinoma of the colon. Arch Dermatol 1974; 110:911-2.
- 7. Chatterjee SN, Bauer HM. Umbilical metastasis from carcinoma of the pancreas. Arch Dermatol 1980; 116:954-5.
- 8. Kort R, Fazaa B, Zermani R, Letawe C, Kamoun MR, Pierard GE. Sister Mary Joseph's nodule and inaugural cutaneous metastases of gastrointestinal carcinomas. Acta Clin Belg 1995; 50:25-7.
- 9. Falchi M, Cecchini G, Derchi LE. Umbilical metastasis as first sign of cecal carcinoma in a cirrhotic patient (sister Mary Joseph nodule). Report of a case. Radiol Med (Torino) 1999; 98:94-6.
- 10. Barnes J, Patel V, Lee M. Adenocarcinoma of the colon presenting with a Sister Mary Joseph's nodule and Trousseau's syndrome. Cutis 1995; 56:270-2.
- 11. Khan AJ, Cook B. Metastatic carcinoma of umbilicus: Sister Mary Joseph's nodule. Cutis 1997; 60:297-8.
- 12. Powell FC, Cooper AJ, Massa MC, Goellner JR, Su WP. Leiomyosarcoma of the small intestine mestastatic to the umbilicus. Arch Dermatol 1984; 120:402-3.
- 13. Heatley MK, Toner PG. Sister Mary Joseph's nodule: a study of the incidence of biopsied umbilical secondary tumors in a defined population. Br J Surg 1989; 76:728-9.
- 14. Patel KS, Watkins RM. Recurrent endometrial adenocarcinoma presenting as an umbilical metastasis (Sister Mary Joseph's nodule). Br J Clin Pract 1992; 46:69-70.
- 15. Edozien LC, Obed JY, Williams GA, Ladipo OA. Squamous carcinoma of the cervix metastatic to the umbilicus. A case report. Eur J Gynaecol Oncol 1994; 15:152-3.
- 16. Chen P, Middlebrook MR, Goldman SM, Sandler CM. Sister Mary Joseph's nodule from metastatic renal cell carcinoma. J Comput Assist Tomogr 1998; 22:756-7.
- 17. Chagpar A, Carter JW. Lymphoma presenting as a Sister Mary Joseph's nodule. Am Surg 1998; 64:799-800.
- 18. Dornier C, Reichert-Penetrat S, Barbaud A, Kaise W, Schmutz JL. Lymphoma presenting as Sister Mary Joseph's nodule. Ann Dermatol Venereol 2000; 127:732-4.
- 19. de la Cruz Mera A, Vargas-Castrillon J, de Agustin P, Perez-Barrios A. Fine needle aspiration biopsy diagnosis of Sister Mary Joseph's nodule 13 years after mastectomy. Acta Cytol 1991; 35:790.
- 20. Brody HJ, Stallings WP, Fine RM, Someren A. Carcinoid in an umbilical nodule. Arch Dermatol 1978; 114:570-2.
- 21. Fleming MV, Oertel YC. Eight cases of Sister Mary Joseph's nodule diagnosed by fine-needle aspiration. Diagn Cytopathol 1993; 9:32-6.
- 22. Hsu SM, Raine L, Fanger H. The use of antiavidin antibody and avidin-biotin-peroxidase complex in immunoperoxidase technics. Am J Clin Pathol 1981; 75:816-21.
- 23. Touraud JP, Lentz N, Dutronc Y, Mercier E, Sagot P, Lambert D. Umbilical cutaneous metastasis (or Sister Mary Joseph's nodule) disclosing ovarian adenocarcinoma. Gynecol Obstet Fertil 2000; 28:719-21.
- 24. Amaro R, Goldstein JA, Cely CM, Rogers AI. Pseudo Sister Mary Joseph's nodule. Am J Gastroenterol 1999; 94:1949-50.
- 25. Giner Galvan V. Sister Mary Joseph's nodule: its clinical significance and management. An Med Interna 1999; 16:365-70.
- 26. Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins pathologic basis of disease. 6th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1999. p.260-327.
- 27. Sternberg S. Diagnostic surgical pathology. 2nd ed. New York: Raven Press; 1994. p.73-4.
- 28. van Niekerk CC, Boermann OC, Ramaekers FC, Poels LG. Marker profile of different phases in the transition of normal human ovarian epithelium to ovarian carcinomas. Am J Pathol 1991; 138:455-63.
- 29. Nolan LP, Heatley MK. The value of immunocystochemistry in distinguishing between clear cell carcinoma of the kidney and ovary. Int J Gynecol Pathol 2001; 20:155-9.
- 30. Leake J, Woolas RP, Daniel J, Oram DH, Brown CL. Immunocytochemical and serological expression of CA 125: A clinicopathological study of 40 malignant ovarian epithelial tumours. Histopathology 1994; 24:57-64.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Out 2003 -
Data do Fascículo
Jul 2003
Histórico
-
Aceito
02 Jun 2003 -
Recebido
08 Jan 2003